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Proc. nº 242/2014
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Junho de 2015
Descritores:
-Art. 242º, nº1, al. a), do ETAPM
-Direito à passagem
-Estudo no exterior de Macau
-Princípio da igualdade

SUMÁRIO:

I. A ideia que emana do art. 242º, nº1, al. a), do ETAPM é garantir o acesso ao ensino médio e superior aos descendentes dos funcionários e agentes da Administração que confiram direito ao subsídio de família. E, nos casos em que a RAEM não disponha de estabelecimentos de ensino adequados às pretensões específicas dos interessados, isto é, que não proporcionem localmente as habilitações académicas que aqueles almejam alcançar, o ordenamento jurídico assume que as despesas verificadas por causa de uma deslocação para o exterior sejam suportadas pelo Governo da Região.

II. O “direito à passagem” para estudo no exterior depende, tão somente, da inexistência na Região do curso que o aluno pretende frequentar. Os cursos que garantam o direito ao pagamento da deslocação terão que ser oficialmente reconhecidos e somente os «não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino». Ou seja, apenas o requisito objectivo estabelecido na lei pode ser relevado.

III. Se o art. 242º garante o direito subjectivo à passagem nos termos referidos, isso apenas se deve ao facto de os estudantes serem descendentes de funcionários da Administração, e não ao facto de serem jovens de nacionalidade chinesa ou jovens de nacionalidade portuguesa, falantes de mandarim, cantonês ou de português.

IV. O preceito não prevê que a Administração possa conceder ou não o abono das passagens segundo critérios de discricionariedade. Assim, se verificado o pressuposto negativo ali previsto (inexistência de curso em Macau), a Administração fica vinculada a conceder o abono das passagens.

V. Na medida em que a actividade em causa não é discricionária, não pode vingar o vício de violação de princípio da igualdade, mesmo que em duas anteriores ocasiões, em situações similares, a Administração tenha concedido o abono das passagens a outros estudantes.







Proc. nº 242/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, residente em Macau, na..., Taipa, recorre contenciosamente para este TSI da decisão do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, datado de 10/03/2014, que lhe indeferiu o recurso hierárquico e manteve o despacho da Ex.ma Directora dos Serviços de Finanças, que havia indeferido o pedido de reembolso do preço da passagem aérea de ida para Portugal para transporte do seu filho B, requerido a coberto do art. 242º, nº1, al. d), do ETAPM.
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Na sua petição inicial, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, e objecto do presente recurso o seu despacho de 10/03/2014 que indeferiu o pedido, formulado em sede de recurso hierárquico, de reembolso da viagem aérea de ida para Portugal, para transporte do seu descendente, requerido a coberto da alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM.
2. O descendente da recorrente deslocou-se para Portugal, em 29/08/2013, para prosseguir os seus estudos superiores na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
3. O reembolso requerido cifra-se em MOP 12,374.71.
4. A recorrente pertence ao quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças, sendo-lhe processado subsídio de família pelo seu descendente.
5. O artigo 242.º do ETAPM prevê o abono de passagem aérea para o local onde seja frequentado curso superior oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino, aos descendentes dos funcionários da Administração que confiram direito a subsídio de família.
6. A entidade recorrida entende que existem cursos superiores na área do Turismo leccionados em Macau.
7. A entidade recorrida entende que é irrelevante, para o direito previsto no artigo 242.º do ETAPM, a língua em que é ministrado o curso superior.
8. A entidade recorrida sustenta a sua decisão no parecer do Gabinete de Ensino Superior relativo à existência de curso de nível superior em Macau na área do turismo, veiculado pelo ofício n.º 159/GAE/GAES/2013, de 29/10 de Outubro, e no parecer dos SAFP, relativamente à relevância da questão linguística, constante do ofício n.º 1401210001/DTJ, de 21/01.
9. Na Região são leccionados três cursos na área do Turismo: no Instituto de Formação Turística (Tourism Business Management), ministrado em língua Inglesa, e na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (Gestão Hoteleira e Gestão de Turismo Internacional), ministrados em língua Inglesa e Chinesa.
10. Nenhum dos três cursos na área do Turismo leccionados na Região é ministrado em língua portuguesa.
11. A área científica desses três cursos integra-se na Gestão Hoteleira (IFT), na Gestão e no Turismo Internacional (MUST).
12. Nenhum desses três cursos se insere nas áreas científicas de Gestão, Planeamento Turístico e Ciências Sociais e Humanas, como no curso leccionado na Escola Superior de Turismo do Estoril.
13. Não existe em Macau um curso superior com características similares ao que é leccionado em Portugal pela Escola Superior de Turismo do Estoril.
14. A legislação da Região e o ETAPM promovem o acesso dos residentes à educação.
15. O artigo 242.º do ETAPM constitui uma preocupação específica do legislador para que os descendentes dos funcionários não sejam prejudicados no acesso à sua vida académica, em função de carências existentes na Região.
16. As carências educacionais na Região tanto passam pela inexistência de um curso superior na área pretendida como se prendem com vertentes científicas especializadas, com a composição curricular e com a língua em que os mesmos são ministrados.
17. A entidade recorrida aplica erradamente o artigo 242.º do ETAPM ao restringir o seu âmbito de aplicação.
18. A questão da língua em que são leccionados os cursos existentes na Região não é irrelevante, para efeitos da previsão do artigo 242.º do ETAPM.
19. O artigo 242.º do ETAPM pressupõe que seja assegurado aos residentes o acesso ao ensino superior na sua língua materna, quando esta, por força do artigo 9.º da Lei Básica, é também uma das línguas oficiais.
20. O descendente da recorrente não domina a língua Chinesa nem a língua Inglesa, tendo a sua escolaridade sido sempre feita em língua Portuguesa, sua língua materna.
21. A entidade recorrida, com a interpretação que confere à alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM, importa para o acto vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ferindo-o de anulabilidade e legitimando que se requeira a sua anulação, nos termos dos artigos 20.º e 21.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPAC.
22. O Governo da Região considera que a língua em que é ministrado o curso superior é relevante para o abono previsto no artigo 242.º do ETAPM, mesmo quando esse curso é leccionado em Macau.
23. O Governo da Região decidiu, em situação semelhante, no procedimento a que respeita o ofício n.º 5632/SAP/DDP/DCP/2012, da DSF, conferir o direito ao abono previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM, para a frequência do curso superior em Engenharia Civil, ministrado em Portugal, porque esse curso, apesar de ser leccionado na Universidade de Macau, não é ministrado em língua Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 10 de Março de 2014, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.»
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A entidade recorrida, na contestação, apresentou as seguintes conclusões:
«I. O recurso que ora se contesta tem por objecto o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 10 de Março de 2014, exarado na Proposta n.º 005/DBINAJ/14 que indeferiu a pretensão da recorrente de ver revogado o acto administrativo da Srª. Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, de 25.11.13, de indeferimento do pedido de reembolso da passagem aérea para Portugal para o seu descendente B.
II. Dispõe a alínea a) do n.º I do artigo 242.º do ETAPM que “os descendentes dos funcionários e agentes da Administração do Território que confiram direito a subsídio de família e que frequentem no exterior cursos de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino, têm direito a passagem de Macau para o local onde seja ministrado o curso.”
III. No presente recurso está em causa o segundo requisito exigido no artigo, isto é, a frequência no exterior de curso de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
IV. Não faz o artigo qualquer menção à língua em que são ministrados os cursos em Macau no sistema oficial de ensino.
V. Pelo que a Administração, dando cumprimento ao princípio da legalidade e da boa fé, solicitou às entidades com competência na matéria, concretamente o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) e à Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (DSAFP), esclarecimentos sobre ambas as questões.
VI. Tendo sido informada pelo GAES que em Macau existem 2 cursos similares ao de Gestão Turística, nomeadamente no Instituto de Formação Turística (IFT) e no “Macau University of Science and Technology” (MUST).
VII. Relativamente à relevância da língua em que é ministrado o curso, esclareceu a DSAFP que “quando o legislador se refere a não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no sistema oficial em Macau. Não importa se a forma e o conteúdo específico é exactamente igual (a duração do curso, o número de cadeiras, a sua designação, se são semestrais ou anuais, língua veicular, etc.), o que interessa saber é se o curso (naquilo que o caracteriza essencialmente) existe ou não na Região Administrativa Especial de Macau.”
VIII. E concluía no sentido de que a frequência do Curso de Gestão Turística em Portugal não dá direito às passagens pagas pela Administração Pública.
IX. Pelo que a Administração questionou as entidades com competência nas matérias em causa e decidiu de acordo com as posições que lhe foram transmitidas.
X. A opção por estudar na língua materna é perfeitamente legítima, mas não é fundamento que afaste o requisito previsto na lei, de o curso não ser leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
XI. E mesmo que a questão da língua em que é leccionado o curso viesse a ser entendido como uma questão relevante, o que não se concede, é duvidoso que o descendente da recorrente não domine a língua inglesa, a qual é leccionada na Escola Portuguesa de Macau onde estudou, com carácter obrigatório tanto na Via A como na Via B, desde o 10 ciclo até ao fim do Ensino Secundário.
Nestes termos, deve o presente recurso contencioso de anulação ser julgado improcedente, em virtude de não padecer o acto administrativo recorrido dos alegados vícios, mantendo-se, em consequência, o acto praticado em 10 de Março de 2014».
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Nas alegações facultativas, a recorrente manteve as conclusões acima transcritas, a que fez acrescer mais as seguintes:
«24. No plano instrutório foi deficitário o modo de verificação da similitude dos cursos superiores.
25. A entidade competente para uma resposta completa e adequada às diligências da entidade recorrida é o GAES que nas Orientações para requerimentos de cursos locais na área do ensino superior de Macau impõe a identificação de todos os elementos que os SAFP e a DSF consideraram não ser essenciais, entre eles, a língua veicular dos cursos.
26. Na mesma linha, os despachos que autorizam a abertura dos cursos superiores, na identificação da sua organização científico-pedagógica, contêm como elemento essencial a língua veicular.
27. Com esta premissa não existe, em Macau, licenciatura similar à escolhida pelo descendente da recorrente, a qual pode beneficiar do abono a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM».
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A entidade recorrida, por seu turno, concluiu as suas alegações do seguinte modo:
«I. Constitui o objecto do presente recurso o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 10.03.2014, exarado na Proposta n.º 005/NAJ/DB/2014, de 24 de Fevereiro, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado pela recorrente a 26.12.2013.
II. Concretamente, indeferiu o pedido da recorrente de ver revogado o acto administrativo da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças de indeferimento do pedido de reembolso da passagem aérea para Portugal para o seu descendente B, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM.
III. Dispõe o artigo que “os descendentes dos funcionários e agentes da Administração do Território que confiram direito a subsídio de família e que frequentem no exterior cursos de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino, têm direito a passagem de Macau para o local onde seja ministrado o curso.”.
IV. Alega a recorrente que, por um lado, o curso frequentado no exterior pelo descendente não é leccionado em Macau e, por outro, é imprescindível assegurar o acesso ao ensino na língua materna do residente.
V. Entendeu a Administração a fim de assegurar uma justa decisão, questionar sobre as questões controvertidas as entidades com competência em ambas as matérias.
VI. Esclareceu o GAES que a RAEM possui curso similar ao de Gestão Turística, nomeadamente no Instituto de Formação Turística e no “Macau University of Science and Technology”.
VII. Quanto ao requisito linguístico, esclareceu a DSAFP que quando o legislador se refere a curso não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no sistema oficial em Macau, não importando se a forma e o conteúdo específico é exactamente igual (a duração do curso, o número de cadeiras, a sua designação, se são semestrais ou anuais, língua veicular, etc.), concluindo que o que interessa saber é se o curso (naquilo que o caracteriza essencialmente) existe ou não na Região Administrativa Especial de Macau.
VIII. Pelo que a interpretação defendida pela recorrente, de que mesmo que seja leccionado em Macau no sistema oficial de ensino o curso que o descendente pretende estudar no exterior, o facto de não ser leccionado em português afastaria tal requisito, não encontra correspondência na lei.
IX. Para além de que não é crível que o descendente da recorrente não domine as línguas inglesa e chinesa, sendo que pelo menos a inglesa é leccionada na Escola Portuguesa de Macau onde estudou, com carácter obrigatório tanto na Via A como na Via B, desde o 10 ciclo até ao fim do Ensino Secundário.
X. Em conclusão, é compreensível e legítimo que um estudante queira estudar na sua língua materna, mas nesse caso essa opção afasta o direito ao pagamento da passagem para Portugal, uma vez que o curso que pretende frequentar é leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
Termos em que se requer a V. Exª que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 10 de Março de 2014, com as devidas consequências legai».
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O digno Magistrado do MP opinou o seguinte:
«Assacando ao acto - despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 10/3/14 que, em sede de apreciação hierárquica, manteve decisão da directora dos S.F. de indeferimento de pedido de reembolso de passagem aérea para Portugal para seu descendente, ao abrigo da al. a) do nº 1 do art.º 242º, ETAPM - vício de erro nos pressupostos de facto e de direito subjacentes à decisão, sustenta a recorrente, ao que descortinamos, 2 tipos de argumentos:
- por um lado, sendo leccionados na Região 3 cursos na área do turismo, no IFT e UCTM, nenhum deles “ ...se insere nas áreas cientificas de Gestão, Planeamento Turístico e Ciências Sociais e Humanas, como no curso leccionado na Escola Superior de Turismo do Estoril”, inexistindo em Macau curso superior “com características similares àquele”;
- por outro, ainda que assim não sucedesse (dizemos nós), nenhum desses cursos é ministrado na língua materna - o português - da descendente em questão.
Pois bem:
Quer-nos parecer que, relativamente ao 1º ponto, não poderá deixar de se concordar com o entendimento da DSAFP, no sentido de que, para o escrutínio e apuramento da existência na Região de cursos no sistema oficial de ensino similares aos leccionados no exterior, a forma e conteúdo dos mesmos não terão, forçosamente, que ser os mesmos, designadamente quanto à designação, duração, número de cadeiras, etc, sob pena de, assim não sucedendo, sempre se poder topar qualquer tipo de diferenciação, a justificar a aplicação, sem mais, do normativo.
Mister é que a entidade pública para o efeito vocacionada se pronuncie sobre a existência da similitude dos cursos em causa, o que não deixou de suceder com o GAES, em sentido positivo, pelo que não vemos como possa, neste específico, assistir qualquer razão à recorrente.
Questão mais melindrosa surgirá quanto à questão da língua em que o curso é ministrado.
É que, não subsistindo dúvidas que a literal idade da norma não acautela a situação, expressando a concessão do direito apenas a cursos “não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino”, sem qualquer referência ou distinção quanto à língua veicular, não deixa também de ser verdade que, através da norma, se denota a preocupação do legislador em que se não prejudiquem os descendentes dos funcionários no acesso à vida académica, em função das carências a tal nível existentes na Região.
E, não subsistirão dúvidas que essa carência se registará, caso o curso pretendido seja ministrado em língua que os interessados não dominem, não esquecendo, a esse propósito, que a língua materna da visada é uma das línguas oficiais na Região.
De todo o modo, não detendo tal pensamento um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, na letra da lei, não se vê como possa, validamente, as sacar-se erro, também a esse nível.
Finalmente, tratando-se embora de mera referência “en passant”, não deixa a recorrente de assinalar caso que, tido como similar e com diferente tratamento, poderia, porventura, configurar atropelo da igualdade.
Trata-se, contudo, nos termos parcamente expressos a esse propósito, de situações diferentes, a não exigir, por isso, tratamento igualitário e em que, consequentemente, o alegado se revela inócuo.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.».
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Tiveram lugar algumas diligências instrutórias determinadas oficiosamente (fls. 110 e sgs.), após o que sobre elas se pronunciou a recorrente (fls. 156).
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Também o digno Magistrado do MP se pronunciou sobre os novos elementos, da seguinte maneira:
«Da análise que empreendemos do acervo documental entretanto carreado para os autos, é possível constatar que, por despachos dos directores dos S.F. respectivamente de 6/1/2005 e 6/2/2013 (fls. 139 e 135, este com tradução a fls. 17 do apenso), foram, em condições que se apresentam como similares à apresentada no caso vertente, deferidas pretensões dos requerentes, relativas ao pagamento das passagens peticionadas, ao abrigo do preceituado no artº 242º, ETAPM.
Tais situações, parece-nos, apenas divergirão (para o que agora conta), pelo facto de ali se encontrar em causa a existência, no ensino oficialmente reconhecido em Macau, de cursos ministrados apenas em língua inglesa, enquanto no caso presente, os cursos adiantados, leccionados no IFT e UCTM (tidos como equivalentes ao que o descendente da recorrente frequenta em Portugal) o serão em língua inglesa e chinesa, esta última, língua oficial da Região.
Verifica-se, contudo, não ter sido tal diferença que determinou, que fundamentou o indeferimento registado, o qual se terá estribado, a este propósito, em entendimento adiantado pela DSAFP de que “quando o legislador se refere a cursos não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no ensino oficial de Macau”, não importando para o caso, designadamente a “língua veicular”.
Postas as coisas nestes termos, topa-se bem a existência de diferente tratamento, perante situações que, para o efeito, se apresentam como substancialmente similares, já que nos despachos a que acima aludimos, o deferimento do peticionado assentou precisamente na relevância do facto de os cursos em questão não serem leccionados em Macau na língua veicular dos requerentes, “facto esse que afectaria de modo negativo os estudos do descendente” (cfr. fls. 139)
Donde, pese embora mantenhamos o entendimento já assumido no anterior parecer constante de fls. 107 a 109, no que tange à não ocorrência do assacado erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão, afigurar-se-nos, desta feita, haver que proceder o recurso, por atropelo da igualdade, já que se não descortina que, porventura, qualquer dos despachos aludidos incorra, na interpretação que empreende da norma em causa, em qualquer espécie de ilegalidade, sendo certo que a questão, “malgré tout” (nomeadamente a estranha não referência, na matéria, a fls. 156 a 158), não deixou de ser aflorada pela recorrente no seu petitório.»
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os factos
1 - Em 11/10/2013, a recorrente requereu, ao abrigo do artigo 242.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM, o reembolso da despesa relativa à passagem aérea para Portugal do seu descendente B, o qual para aí se deslocou a fim de prosseguir os seus estudos superiores na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, sita em Portugal (doc. fls. 8 do p.a.).
2 - A recorrente recebe subsídio de família pelo filho B (doc. fls. 32, dos autos).
3 - O reembolso requerido cifrava-se no montante de MOP 12,374.71 (doc. fls. 7, do p.a.), tendo a deslocação para aquele país ocorrido em 29/08/2013.
4 - Em resposta ao pedido formulado, foi notificada pelo ofício n.º 10186/DAF/SRH/2013, de 13/12 que, por despacho da Directora dos Serviços de Finanças, lhe tinha sido indeferido o reembolso requerido, sustentado no ofício n.º 159/GAE/GAES/2013, de 29/10, o qual informou a DSF que, na RAEM, existe curso similar àquele que o descendente se encontra a frequentar em Portugal, leccionado no Instituto de Formação Turística e na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.
5 - Não se podendo conformar com o indeferimento da sua pretensão interpôs, em 26/12/2013, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças onde, em síntese, se alegou que os cursos existentes em Macau, na área do turismo, são leccionados exclusivamente em língua chinesa e em língua inglesa, que não são língua materna do seu descendente, a par da diferente composição e estrutura curricular adoptada pelas referidas instituições de ensino da Região (fls. 31 e sgs. do p.a.).
6 - Foi elaborada uma Proposta nº 005/NAJ/DB/2014, com o seguinte teor:
«I. Do Recurso Hierárquico Necessário – Pressupostos processuais
Nos termos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que deu entrada nesta Direcção de Serviços no dia 26 de Dezembro de 2013, vem A, funcionária do quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), com a categoria de assistente técnico administrativo especialista principal, recorrer hierarquicamente, nos termos dos artigos 153.º, 155.º e 156.º do Código do Procedimento Administrativo, do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 25 de Novembro de 2013, exarado na Informação n.º 30313/DAF/SRH/2013, de 01 de Novembro, que indeferiu o pedido de reembolso da passagem aérea para Portugal do seu descendente B.
O recurso hierárquico é tempestivo, porque interposto dentro do prazo de trinta dias previsto no artigo 155º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
II. Fundamentos
A recorrente apresentou no dia 26.12.2013 o presente recurso hierárquico com os seguintes fundamentos:
a) A recorrente requereu ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), o reembolso da passagem do seu descendente, B, de Macau para Portugal, onde foi frequentar o Curso de Gestão Turística da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
b) Segundo a mesma, a situação do seu filho preenche todos os requisitos exigidos no referido artigo para ter direito ao abono da passagem, ou seja, o seu descendente confere direito a subsídio de família e foi frequentar curso no exterior de nível superior, oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema de ensino.
c) Isto porque entende a ora recorrente, diferentemente da posição transmitida pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, que os Cursos ministrados no Instituto de Formação Turística e no “Macau University of Science and Technology” não são idênticos ao de Gestão Turística escolhido pelo descendente.
d) E entende ainda, o que considera decisivo para a questão, o facto de o descendente dominar apenas a língua portuguesa, língua em que decorreu toda a sua vida escolar e que é também a sua língua materna, pelo que os cursos ministrados em Macau, um em língua inglesa e um em língua inglesa/chinesa, não são de modo a satisfazer as necessidades de acesso ao ensino superior na área da hotelaria e turismo escolhida pelo descendente.
Pelo que conclui que só em Portugal e na Escola Superior que escolheu existe o curso superior que satisfaz as necessidades do descendente não sendo verdade que existam cursos superiores similares leccionados em Macau, pelo que incorre o acto recorrido em violação de lei e erro sobre os pressupostos de facto, vícios invalidantes da decisão de indeferimento, requerendo a sua revogação, ao abrigo dos artigos 124.º e 127.º a 133.º do CPA.
III. Apreciação
Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM que “os descendentes dos funcionários e agentes da Administração do Território que confiram direito a subsídio de família e que frequentem no exterior cursos de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino, têm direito a passagem. de Macau para o local onde seja ministrado o curso.”
É pois necessário, para que a RAEM suporte o encargo aí previsto, que se verifiquem cumulativamente dois requisitos:
a) Que o descendente confira direito a subsídio de família; e
b) Que frequente no exterior curso de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
Relativamente ao segundo requisito, a DSF questionou o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, entidade oficial com competência na matéria, se o curso frequentado pelo descendente da funcionária em questão é oficialmente reconhecido e não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino, tendo sido informada, mediante o ofício n.º 159/GAE/GAES/2013, de 29.10, que a RAEM possui curso similar ao de Gestão Turística, nomeadamente no Instituto de Formação Turística (IFT) e no “Macau University of Science and Technology” (MUST).
Alega a recorrente que “no que se reporta às Áreas Científicas temos que é oferecido pelo IFT um curso integrado na Gestão Hoteleira e, pela MUST, dois cursos que se integram nas áreas de Gestão e de Turismo Internacional” e que “por contraponto, em Portugal, a área científica é de Gestão, Planeamento Turístico e Ciências Sociais e Humanas, sendo nessa medida substancialmente distintos dos cursos leccionados em Macau.”
Alega também, o que considera decisivo para a questão, que os cursos ministrados em Macau nesta área são em língua inglesa (no IFT) e em língua inglesa/chinesa (no MUST), línguas que o descendente não domina por não serem línguas maternas, uma vez que “concluiu o ensino secundário na Escola Portuguesa de Macau, tendo toda a sua vida escolar decorrido em língua portuguesa.”
Uma vez que no citado artigo 242.º não há qualquer menção sobre tal requisito, nem à relevância da língua em que é ministrado o curso para a presente questão, questionou a DSF a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (DSAFP) “a fim de se obter uma posição uniforme e justa”, sobre a relevância de tal requisito, tendo sido informada, mediante o ofício n.º 1401210001/DTJ de 21.01.2014 que “quando o legislador se refere a não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no sistema oficial em Macau. Não importa se a forma e o conteúdo específico é exactamente igual (a duração do curso, o número de cadeiras, a sua designação, se são semestrais ou anuais, língua veicular, etc.), o que interessa saber é se o curso (naquilo que o caracteriza essencialmente) existe ou não na Região Administrativa Especial de Macau. “
E continua, concluindo no sentido de que “tendo em conta que o GAES já afirmou que a RAEM possui curso similar ao da Gestão Turística da Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril em Portugal, nomeadamente no IFT e MUST, entendemos que, ao abrigo do artigo 242. o do ETAPM, a frequência do Curso de Gestão Turística em Portugal não dá direito às passagens pagas pela Administração Pública.”
結論
CONCLUSÕES
一. 具備《澳門公共行政工作人員通則》第二百四十二條第一款規定的下列兩個條件,澳門特區便會負擔行政當局公務員之卑親屬在外地修讀中等或高等程度課程的旅程交通費:
a) 賦予收取家庭津貼權利之卑親屬,以及
b) 官方認可有關課程,且在澳門官立教育系統中並無教授。
1. Os 2 requisitos previstos no n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM para que seja encargo a suportar pela RAEM a passagem de descendente de funcionário da Administração para o local onde seja ministrado um curso de nível médio ou superior são:
a) Que o descendente confira direito a subsídio de família, e
b) Que o curso seja oficialmente reconhecido e não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
二. 高等教育輔助辦公室透過公函通知財政局,澳門特區包括旅遊學院(IFT)和澳門科技大學(MUST)均設有與旅遊管理課程的類同課程。
2. Mediante ofício do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, foi a DSF informada que a RAEM possui curso similar ao de Gestão Turística, nomeadamente no Instituto de Formação Turística (IFT) e no “Macau University of Science and Technology” (MUST).
三. 疑點在於在澳門教授課程所用語言對是次問題是否重要(這問題是行政公職局就有關事宜提出)。行政暨公職局回覆:「當立法者表示在官立教育系統中並無教授時,正考慮有關課程在澳門官立系統中絕對不存在。最關鍵的,並非是課程的形式,以及其特定內容(包括課程期限、凳子數量、課程名稱、學期課程或年度課程、教授語言,等等……)是否完全吻合,而是課程(本質有甚麼特點)在澳門特別行政區是否存在」。基此,結論是,按高等教育輔助辦公室的表示,澳門特區的旅遊學院和澳門科技大學均關辦與葡萄牙埃斯托里爾酒店旅遊學院旅遊管理課程的相似課程,「所以不會因在葡萄牙就讀旅遊管理課程而獲得公共行政當局支付旅費的權利。」
3. Havendo dúvidas sobre se a língua em que é ministrado o curso em Macau pode ter relevância para a presente questão, foi sobre o assunto questionada a DSAFP, que respondeu que “quando o legislador se refere a não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no sistema oficial em Macau. Não importa se a forma e o conteúdo específico é exactamente igual (a duração do curso, o número de cadeiras, a sua designação, se são semestrais ou anuais, língua veicular, etc.), o que interessa saber é se o curso (naquilo que o caracteriza essencialmente) existe ou não na Região Administrativa Especial de Macau”, pelo que conclui, atendendo à posição manifestada pelo GAES, que a RAEM possui curso similar ao da Gestão Turística da Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril em Portugal, nomeadamente no IFT e MUST, “que a frequência do Curso de Gestão Turística em Portugal não dá direito às passagens pagas pela Administração Pública.”
四. 綜上所述,按照澳門特區兩個具權限的官方實體對本問題的表決,我們認為,因缺乏法律依據,本必要訴願應被駁回。
4. Pelo exposto, e atendendo à posição manifestada pelas duas entidades oficiais da RAEM com competência na presente questão, julgamos ser de indeferir o presente recurso hierárquico, por manifesta falta de base legal.».
7 - O recurso viria a ser indeferido, por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 10/03/2014 (fls. 43 do p.a.).
8 - Em Macau existem os seguintes cursos superiores na área de formação escolhida pelo filho da recorrente:
a) O Curso denominado Tourism Business Management existente no Instituto de Formação Turística (doravante “IFT”), criado pelo Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (SASC) n.º 62/2002, publicado no Boletim Oficial n.º 30, I Série, de 29 de Julho, páginas 850 a 857.
Resulta do Anexo I ao citado Despacho que o curso em causa se enquadra na Área Científica de Gestão Hoteleira e é leccionado exclusivamente em língua inglesa (de acordo, também, com a informação disponível para consulta em http://www.ift.edu.mo/EN/Introduction/Home/Index/291);
b) O curso designado Gestão Hoteleira, existente na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (doravante “MUST”), criado pelo Despacho do SASC n.º 84/2012, publicado no Boletim Oficial n.º 23, I Série, de 4 de Junho, páginas 531 a 535.
Resulta do Anexo I ao citado Despacho que o curso em causa se enquadra na Área Científica de Gestão e é leccionado exclusivamente em língua chinesa/inglesa (de acordo, também, com a informação disponível para consulta no site http://www.must.edu.mo/en/fhtm en/programme/bachelors-degree-programme/course-description);
c) O curso designado Gestão de Turismo Internacional, existente também na MUST, criado pelo Despacho do SASC n.º 28/2003 (e alterado pelos Despachos do SASC e Cultura nºs 19/2005, 83/2006 e 74/2008, actualmente em vigor e publicado no Boletim Oficial n.º 26, I Série, de 30 de Junho, páginas 706 a 713) é um curso que, de acordo com o Anexo I ao citado Despacho, se enquadra na Área Científica de Turismo Internacional e é leccionado exclusivamente em língua chinesa/inglesa.
9 - O curso superior escolhido pelo descendente e leccionado na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, foi criado pelo Despacho n.º 18161-D/2007, publicado no Diário da República n.º 156, 2.ª Série, de 14 de Agosto, páginas 23344-(12) a 23344-(15) – (doc. fls. 21 do p.a.).
10 - C requereu o pedido de reembolso do preço da passagem aérea de Macau para Portugal do seu filho D para frequência do Curso de Licenciatura em Psicologia da na Universidade de Coimbra.
11 - Foi indeferido o pedido com fundamento de que a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Macau também ministrava o mesmo curso de Licenciatura em Psicologia em língua inglesa.
12 - O interessado reclamou em 14/12/2004 para a Directora dos Serviços de Finanças (fls. 140 dos autos e fls. 20-22 do apenso “Traduções”) e por ter sido considerado que o aluno D sempre ter estudado o português desde a infância, foi autorizado, por despacho do Director de 6/01/2005, a título excepcional o pagamento do transporte (fls. 139 dos autos).
13 - E, residente da RAEM, em 8/10/2012, formulou idêntico pedido de processamento do pagamento do reembolso da passagem aérea para Portugal do seu filho F, residente da RAEM, a frequentar o Curso de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa (fls. 124 dos autos).
14 - Tal aluno estudou o português desde a infância até terminar o ensino secundário e na RAEM é leccionado um curso de Engenharia Civil em língua inglesa.
15 - Indeferido o pedido, pela requerente E foi deduzida reclamação (fls. 142), que colheu opinião favorável do jurista, Dr. António Silveira (fls. 136 dos autos) e mereceu parecer positivo, a título excepcional, e com fundamento expresso de ter sido já deferida uma reclamação similar (a acima aludida em 12) do Técnico superior em 31/01/2013 (fls. 135 e fls. 17 do apenso “Traduções”).
16 – Foi deferida esta reclamação e autorizado reembolso por despacho do Director de 6/02/2013 (fls. 135 dos autos e 17 do apenso “Traduções”).
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IV- O Direito
1 – A situação de facto
A recorrente dirigiu, oportunamente, um pedido à Direcção dos Serviços de Finanças, alicerçado no art. 242º, nº1, al. a), do ETAPM, com vista ao reembolso do valor em dinheiro que pagou pela passagem aérea para Portugal do seu filho B, com o propósito de este ali frequentar o curso superior ministrado na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
O pedido foi indeferido, num primeiro momento, e mantido em sede de recurso hierárquico.
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2 – Os vícios imputados ao acto
Entende a recorrente que o acto ora sindicado sofre do vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no art. 242º, nº1, al. a), do ETAPM.
Em segundo lugar, e de forma menos evidente, considera que a Administração teria violado o princípio da igualdade, na medida em que, para um pedido de frequência do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, acabou por conceder o referido abono das passagens, apesar de inicialmente indeferida a pretensão, com o argumento de existir em Macau um curso similar ministrado na Universidade de Macau em língua inglesa.
Vejamos.
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3- Questão prévia
Aos vinte e três artigos que compunham as conclusões da petição inicial, a recorrente acrescentou mais quatro nas suas alegações facultativas.
Em boa verdade, se com elas a recorrente pretendesse arguir novos fundamentos, tal só seria possível, face ao art. 68º do CPAC, se elas decorressem do âmbito de novos elementos que o procedimento administrativo apenso tivesse trazido ao seu conhecimento (isso, nem sequer vem, aliás, invocado). E tal não foi o caso.
Certo é, porém, que elas não representam a arguição de novos vícios. De qualquer maneira, também não podem servir de desenvolvimento das inicialmente levadas à petição, ou de modo de suprimento de eventual falha ou deficiência iniciais. Por isso não as consideraremos, uma vez que é na petição inicial que o recorrente deve formular as conclusões, com indicação das normas e princípios infringidos (art. 42º, nº1, al. e), do CPAC).
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4 - Da Violação de Lei
4.1 - Acha, então, a recorrente que a Administração violou o art. 242º, nº1, al. a), do ETAPM.
Vejamos o que dispõe o artigo citado, que tem por epígrafe “Cursos no Exterior”:
«1. Os descendentes dos funcionários e agentes da Administração do Território que confiram direito a subsídio de família e que frequentem no exterior cursos de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino, têm direito a passagens:
a) De Macau para o local onde seja ministrado o curso;
b) Para uma vinda a Macau e regresso ao local de estudo, após 2 anos de permanência no exterior;
c) Regresso a Macau.
2. O encargo a suportar pelo Território tem como limite o custo da viagem de ida e regresso a Portugal, por via aérea em classe económica».
A ideia que emana do preceito é esta: garantir o acesso ao ensino médio e superior aos descendentes dos funcionários e agentes da Administração que confiram direito ao subsídio de família (era o caso). E, nos casos em que a RAEM não disponha de estabelecimentos de ensino adequados às pretensões específicas dos interessados, isto é, que não proporcionem localmente as habilitações académicas que aqueles almejam alcançar, o ordenamento jurídico assume que as despesas de deslocação verificadas por causa de uma deslocação para o exterior sejam suportadas pelo Governo da Região.
Ora, a letra da lei, segundo o nosso entendimento, desliga-se do meio linguístico em que o curso local possa ser ministrado. Isto é, o preceito não faz depender a atribuição do “direito à passagem” do aluno da língua veicular do curso. Nada disso está plasmado na norma.
O direito depende, tão somente, da inexistência na Região do curso que o aluno frequenta no exterior. Os cursos que garantam o direito ao pagamento da deslocação terão que ser oficialmente reconhecidos e apenas os «não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino».
Ou seja, apenas o requisito objectivo estabelecido na lei pode ser relevado.
E não esqueçamos que o artigo em exame estabelece um direito subjectivo. Isto é, não se prevê nele que a Administração possa conceder ou não o abono das passagens segundo critérios de discricionariedade. Não. Ao contrário, desde que verificado o pressuposto negativo ali previsto (inexistência de curso em Macau), a Administração fica vinculada a conceder o abono das passagens.
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4.2 - Pergunta-se agora: E a questão da “língua-mãe”, aquela em que o aluno se expressa, não será de relevar nesta equação? Não será justo incluir o modo de expressão do aluno no âmbito não declarado da norma, de forma que esta tenha uma aplicação equilibrada e ajustada à natureza multicultural da RAEM?
Bem. Uma vez que devem ser filhos de funcionários e agentes da Administração, cremos que em princípio deverão ser de ascendência chinesa ou portuguesa, pois só os progenitores com essas nacionalidades podem exercer funções públicas (art.10º do ETAPM). A ser assim, estaremos a representar descendentes falantes de língua maternal chinesa ou portuguesa. Em princípio, repetimos, uma vez que, excepcionalmente, trabalhadores de outras nacionalidades, reunindo características especiais (técnicas, científicas ou de ensino), podem prestar funções públicas em Macau (art. 10º, nº2, do ETAPM).
E esta excepção, em vez de ajudar à solução, acaba por complicar a tese da recorrente, salvo o devido respeito.
Na verdade, e como é previsível, não havendo uma escola em língua veicular japonesa ou filipina ou paquistanesa, por exemplo, os filhos de técnicos daquelas nacionalidades teriam direito a ir estudar para o Japão, para as Filipinas ou para o Paquistão, mesmo que localmente houvesse uma escola que leccionasse o curso da sua preferência. Seria esse o resultado, seguindo a tese da recorrente.
Da mesma maneira, se porventura houvesse uma Escola de Cinema em Macau leccionada em português, pareceria que todo um enorme universo de filhos de cidadãos de etnia chinesa, desde que funcionários da Administração Pública, teria direito a estudar no estrangeiro um curso equivalente e com viagens pagas.
Não negamos que o ensino na língua que o aluno domina melhor (a língua materna) será directamente mais proveitoso para este, e indirectamente para a RAEM, se ele voltar para Macau e aplicar localmente os seus conhecimentos na área para que se preparou. Estamos de acordo quanto a isso.
Porém, uma Região cosmopolita e culturalmente diversificada como esta não pode ter em mente, na produção legislativa, essa ordem de considerações linguísticas para todos os planos da vida societária.
Para nós, a circunstância de a RAEM estar dotada de duas línguas oficiais (art. 9º da Lei Básica) não confere automaticamente aos filhos dos funcionários chineses e portugueses nenhumas particulares prerrogativas que se refiram especialmente à língua. Nesse aspecto, todos estão em igualdade entre si e em paridade com outros alunos de diferentes nacionalidades. Se o art. 242º que ora estudamos criou o direito subjectivo acima referido, isso apenas se deve ao facto de serem descendentes de funcionários da Administração, e não ao facto de serem jovens de nacionalidade chinesa ou jovens de nacionalidade portuguesa falantes de mandarim, cantonês ou de português.
Nem prerrogativas especiais de direitos, dizíamos, nem prerrogativas de situação de vantagem. Neste plano, estão todos ao mesmo nível. E, por outro lado, também a lei não reconhece à Administração poderes de discricionariedade para intervir nesta matéria.
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4.3 - De resto, e se nos é permitida uma nota final sobre o assunto, os três cursos ministrados em Macau, a que recorrente alude na sua petição inicial (art. 17º), ora são leccionados na língua inglesa, ora simultaneamente em língua inglesa e chinesa. O espectro da cobertura é, pois, alargado. O B, não só talvez domine a língua chinesa, considerando o espaço onde cresceu, como por certo não terá dificuldades no que se refere à expressão e entendimento em inglês, enquanto língua dita universal que todos os jovens aprendem no ensino secundário, tal como aconteceu com o filho da recorrente (cfr. doc. 3 junto com a contestação; fls. 56-79 dos autos). O inglês tem essa vantagem, que nem o chinês tem para os portugueses (ainda que um cada vez maior número de pessoas estude o mandarim ou o até o cantonês) e que nem o português tem para os chineses (ainda que, da mesma maneira, um número crescente de interessados chineses procure conhecer melhor a língua de Camões). De resto, o inglês é meio de comunicação preferencial em qualquer parte do mundo em qualquer sector do turismo (restauração, hotelaria, entretenimento/animação, etc.). Embora este argumento possa não ser decisivo, é pelo menos adicional elemento de ponderação quando se faz o estudo dos objectivos dos cursos e das razões que estão na base da atribuição do abono das passagens para o exterior.
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4.4 - Diferente é agora a questão da existência em Macau de curso “similar” ao leccionado no Estoril.
É caso para perguntar: Relevante para efeito da atribuição do abono das passagens é a inexistência absoluta de cursos na mesma área em Macau? Quando a lei fala em “cursos não leccionados em Macau” estará a referir-se a cursos com a mesma composição e estrutura curricular?
O curso administrado em Portugal na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril tem a designação de Direcção e Gestão Hoteleira, cujas áreas científicas predominantes são “Técnicas e Tecnologias de Aplicação; Gestão. (Despacho nº 18161-C/2007, in DR, nº 165, 2ª série, de 14/08/2007).
No Instituto de Formação Turística existem os cursos seguintes (ver: http://www.ift.edu.mo/EN/Introduction/Home/Index/291):
1. Bachelor of Arts in Culinary Arts Management (English);
2. Bachelor of Science in Tourism Business Management (English);
3. Bachelor of Science in Heritage Management (English);
4. Bachelor of Science in Hotel Management (English; Chinese);
5. Bachelor of Science in Tourism Event Management (English; Chinese);
6. Bachelor of Science in Tourism Retail and Marketing Management (English).
Na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST) existe o Curso de Gestão Hoteleira integrado na Faculty of Hospitality and Tourism Management, cuja área científica é a Gestão (ver Boletim Oficial de macau, nº 23, I Série, de 4 de Junho), ministrado em língua chinesa/inglesa (http://www.must.edu.mo/en/fhtm-en/introduction).
Existe ainda na mesma MUST um outro curso designado de Gestão de Turismo Internacional, sendo a área científica Gestão de Turismo Internacional e tendo as línguas chinesa e inglesa como língua veicular, conforme Despacho nº 73/2008, do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, in Boletim Oficial nº 26, I Série, de 30 de Junho de 2008 (ver http://bo.io.gov.mo/bo/i/2008/26/despsasc.asp#74).
Avaliando os currículos e programas dos cursos, constata-se que existem pontos comuns entre os três cursos naquilo que eles têm de essencial, em especial na área da gestão. Evidentemente, pode haver diferenças nas estruturas, pode haver diferenças nas disciplinas e, em última análise, decerto haverá diferenças ao nível da qualidade do ensino entre as três e, porventura, até diferenças no padrão internacional de prestígio. Simplesmente, esse não pode ser critério que se siga, para efeitos da aplicação do art. 242º do ETAPM.
Tudo isto para concluir que, tal como foi afirmado no acto, há na RAEM instituições que ministram cursos similares ao leccionado em Portugal. Razão para que se não possa dizer ter sido violado o art. 242º, nº1, al. a), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, visto que ele tem por condição a inexistência absoluta em Macau de um curso superior na área turística de gestão hoteleira.
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5 – Do vício de violação do princípio da igualdade
5.1 – Pretendeu a recorrente invocar, ainda que de forma incipiente na petição inicial (cfr. arts. 42º-45º) o vício de violação do princípio da igualdade, o que veio a ser também seguido pelo digno Magistrado do MP no seu parecer final de fls. 160-161, desta vez de uma maneira bem mais expressiva.
Então, o que dizer dos dois casos que estiveram na base do vício invocado, em que a Administração, com razões e factos similares, acabou por conceder o abono das passagens?
Como é sabido, o princípio da igualdade, fundamental que é em termos gerais, nos termos do art. 25º da Lei Básica da RAEM, e se assume como princípio geral em direito administrativo (art. 5º do CPA), implica, na sua génese, igualdade de decisões administrativas e pressupõe identidade de situações fácticas.
Como foi dito no Ac. deste TSI, em 16/2/2012, Proc. nº 527/2010: “A violação do princípio da igualdade só se realiza quando alguém é privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever num quadro de facto igual que devesse justificar uma mesma solução normativa (igualdade na criação do direito) ou administrativa (na aplicação do direito), de que neste segundo caso encontramos eco no art. 5º do C.P.A. (sobre o princípio, vide GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, ed. 1992, pag. 574 e sgs). Quer dizer, portanto, que situações iguais têm que merecer iguais soluções e é aí que o princípio da igualdade encontra o seu nuclear fundamento, como é sabido.
Um princípio assim, que se rebela contra o arbítrio e as discriminações, contudo, não impõe absoluta uniformidade do regime jurídico para todos, antes permitindo diversidade de soluções perante justificada diferença de situações (Ac. do STA, de 26/3/98, Rec. nº 42.154; do T.C. nº 433/87, in BMJ nº 371/145).
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou decisão do legislador e só deve considerar-se violado quando não exista o adequado suporte ou fundamento material suficiente para a medida legislativa tomada (Ac. T.C. de 1/12/85, nº 309/85; nº 103/87, de 24/3/87, in BMJ nº 365/318). É por isso que as diferenciações de tratamento às vezes se tornam legítimas se se basearem numa distinção objectiva de situações, se tiverem um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e se se revelarem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo (Ac. T.C. - Plenário - nº 40/88, de 11/2/88, BMJ nº 347/156) ”.
A questão aqui consiste, precisamente, em saber se a matéria em causa é de discricionariedade ou de vinculação administrativa. Sendo de discricionariedade, então importará ver se as situações de facto são semelhantes e se, por esse motivo, não haveria razão para decidir diferentemente.
Ora, de acordo com a letra da lei (art. 242º do ETAPM), nenhuma dúvida é legítima a respeito da natureza vinculada da acção administrativa. Na verdade, os destinatários da norma, uma vez verificados os pressupostos estabelecidos na lei, têm direito a passagens nos termos ali previstos: não há margem para outra decisão por parte da Administração.
Portanto, o que importa ao preenchimento do direito é que, no que toca ao curso propriamente dito, o aluno frequente no exterior um curso de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino. Ou seja, se o curso que o jovem esteja a frequentar no exterior de Macau não fizer parte do elenco dos que são oficialmente leccionados em Macau, a Administração fica vinculada a suportar os custos da deslocação desde Macau até ao local onde ele seja ministrado (nº1, al.), tendo como limite o custo da viagem de ida e regresso a Portugal, por via aérea em classe económica (nº2).
O mesmo raciocínio vale para a situação inversa. Isto é, se em Macau for leccionado aquele curso no sistema de ensino oficial (oficialmente reconhecido), a Administração não tem o poder discricionário de suportar aquele encargo e, em vez disso, está obrigado a indeferir a respectiva pretensão.
Sendo assim, deixa de operar a invocação do aludido vício de violação do princípio da igualdade, o qual, como vimos, é privativo da actividade discricionária da Administrativa, que aqui se não verifica.
Neste sentido, ainda que haja decisões pretéritas da Direcção dos Serviços de Finanças, mesmo a título excepcional, que tenham concedido o subsídio, a verdade é que elas não podem ser invocadas aqui como fundamento para igualdade de tratamento.
Como já vimos, basta que em Macau haja um curso igual ou equivalente àquele que o aluno frequente no exterior para que a Administração negue o pagamento das passagens aéreas. E, como também se disse, para a lei não é relevante a língua veicular utilizada no curso.
Pode esta asserção ser um tanto incompreensível do ponto de vista da sua justiça material, porque desconsidera a língua materna em que o aluno se exprime e se torna indiferente à língua em que o curso é administrado, podendo esta solução normativa ser encarada, até, como um mau remédio se tivermos em conta a diversidade cultural e linguística dos seus residentes. Mas, quanto a isso, pouco há a fazer, se nos lembrarmos que onde a lei não distingue, não o deve fazer o intérprete.
Este é um daqueles casos em que nada o tribunal pode fazer. Compreendemos, obviamente, que a Administração tenha na ocasião sido sensível ao facto de os alunos em causa terem feito a sua formação educativa na língua portuguesa e que ficariam lesados se tivessem que frequentar um curso em Macau em diferente língua veicular (chinesa ou inglesa). O aspecto humano da questão terá tido um peso especial na ponderação daqueles casos.
Mas, nem por tanto o reconhecermos, temos que estar de acordo com a solução então encontrada a nível legal. Quer dizer, mesmo que possamos longinquamente concluir que a Administração foi nobre, sensata ou justa naqueles casos, não podemos obrigar a Administração a repetir a mesma nobreza, sensatez e justiça se, como foi o caso, neles não parece ter agido de acordo com a lei.
E isso é bastante para que se não aceite idêntica solução agora. É que, como se diz frequentemente, não há igualdade na ilegalidade. Pelo facto de ter errado uma ou duas vezes, não deve a Administração errar sempre. Um erro repetido não torna legal a solução.
Eis, então, a razão pela qual o vício se tem que dar por improcedente.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 UC (art. 89º, nº1, do RCT).
TSI, 18 de Junho de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Presente Lai Kin Hong
Victor Manuel Carvalho Coelho


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