打印全文
Processo nº 716/2014
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data: 8/Out./2015

   
   Assuntos:
- Revisão de Sentença do Exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar uma sentença homologatória de acordo de divórcio, proferida pelos Tribunais do Interior da China, relativa a um divórcio por mútuo consentimento, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, bem como da respectiva regulação do poder paternal e estabelecimento dos alimentos em relação ao filho do casal, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.

O Relator,


(João Gil de Oliveira)



Processo n.º 716/2014
(Revisão e Confirmação de Decisão do Exterior)

Data : 8/Outubro/2015

Requerente : A

Requerido: B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, natural da China, de nacionalidade chinesa, residente na China, XX省XX市XX區XX2期XX棟XX房, vem nos termos dos arts. 1199º e segs. do CPCM, requer

REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA
PROFERIDA NO EXTERIOR DE MACAU
    Com os fundamentos que se seguem:
    1. Por sentença proferida pelo Tribunal Distrital da República popular da China, da Cidade de Zhuhai, na Província de Guangdong no 21 de Janeiro de 2008, foi decretada a dissolução do casamento entre a requerente e o seu ex-marido B - Doc. 1 a 3.
    2. O dissolvido casamento ocorreu em Macau, em 27 de Outubro de 2003. (Doc. 4).
    3. Estão preenchidos todos os requisitos no art. 1200 do CPCM, mormente quanto a trânsito em julgado - a partir do dia 21 de Janeiro de 2008 -, a competência do Tribunal donde provém a sentença revidenda e a regularidade da citação da requerida.
    4. O Tribunal é o competente e a requerente tem legitimidade processual.
    5. Termos em que deve a sentença identificada ser confirmada, por estar em condições legais de o ser, com todos os efeitos legais advenientes.
    Para tanto requer seja a citado o seu ex-marido, B residente na China XX市XX區XX里XX號單元XX戶, para contestar, querendo, seguindo-se os demais termos até final.

O Requerido, representado pelo MºPº, não contestou.

    Foram colhidos os vistos legais.
    
    
    
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.

    Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
    
    II - FACTOS
    Vêm certificados os factos seguintes:

“ESCRITURA PÚBLICA
Secretaria Notarial de Guangzhou
Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong da República Popular da China
----------
ESCRITURA PÚBLICA

N.º XX da Série "Yue Guang Guang Zhou (2014)"
  Requerente: A, do sexo feminino, nascida em XX de XX de 19XX, titular do Bilhete de Identidade de Macau n.º 1XXXXX1(4), residente actualmente na cidade de XX.
  Interessado: B, do sexo masculino, nascido em XX de XX de 19XX.
  Assunto de Notariado: Divórcio
  Certifico, por este meio, que A e B, se divorciaram por conciliação no Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong da República Popular da China, em 21 de Janeiro de 2008, mediante o Termo de Conciliação Cível n.º XXXX da Série "Xiang Min Yi Chu Zi (2007)".

Secretaria Notarial de Guangzhou da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong da República Popular da China.

  O notário: C (vide o original).
  (Carimbo) - Secretaria Notarial de Guangzhou da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong.
  Aos 22 de Janeiro de 2014.”
  
  ----------
“Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong

  Certificado de Vigência de Divórcio
  
N.º XXXX da Série "Xiang Min Yi Chu Zi (2007)"
  
  Certifico que:
  Em respeito à acção de divórcio intentada pela autora, A, contra o réu B, o Termo de Conciliação Cível n.º XXXX da Série "Xiang Min Yi Chu Zi (2007)", proferida por este Tribunal, entrou em vigor em 21 de Janeiro de 2008.
  
(Carimbo) Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai
  Aos 21 de Janeiro de 2008”
  
  ----------


“Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong

Termo de Conciliação Cível

N.º XXXX da Série "Xiang Min Yi Chu Zi (2007)"
  Autora, A, do sexo feminino, nascida em XX de XX de 19XX, da etnia Han, residente em XX Garden, XX, Bloco XX, Sala XX, Zona de XX, Cidade de Zhuhai, titular do Bilhete de Identidade de Macau n.º 1XXXXX1(4).
  Mandatário: D, advogado do Escritório de Advocacia XX de Guangdong.
  Mandatário: E, advogado do Escritório de Advocacia XX de Guangdong.
  O réu, B, do sexo masculino, nascido em XX de XX de 19XX, da etnia Han, residente na cidade de XX, Distrito de XX, XX, Beco de XX, Bloco XX, XX Andar XX, titular do Bilhete de Identidade n.º 420XXXXXXX719.
  Mandatário: F, advogado do Escritório de Advocacia XX de Guangdong.
  Relativamente à acção de divórcio intentada pela autora A contra o réu B, foi admitido o respectivo processo por este Tribunal, no dia 30 de Novembro de 2007. Foi constituído legalmente o Tribunal Colectivo e procedeu-se à audiência pública de julgamento.
  A autora, A, alegou:
  A autora e o réu conheceram-se em Junho de 2002, seguidamente, ela deu à luz a um filho em 23 de Setembro de 2003, e casaram-se sob o registo em Macau no dia 27 de Outubro do mesmo ano. Posteriormente, o amor conjugal entre a autora e o réu tinha sido abatido por incompatibilidade de génios. Neste sentido, a autora A pediu: 1. dissolução da relação conjugal entre a autora e o réu; 2. o filho legítimo fica a cargo da autora, devendo o réu pagar mensalmente $2500 à autora como pagamento de alimentos a favor do filho legítimo G até aos seus 18 anos de idades.
  
  No decurso de julgamento do presente caso, após a conciliação presidida por este tribunal popular, ambas as partes chegaram voluntariamente o seguinte acordo:
1. A autora, A, e o réu, B, procedem volutariamente ao divórcio, cessa-se a relação matrimonial desde a data da produção de efeitos jurídicos do presente termo de conciliação.
2. O filho legítimo, G, fica a cargo da autora; a pensão alimentícia mensal de RMB$700 fica a cargo do réu, sendo pago anualmente de uma vez, ou seja, o réu deve efectuar anualmente e integralmente o pagamento de alimentos do ano relativo antes de 31 de Janeiro de cada ano, mediante o depósito directo na conta bancária do filho G (Banco de XX, S.A, Sucursal de Gongbei da Cidade de Zhuhai, conta n.º 309XXXXXXXXXX452).
3. O Réu tem direito de visita, podendo ter a convivência com o filho, pela duração de 15 dias, durante época de férias.
4. A taxa de admissão do presente caso fixa-se no valor de RMB$400,00, depois da redução média, regista-se em RMB$200,00, ficando a cargo da autora, A, pela sua própria vontade.
  As partes concordam unanimemente o conteúdo do presente Termo de Conciliação, depois de ter sido assinado ou em impressão digital pelas duas partes, a conciliação produz imediatamente a eficácia jurídica.
  O acordo acima referido está conforme os dispostos da lei, este tribunal homologa o acordo supracitado.
  
Após a verificação o presente documento está conforme o original.

Juiz presidente: Tu Yongguo
Juiz: Cui Jintao
Jurado Popular: Zhao Yufu
21 de Janeiro de 2008
Escrivão: Xie Caixia
(Carimbo: Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai)”
    
    III - FUNDAMENTOS
   
1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong, República Popular da China -, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
   
   - Requisitos formais necessários para a confirmação;
   - Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
   - Compatibilidade com a ordem pública;
   
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
   
   “1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
   
   Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
   
   A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
   
   Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
   
   3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
   
   Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
   
   Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em acção de divórcio intentada pela esposa do ora requerente no Tribunal respectivo da cidade de Zhuhai da Província de Guangdong, proferida em 21 de Janeiro de 2008, cujo conteúdo facilmente se alcança, por ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
   
   4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
   
   “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
   
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
   De qualquer modo, não deixa de se observar que vem certificado que o termo de conciliação lavrado no Tribunal de Zhuhai entrou em vigor no dia 21 de Janeiro de 2008.
   
   5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CPC:

“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
   
   Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e contestado pela outra parte.
   
   6. Da ordem pública.
   Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6
   
   E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
   No caso em apreço, em que se pretende confirmar o acórdão que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre ambos os requerentes, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   
   Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, até por mútuo consenso, tal como acabou por se verificar neste caso, constando-se da documentação que se alegou que o casamento chegou a um ponto em que já não era possível continuar, por desarmonia sentimental e ruptura dos laços conjugais, situação essa que a sentença não deixa de reflectir.

Também em relação ao que mais foi decidido, nomeadamente no que concerne à regulação do poder paternal, bem como aos alimentos ao filho, tudo como do acordo resulta, nada fere as regras de confirmação do Exterior em relação ao ordenamento da RAEM, anotando-se que foi fixada a guarda do filho, a prestação alimentar, o regime de visitas, contactos e convívio entre o progenitor que não ficou com a guarda e o seu filho G.

O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.

   
V - DECISÃO

Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão proferida no processo de divórcio entre a requerente A e o requerido B, decisão judicial essa, proferida pelo Tribunal Popular do Distrito de Xiangzhou da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong, República Popular da China - na acção n.º XXXX da Série “Xiang Min Yi Chu Zi (2007)”, com decisão proferida no dia 21 de Janeiro de 2008 transitada no mesmo dia, que decretou o divórcio dos cônjuges, tudo como consta do certificado de fls. 16 a 20 dos presentes autos.

Custas pela requerente.
   Macau, 8 de Outubro de 2015,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

716/2014 14/14