Processo nº 763/2015 Data: 24.09.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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Processo nº 763/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau, (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º, n° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 79 a 87 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 89 a 90).
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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso.
Tem o Parecer o teor seguinte:
“Na Motivação do recurso (fls.79 a 87 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violar o disposto no art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.89 a 90 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°l do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, a MMa Juiz a quo refere prudentemente: 卷宗資料證實,被判刑人在獲批准逗留本澳期間,不僅沒有依照命令定期前往治安警察局報到,更為了金錢利益夥同同案被判刑人,在人多聚集之地方對他人進行盜竊行為,導致被害人遭受財產損失。由此可見,被判刑人是有預謀且與同黨經過周詳計劃之情況下實施上述犯罪,反映其行為之不法性及故意程度甚高。被判刑人表示因沈迷賭博輸掉金錢而觸犯法律,凸顯被判刑人之價值觀及人格存在較大偏差,守法意識薄弱。
À nível da prevenção geral, a MMa Juiz indicou ainda com preocupação cristal: 關於刑罰的一般預防,眾所周知,保護私人財產不受他人侵犯是法治社會的一項根本價值,而被判刑人於本澳逗留期間,不僅有跡象顯示實施犯罪,甚至利用獲延長逗留之期間犯罪,從有關犯案情節,足以反映其行為之過錯程度甚高,可以預期社會公眾對於刑罰以阻嚇及讉責侵犯他人財產之不法行為有極高之期望,尤其是非本地居民在本澳逗留期間違反逗留條件,利用本澳作為犯罪地點應受到更嚴厲的讉責。故此,即使被判刑人為初犯,同時在獄中一直行為穩定,對於出獄後亦有具體之生活及工作安排,但本法庭認為現時提早釋放被判刑人,將不利於維護法律秩序及社會安寧,難以達到刑罰對犯罪行為作出的阻嚇作用,通過對普羅大眾宣示法律權威性以表達致預防犯罪之目的。
Ora bem, afigura-se-nos que são equilibradas e sãs as observações e considerações supra transcritas. Daí decorre que não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivos jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à posição da MMa Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não reunir, por ora, os pressupostos consagrados do n.°1 do art.56° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 97 a 98).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 21.09.2013, para cumprimento de uma pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, resultado do cúmulo jurídico de duas penas que lhe foram aplicadas pela prática de 1 crime de “furto qualificado”, e outro de “desobediência”;
– em 20.07.2015, cumpriu dois terços de tal pena, expiando toda a pena em 20.06.2016;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua família, em YUNAN, R.P.C., tencionando voltar a dedicar-se à agricultura.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão os pressupostos do artº 56º, n° 1 do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e ponderando no tempo de reclusão que o ora recorrente já cumpriu, preenchidos estão os ditos “pressupostos formais”.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, no caso, e independentemente do demais, deveras censurável é a conduta do ora recorrente, que comete os crimes após aqui entrar como “turista”, e, especialmente em relação ao crime de “furto qualificado”, após cometer o crime de “desobediência”, não acatando ordem legitima da P.S.P. para que aí comparecesse, “forçando” assim a sua permanência em Macau onde levou a cabo o seu plano de se apropriar ilicitamente de bens alheios.
Nesta conformidade, e como bem salienta o Ilustre Procurador Adjunto, há que referir que fortes são as razões para se dizer que incompatível com a ordem pública e paz social é a libertação antecipada do ora recorrente.
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando (nomeadamente) o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 24 de Setembro de 2015
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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