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Proc. nº 376/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Setembro de 2015
Descritores:
-Prova
-Reapreciação da prova
-Acidente de viação
-Perda de salários
-Incapacidade parcial permanente

SUMÁRIO:

I. A soberania da prova cabe à 1ª instância e só em casos de erro evidente ou de deturpação das regras sobre as provas pode o tribunal “ad quem” voltar a ela, sob pena de se transformar o tribunal de recurso em outra instância de julgamento de facto.
À segunda instância somente cabe proceder ao julgamento da decisão de facto para corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, e dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.

II. Tendo a sentença condenatória relegado para execução de sentença o apuramento dos danos concernentes à perda de salários futuros após um determinado termo a quo e até à obtenção de capacidade para trabalhar, e vindo a obter-se já no âmbito da execução de sentença que a vítima do acidente de viação ficou com uma incapacidade parcial permanente de 20%, se o dano da incapacidade a se não foi tido em conta na acção declarativa, nem peticionado autonomamente na execução, não poderá ser considerado na sentença de execução que procede à liquidação.

III. A indemnização a atribuir nesse caso reportar-se-á somente à perda dos salários até aos 65 anos de idade, considerando, levando, porém, em linha de conta a redução de 20% na capacidade de trabalho reflectida na perda de ganho.










Proc. nº 376/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A COMPANHIA DE A, S.A.R.L., executada no Processo de Execução nº CV3-04-0008-CAO-B, instaurada por B, deduziu embargos à execução.
Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou improcedentes os embargos e, liquidando o valor da quantia exequenda, fixou-a em Mop$ 160.520,00.
*
Contra essa sentença vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo exequente/embargado, o qual concluiu desta maneira as suas alegações:
«A - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, pela qual o Tribunal a quo, na parte relativa à liquidação da execução, fixou o montante de MOP$163.520,00 como o quantitativo a pagar pela Executada, ora Recorrida, ao ora Recorrente, a título de lucros cessantes liquidados após 40 meses (a partir de 20 de Junho de 2005 até perfazer 65 anos).
B - Mal andou a sentença recorrida em ter iniciado o cômputo da indemnização a título de lucros cessantes a partir de Junho de 2005, devendo, pelo contrário, ter iniciado tal cálculo a partir de Janeiro de 2005.
C - Tal como resulta dos factos assentes: “a executada pagou ao exequente, a título de lucros cessantes, metade dos salários mensais no valor de MOP$6,000.00 desde a data do acidente, ou seja até 20 de Janeiro de 2005 (40 meses) (alínea b) dos factos assentes).
D - Pelo que, em coerência com os factos dados como assentes - cfr. al. b - o período de liquidação deverá iniciar-se a partir de 20 de Janeiro de 2005 (40 meses após o acidente), data a partir da qual a Executada nada mais pagou a título de lucros cessantes, e não a partir de Junho de 2005 (data de encerramento do julgamento em 1ª instância).
E - Sem prejuízo da análise da consideração exposta, de referir que são essencialmente 3 (três) as razões que motivam o presente recurso:
1) O facto de o Tribunal a quo ter dado como não provado que o Embargado até hoje ainda não obteve capacidade para trabalhar, bem como o de ter fixado a incapacidade permanente do Recorrente em 20%, para daí tirar todas as consequências para efeitos de percentagem de cálculo da indemnização;
2) O facto do Tribunal a quo ter considerado que o salário do Exequente e ora Recorrente fora fixado pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.01.2007, razão pela qual já transitara em julgado;
3) Por último, o facto do Tribunal a quo se ter limitado a fazer um cálculo aritmético no que diz respeito à fixação da indemnização por danos futuros, sem atender à real situação do Recorrente e, portanto, sem recurso à equidade.
F - Nos termos do art. 599.º, n.º 1, al. a) do CP.C, o Recorrente considera incorrectamente julgados o quesito 5.º, bem como os quesitos 6.º, 7.º, 8.º e 12.º (aditado na sessão de julgamento que teve lugar em 06.06.2014) da base instrutória.
G - Quanto ao quesito 5.º, perante o que foi referido unanimemente por todas as testemunhas ouvidas nos presentes autos, incluindo os peritos médicos, bem como a fundamentação do Acórdão com resposta à matéria de facto, no qual o Tribunal a quo concluiu que... “a capacidade funcional de trabalho do embargado fica definitivamente diminuída, sendo sequela das lesões sofridas.”, entende o Recorrente que o Tribunal a quo só podia ter dado o Quesito 5.º como PROVADO.
H - Os elementos de prova e menção das transcrições da prova gravada que impõem decisão diversa da recorrida - art. 599.º, n.º 1, als. b) e n.º 2 do C.P.C., constam das declarações de C, D e declarações de E, ouvidos na sessão de julgamento de 12.03.2014, cujos depoimentos se encontram acima transcritos.
I - Quanto aos quesitos 6.º, 7.º, 8.º e 12.º - entende o Recorrente que o Tribunal a quo, nos termos que resultam do art. 512.º do C.P.C, para resposta ao referidos quesitos, não se deveria ter bastado com o relatório pericial de fls. 302 e 303 dos autos, sobretudo tendo em consideração que, para elaboração desse relatório, os médicos cingiram-se à aplicação e consideração do que dispõe o Decreto-Lei n.º 40/95/M (aplicável aos acidentes laborais e não aos acidentes de viação como no caso em apreço) e tendo em conta que no mesmo se conclui que: “Devido à situação actual, não será possível determinar o grau de incapacidade de trabalho da pessoa examinada.”
J - Acresce que o Dr. F, médico que acompanha a situação clínica do Recorrente há mais de 10 anos, elaborou um atestado em 28.10.2013 em que atribui incapacidade funcional ao Recorrente de 60%.
K - Ouvidos os médicos, nas sessões de 19.03.2014 e de 06.06.2014, nenhum afirmou que o Recorrente tivesse capacidade para trabalhar ou tão pouco soube defender porque a incapacidade parcial permanente se situa apenas em 20%.
L - Pelo exposto, perante a prova produzida em audiência e acima referida, bem como dos documentos juntos aos autos, o Tribunal a quo só podia ter dado o quesito 5.º como PROVADO e, em resposta aos quesitos 6.º, 7.º 8.º e 12.º dado como provado que o Embargado padece hoje de incapacidade parcial permanente superior a 20%, fazendo uma interpretação actualizada da situação do mesmo, nos termos impostos pelo art. 566.º 1 do C.P.C, requerendo, assim, o Recorrente a V. Ex.ªs que seja determinada a alteração dos referidos pontos da matéria de facto em conformidade.
M - Acresce que, tal como acima enunciado, entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo em considerar que o salário do Recorrente como trabalhador da construção/decoração já fora fixado pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no âmbito dos presentes autos em 11.01.2007.
N - Analisado tal Acórdão nada resulta no sentido de que assim seja e, pelo contrário, resulta que o Tribunal de Segunda Instância foi chamado a apreciar a questão do valor do salário do ora Recorrente, tendo então decidido fixar o montante de MOP$6.000,00 para o período anterior à liquidação, considerando que: “...quando o acidente ocorreu em Setembro de 2001 e o encerramento da discussão na primeira instância foi em Junho de 2005 (fls. 275), afigura-se manifestamente deflacionado o montante fixado pelo Mmo. Juiz Presidente (MOP$4.000,00), que é de alterar e, atendendo à natureza da profissão do autor e o recente desenvolvimento da Região, considera-se ser adequado o montante de MOP$6.000,00”
O - Ou seja, o montante do salário do Embargado e ora Recorrente foi ali fixado em MOP$6.000,00 com base no critério da equidade tendo presente o período de Setembro de 2001 (data do acidente) a Junho de 2005 (data do encerramento da discussão em primeira instância) e provavelmente também tendo presente as circunstâncias em vigor na Região em Janeiro de 2007 (a data da prolação do Acórdão na Segunda Instância).
P - No referido Acórdão, nada se refere quanto à fixação para o futuro do valor do salário do Recorrente.
Q - Com efeito, mau grado em virtude do acidente o Embargado/Recorrente tenha perdido capacidades para o trabalho, a verdade é que, não fosse esse facto, o Recorrente também tinha legítimas expectativas de que o seu salário fosse sendo correspondentemente aumentado ao longo dos anos.
R - O Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância foi claro ao: “relegar para a execução da sentença os danos pela perda dos salários sofridos e a sofrer após estes 40 meses, até à obtenção da capacidade para trabalhar...”, sem especificar o montante desses salários, ao contrário do que havia feito quanto aos lucros cessantes relativos aos referidos 40 meses.
S - Se o valor de MOP$6.000,00 foi fixado tendo em conta o período de 2001-2005 atento o critério da equidade, no entender do Recorrente não faz sentido que esse valor, fixado em tais circunstâncias, possa ter sido fixado para o futuro e, assim, considerado transitado em julgado.
T - Assim, para efeitos de fixação da indemnização ao Recorrente, entende o mesmo que o Tribunal a quo deveria ter tirado as necessárias consequências da prova dos quesitos 3.º e 4º da base instrutória.
S - Atenta a prova dos referidos factos, resulta que no período em referência, enquanto trabalhador da construção/decoração o Recorrente auferiria em média um salário mensal na ordem de MOP$15.339,30 (=MOP$511,31 x 30), pelo que, seguindo o mesmo critério do cálculo aritmético seguido na sentença recorrida, resulta que no período de 20 de Janeiro de 2005 a 08 Março de 2028 (data em que o Embargado e ora Recorrente perfará 65 anos de idade), dever-lhe-ia ser atribuída uma indemnização a título de lucros cessantes no valor de MOP$425.818.96.
T - Com efeito, tendo em conta que o Embargado poderia auferir um rendimento anual de MOP$184.071.60 (MOP$15.339,30 x 12), no período de 23 anos, acrescido de um mês e 18 dias (de 20 de Janeiro de 2005 a 08 Março de 2028), poderia obter um rendimento bruto de MOP$4.258.189,68. Donde, 20% do referido montante, perfaz MOP$851.637,93 e metade desse valor (em virtude da repartição de responsabilidade) perfaz o valor de MOP$425.818,96. O mesmo é dizer: MOP$4.258.189,68 x 10% = MOP$425.818,96.
U - Pelo exposto, atenta a prova dos quesitos 3.º e 4.º da base instrutória, seguindo o mesmo critério de cálculo da indemnização utilizado na sentença recorrida, ao Embargado ora Recorrente sempre seria devida indemnização por lucros cessantes no valor de MOP$425.818,96.
V - Por último, entende o Recorrente que Tribunal a quo ao calcular a indemnização tendo por base um mero cálculo aritmético - no caso, aplicando a percentagem de 20% que atribuiu de incapacidade parcial permanente ao Recorrente, com dedução de metade (ou seja, 10%), em virtude da repartição da responsabilidade pelos danos causados - não teve em devida consideração a real situação de incapacidade do Recorrente, nem fez aplicação do disposto no art. 560.º do Código Civil e, particularmente, no vem estatuído no n.º 6 de tal normativo.
X - Com efeito, da sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo absolutizou a percentagem de 20% de incapacidade parcial permanente, como se Recorrente tivesse ficado com 80% de capacidade para o trabalho, quando é falso que assim seja e isso mesmo resulta da resposta à matéria de facto, em cujo Acórdão o Tribunal a quo considerou que: “No caso concreto, a perda de capacidade permanente de 20% determina o embargado a impossibilidade de fazer os trabalhos de decoração, de pintura de parede e, em geral, os que precisam de empenho de força. Daí se retira que a capacidade funcional de trabalho do embargado fica definitivamente diminuída, sendo sequela das lesões sofridas.”
W - Do confronto do referido segmento da fundamentação da resposta à matéria de facto com a resposta aos quesitos 1.º e 2.º da base instrutória, então logo se retira que o Embargado e ora Recorrente nunca mais pôde, nem nunca mais poderá, exercer a profissão e funções que anteriormente exercia.
Y -Acresce que o Tribunal a quo, na fixação da indemnização, devia ter tido em consideração que o Recorrente nasceu no dia 08.03.1963, razão pela qual à data do acidente (20.09.2001) tinha 38 anos; em 2005 (data determinada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instancia) tinha 42 anos e que presentemente tem 51 anos, facto que impedirá ou dificultará enormemente que o Recorrente possa encontrar um novo trabalho no futuro.
Z - Acresce que, a par das restrições físicas do Recorrente devidamente reportadas e documentadas nos autos, o Recorrente tem também limitações intelectuais e que, tendo em conta o seu percurso de vida, verifica-se que o mesmo não tem aptidão, nem habilitações académicas, para exercer outro tipo de trabalho para além daquele que exercia e no qual adquiriu a sua experiência profissional.
AA - A propósito do arbitramento de indemnizações por danos futuros, a jurisprudência vem decidindo no sentido de que “…arbitramento das indemnizações por danos futuros em função de perdas cessantes nunca é possível uma comprovação exacta e seguríssima dessas perdas”, sendo necessário o recurso à equidade. (Veja-se Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância de 01.04.2004 no âmbito do processo n.º 304/2003, bem como, exemplificativamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.04.2008, bem como os Acórdãos STJ nos processos n.º 861/04 e n.º 3926/03).
BB - Pelas razões expostas, entende o Recorrente que o Tribunal a quo ao ter procedido ao cálculo da indemnização por danos futuros com base num critério meramente aritmético - aplicação da percentagem de 10% de incapacidade (20%: 2) ao rendimento bruto que apurou, desconsiderou a real situação de incapacidade do Recorrente e não em consideração o disposto no art. 560.º, n.º 6 do Código Civil.
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá o recurso interposto ser declarado totalmente procedente e, em consequência, ordenada a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que condene a Embargante a proceder ao pagamento de indemnização pelos danos futuros, nomeadamente tendo em conta as considerações expostas no presente recurso.
Decidindo assim farão Vossas Excelências JUSTIÇA!».
*
A embargante respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias.
«1ª
As considerações formuladas pelo Recorrente não podem colher pelas razões expostas.

A reapreciação da matéria de facto configura um meio excepcional que só é susceptível de alteração quando haja elementos cuja análise da prova possa sugerir respostas diferentes das que foram dadas, o que não é o caso dos presentes autos visto que a matéria de facto foi amplamente discutida e devidamente provada, havendo que respeitar a validade, a regularidade e a legalidade do decorrer da audiência de julgamento, bem como a apreciação feita dos factos.

Foram realizadas duas perícias médicas colegiais, que devidamente conjugadas permitem dissipar quaisquer dúvidas sobre a capacidade do Recorrente para o trabalho, sendo inquestionável que o Tribunal a quo considerou relevante o último relatório resultante da segunda perícia colegial de fls. 303 e, bem assim, os depoimentos dos médicos prestados em sede de julgamento que confirmaram a existência de 20% IPP.

A prova testemunhal que o Recorrente alega para fazer uma interpretação diferente dos factos não é suficiente para demonstrar que os quesitos 5º, 6º, 8º e 12º foram incorrectamente julgados.

As testemunhas não demonstraram estar tecnicamente capacitadas para provar o contrário do conteúdo do documento pericial que contém juízos de valor técnicos e especializados, existe nos autos prova em demasia para crer que a decisão é inatacável, sendo certo que o depoimento das testemunhas do Recorrente cede perante opinião especializada e técnica dos médicos, cede também perante documentos oficiais emitidos por entidades públicas que foram juntos aos autos e não foram impugnados da sua veracidade, e cede perante o testemunho da própria mulher quando reconhece que o Recorrente desloca-se de motociclo transportando pessoas e vai regularmente ao mercado carregando pesos.

Não se mostra possível uma reescrita dos factos com base no vício que o Recorrente invoca, a decisão do Tribunal a quo não assentou em qualquer erro ou incorrecta apreciação dos factos, considerou todos os elementos de prova e não existe qualquer elemento fornecido pelo processo que pudesse impor decisão diversa susceptível de ser destruída.

A lei consagra o princípio da livre apreciação da prova e não como não verificam os pressupostos previstos no artigo 629ºdo C.P.C. também não se mostra possível uma reescrita dos factos em causa.

O Tribunal a quo tomou em consideração todas as provas levadas ao processo, daí que tenha chegado à legítima conclusão que não ficou provado que em resultado do acidente o Recorrente sofreu lesões que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial superior a 20%.

Ficou provado que o Recorrente desde Junho de 2005 sofre de uma incapacidade permanente de 20% o que significa que desde Junho de 2005 está apto para trabalhar.
10ª
O Tribunal de Segunda Instância fixou o montante de MOP$6.000,00 como o salário de base para efeitos de cálculo dos danos futuros, ficando definido a partir deste momento o salário para tal efeito.
11ª
A fixação da indemnização é regulada pela percentagem de incapacidade para o trabalho, portanto é legítimo considerar a perda de capacidade do Recorrente para o trabalho de 20% como o prejuízo resultante do acidente e a Embargante responsável pela perda de salários proporcionada a essa parte da incapacidade.
12ª
Tendo o acidente gerado uma incapacidade permanente parcial para o trabalho a consequência é a compensação pela perda de capacidade aquisitiva e de produtividade ser perspetivada e estimada com base na taxa de 20% fixada no relatório médico pericial, e sendo estes os prejuízos do Recorrente resultantes do acidente deve manter-se o montante indemnizatório fixado no acórdão sentença recorrida.
13ª
A discussão nos presentes autos centra-se na questão da incapacidade permanente parcial e no momento em que o Recorrente obteve capacidade para trabalhar, devendo manter-se inalterado tudo o que foi decidido porque a perícia médica colegial nunca identificou que o Recorrente estivesse absolutamente incapacitado de exercer a actividade profissional.
14ª
O Recorrente “apesar de restringido em 20% na capacidade de trabalho, isso não indica que está totalmente impossibilitado de exercer qualquer profissão fisicamente menos exigível”.
15ª
O critério usado para determinar a indemnização está correcto e na fixação do montante indemnizatório, que é uma renda periódica correspondente ao período até que perfizer 65 anos, não se ignora que vivemos uma época de taxa de inflação baixa e juros bancários muito baixos, não se vislumbrando que se altere no curto e médio prazo, sendo o montante de indemnização justo e proporcional em face dos factos ocorridos.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, fazendo assim V. Exas. justiça.».
*
Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte matéria de facto:
«Da Matéria de Facto Assente:
- Por acórdão transitado em julgado proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos principais de que estes são apenso, a ora embargante foi condenada a pagar ao embargado uma indemnização, a fixar em sede de execução de sentença, pela perda dos salários após os 40 meses a que respeitam os lucros cessantes já liquidados até à obtenção por parte deste da capacidade para trabalhar, com dedução de metade por força da repartição das responsabilidades na produção do acidente. (alínea a) dos factos assentes)
- A executada pagou ao exequente, a título de lucros cessantes, metade dos salários mensais no valor de MOP$6,000.00 desde a data do acidente, ou seja 20 de Setembro de 2001, até 20 de Janeiro de 2005 (40 meses). (alínea b) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- O embargado era, na data do acidente, um trabalhador da construção. (resposta ao quesito 1 º da base instrutória)
- O embargado era empregado de decoração. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- O salário médio diário de um trabalhador da construção entre Janeiro de 2005 e Maio de 2009 foi de MOP$511.31 por dia. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Em média, um trabalhador da construção trabalha 30 dias por mês. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Desde Janeiro de 2005, o embargado padece de incapacidade parcial permanente com o grau de 20%. (resposta ao quesito 6º, 7º, 8º e 12º da base instrutória)
- O embargado guia motociclos, transportando pessoas. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- O embargado desloca-se ao mercado, carregando pesos, nomeadamente sacos com compras. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- A embargante foi interpelada para efectuar o pagamento da quantia respeitante aos lucros cessantes para além dos 40 meses a que se alude na alínea a). (resposta ao quesito 11º da base instrutória)».
***
III – O Direito
1 - Os antecedentes do recurso
1.1 - Recordando os antecedentes do recurso, a matéria a considerar é a seguinte:
B, na acção ordinária nº CV3-04-0008-C que correu termos no TJB, viu ser proferida sentença de condenação da Companhia de A, SARL no pagamento a seu favor da quantia de Mop$ 192.776,20, na sequência de um acidente de viação de que foi vítima.
Em recurso para o TSI, este tribunal proferiu acórdão de 11/01/2007 (Proc. nº 89/2006), em que:
- Além de confirmar a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a indemnização pelos danos de lucros cessantes, pelo período de 40 meses após o acidente, mediante o salário mensal de MOP$6.000,00, com a dedução da metade em virtude de repartição da responsabilidade pelos danos causados; ainda ---
- Decidiu relegar para execução da sentença o pagamento pelos danos respeitantes à perda dos salários (sofridos e a sofrer) após o referido período de 40 meses, até à obtenção da capacidade para trabalhar, também com a dedução da metade em virtude de repartição da responsabilidade pelos danos causados.
1.2 - Com base naquele acórdão do TSI, o autor daquela acção moveu execução com vista à aludida liquidação, cujo valor computou em Mop$ 498.821,80.
Embargou então a Companhia de Seguros, com fundamento na verificação do facto extintivo da obrigação exequenda e impugnando o conteúdo da liquidação.
*
1.3 - No âmbito da execução teve lugar uma perícia.
*
1.4 - A seu tempo foi proferida sentença, a qual:
- Considerou que o período a ter em conta na liquidação – aquele que se contaria após o período de 40 meses referido na sentença exequenda – se iniciaria em Junho de 2005 e não em Janeiro de 2005;
- Assentou que o exequente sofre de uma incapacidade parcial permanente de 20%;
- Relevou a perda de rendimento salarial, em função daquela incapacidade, até aos 65 anos de idade do exequente;
- Teve em conta o valor remuneratório de Mop$ 6.000,00 mensal.
*
2 - Do recurso
O exequente impugna aquela decisão, com base nos seguintes fundamentos:
- Deve ser alterada a matéria de facto aos artigos 5º e 6º, 7º, 8º e 12º da BI;
- Deve ser considerada a data de Janeiro de 2005 e não Junho desse ano como o termo “a quo” para a fixação da indemnização;
- Não pode ser considerado valor de Mop$ 6.000,00 mensais para a liquidação da indemnização;
- O critério da indemnização não pode ser feito na base de um simples cálculo aritmético.
*
3 - Apreciando
3.1 - Da matéria de facto
No quesito 5º perguntava-se: “O embargado até hoje não obteve capacidade para trabalhar ?”
A resposta foi “Não provado”.
Acha o recorrente que a resposta só podia ter sido a inversa ” Provado”.
Para assim concluir, o recorrente reproduz excertos do depoimento de algumas testemunhas (Mulher, irmão e ex-patrão do exequente).
Ora bem. Começando por este último, é notório que o depoimento do anterior empregador é curto e pouco incisivo. Disse apenas que o recorrente não trabalha e que isso se deveria, segundo lho afirmara o próprio, ao facto de sentir dores na cintura.
Trata-se, portanto, de um depoimento indirecto, que não revela senão aquilo que o recorrente lhe transmitiu.
.
Quanto ao depoimento do irmão do recorrente, o que ele pôde dizer é que por vezes é chamado de noite para ir fazer “pressão” [massagens?] sobre a zona da cintura do recorrente, devido às dores que ele sente. É desse facto que ele retira que o irmão não tem capacidade para o trabalho.
.
Em relação à esposa do recorrente, confirma a alusão à necessidade de massagens e à dificuldade que o marido tem de estar muito tempo de pé ou sentado. Diz ainda que não voltou a trabalhar devido à sensação de dormência e perda de força nas pernas e joelho. Acha que o marido não tem capacidade para trabalhar.
*
3.1.1 - Ora, são depoimentos que o tribunal valorou segundo a sua livre convicção. A fundamentação invocada centrou-se na análise dos relatórios médicos e das perícias. Ateve-se ao valor científico que extraiu desses documentos e concluiu que deles resulta uma diminuição na capacidade de trabalho, mas não uma completa impossibilidade de trabalho.
Efectivamente, os relatórios médicos, designadamente o de fls. 159 dos autos (fls. 2 do apenso “traduções”), revelam que o “ofendido” pode dedicar-se a trabalho físico (“corporal”) desde que não implique esforço!
Por outro lado, o de fls. 303 (fls. 9-11 do apenso “traduções”) aponta em sentido semelhante, embora ali mais desenvolvido, com esclarecimentos importantes do ponto de vista científico e da minúcia empregada. Resulta dele que existe uma deformação em virtude da fractura da 12ª vértebra torácica e de uma protusão do disco intervertebral lombar, o que o incapacita em certa de 20% para o trabalho.
Por conseguinte, os elementos constantes dos autos levam, precisamente, a confirmar essa análise. Ou seja, não está demonstrado que o exequente/recorrente nunca mais pôde trabalhar; está, sim, provado, que não mais pôde exercer a actividade anterior e que ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente.
Neste sentido, e como mais adiante concluiremos, não vemos razão para alterar a resposta dada pelo colectivo julgador da 1ª instância a este artigo da base instrutória.
*
3.1.2 - A impugnação da matéria de facto efectuada pelo recorrente prosseguiu depois para os artigos 6º, 7º, 8º e 12º da Base instrutória.
E prosseguiu em bloco, por ter sido essa também a forma de a todos eles o colectivo ter respondido.
Perguntava-se ali:
No art. 6º: “Desde 20 de Janeiro de 2005 o embargado está em condições de trabalhar?”
No art. 7º: “Desde Junho de 2005 o embargado está em condições para trabalhar?”
No art. 8º: “O embargado é uma pessoa saudável, realizando todas as tarefas diárias sem qualquer restrição física ou psíquica proveniente do acidente de viação a que se reportam os autos principais?”
No art. 12º: “É atribuída ao embargado a incapacidade parcial permanente de 60%?”
A todos estes artigos da base instrutória foi respondido apenas o seguinte:
“Provado que desde Janeiro de 2005 o embargado padece de incapacidade parcial permanente com o grau de 20%”
Entende o recorrente que para a resposta a estes artigos da BI não podia o tribunal ter-se bastado com o relatório pericial de fls. 302-303, mas antes deveria fundar-se no relatório junto em audiência de discussão, elaborado por um médico Dr. F, segundo o qual a incapacidade seria de 60%.
Ora, foi até por ter sido junto este documento que o tribunal aditou um novo quesito (12º) – cfr. acta de fls. 318-319 -, a fim de que essa matéria pudesse ser objecto de prova específica e concreta.
Todavia, esse artigo não foi dado por provado, na medida em que, como se disse, o tribunal acolheu, face a todos os outros relatórios médicos e periciais, a prova do facto de que a incapacidade seria de apenas 20%, já que a maleita não impediria o recorrente de fazer trabalhos não pesados, e que apenas o impossibilitaria de realizar tarefas que obrigassem a esforço.
Sobre o assunto, não podemos senão reiterar o que acima expusemos. O tribunal “ a quo”, no exercício do seu “munus” de julgar, no quadro da imediação que pôde colher do depoimento directo das testemunhas, da valoração das declarações por elas prestadas, face ao ambiente de proximidade familiar e laboral em que estas intervieram, tendo em conta o plano da valia técnica e científica dos peritos (três), que de uma maneira assertiva fixaram em 20% a percentagem da incapacidade, efectuou a avaliação final e, de acordo com a sua livre convicção, acolheu como melhor prova aquela que acabou por reflectir expressamente na resposta acima transcrita a todos os artigos referidos da BI.
Sendo assim, a invocação do art. 512º do CPC, se não é despropositada, também não contribui para o remédio, na medida em que face às perícias realizadas, o tribunal seguiu o resultado que melhor pareceu ajustado de acordo com a sua livre convicção no quadro da prova holística obtida.
Não temos, portanto, como repreender a convicção obtida a partir de todos os elementos de prova recolhidos!
É preciso não esquecer que a soberania da prova cabe à 1ª instância e que só em casos de erro evidente ou de deturpação das regras sobre as provas pode o tribunal “ad quem” voltar a ela, sob pena de se transformar o tribunal de recurso em outra instância de julgamento de facto. Como se disse em aresto do STJ de 13/01/2015, Proc. nº 219/11 “O julgamento da decisão de facto, se deve ser uma aspiração/direito legalmente consagrado, não pode transformar o tribunal de 2.ª instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal de 1.ª instância, a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes; À segunda instância cabe proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.” (no mesmo sentido, ainda, o Ac. STJ, de 1/07/2014, Proc. nº 1825/09).
Como é sabido, “Qualquer dos factos dados como provados na sentença tem que ser visto e interpretado em conjugação necessária com toda a restante matéria de facto dada por assente” (Ac. TSI, de 5/122/2002, Proc. nº 91/2000),
Ora, “Um pretenso erro de apreciação da prova não se verifica, se os depoimentos das testemunhas em que se procura fundar o erro são apenas um dos elementos e esses testemunhos não deixam de ser infirmados por outras testemunhas e elementos probatórios” (Ac. TSI, de 8/02/2007, Proc. nº 522/2006)
Assim, embora se diga que “O princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc.”, a verdade é que”…, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser consumada.” (Ac. TSI, de 8/05/2014, Proc. nº 562/2013).
É esta mesma ideia que está patente na afirmação de que “O princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita que o Tribunal de recurso censure a relevância e credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu” (Ac. TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).
Por nossa parte, somos a concordar com a avaliação da matéria de facto, tal como a fez o tribunal “a quo”, que assim não merece qualquer censura.
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3.2 - Do mérito da sentença
3.2.1 - Insurge-se, em primeiro lugar, o recorrente contra o facto de a sentença recorrida ter apurado a data de Junho de 2005 como sendo o termo “a quo” a partir do qual relevaria a consideração dos lucros cessantes. Para si, diferentemente, deveria ser Janeiro de 2005.
Vejamos.
O acidente ocorreu no dia 20 de Setembro de 2001. Os 40 meses que a sentença da 1ª instância considerou para o cômputo da indemnização que logo liquidou foram, obviamente, aqueles que decorreram desde o dia do acidente. A circunstância de ter dito “…da data da ocorrência do acidente até cá, o Autor deixou de trabalhar cerca de 40 meses…” não podia, obviamente, estar-se a referir-se à data da sentença (11/07/2005), porque então o período decorrido seria de 46 meses. A discrepância deve-se, seguramente, a um lapso de escrita.
É claro que o acórdão do TSI, de 11/01/2007, a certa altura, ao referir-se ao termo daqueles 40 meses, disse o seguinte: “Cremos que o referido futuro se referiu à data do encerramento da discussão de julgamento na 1ª instância (Junho de 2005)”. Mas, como é evidente, não foi uma afirmação que estava assumir como sua, nem foi peremptória no sentido da afirmação de que a data a considerar era a de Junho de 2005, mas somente uma mera opinião, um juízo opinativo (disse: “Cremos que …”). Se a 2ª instância tivesse feito bem as contas, veria que os 40 meses que decorreram desde a data do acidente nunca poderiam terminar em Junho de 2005, mas em 20 de Janeiro de 2005. Mas, como se disse, o TSI não se preocupou, nem tinha que o fazer, sobre o momento a partir do qual haveria motivo para a liquidação em execução de sentença. Limitou-se a dizer que esta teria em conta a perda de salários após os 40 meses até à obtenção da capacidade de trabalhar.
Aliás, como resulta da alínea b) dos factos assentes destes autos, a executada pagou metade dos “lucros cessantes” até 20 de Janeiro de 2005 (40 meses), o que está em conformidade com a sentença lavrada na 1ª instância em 11/07/2005. O que significa que a liquidação terá que levar em conta o período posterior a 20 de Janeiro de 2005 e não posterior a 20 de Junho de 2005.
Nesta parte, é, pois, de proceder o recurso.
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3.3 - A seguir, o recorrente revolta-se contra o valor salarial mensal que a sentença fixou para a atribuição da indemnização. A sentença partiu do valor mensal de Mop$ 6.000,00, ao passo que o recorrente se bate por um valor diferente.
Realmente, se olharmos com atenção o acórdão do TSI, de 11/01/2007, o que resulta do seu segmento decisório é que a condenação na parte referente aos aludidos 40 meses se fundou no valor mensal salarial de 6.000,00 (ver fls. 463).
Mas, não afirmou o mesmo em relação ao período posterior. Quanto a este, limitou-se a “Relegar para a execução da sentença os danos pela perda dos salários sofridos e a sofrer após estes 40 meses, até à obtenção da capacidade para trabalhar…” (loc. cit.).
Resulta, pois, com suficiente clareza que esta condenação no que viesse a liquidar-se em execução de sentença tinha uma dupla função:
- Por um lado, uma função temporal: determinar que o período a relevar deveria ser aquele que se seguisse ao termo dos 40 meses decorridos até 20/01/2005;
- Por outro lado, uma função substantiva: determinar que o salário mensal a considerar haveria de ser aquele que posteriormente a esse período viesse a ser obtido.
Aliás, se assim não fosse, não haveria necessidade, sequer, de o juiz do processo da execução, com vista à avaliação real dos danos e à liquidação da indemnização, ter inscrito na BI a matéria dos arts. 1º a 4º, e em que no 3º se perguntava se o salário médio diário do trabalhador da construção entre Janeiro de 2005 e Maio de 2009 era de Mop$ 511,31, o que mereceu resposta afirmativa. Já o propósito do juiz, no âmbito da prova a efectuar, era evidente: apurar o valor salarial mensal a partir de Janeiro de 2005 em diante, de forma a poder alcançar os indispensáveis dados que permitissem ao tribunal, oportunamente, fixar a indemnização a arbitrar.
Claro que na ocasião, o tribunal apenas fez aquela pergunta (quesito 3º) por corresponder exactamente ao período a que o recorrente reportava os danos a liquidar na sua petição executiva (só mais tarde é que alargou o pedido, como vimos).
E qual é, agora, o período posterior que deve ser tido em conta?
Ora bem. Se em 20/01/2005 o recorrente tinha 42 anos, 3 meses e 12 dias de vida, até perfazer a partir de então os 65 anos, faltam 22 anos, 8 meses e 18 dias. É todo este período que vai, portanto, desde a data do acidente até ao momento em que perfará 65 anos de idade.
Mas, sendo assim, não faz sentido liquidar para o período posterior a 20 de Janeiro de 2005 a indemnização baseada num salário (Mop$ 6.000,00) que foi tido em conta para todo o período anterior desde a data do acidente até 20/01/2005. Isso, sim, atentaria contra o acórdão condenatório dado à execução.
Mas, por outro lado, também do mesmo modo não temos valores seguros para o período posterior. No entanto, achamos que o valor de Mop$ 511,31 é razoável, já que à medida que a idade do recorrente fosse avançando também a sua capacidade de trabalho iria diminuir, o que reflexamente se repercutiria no seu rendimento laboral e, concomitantemente, no valor do seu salário, que até podia diminuir. Da mesma maneira, até se tem que aventar a hipótese de o próprio recorrente poder vir a ficar desempregado.
Daí que achemos sensato, equitativo e equilibrado operar com aquele valor médio de Mop$ 511.31 por mês, o que cumpre o disposto nos arts. 556º, 557º, 558º e 560º, nºs 5 e 6, do CC.
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3.4 - Entende o recorrente, por último, que a sentença andou mal no cálculo do valor indemnizatório ao tomar em consideração a percentagem de 20% de incapacidade, aplicando-a como factor de redução do valor salarial mensal futuro.
É que, segundo diz, a sentença não teve em conta a idade do recorrente, nem as suas condições de aptidão e habilitação académica que o impossibilitarão de iniciar uma nova actividade diferente da que exercia até ao acidente.
Todavia, não podemos esquecer que o recorrente não perdeu a sua total capacidade de trabalho. Pode prolongar a sua vida activa noutra actividade que não implique esforços violentos, ou até, quem sabe, na mesma área profissional, porventura em serviços que não lhe demandem tanto esforço físico. Aliás, como resulta das declarações da mulher em audiência, o recorrente continua a conduzir veículos motorizados, transportando pessoas, indo ao mercado e carregando sacos de compras, sendo ainda certo, de acordo com o documento das Finanças (doc. de fls. 168 dos autos, referido pelas contra-alegações: art. 11º) que ele obteve rendimentos entre 2002 e 2006.
A redução de 20% que a sentença recorrida empreendeu no cálculo, mostra-se assim ajustada.
Aliás, a indemnização que o recorrente aqui peticiona (em liquidação) apenas se centra na perda de ganho futuro, ou seja, a ausência do rendimento futuro consistente na perda de salários. Ora se essa é a pretensão, e uma vez que ele não ficou incapacitado totalmente para o trabalho, é preciso efectuar a redução que é apropriada à incapacidade ou com ela consentânea. É que se assim não fosse, então ele iria ser indemnizado por perdas salariais totais, que, de antemão, este tribunal agora sabe que não perderá, uma vez que pode continuar a sua vida laboral activa, embora com redução da aptidão e capacidade. Isso, sim, até traduziria um enriquecimento.
O que o recorrente poderia sustentar – mas não o fez – é que a própria perda de capacidade de ganho deveria ser indemnizada à parte, autonomamente, enquanto perda actual, enquanto prejuízo já sofrido, já existente, enquanto, enfim, dano emergente (neste sentido, e sobre a diferença entre dano emergente e lucro cessante, dominada pela questão da incapacidade permanente parcial, ver o Ac. do TUI, de 25/04/2007, Proc. nº 20/2007).
Ora, o que foi decidido no processo declaratório – e veio a ser posto em execução – foi a perda de salários, portanto a perda do ganho, não foi a indemnização pela incapacidade. E nem mesmo quando ela veio a ser apurada pela perícia e levou o recorrente a pedir a ampliação do pedido, nem assim este formulou na altura um pedido líquido referente essa questão da incapacidade, geradora de indemnização autónoma.
Ora, como está provado que o recorrente não podia ter perdido totalmente os seus salários (uma vez que manteve uma capacidade para o trabalho de 80%) então já o método de cálculo utilizado pela 1ª instância se mostra plausível.
Diferente seria se estivesse em causa uma peticionada indemnização a título de incapacidade a se, pois então, não faria sentido que a esse título se utilizasse o mesmo critério, devendo seguir-se outro (sobre o assunto, também, Ac. TSI, de 5/02/2015, Proc. nº 618/2014).
Só que, como estamos em sede de execução, não pode obter-se por via dela mais do que foi decidido no processo de condenação.
Sendo assim, o apuramento da indemnização tem que conter-se no plano dos danos futuros (perda de salários), para o que o método de cálculo efectuado na 1ª instância se mostra correcto, exceptuando – e esse é o sucesso obtido no presente recurso – o caso do valor salarial a ter em conta na aplicação da fórmula.
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Em suma, o valor atendível para efeito indemnizatório só pode ser este:
Mop$ 511,31 x 30 = Mop$ 15.330,00 (valor mensal médio).
15.330,00 x 272 meses = 4.169.760,00
4.169.760,00 + (511.31x18 dias) = 4.176.963,58
4.176.963,58 x 20% = 853.392,71
853.392,71:2 = 417.696,35
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso.
Em consequência, revoga-se a sentença na parte afectada e se liquida em Mop$ 417.696,35 o valor a pagar pela recorrida (embargante/executada) ao recorrente (embargado/exequente) a título de danos futuros (lucros cessantes) pela perda de salários entre 20/01/2005 e 8/03/2028.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
TSI, 10 de Setembro de 2015
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong




376/2015 31