Processo nº 586/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Setembro de 2015
ASSUNTO:
- Responsabilidade solidária
SUMÁRIO:
- A responsabilidade emergente dum contrato promessa de compra e venda da quota social tem a natureza solidária ao abrigo do artº 567º do C. Comercial, nos termos do qual “nas obrigações nascidas do exercício de uma empresa os co-obrigados respondem solidariamente, salvo convenção em contrário”.
- Assim, na falta de forma expressa quanto à natureza da responsabilidade dos réus condenados, a condenação em causa deve ser interpretada como solidária, face à natureza das obrigações que a originou.
O Relator,
Processo nº 586/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Setembro de 2015
Recorrente: A (Embargado/Exequente)
Recorrido: B (Embargante/2º Executado)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 06/01/2015, foram julgados parcialmente procedentes os embargos deduzidos pelo 2º Executado B, e, em consequência, foi determinado que a obrigação exequenda da sua responsabilidade era somente HKD$300,000.00, acrescidos dos respectivos juros condenados na Sentença condenatória.
Dessa decisão vem recorrer o Exequente A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 18 e seguintes que julgou procedentes os embargos deduzidos pelo Executado B determinando que "a obrigação exequenda da responsabilidade" deste "é somente HKD$300.000,00 acrescidos dos respectivos juros condenados na Sentença condenatória" .
2. A razão de tal procedência reside no facto de o Tribunal a quo considerar não resultar da sentença que constitui o título executivo, "nomeadamente da sua fundamentação de facto e de direito", nem do contrato-promessa cujo incumprimento gerou a obrigação exequenda, que a "dívida em causa é solidária por causa da lei ou pela vontade das partes" sendo que, atento o disposto no artigo 506.° do Código Civil (CC), a solidariedade passiva (como a activa), como regime supostamente excepcional, só existe, precisamente, quando resulte da lei ou da vontade das partes.
3. Pelo que, a sentença recorrida conclui que se está perante a situação prevista na alínea a) do artigo 697.° do CPC onde, além da inexequibilidade, se prevê a inexistência de título como fundamento de oposição à execução baseada em sentença "na medida em que a execução solidária dos executados excede a cobertura do título executivo".
4. Posto isto, importa referir que numa execução baseada em sentença sendo o "título executivo - causa de pedir na acção executiva" "a parte vinculativa da sentença, ou seja, a decisória, e não o que pode constar dos fundamentos da sentença", para se possa concluir pela inexistência do título numa acção executiva para pagamento de quantia certa é necessário que o pagamento coercivo do montante aí requerido não se encontre previsto na sentença de condenação.
5. No caso em apreço na parte vinculativa da sentença que constitui o título executivo foi decidido "Condenar o 1.º Réu (...) e o 2.º Réu (...) [ora Executados] a devolver ao Autor (...) a importância de HKD$1.500.000,00 (...), à qual acrescerão os juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento" .
6. Resulta, então, muito claramente do texto acima transcrito que a obrigação de pagamento em que os Executados foram condenados ficou sujeita ao regime da solidariedade passiva ou seja que ambos ficaram obrigados perante o Exequente a responder integralmente pelo pagamento da aludida indemnização.
7. Com efeito, a parte dispositiva da sentença que constitui o título executivo não estabelece (ou sequer fazer referência) qualquer divisão ou parcelamento da prestação debitória, (o preço) ou seja ao não faz qualquer destrinça quanto à parte desta que caberia a cada um dos Réus/Executados nessa obrigação, condenando ao invés ambos os Executados no pagamento de uma única e determinada quantia o que significa que ambos os Executados respondem solidariamente perante o Exequente pela totalidade do crédito exequendo.
8. Assim, tendo o pedido exequendo - "prossecução até final dos ulteriores termos da presente execução, em que o Exequente reclama dos Executados o pagamento de uma quantia total de MOP$2.691.258,49 [a quantia em patacas equivalente ao montante de HKD$1.500.000,00 acrescido dos juros que se venceram até à data da entrada do requerimento executivo em juízo] acrescida dos juros vincendos (...)" - limitado-se a reflectir ipsis verbis a referida condenação, o mesmo está em harmonia com o respectivo título não havendo fundamento para a procedência dos embargos ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 697.º do CPC, não se encontrando, como tal reunidos os pressupostos para o exercício pelo Tribunal a quo da faculdade prevista no artigo 703.º do mesmo diploma legal.
9. Por outro lado, o Tribunal a quo não tinha legitimidade para apreciar a questão da solidariedade passiva, nos termos em que o fez, concluindo pela não sujeição da obrigação exequenda a tal regime uma vez que esta matéria está abrangida pelo caso julgado material.
10. Efectivamente, a condenação dos Réus/Executados no pagamento da quantia exequenda, sem que a parte vinculativa da sentença tenha feito qualquer destrinça quanto ao montante ou parte do débito pelo qual os Réus/Executados ficariam responsáveis, representou o corolário do pedido formulado pelo Autor ora Recorrente na alínea e) da petição inicial da acção principal onde, precisamente, requereu a condenação dos Executados naqueles termos, o que significa que tal condenação respeitou escrupulosamente os limites impostos pelo artigo 564.º do CPC.
11. Por outro lado, tal pedido foi suportado com os factos alegados nos artigos 63.º e seguintes da petição inicial nos quais o Recorrente muito claramente alegou ter direito a receber solidariamente dos Executados a totalidade da quantia em apreço (vide artigos 68.º e 69.º da petição inicial).
12. A decisão condenatória que constitui o título executivo resultou - da qual indubitavelmente decorre que ambos os Executados estão solidariamente obrigados a pagar ao Exequente a quantia exequenda - pois da apreciação jurídico-legal que as instãncias que julgaram a acção principal fizeram da matéria de facto aí considerada assente esgotando-se o poder jurisdicional no que a esta matéria, e a todas as outras aí apreciadas, concerne.
13. Efectivamente, saber se o cumprimento do contrato-promessa em apreço ficou sujeito ao regime da solidariedade ou se tal regime ficou expressa ou tacitamente previsto é algo que, por um lado, implica averiguar a intenção das partes (matéria de facto) e, por outro, depende da interpretação do negócio jurídico (matéria de direito), tarefa que foi desempenhada pelas instâncias competentes para o julgamento da acção principal e que se encontra plasmada na decisão transitada em julgado que constitui o título executivo.
14. Nunca assistiria, pois, ao Tribunal de execução, o Tribunal a quo, qualquer poder de fiscalização em relação à decisão (transitada em julgado) proferida pelas instâncias judiciais na acção principal, nomeadamente no sentido de escrutinar a aplicação que tais instâncias fizeram dos critérios interpretativos fixados na leí no que respeíta ao regime das obrigações emergentes do contrato-promessa de cessão de quotas cujo incumprimento pelos Réus/Executados gerou a obrigação exequenda a seu cargo.
15. Ora, limitando a sentença executiva não só o âmbito quantitativo do pedido (não sendo admissível pedir em quantídade superior àquela em que se foi condenado), como também todas as questões que poderiam ser suscitadas quanto aos sujeitos passivos da obrigação exequenda e ao respectivo conteúdo, a obrigação dos Executados em pagarem solidariamente ao ora Recorrente o montante exequendo tem, em virtude do disposto no n.º 1 do artigo 576.° do CPC, força de caso julgado material nos precisos termos em que em que tal prestação foi julgada na sentença que constitui o título executivo.
16. Com efeito, sendo "o título executivo uma sentença transitada em julgado é inteiramente deslocado admitir que no processo de embargos à execução se venha discutir a legalidade ou ilegalidade da coligação passiva quando a decisão está coberta pela forca do caso julgado que a tornou título executivo definitivo".
17. Consequentemente, ao concluir que a obrigação de indemnização que resulta do título executivo não está sujeita ao regime da solidariedade a sentença recorrida viola ostensivamente os artigos 564.° e 576.° do CPC.
18. Finalmente, ainda que se entendesse que da sentença exequenda não resulta clara a submissão da obrigação exequenda ao regime da solidariedade passiva ou que tal regime não se encontra abrangido pelo caso julgado material nos termos acima expostos - hipóteses que apenas por dever de patrocínio se aventa - o resultado não poderia ser outro que não o de considerar que tal obrigação é indubitavelmente uma obrigação solidária.
19. Efectivamente, é essa a conclusão a retirar, ao fazer-se uma interpretação da sentença exequenda de acordo com as regras de aplicáveis aos negócios jurídicos (vide artigo 228.° do CC).
20. Em primeiro lugar, há que atentar que os declarantes desse acto jurídico (a sentença) são juízes de direito pelo que é simplesmente inconcebível que entendendo sujeitar a obrigação de indemnização em que os Executados foram condenados ao regime das obrigações conjuntas os mesmos não tenham, quer na fundamentação das decisões que proferiram, quer nas respectivas partes vinculativas, feito qualquer menção a esse regime ou estipulado concretamente a parte da prestação debitória que caberia responder por cada um dos Réus.
21. Por outro lado, o texto de tal decisão é tão claro que não dá azo a outras interpretações que não a de se considerar estar-se perante uma condenação solidária.
22. Acresce que, o referido elemento literal encontra suporte pleno na fundamentação da sentença e, mormente, na matéria de facto assente que fornece um conjunto de elementos - a sujeição da cessão das quotas a uma mesma condição, a obrigação da sua cessão ser feita em simultâneo, a estipulação de um preço global para a mesma e o objectivo/condição subjacente ao negócio - que permitem concluir pela sujeição da obrigação exequenda ao regime da solidariedade passiva, nomeadamente por vontade das partes.
23. Por último, importa salientar a circunstância de a sujeição da obrigação exequenda ao regime da solidariedade passiva ser aquela que se encontra de acordo e, como tal, é desejada pela lei.
24. Com efeito, ao contrário do que defende o Meritíssimo Juiz a quo, o artigo 506.° do CC não tem aqui qualquer aplicação pois consistindo o contrato prometido num contrato de cessão de quotas de uma sociedade comercial o mesmo tem natureza comercial e está, como tal, sujeito ao regime da solidariedade entre devedores por força do artigo 567.° do Código Comercial.
25. A sentença recorrida fez, pois, uma errada interpretação e aplicação dos artigos 506.° do CC, 703.° do CPC, tendo violado os artigos 564.°, 576.°, 697.° também do CPC e deve, por isso, ser revogada e substituída por oura que declare improcedentes os embargos deduzidos pelo Executado B e ordene a prossecução da execução nos termos formulados no requerimento inicial.
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O 2º Executado respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 47 a 54v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão do mérito da causa:
- Por sentença do Juízo Cível do TJB, de 23/09/2008, proferida no processo nº CV2-05-0055-CAO, julgou-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência, determinou-se:
- condenar o 1º Réu C e o 2º Réu B a devolver ao Autor A a importância de HKD$1,500,000.00, à qual acrescerão os juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
- declarar-se assim resolvido o contrato-promessa celebrado entre o Autor e o 1º Réu e o 2º Réu em 28/01/2003.
- julgar-se improcedentes os demais pedidos do Autor.
- devolver ao Autor A a caução por ele despositada.
- Na referida acção, foi considerada como assente e provada a seguinte matéria de facto:
- Em 28 de Janeiro de 2003, em Macau, os 1º e 2º Réus e o Autor assinaram um documento designado por “contrato-promessa de cessão e quotas” (alínea A da Especificação).
- Mediante tal acordo o 1º Réu prometeu ceder ao Autor, e este prometeu adquirir-lhe, a quota com o valor nominal de MOP$40,000.00 que o primeiro detém na sociedade comercial por quotas “Companhia de Investimento Predial D, Limitada”, com sede na Rua XX, nº XX, Rés-do-chão “XX”, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob 7XX3, a fls. 64v, do Livro C18 (alínea B da Especificação).
- Mediante o mesmo acordo o 2º Réu prometeu ceder ao Autor, e este prometeu adquirir-lhe, a quota com o valor nominal de MOP$10,000.00 que aquele detém na mesma sociedade (alínea C da Especificação).
- Os 1º e 2º Réus e o Autor acordaram no preço conjunto de HKD$2,500,000.00 para a cessão das duas quotas (alínea D da Especificação).
- Ficou ainda acordado que o contrato definitivo de cessão de quotas seria celebrado no prazo de três meses, contado da data em que os 1º e 2º Réus entregassem ao Autor documentos comprovativos de que não existia penhora ou apreensão das quotas sociais e dos terrenos sitos na Povoação de XX, Ilha de Coloane, com a área total de 6,001.4m2, e titulados por “E” (alínea E da Especificação).
- Na data da referida em A), os 1º e 2º Réus receberam do Autor a quantia de HKD$750,000.00 a título de sinal (alínea F da Especificação).
- Em 11 de Abril de 2005, o 1º Réu, por si, e o 2º Réu, no acto representado por F, outorgaram com o 3º Réu, um acordo de cessão de quotas (alínea G da Especificação).
- Mediante o qual o 1º Réu declarou ceder ao 3º Réu, que declarou adquirir, a sua quota na sociedade referida em B), com o valor nominal de MOP$40,000.00 (alínea H da Especificação).
- Os 1º e 3º Réus declararam nesse acordo que a cessão de quota era feita pelo preço já recebido de MOP$32,000,000.00 (alínea I da Especificação).
- No mesmo acordo, o 2º Réu, no acto representado pelo F, declarou ceder ao 3º Réu, quer declarou adquirir, a sua quota na mesma sociedade, com o valor nominal de MOP$10,000.00 (alínea J da Especificação).
- Os 2º e 3º Réus declararam nesse acordo que a cessão de quota era feita pelo preço já recebido de MOP$8,000,000.00 (alínea K da Especificação).
- Em 11 de Abril de 2005, os Réus levaram a registo na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis os referidos acordos de cessão de quotas, através das apresentações nº AP.36/11042005 e AP.37/11042005 (alínea L da Especificação).
- Os quais estão definitivamente registados nessa mediante as inscrições nº AP.36/11042005 e AP.37/11042005 (alínea M da Especificação).
- Os 1º e 2º Réus mantiveram-se como gerentes do grupo A da sociedade referida em B) (alínea N da Especificação).
- A sede social da sociedade manteve-se no escritório do 2º Réu (alínea O da Especificação).
- Conforme os estatutos da sociedade, esta goza de direito de preferência em caso de transmissão das quotas (alínea P da Especificação).
- Em 1 de Abril de 200S, o 1º Réu delegou todos os poderes de gerência que detinha na sociedade no 3º Réu (alínea Q da Especificação).
- O 3º Réu não recorreu ao crédito bancário para se financiar e poder dispor dessa importância (resposta ao quesito 12º)
- Os 1º e 2º Réus não comunicaram nem ao outro sócio nem à sociedade as condições essenciais das cessões de quotas previamente ao acordo referido em G) dos factos assentes (resposta ao quesito 13º).
- Nunca o 3º Réu abordou o outro sócio da sociedade para saber da situação patrimonial e financeira da sociedade (resposta ao quesito 14º).
- Nem para se inteirar dos negócios e eventuais projectos da sociedade (resposta ao quesito 15º)
- Nem convocou para esse efeito qualquer assembleia-geral da sociedade (resposta ao quesito 16º).
- Faltou e não se fez representar na assembleia-geral da sociedade convocada para 26 de Agosto de 2005 (resposta ao quesito 17º).
- O Autor mantém interesse em celebrar com os 1º e 2º Réus o contrato de cessão das quotas (resposta ao quesito 18º).
- Não houve qualquer apreensão das quotas da sociedade (resposta ao quesito 19º).
- O 3º Réu deu conhecimento à sociedade e ao gerente do grupo B que havia adquirido as quotas dos 1º Réu e 2º Réu (cfr. fls. 138) (resposta ao quesito 24º).
- Nunca antes disso o Autor requereu a execução específica do acordo referido em B) dos factos assentes (resposta ao quesito 25º).
- Em 11 de Abril de 2005, o 1º Réu entregou o instrumento através do qual conferiu os poderes referidos em Q) dos factos assentes ao 3º Réu (resposta ao quesito 26º).
- A cessão a que se refere o acordo referido em B) dos factos assentes diz respeito não só às quotas dos 1º e 2º Réus mas também a todos os direitos dos terrenos referidos em E) dos factos assentes (resposta ao quesito 27º).
- Desde 9 de Janeiro de 2003, vigorava uma penhora sobre os direitos de aquisição desses terrenos, decretada no âmbito do processo executivo CEO-011-01-1, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, que mais tarde foi classificado com o nº CV1-01-0014-CEO (resposta ao quesito 28º).
- Era esta penhora que o Autor e os 1º e 2º Réus tinham em mente quando consagraram a necessidade de se resolverem as penhores ou apreensão dos terrenos antes de se iniciar o prazo de três meses referido em E) dos factos assentes (resposta ao quesito 29º).
- Os Réus sabem e sabiam disso (resposta ao quesito 30º).
- Por sentença de 4 de Abril de 2006, transitada em julgado, proferida no âmbito de uma acção de embargos de terceiro que correu termos por apenso ao processo executivo acima referido, o Tribunal Judicial de Base decidiu pelo levantamento da penhora decretada sobre os direitos de aquisição dos terrenos referidos em E) dos Factos Assentes (cfr. fls. 161 a 169) (resposta ao quesito 31º).
- Por acórdão do TSI, de 13/02/2014, proferido nos autos de recurso nº 77/2009, confirmou-se a sentença supra.
- Em 31/03/2014, foi requerida a execução sumária da referida sentença condenatória que correu por apenso (Apenso A) ao Proc nº CV2-05-0055-CAO.
- Em 10/09/2014, o 2º Executado B deduziu embargos à execução, nos termos constantes a fls. 2 a 4 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Por sentença de 06/01/2015, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente os embargos deduzidos, e, em consequência, determinou que a obrigação exequenda da responsabilidade do 2º Executado era somente HKD$300,000.00, acrescidos dos respectivos juros condenados na Sentença condenatória.
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III – Fundamentação:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“Nos termos do disposto no art. 429° n.º 1° al. b), ex vi do art. 700° n.º 2°, ambos do CPC, como o estado do processo permite a apreciação das questões levantadas pelo embargante, visto que está em causa apenas questões de direito, conhece-se imediatamente do mérito da causa.
Suscitou o embargante B duas questões: 1) iliquidez da dívida exequente; 2) a não solidariedade passiva da dívida em causa.
Contestando, sustentou o exequente que deverão os embargos deduzidos pelo embargante ser julgado totalmente improcedentes, já no despacho saneador.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, contrariamente ao que defende o embargante, é de nossa convicção que a dívida exequente não é ilíquida, já que resulta claramente do título executivo, que no caso vertente é uma Sentença condenatória, que os réus, ora executados foram condenados a pagar ao exequente uma quantia certa, no valor de HKD$1,500,000.00, à qual acrescerão os juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Deste modo, cai por terra o primeiro fundamento dos embargos.
Já quanto ao segundo fundamento, salvo melhor opinião, tem razão o embargante.
Nos termos do disposto no art. 12° n.º 1º do CPC, a acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites.
Analisando toda a Sentença condenatória em causa, na mesma limitou-se a "condenar o 1º Réu C e o 2° Réu B a devolver ao Autor A a importância de HKD$1,500,000.00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong), à qual acrescerão os juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento."
Como se constata deste título executivo, os Réus não foram condenados solidariamente.
Deste modo, não se pode exceder o âmbito fixado pelo título executivo, dando mais encargos aos executados os quais a Sentença condenatória não condenou.
Em segundo lugar, nos termos do disposto no art. 506° do CC, a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
Ensina Antunes Varela que "os termos em que a disposição está redigida - dizendo que a solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes - mostram claramente que o regime-regra é o das obrigações conjuntas ou parciárias.", e que "não se exige uma declaração expressa de vontade para constituir a solidariedade. Basta que a vontade se manifeste tacitamente nos termos admitidos no artigo 217°. Há fórmulas correntes de estipular a solidariedade, como «todos por um», «um pelo outro» ou «um só por todos.»" (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edi, p. 529.)
No caso vertente, nada resulta da Sentença condenatória, nomeadamente da sua fundamentação de facto e de direito, nem do conteúdo do Contrato Promessa em causa, que a dívida em causa é a solidária por causa da lei ou pela vontade das partes. Repete-se, mais uma vez, que nada foi dito na parte da decisão final da Sentença condenatória que a condenação é solidária.
Em terceiro lugar, conforme os factos provados na Sentença condenatória, verifica-se que "Em 28 de Janeiro de 2003, em Macau, os 1° e 2° Réus e o Autor assinaram um documento designado por 'contrato-promessa de cessão de quotas'."; que "mediante tal acordo o 1° Réu prometeu ceder ao Autor, e este prometeu adquirir-lhe, a quota com o valor nominal de MOP$40,000.00 que o primeiro detém na sociedade comercial por quotas 'Companhia de Investimento Predial D, Limitada', com sede na Rua XX, n.° XX, Rés-do-chão 'XX', registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob 7XX3, a fls. 64v, do Livro C18"; que "mediante o mesmo acordo o 2° Réu prometeu ceder ao Autor, e este prometeu adquirir-lhe, a quota com o valor nominal de MOP$10,000.00 que o aquele detém na mesma sociedade"; que "os 1º e 2° Réus e o Autor acordaram no preço conjunto de HKD$2,500,000.00 para a cessão das duas quotas", e que "na data da referida em A), os 1° e 2° Réus receberam do Autor a quantia de HKD$750,000.00 a título de sinal" (al. A a D, e F da especificação).
O que o 2º Réu (o embargante B) prometeu ceder ao Autor é apenas a sua própria quota com o valor nominal de MOP$10,000.00 que detém na sociedade, e portanto, mau grado os Réus e o Autor acordassem um preço conjunto de HKD$2,500,000.00, o 2º Réu só deve responder pela sua respectiva parte de quota que prometera vender ao autor, já que, como já vimos, nada resulta da lei ou da vontade das partes que a dívida é solidária.
A circunstância em que a Sentença Condenatória condenou o 1º Réu e o 2º Réu a devolver ao Autora importância de HKD$1,500,000.00, sem a menção da natureza solidária dessa obrigação, aponta para a conclusão de que está em causa uma obrigação divisível, nos termos do disposto no art. 527º do CC.
É de julgar procedente os embargos, nos termos do disposto no art. 697º al. a) do CPC, na medida em que a execução solidária dos executados excede a cobertura do título executivo.
Esta questão, não obstante não ter sido detectado oportunamente, também deve ser resolvido neste momento nos termos do disposto no art. 703º do CPC.
Devemos, desta feita, repartir a respectiva obrigação de cada um dos executados, conforme o valor da quota que cada um destes prometeu vender.
Receberam os Réus em conjunto o sinal de HKD$750,000.00, e prometeu o 2º Réu (embargante B) ceder ao Autor é apenas a sua própria quota com o valor nominal de MOP$10,000.00, e 1º Réu prometeu ceder ao Autor a sua própria quota com o valor nominal de MOP$40,000.00.
Assim, deve o 2° Réu (embargante B) assumir 1/5 da condenação de pagamento de HKD$1,500,000.00, e o 1° Réu assumir o restante 4/5.
Pelas razões acima expostas, julgando-se parcialmente procedente, determina-se que a obrigação exequenda da responsabilidade do embargante B é somente HKD$300,000.00, acrescidos dos respectivos juros condenados na Sentença condenatória.
Custas pelo embargado.
Notifique e DN.”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar o entendimento do Tribunal a quo.
É certo que não resulta da sentença que serve como título executivo qualquer condenação solidária expressa.
Mas isto não significa que a responsabilidade dos réus condenados seja necessariamente conjunta ou parciária.
Temos, pois, de interpretar correctamente o alcance da condenação.
Para o efeito, é necessário saber em que contexto se proferiu aquela condenação.
Segundo os factos assentes e provados no Proc. CV2-05-0055-CAO, o Autor daquele processo, ora Exequente nos presentes autos, celebrou com os 1º e 2º Réus, ora 1º e 2º Executados, um contrato de promessa de compra e venda da quota social, nos termos do qual o 1º Réu prometeu vender a sua quota com o valor nominal de MOP$40.000,00 e o 2º Réu prometeu vender a sua com o valor nominal de MOP$10.000,00, com o preço global de HKD$2.500.000,00.
Para o efeito, o Autor daquele processo pagou aos 1º e 2º Réus o sinal no valor de HKD$750.000,00.
Por causa do incumprimento culposo do contrato promessa de compra e venda por parte dos 1º e 2º Réus, os mesmos foram condenados a pagar ao Autor o dobro sinal recebido.
Como se vê, a sentença condenatória que serve como título de execução tem a sua génese na violação do contrato promessa de compra e venda da quota social.
Qual será a natureza deste contrato promessa de compra e venda? Cível ou comercial?
Para nós, sendo o objecto do referido contrato promessa de compra e venda a quota social duma sociedade comercial, o mesmo tem natureza comercial.
Nesta conformidade, a responsabilidade emergente daquele contrato promessa de compra e venda é solidária nos termos do 567º do C. Comercial, nos termos do qual “nas obrigações nascidas do exercício de uma empresa os co-obrigados respondem solidariamente, salvo convenção em contrário”.
No mesmo sentido e a título do estudo do direito comprado, citamos o Ac. do STJ de 16/10/2008, proferido no Proc nº 08A2233, onde se fixou a jurisprudência no sentido de que “um contrato promessa de cessão de quotas de uma sociedade comercial tem natureza comercial. Daí que o regime jurídico das obrigações dele decorrentes seja o regime de solidariedade passiva (artº 100º do C. Comercial), funcionando em reforço do crédito, e não o regime de conjunção (artº 513º do CC)”, por entender que:
“a) a cessão de quotas insere-se nos contratos de compra e venda, sendo por isso objectivamente comercial – arts. 463.º-1 e 100.º § único do C.Comercial;
b) o regime de solidariedade é o que, por via de regra, impera nas relações comerciais quando não tenha sido estipulado outro- art.100.º do C.Comercial;
c) a solidariedade decorre da necessidade de reforçar o crédito, e as condições de cobrabilidade por parte do credor, essencial para vida mercantil;
d) não há razão alguma que, pela razão de ser do contrato promessa, num negócio considerado objectivamente mercantil, se tenha de considerar que as obrigações de restituição e indemnização devam seguir o regime jurídico das obrigações civis, que deixaria desprotegida a outra parte contraente, dado que nas obrigações civis a regra é da conjunção (art. 513.º do C.Civil) quando haja pluralidade de devedores.” (in www.dgsi.pt)
Assim, na falta de forma expressa quanto à natureza da responsabilidade dos réus condenados, a condenação em causa deve ser interpretada como solidária, face à natureza das obrigações que a originou.
Pelo exposto, é de revogar a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos deduzidos.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida; e
- julgar improcedentes os embargos deduzidos pelo 2º Executado.
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Custas pelo 2º Executado em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 24 de Setembro de 2015.
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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586/2015