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Processo nº 471/2015

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-14-0067-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:

  A, de nacionalidade nepalesa, titular do Passaporte do Nepal n.º ..., emitido pela autoridade competente do Nepal, em 20 de Dezembro de 2005, com residência na......, Macau, veio intentar a presente

  Acção de Processo Comum do Trabalho contra

  B - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA - LIMITADA, com sede na......, Macau.
  Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
  a) A quantia de MOP$33,171.00, a título de diferenças salariais, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  b) A quantia de MOP$17,250.00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  c) A quantia de MOP$90,139.00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
  d) A quantia de Mop$45,069.00, por falta de marcação e gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
  e) Em custas e procuradoria condigna.
  Juntou os documentos constantes de fls. 18 a 53.
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  Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 72 a 95 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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  Posteriormente, veio o Autor requerer a redução do pedido ao descanso semanal e à falta de marcação de dia de descanso compensatório para o montante de MOP120,445.00 (MOP80,297.00 e MOP40,148.00, respectivamente) e do pedido ao subsídio de alimentação para o montante de MOP17,020.00.
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  Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
  O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
  O processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
  Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
­ A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
­ Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
­ Entre 01/04/2002 a 18/01/2007, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (alínea C) dos factos assentes)
­ Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea D) dos factos assentes)
­ Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea E) dos factos assentes)
­ O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 03010/IMO/SEF/2001, de 16/10/2001, com efeitos a partir de 18/01/2002 e válido até 05/01/2003 (Cfr. fls.18 a 23, que se junta para os legais efeitos). (alínea F) dos factos assentes)
­ Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 03487/IMO/SEF/2002, de 11/11/2002, com efeitos a partir de 06/01/2003 a 15/01/2004 (Cfr. fls.24 a 30, que se junta para os legais efeitos). (alínea G) dos factos assentes)
­ Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 00113/IMO/SEF/2004, 14/01/2004, com efeitos a partir de 11/02/2004 a 31/01/2005 (Cfr. fls.31 a 36, que se junta para os legais efeitos). (alínea H) dos factos assentes)
­ Posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 a 14/03/2006 (Cfr. fls.37 a 42, que se junta para os legais efeitos). (alínea I) dos factos assentes)
­ E, posteriormente, o Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a 31/03/2007 (Cfr. fls.43 a 49, que se junta para os legais efeitos). (alínea J) dos factos assentes)
­ Os «contratos de prestação de serviço» supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela C Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea K) dos factos assentes)
­ Os contratos de prestação de serviços acima referidos e seus respectivos anexos foram sempre objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública Competente. (alínea L) dos factos assentes)
­ Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (alínea M) dos factos assentes)
­ Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 18/03/2005, seria “(…) sempre garantido ao trabalhador o pagamento durante um período de 30 dias, actualmente correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II e dos anexos”. (alínea N) dos factos assentes)
­ Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007, foi acordado que seria “(…) sempre garantido ao trabalhador o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (alínea O) dos factos assentes)
­ Prevê-se na cláusula 3.2 dos contratos referidos nas al. F) a I) dos Factos Assentes que, “para além da remuneração supra referida, os trabalhadores terão direito aos subsídios adicionais acordados individualmente entre os trabalhadores e a 1ª outorgante.” (alínea P) dos factos assentes)
­ Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea Q) dos factos assentes)
­ Porém, entre 01/04/2002 a 18/01/2007 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre Março de 2005 a Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,100.00. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre Abril de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ E em Janeiro de 2007 a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 5 dias em 2005 e 18 dias em 2006. (Quesito 6º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Durante todo o tempo da relação de trabalho o Autor auferiu da Ré, a título de rendimento anual e de rendimento normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.50, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):

Ano
Rendimento anual
Rendimento normal diário (A)
2001
33788
125
2002
46656
130
2003
47728
133
2004
45933
128
2005
48115
134
2006
85576
238
2007
87285
242
(Quesito 13º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras quantias por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (Quesito 14º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ O A. efectivamente prestou trabalho em dias de descanso seminal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 15º da base instrutória, aceite pelas partes)*
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
  Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
  Atentas as posições tomadas pelas partes, são seguintes questões essenciais a decidir nos presentes autos:
a) Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré;
b) Regime aplicável à presente relação laboral;
c) Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a C, Lda;
d) As diferenças salariais;
e) Subsídio de alimentação;
f) Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e pelo descanso compensatório;
g) Juros de mora.
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  Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré
  Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
  Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho:
1) A prestação da actividade;
2) A retribuição;
3) A subordinação jurídica.
  No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
  Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
  A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
  Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve, entre 01/04/2002 a 18/01/2007, ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
  Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
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  Regime aplicável à presente relação laboral
  Além disso, segundo os factos provados nos autos, é o Autor, enquanto trabalhador não residente, quem foi oferecido por uma entidade fornecedora de mão-de-obra, isto é, pela C, Lda, através dum procedimento adminstrativo previsto no Despacho n. 12/88/M, que, para que seja concedida a importação de mão-de-obra não residente, exige a intervenção de terceira entidade de fornecedora de mão-de-obra e a celebração, apenas entre essa terceira entidade e a entidade patronal, dum denominado “contrato de prestação de serviçõs”.
  No entanto, verifica-se, segundo os factos provados nos autos, que as claúsulas daquele contrato se prevêm condições de trabalho mais favoráveis às convencionadas entre o Autor e a Ré e prestadas efectivamente a ele. Assim, intentou ele a presente acção pedindo o que ele entendeu ser-lhe devido conforme o referido Despacho e o contrato de “prestação de serviçõs” celebrado entre a Ré e a C, Lda.
  Mas o problema é, se ambos se integram no regime aplicável à relação laboral entre o Autor e a Ré?
  Diferente do problema sobre a qualificação do contrato entre o Autor e a Ré, é muito discutido, quanto a isso, entre as partes.
  Entende o Autor, para servir como base dos seus pedidos, que é aplicável o Despacho n. 12/GM/88 porque é ele que define imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação e nos termos do qual a Ré só é permitida celebrar com o Autor contrato de trabalho que contém as condições de trabalho menos favoráveis para ele. Ao mesmo tempo, o contrato celebrado entre a Ré e a C, Lda deve ser qualificado como contrato a favor de terceiro cujo beneficiário seja o próprio Autor, aplicável à relação laboral entre ele e a Ré.
  Por sua vez, entende a Ré que o Despacho só prevê um procedimento de importação de mão-de-obra não residente sem fixa condições de contratação específicas e por isso a violação dos seus termos só importa infracção administrativa mas não incumprimento de contrato de trabalho entre o Autor e a Ré. Quanto à qualificação do referido contrato, a Ré refuta-a como contrato a favor de terceiro com os fundamentos de que não pode ter essa qualificação quando o referido Despacho o qualifica como contrato de prestação de serviços; o referido contrato nunca confere ao Autor nenhum benefício nem atribuição patrimonial, mas sim uma contraprestação de obrigações, a qual não pode ser objecto do contrato a favor de terceiro; o referido contrato não se lhe aplica por ser inconciliável com o princípio de res inter alios acta, aliis nec nocet nec prodest e o seu incumprimento só poderia legitimar a C a reclamar os prejuízos em que haja incorrido pelo incumprimento.
*
Perante essa controvérsia, entendemos que a questão está em saber duas coisas: 1) se é o Despacho n. 12/GM/88 fonte regulador do regime jurídico aplicável ao caso? 2) É ou não o contrato celebrado entre a Ré e a C, por sua natureza, contrato a favor de terceiro?
Quer uma quer outra, o Venerando Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, nos casos semelhantes, de forma unânime em vários acórdãos no sentido de lhe aplicar o referido Despacho e considerar o dito contrato como tal, aplicável ao trabalhador (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010).
Assim, para responder a primeira questão, vale a pena citar, entre outros, e por ser convincente, o Douto Acórdão do TSI n. 574/2010:
  “A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
  Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
  Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro…
  …
  6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho…
  Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
  - o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
  - o contrato celebrado entre a Ré e a C, Lda.
  - o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
  - o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
  Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
  O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a C, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
  Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
  “…
  d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
  d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
  d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
  d.3. Assistência na doença e na maternidade;
  d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
  d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);…”
  É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
  É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
  Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
  “Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
  Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
  Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.”
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  Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a C, Lda
  Quanto à natureza do contrato celebrado entre a Ré e a C, trata-se, com razão, de contrato a favor de terceiro, que se aplica ao trabalhador que o não assinou, como assim entende unanimamente na Jurisprudência.
  Como se pode aferir da douta fundamentação dum desses acórdãos do Venerando TSI no processo n. 774/2010, que aqui nos permitimos reproduzir:
  “De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e C, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
  …
  E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, um contrato de cedência de trabalhadores ou um contrato de promessa – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (C) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
  E para tanto concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato”. Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos tipo desta espécie contratual.
  A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
  Vejamos.
  Segundo o art. 437º do CC:
  “1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
  2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
  No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos.
  Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
  Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação, a uma vantagem, não uma obrigação. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo.
  A questão está, agora, em saber duas coisas:
  Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
  A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
  Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe somente vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo resultantes daquele contrato.
  A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e C, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
  De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
  Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes.”
*
Assim sendo, à relação laboral entre o Autor e a Ré aplica, entre outros, o Despacho n. 12/GM/88 e o contrato celebrado entre ela e a C nos termos ao Autor mais favoráveis.
  A seguir, vamos analisar se o Autor pode ou não reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais, do subsídio de alimentação, do trabalho em dia de descanso semanal e do descanso compensatório.
*
  As diferenças salariais
  Vem o Autor a reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais que recebeu durante o período entre 01/03/2005 a 18/01/2007 e o que foi estipulado nos contratos de prestação de serviços.
  Segundo as condições fixadas nos contratos de prestação de serviços n. 1/1, o Autor tem direito aos salários seguintes:
Período
Salário
1 de Fevereiro de 2005 a 15 de Março de 2006
$3,500.00
16 de Março de 2006 a 31 de Maio de 2007
$4,000.00
  Ao mesmo tempo, estão provados nos autos os salários mensais efectivamente recebidos pelo Autor nos seguintes períodos:
­ Entre Março de 2005 a Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,100.00. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre Abril de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ E em Janeiro de 2007 a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
  Está registada uma diferença entre o salário mensal efectivamente pago pela Ré ao Autor e o salário mínimo clausulado nos contratos de prestação de serviços de cada período acima referido.
  Assim, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses de cada período (A) x a diferença salarial (B):
Período
Meses
(A)
Diferença salarial
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B)
1 de Março de 2005 a 15 de Março de 2006
12 meses 15 dias
MOP$1,400.00
MOP$17,500.00
16 de Março de 2006 a 31 e Março de 2006
16 dias
MOP$1,900.00
MOP$1,013.33
1 de Abril de 2006 a 31 de Dezembro de 2006
9
MOP$1,712.00
MOP$15,408
1 de Janeiro de 2007 a 18 de Janeiro de 2007
18 dias
MOP$1,296.00
MOP$777.60
  Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global de MOP$34,698.93, a título de diferenças salariais. Conforme o princípio dispositivo, é a Ré condenada a pagar a quantia de MOP$33,171.00.
*
  Subsídio de alimentação
  O Autor reclamou ainda o direitos ao subsídio de alimentação.
  Porém, nos autos não se provou que ele tivesse esse direito.
  Por isso, improcede essa parte do pedido.
*
  Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e pelo descanso compensatório
Quanto à compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal pelo Autor enquanto trabalhador não residente, não é menos certo que lhe pode aplicar, por analogia, o DL nº 24/89/M, mesmo na falta de cláusula contratual e de disposto no Despacho n. 12/GM/88 a ela referentes. Assim, como o bom ensinamento dos Doutos Acórdão do TSI n. 596/2010 e 805/2010 se escreve, “A circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes não obsta a sua aplicação analógica a essas relações laborais, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.”
Portanto, devemos aplicar por analogia o disposto no art. 17º, n. 6º do DL nº 24/89/M.
  Interpretando o referido artigo, os Doutos Acórdãos do TUI julgaram-se no sentido de que o trabalhador recebe o dobro da retribuição normal, mas como os Autores nos respectivos casos já receberam o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, só têm direito a outro tanto (conforme os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
Aqui, vale a pena citar essa parte do douto Acórdão n. 28/2007 do Venerando TUI:
  “Na redacção original do n.º 6 do art. 17.º do RJRL o trabalho prestado em dia de descanso semanal dava sempre direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
  O n.º 6 do art. 17.º do RJRL, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe:
  “6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
  a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
  b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes”.
  Ao caso aplica-se a alínea b), dado que o autor era remunerado, não em função do mês, mas ao dia (salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado).
  O pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo montante acordado com os empregadores.
  Não tendo havido acordo entre autor e ré sobre a forma de remunerar o trabalho em dia de descanso semanal, existe uma lacuna quanto à forma de determinar tal pagamento.
  É que a referência, na parte final da alínea b) aos “usos e costumes”, não tem por finalidade substituir o acordo entre as partes, nem pode constituir nenhum acordo tácito entre as partes, que não se vislumbra a partir dos factos provados. Os usos e costumes são apenas um limite para o montante acordado pelas partes.
  Ora, não tendo havido qualquer acordo entre as partes, há falta de previsão legal sobre o pagamento prestado em dia de descanso semanal, para aqueles que não auferem salário mensal.
  Há que integrar a lacuna, por meio da norma aplicável aos casos análogos (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, correspondendo ao art. 10.º, n.º 1 do Código Civil de 1966).
  Ora a norma aplicável aos casos análogos é, manifestamente, a da alínea a) do mesmo n.º 6 do art. 17.º, que se refere à remuneração em dia de descanso semanal, para os que recebem em função do mês, ou seja o dobro da retribuição, no caso, diária.
  Por outro lado, para haver lugar à remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal não é necessário que o empregador tenha impedido o trabalhador de gozar tal descanso. Basta que tenha havido uma conduta do empregador a determinar o trabalho nesses dias, como não pode ter deixado de ser, pois é a ré que alega que o descanso dos trabalhadores poria em causa o funcionamento dos casinos.
  Estas considerações aplicam-se também ao trabalho nos dias feriados.
  Mas já tem razão a ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não em dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.”
  Salvo melhor opinião, entendo ser um bom entendimento para, mutatis mutandis, a resolução da presente causa.
  Outra coisa é a compensação de um dia de descanso compensatório não gozado. Nos termos do art. 17º, n. 4º do DL 24/89/M também por analogia, “nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.”
  Assim, segundo os factos considerados como provados nos autos, sendo ao Autor já pago salário diário em singelo referente à prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, ele tem direito receber a outro tanto, também em singelo, e uma compensação correspondente aos dias de descanso compensatório não gozado, a saber:
Período
N.os do dia de trabalho em descanso semanal (A)
N.os do dia de descanso compensatório não gozado (B)
Salário diário(C)
Compensações
(A x C x 1) + (B x C)
1 de Abril de 2002 a 31 de Dezembro de 2004
143
143
66.67
MOP$19,067.62
1 de Janeiro de 2005 a 31 de Janeiro de 2005
(5 dias de descanso semanal gozado em 2005)
0
0
66.67
MOP$0.00
1 de Fevereiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2005
(5 dias de descanso semanal gozado em 2005)
47
47
116.67
MOP$10,966.98
1 de Janeiro de 2006 a 15 de Março de 2006
(18 dias de descanso semanal gozado em 2006)
0
0
116.67
MOP$0.00
16 de Março de 2006 a 18 de Janeiro de 2007
(18 dias de descanso semanal gozado em 2006)
36
36
133.33
MOP$9,599.76
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$39,634.36, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e de descanso compensatório não gozados.
*
  Juros de mora
  Sendo os créditos supra mencionados ilíquidos, às quantias a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
  Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, absolvendo do restante pedido, a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) MOP$33,171.00, a título de diferenças salariais;
b) MOP$39,634.36, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório;
c) A todas as quantias supra mencionadas (MOP$72,805.36) acrescerão os juros de mora, à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento.
  As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do eventual apoio judiciário com que litiga o primeiro.
  Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio o Autor recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância.

Alegou concluindo e pedindo:

  1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
  2. Salvo melhor opinião, a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto aos montantes da “retribuição normal” e à concreta forma de cálculo a ter em conta no apuramento da quantia devida ao Recorrente pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
  3. Com efeito, a determinação da quantia devida pela Recorrida ao ora Recorrente pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ter sido determinada tendo em conta os valores concretamente auferidos pelo Recorrente a título de "retribuição normal do trabalho" - constante do Quesito n.º 13, aceite por acordo das partes)- e não tão-só e apenas tendo em consideração os valores mínimos constantes dos Contratos de Prestação de Serviços, de Mop$66,67; Mop$116,67 e Mop$133.33, claramente inferiores aos acordados e aceites pelas partes;
  4. Ao não entender assim, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.°, n.º 6, al. a) e 26.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, porquanto não teve em conta o valor da "retribuição normal" efectivamente auferida pelo Recorrente, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
Ao que acresce que,
  5. Resultando do art. 17.°, n.º 6, al. a) e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, tal significa que o Recorrente deverá receber da Recorrida o correspondente a duas vezes a “retribuição normal do trabalho” por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um dia de salário em singelo em consequência da falta de gozo de um dia de descanso compensatório;
  6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (remuneração normal diária X n.º de dias de descanso semanal devidos e não gozados X 2);
  7. Neste sentido, ao proceder ao desconto do valor pago em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.°, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, a decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
  Em suma, resultado provado que, durante o período da relação laboral, o ora Recorrente não gozou de dias de descanso semanal, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$80,297.00 (e não de apenas Mop$19,817.00) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida da quantia de Mop$40,148.00 (e não de apenas Mop$19,817.00) a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório, o que perfaz a quantia total de Mop$120,443.00 (e não de apenas Mop$39,634.36 conforme resulta da Sentença), acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
  
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença posta em crise ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual formulado pelo Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

Notificada, a Ré respondeu pugnando pela improcedência do recurso.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, constituem o objecto da nossa apreciação as seguintes questões:

1. Do valor da retribuição base para efeito do cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal; e

2. Do multiplicador para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

Então vejamos.

1. Do valor da retribuição base para efeito do cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal

O Autor pede, inter alia, a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a compensação dos dias compensatórios dos descansos semanais não gozados.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.

De acordo com o mapa de apuramento dos quantitativos das tais compensações constante das pág. 24 e 25 da sentença ora recorrida, cremos que o quantitativo diário tido em conta para o efeito do cálculo é o resultante das remunerações salariais fixadas no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada.

Por sua vez, o recorrente defende que o quantitativo diário para o tal efeito deve ter sido apurado com base nos rendimentos anuais auferidos pelo Autor durante estes anos, conforme se vê na resposta ao quesito 13º da base instrutória, que tem o seu teor:

­ Durante todo o tempo da relação de trabalho o Autor auferiu da Ré, a título de rendimento anual e de rendimento normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.50, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):

Ano
Rendimento anual
Rendimento normal diário (A)
2001
33788
125
2002
46656
130
2003
47728
133
2004
45933
128
2005
48115
134
2006
85576
238
2007
87285
242

Cremos que o recorrente não tem razão.

Pois uma coisa é o salário-base diário, outra coisa é o quantitativo diário apurado com base no rendimento anual total efectivamente auferido pelo trabalhador.

Ora, não resultando demonstrado nos autos que durante estes anos todos, tenha sido estipulada, no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, uma retribuição-base em valor superior ao da estipulada naquele contrato entre a Ré e a C Limitada e de per si justificativo daqueles valores indicados na resposta ao quesito 13º da base instrutória, é de concluir que nestes rendimentos auferidos pelo Autor integraram necessariamente prestações de outra natureza, v.g. o pagamento das horas extraordinárias.

Portanto, entendemos que tão só estes argumentos avançados pelo recorrente estão longes de ter a virtualidade de nos levar a alterar esta parte da sentença recorrida nos termos pretendidos.

Assim, improcede esta parte do recurso.

2. Do multiplicador para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal

Aqui, já tem razão o recorrente.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$39.634,36, correspondente ao dobro de MOP$19.817,18, quantia fixada na sentença recorrida.

Tudo visto resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor A:



* negando provimento do recurso na parte respeitante ao valor da retribuição-base para o efeito de cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal;

* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal; e

* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e da compensação dos dias compensatórios dos descansos semanais não gozados e pelo descanso compensatório o valor total de MOP$59.451,54 (MOP$39.634,36 + MOP$19.817,18), com taxa de juros legais calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010.


Custas a cargo do Autor e da Ré pelo decaimento da acção nas partes tratadas neste recurso, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.

Registe e notifique.

RAEM, 04JUN2015

Lai Kin Hong

João Gil de Oliveira

Ho Wai Neng

Ac. 471/2015-1