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Processo nº 257/2015
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data: 8/Out./2015

   
   Assuntos:
   
- Revisão de Sentença do exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar uma sentença proferida pelos Tribunais de Hong Kong, relativa a um divórcio por mútuo consentimento, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, desde que transitada, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.
    
    
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 257/2015
(Revisão e Confirmação de Decisão do Exterior)

Data : 8/Outubro/2015

Requerente : A

Requerido: B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, divorciada e residente em 澳門XXX, vem requerer a Revisão da decisão proferida por tribunal do exterior de Macau, que dissolveu o seu casamento com B, divorciado e residente em 香港XXX, nos termos seguintes :

    Por sentença proferida no Processo FCJA2014 n.º XXX da District Court da Região Administrativa Especial de Hong Kong foi dissolvido o casamento civil celebrado entre a ora Requerente e o acima identificadoB, em 14 de Maio de 2004 em Hong Kong.

    A sentença foi tornada final e definitiva em 04 de Agosto de 2014.

    Não há dúvidas quanto à autenticidade do documento de que consta a decisão, cuja pública forma junta, sendo ela inteligível.

    O Tribunal que proferiu a decisão é competente, não se verificando igualmente as outras situações previstas na al. c) do artigo 1200º do Código de Processo Civil.

    Não há lugar à invocação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau.

    Ambas as partes interessadas intervieram regularmente no processo acima referido, tendo sido observados nesse processo os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

    Não contém finalmente a decisão judicial qualquer conteúdo que conduza a um resultado incompatível com a ordem pública.
***
    Estão pois preenchidos os requisitos enumerados no artigo 1200º do Código de Processo Civil pelo que deve ser revista e confirmada a sentença acima referida de molde a poder produzir efeitos na Região Administrativa Especial de Macau.
O Requerido não contestou.

    O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
    
    II - FACTOS
    Vêm certificados os factos seguintes:

“Fórmula 7B
Certidão do Trânsito em Definitivo do Decreto Temporário (acção de divórcio)

Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal do Distrito
Processo de Requerimento Conjunto n.º FCJA165/2014

(B)
E
A


  Segundo o decreto emitido em 14 de Março de 2014 da presente acção, desde que ninguém apresente motivo justificativo de impedimento de trânsito em definitivo do decreto temporário, dentro de seis semanas a contar da data da emissão do decreto temporário, a relação matrimonial entre o 1º primeiro requente B (B) e a 2ª requerente A, cuja cerimónia realizada em 14 de Maio de 2004 no Escritório de Registo de Casamento (CH 8065) no Hong Kong City Hall, ficará dissolvida. Dado que ninguém apresentou estes motivos neste caso, certifica-se que o decreto supracitado transitou em definitivo e absoluto em 4 de Agosto de 2014 e consequentemente, o casamento supracitado foi dissolvido.

Data: 05 de Agosto de 2014
O Registrar
XXX

(Com carimbo aposto: The Seal of the Distraict Court)”
    
IV - FUNDAMENTOS
    
    O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal de Hong Kong, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
    
     1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
     2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
    
    *
    1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
    
    “1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.
    Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
    
    A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
    Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
    Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
    
    Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
    Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida pelo Tribunal de Hong Kong, Região Administrativa Especial da República Popular da China, de 5 de Agosto de 2014, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
    
    Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
    
    “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
    
    Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria aos requerentes a sua invocação, ficando dispensados de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
    
    É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
    
    Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos, antes pelo contrário, até documentalmente se mostram comprovados.
    
    2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do C.P.C.:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
    b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
    
    Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido por ambos os cônjuges, divorciados em Hong Kong que aqui pretendem a confirmação desse divórcio.
    
    3. Da ordem pública.
    Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6 E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
    
    No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre os ali Requerentes, ora requerente e requerido, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
    
    Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo também prevê a dissolução do casamento, seja por via litigiosa, seja por mútuo consenso, seja a pedido de um dos cônjuges, como foi o caso, seja de ambos.
    
    O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
    
    V - DECISÃO
    
    Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão, proferida na acção matrimonial (matrimonial cause) n.FCJA165/2014 pelo Tribunal da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, transitada em 4 de Agosto de 2014, nos seus precisos termos e tal como certificado se mostra nos autos.
    
    Custas pela requerente.
     Macau, 8 de Outubro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
    
    
    
    
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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