Processo nº 680/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Sumário n.° CR4-15-0100-PSM, decidiu-se condenar B (B), com os restantes sinais dos autos, como autor de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução; (cfr., fls. 29 a 32-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, pedindo, em síntese, a substituição da pena de 2 meses de prisão por uma pena de multa; (cfr., fls. 42 a 47).
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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso deve ser rejeitado dada a sua manifesta improcedência; (cfr., fls. 64 a 66-v).
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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“É inequívoca a prática da factualidade objectiva integradora do delito imputado – desobediência qualificada, por condução em data de inibição – ilícito que, de resto, o visado confessa.
Também não é posto em causa o passado criminal do recorrente, do qual constam condenações por fuga à responsabilidade (donde terá resultado a inibição de condução em causa) e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tendo, relativamente a estas últimas, usufruído de suspensão de execução das penas aplicadas, cujo não aproveitamento terá, além do mais, determinado o tribunal “a quo” à consideração que a condenação em pena não privativa de liberdade não realizaria, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Cremos, porém, que, quanto ao específico ilícito ora em escrutínio deveria, a bem do estabelecimento do efectivo grau de ilicitude e dolo da conduta delituosa, que cuidar mais apuradamente da veracidade da factualidade que o recorrente apresenta como justificadora, ou, pelo menos, atenuadora da sua conduta.
Isto é, o visado, ao que o próprio aponta, terá referido em tribunal que a condução a que procedeu se terá ficado a dever ao facto de ter recebido pedido de ajuda da sua companheira, grávida, que não se estaria a sentir bem, pedindo para ser assistida por médico, pois corria o risco de abortar e perder o filho de ambos.
Embora tal factualidade, mesmo a ser comprovada, possa não afastar a prática do ilícito (a menos que se possa configuarar como estado de necessidade desculpante), a verdade é que se nos afigura que a mesma, no mínimo, seria passível de deter importância decisiva a nível do estabelecimento do grau de ilicitude e dolo da conduta e, consequentemente, condicionar a concreta pena e sua medida, a aplicar.
Ora, sobre tal matéria, o tribunal “a quo” limita-se a expressar que “O arguido justificou que foi por ter recebido a chamada da sua fiancée que estava grávida, queixando de cansaço depois do trabalho e fraqueza física, com vista a transportá-la, precipitou-se conduzir no período de inibição de condução, mas o Tribunal entende que isto não deixa de ser dolo, o arguido na prática da conduta foi evidente que violou a lei”, ficando-se sem saber com precisão e clareza se tal matéria, ou seja, a justificação apresentada, resultou ou não provada e em que termos.
Sendo certo que, a ter-se por provada (e, obviamente, dependendo dos contornos específicos), tal justificará, em nosso critério, diferente pena ou medida respectiva a aplicar (a urgente necessidade de prestar assistência a uma companheira perante a possibilidade de esta perder, por aborto, o filho de ambos, não é, certamente, em termos normais, questão de somenos), somos, neste passo, a entender que, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, se imporá o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a esta questão específica de apuramento da veracidade da justificação apresentada e respectivos contornos específicos. É o que se entende”; (cfr., fls. 102 a 103).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos com tal elencados na sentença recorrida a fls. 30-v a 31-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido dos presentes autos recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução.
Pede a substituição da pena de 2 meses de prisão que lhe foi aplicada por uma pena de multa.
Alega que violou a inibição de condução – cometendo assim o crime dos autos – dado que “precipitou-se após receber telefonema da sua namorada grávida queixando-se que se estava a sentir mal”.
Da reflexão que nos foi possível efectuar, cremos que correcta se apresenta a solução pelo Ilustre Procurador Adjunto proposta no seu douto Parecer atrás transcrito.
Vejamos.
Aquando da audiência de julgamento alegou o arguido que conduziu, mas numa “reacção a um telefonema” e devido “à gravidez da sua namorada”, assim constando da acta; (cfr., fls. 29-v).
E, por sua vez, sem que conste da “matéria de facto (provada ou não provada)”, (e tão só) em sede de fundamentação, fez o Tribunal a quo uma consideração no sentido de o arguido ter apresentado tal “justificação”, consignando que tal não afastava o seu dolo para efeitos da verificação do crime pelo qual foi condenado; (cfr., fls. 31-v).
Ora, certo sendo que em sede do seu recurso volta o arguido a invocar tal “facto” (para justificar a sua conduta e pedir a pretendida substituição da pena), afigura-se-nos pois que adequado é o reenvio dos autos para novo julgamento na parte em questão.
De facto, tal matéria foi oportunamente, (em sede de julgamento), expressamente alegada, e, como tal, constituía “matéria objecto do processo”, em relação à qual ao Tribunal competia investigar e emitir pronúncia em sede da sua decisão sobre a matéria de facto.
Porém, no caso, assim não sucedeu.
A “observação” consignada em sede de “fundamentação”, sem (qualquer) apoio na decisão da matéria de facto e atentos os termos em que foi feita, não permite aferir se o Tribunal a quo a deu como (efectivamente) provada (ou não provada), afigurando-se-nos ser o caso de uma mera consideração que se teve como irrelevante por não afastar o dolo para efeitos de qualificação da conduta do arguido como a prática do crime que lhe era imputado.
Por sua vez, com o recurso apresentou o arguido documentos quanto ao “estado de saúde” de uma pessoa de nome KWOK POU KUAN, tentando provar o alegado “estado de gravidez da sua namorada”.
Todavia, uma coisa parece certa: para além do demais, não se vê como possa este Tribunal apurar se a pessoa a que os documentos apresentados fazem referência é a namorada que o arguido diz ter, e que no dia da prática dos factos efectuou o telefonema que lhe deram causa ou contribuiram para a sua ocorrência.
Constatada assim uma “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (já que a matéria em questão foi pelo arguido alegada em sede de audiência de julgamento, constituindo assim matéria “objecto do processo” sobre a qual devia o Tribunal emitir expressa pronúncia), sendo a mesma relevante, (nomeadamente), para a decisão do presente recurso, e não podendo este T.S.I. saná-la, outra solução não parece existir que não seja o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, determina-se o reenvio dos autos para novo julgamento quanto à matéria de facto pelo arguido alegada na audiência de julgamento que teve lugar e a que se fez referência, proferindo-se, seguidamente, nova decisão.
Sem tributação.
Macau, aos 24 de Setembro de 2015
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (entendo que o vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP não é de conhecimento oficioso, e que no caso, poderia ser aplicável ao arguido uma pena não privativa de liberdade atenta a “justificação” do arguido referida na fundamentação da sentença).
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