Processo nº 491/2015 Data: 11.06.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Registo Criminal.
Não transcrição da decisão condenatória.
(Art. 27.°, n.° 1 do D.L. n.° 27/96/M de 03.06).
SUMÁRIO
1. A não transcrição de uma decisão condenatória no registo criminal depende de 2 requisitos:
- requisito formal: a condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;
- requisito material: das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, (havendo assim aqui que fazer um juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido).
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 491/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (12a) arguida com os restantes sinais dos autos respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada pela prática de 1 crime de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 1400 a 1411-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Na sequência do assim decidido requereu a arguida a não transcrição da sua condenação no seu registo criminal, (cfr., fls. 1510 a 1513), o que veio a ser indeferido; (cfr., fls. 1531 a 1531-v).
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Inconformada com o assim decidido a arguida recorreu.
Motivou para em conclusões afirmar o que segue:
“1.Terminada a sua relação laboral com a Direcção do Serviços de Saúde, a Recorrente tornou-se numa empresária comercial respeitada e de prestígio na comunidade de Macau, onde exerce actividade empresarial na área de farmácia.
2. Como consta da sentença, a Recorrente é farmacêutica e aufere uma remuneração mensal de MOP$100,000.00.
3. No exercício de sua actividade comercial, a Recorrente explora a farmácia X, sita no NAPE e detida pela sua X Sociedade Unipessoal Limitada, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o N…..
4. Em fase adiantada de registo e instalação encontra-se uma nova farmácia também por si detida, designada por Farmácia X (XX) a instalar em Macau, no NAPE.
5. Para o efeito, a Recorrente arrendou uma fracção comercial pagando de renda mensal a quantia de HKD$330,000.00.
6. No entanto, para efeitos de licenciamento administrativo, a Recorrente tem de instruir o pedido com um certificado do registo criminal.
7. E caso o mesmo não esteja limpo é praticamente certo que a administração irá indeferir o seu pedido.
8. Formulado o competente pedido de não transcrição da sentença condenatória no seu registo criminal, o Digno Magistrado do Ministério Público disse nada ter a opor e que a responsabilidade penal da Recorrente resultou de um caso isolado.
9. Os considerandos do Tribunal recorrido para não transcrever a sua condenação no seu registo criminal, não suportam suficientemente a decisão tomada.
10. A Recorrente, confessou o crime espontaneamente e mostrou-se a arrependida, sendo primária e tratando-se de um caso isolado.
11. Os argumentos jurisdicionais que serviram para decretar a suspensão da execução da pena curta de prisão de 9 meses em que a Recorrente foi condenada, mantém-se válidos para a justificação do pedido formulado de não transcrição da sua condenação no seu registo criminal.
12. Se um dos efeitos da pena é a ressocialização, ela pressupõe que o condenado possa manter-se incluído na sociedade, vivendo do seu trabalho ou iniciativa privada empresarial, criando postos de trabalho e contribuindo para a riqueza das pessoas (incluindo trabalhadores e senhorios) e das Finanças Públicas.
13. O ferrete que essa transcrição implicará no seu registo criminal ira afectar definitivamente a sua profissão, personalidade e manchar o seu prestígio na comunidade, constituindo mais uma sanção para uma conduta perante a qual já demonstrou o maior arrependimento e que, de resto, foi já exemplarmente punida.
14. Não se justifica a transcrição da sentença no registo criminal, porquanto não há necessidade de defesa social e o risco para a socialização da Recorrente é superior.
15. A Recorrente considera que a douta decisão recorrida violou o disposto no art. 27°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 27/96/M, de 3 de Junho.
16. No entender da Recorrente a norma violada deveria ter sido interpretada e aplicada segundo as conclusões 1 a 14”; (cfr., fls. 1535 a 1545).
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Após resposta no sentido da procedência do recurso, (cfr., fls. 1551 a 1552), e admitido que foi o mesmo, neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, considerando igualmente que o mesmo merecia provimento; (cfr., fls. 1561).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Veio a arguida dos autos recorrer da decisão que indeferiu o seu pedido de não transcrição no seu registo criminal da decisão que a condenou pela prática de 1 crime de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses.
Em síntese diz que a decisão recorrida viola o art. 27°, n.° 1 do D.L. n.° 27/96/M de 03.06.
Nos termos do invocado art. 27°:
“1. Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º
2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas será observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3. O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente no caso de o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso”.
Aqui chegados, que dizer?
Vejamos.
Não obstante as dúvidas e polémicas que surgem em relação à “natureza do registo criminal”, é comum afirmar-se que o mesmo não tem qualquer intenção repressiva e que com o mesmo se procura concretizar um desejável equilíbrio entre as exigências da defesa da sociedade e da ressocialização dos criminosos; (neste sentido, cfr., v.g., António Manuel de Almeida Costa in, “O Registo Criminal”, Coimbra, 1985, pág. 246 e segs.).
Autores existem, porém, que entendem que afastada estando qualquer intenção repressiva do registo criminal, o mesmo apenas se pode legitimar “com base em considerações de prevenção especial negativa”; (cfr., F. Dias in “Dtº Processual Penal”, Coimbra, 1974, pág. 251 e segs., e o Ac. da Rel. do Porto de 22.10.2014, Proc. n.° 70/98, in www.dgsi.pt).
Também sobre este aspecto se tem considerado que “o registo criminal responde exclusivamente a finalidades preventivas especiais”, e que “através do instituto da não transcrição de uma condenação nos certificados de registo criminal pretende o legislador adequar o regime de acesso por particulares ao registo criminal às situações em que as razões de defesa social sobrelevam os riscos para a socialização do delinquente na divulgação do seu passado, permitindo vedar esse acesso em casos de pouca gravidade e de ausência de perigosidade especial”; (cfr., v.g., o Ac. do T. R. Coimbra de 26.11.2008, P. 492.05, in “www.dgsi.pt”).
Como igualmente se tem entendido, o registo criminal responde exclusivamente a finalidades preventivas especiais, pese embora persistam razões de defesa social a justificar materialmente que pessoas ou entidade particulares, exteriores ao sistema criminal ou administrativo, tenham acesso aos antecedentes criminais dos cidadãos, designadamente para efeito de avaliação de idoneidade para o exercício de profissão ou actividade.
Porém, para que a divulgação desses dados não se converta em anátema impeditivo da desejada reinserção social do condenado, negando, afinal, uma das finalidades principais da intervenção penal sancionatória, importa reduzir a disponibilização dos antecedentes criminais para fins particulares ao mínimo indispensável e avaliar qual o ponto adequado de concordância prática entre, por um lado, o interesse particular defendido no acesso ao registo criminal e, por outro, a preservação e promoção da capacidade de socialização dos delinquentes; (cfr., v.g., F. Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 653 e, no mesmo sentido, o cit. Ac. da Rel. do Porto de 22.10.2014, onde se considerou que “a publicidade em torno dos antecedentes criminais estigmatiza o condenado, sobre ele recai um anátema social e essa circunstância, está bem de ver, influencia negativamente a sua reinserção social. O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se, apenas, em motivos de prevenção especial negativa, baseando-se na eventual «perigosidade» do delinquente, pelo que o acesso a essa informação “envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios”, ou seja, aos princípios da «necessidade», da «proporcionalidade» e da «menor intervenção possível», que superintendem na esfera das medidas de segurança”).
Seja como for, e para a solução do presente recurso, importa (especialmente) atentar na redacção do transcrito preceito legal, (n.° 1), de acordo com o qual, são apenas dois os requisitos de que depende a determinação de não transcrição:
- “requisito formal”: a condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;
- “requisito material”: das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, (havendo assim aqui que fazer um juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido); (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da R. Évora de 20.05.2014, P. 56/06.2 in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, (e ponderando no que se deixou exposto quanto à “natureza” e “fins” do Registo Criminal), cremos que verificados estão ambos os enunciados requisitos.
Com efeito, evidente é que preenchido está o da “pena de prisão até 1 ano”, pois que a arguida ora recorrente foi condenada na pena de 9 meses de prisão.
Por sua vez, ponderando no tipo de crime cometido – o de “falsificação” (de registos relativos ao horário de trabalho) – sendo a recorrente primária antes da condenação em questão, (o que, no caso, tem relevo, por ser pessoa com mais de 40 anos de idade), e tendo confessado, na íntegra e sem reserva, os factos pelos quais estava acusada, afigura-se-nos de concluir que verificado se pode considerar o segundo dos aludidos requisitos – no sentido de inexistir perigo da prática de novos crimes – para que se reconheça mérito à pretensão que deduziu.
Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, à vista está a solução a adoptar.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, e em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se a não transcrição da decisão condenatória proferida nos presentes autos no certificado de registo criminal da arguida (a que se refere o art. 21° do D.L. 27/96/M de 03.06.).
Sem tributação.
Macau, aos 11 de Junho de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 491/2015 Pág. 14
Proc. 491/2015 Pág. 13