Processo nº 535/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 08 de Outubro de 2015
ASSUNTO:
- Contrato promessa de compra e venda
- Registabilidade
SUMÁRIO:
- A registabilidade do contrato difere da validade e existência do mesmo, são realidades bem distintas.
- A função da confissão consiste em demonstrar a realidade dos factos, não podendo, por isso, suprir uma formalidade essencial legalmente exigida para efeito de registo.
- Não era registável o contrato promessa sem reconhecimento notarial das assinaturas nele apostas, tanto ao abrigo da Lei nº 7/2013 como ao regime anterior.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 535/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 08 de Outubro de 2015
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário A, SA
Recorrida: Companhia de Desenvolvimento B, Limitada
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 05/12/2014, julgou-se improcedente a acção de rectificação judicial do registo, mantendo-se o registo impugnado.
Dessa decisão vem recorrer a Sociedade de Investimento Imobiliário A, SA, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Admite a sentença ora recorrida que a Lei n.º 7/2013, ao abrigo da qual foi feito o registo em questão nos autos, não contém norma que determine que o contrato promessa, celebrado antes da respectiva entrada em vigor, sem reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes, possa servir de base ao registo provisório de aquisição;
B. A decisão ora recorrida recorre aos elementos (i) sistemático, (ii) histórico e (iii) teleológico para dizer (i) que a validade existia mas não para registo. (...) Logo, se a validade para registo não existia antes não pode agora ser "mantida". Mais, que o "legislador não disse em parte alguma que os contratos anteriormente celebrados que não eram bons para registo se transformavam agora em bons para registo, mesmo sem o reconhecimento notarial das assinaturas." E que "resulta claramente" da ponderação do elemento sistemático, nomeadamente do artigo 37.º do Código do Registo Predial, "que um documento particular sem reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes não possa merecer confiança mínima para servir de base ao registo, ainda que provisório." Concluindo "que admitir um documento particular sem reconhecimento notarial das assinaturas fere os princípios registais mínimos no que respeita à segurança em sede de prova do facto registado, essencialmente em casos, como o dos autos em que é o adquirente o requerente do registo a pretender a prova do facto registando que o favorece em exclusivo." (ii) que as "circunstâncias em que a lei foi elaborada só pode apontar no sentido de não reduzir as exigências de segurança relativamente às condições de registo", e, por fim, (iii) quanto ao elemento teleológico, ou fim da norma, que, se "o legislador de 2013 quis com o n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 permitir o registo da aquisição, ainda que provisório, apenas com base em documento particular sem assinatura reconhecida a pedido do adquirente, deu, num ápice, uma contundente "machadada" nas regras sobre o valor probatório dos documentos particulares, virando tudo do avesso." Concluindo que não se encontra na lei nova a "norma que dispensa, para fins de registo, o reconhecimento notarial das assinaturas relativamente aos contratos de pretérito. Assim, o registo impugnado é nulo por ter sido indevidamente lavrado com base em título insuficiente para prova legal do facto registado e pode ser cancelado, nos termos do disposto nos artigos 17.°, alínea b) e 117.° do CRP.";
C. Defende o douto Tribunal a quo que, ao declarar nos autos que celebrou o contrato, a Recorrente veio suprir a necessidade do reconhecimento notarial das assinaturas apostas no mesmo, decidindo que, apesar de indevidamente lavrado o registo com base em título insuficiente, o mesmo só pode ser cancelado se inexistir nas instâncias de registo declaração do promitente vendedor e proprietário inscrito, a confirmar a promessa de transmissão;
D. Fá-lo com o fundamento de que tal cancelamento traria consequências nefastas que o legislador quis afastar, com base no chamado elemento sinépico da interpretação da lei, que autoriza o intérprete-aplicador a ponderar as consequências do resultado da sua decisão - por essa razão, o Tribunal a quo não admitiu o cancelamento do registo que a própria sentença recorrida reputa de "indevidamente lavrado";
E. A sentença recorrida viola a presunção legal de que o intérprete soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
F. Resulta claro da letra do n.º 3 do artigo 8.° do Código Civil e do teor da própria sentença recorrida, que ao falar no n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 de validade contratual e não em suficiência de título para servir de base ao registo, o legislador não o fez por não saber exprimir o seu pensamento, mas porque o soube fazer em termos adequados;
G. O legislador não confundiu, nem quis confundir, validade com registabilidade, pois quando no artigo 26.º disse que os contratos de pretérito se mantinham válidos, não quis dizer que estes passavam a ser bons para registo, nos termos do artigo 10.° da referida Lei n.º 7/2013;
H. O legislador afirmou expressamente no n.º 1 artigo 3,° da Lei n.º 7/2013 que a mesma não se aplica aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor e não dispensou de reconhecimento notarial aqueles que nos termos do seu artigo 26.° viessem a ser inscritos no registo predial;
I. A ter confirmado na petição inicial que celebrou a promessa, em 2011, a Recorrente não dispensou, nem quis dispensar, o reconhecimento notarial das assinaturas, não ratificou, não supriu, a deficiência que esteve na base do registo indevidamente lavrado.
J. A sentença recorrida viola a unidade do sistema jurídico;
K. Em sede de registo predial, a intervenção do notário não era irrelevante antes, nem o passou a ser depois da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013;
L. O Ilustre Conservador e com ele o douto Tribunal a quo, admitem como válido o registo do contrato promessa a pedido do promissário, desvalendo a posição do promitente que o artigo 41.° do CRP protegia;
M. O douto Tribunal a quo não pode aproveitar o documento particular, considerando a intervenção do notário substantivamente irrelevante, admitindo o registo da transferência do direito com base na mera declaração de que este foi celebrado, in casu, em 2011, dois anos antes de ter sido admitido a registo, a 15 de Agosto de 2013;
N. Com a sua interpretação, o douto Tribunal a quo permite que o Ilustre Conservador dispense o arquivamento exigido pelo n.º 3 do artigo 9.° da nova lei, a que está obrigado o notário depois de efectuado o reconhecimento notarial e até impedir a emissão das respectivas certidões nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 6.° e do n.º 1 do artigo 171.º do Código do Notariado;
O. A interpretação do Tribunal a quo não atende ao enquadramento da nova lei, e não leva "sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico" como manda o n.º 1 do artigo 8.° do CC, nem tão-pouco do sistema registral;
P. A sentença recorrida está ferida de nulidade por excesso de pronúncia;
Q. O cancelamento de um registo nulo não pode, salvo o devido respeito pela douta opinião do Tribunal a quo, ser visto como resultado desproporcionado ou desastroso e, menos ainda, juridicamente absurdo;
R. O Tribunal a quo presumiu intenções que a Recorrente não tem para justificar o eventual recurso ao elemento sinépico da interpretação;
S. O Tribunal a quo não dispunha de todos os factos, nem estava em posição de se pronunciar sobre a intenção da Recorrente, nem sobre a validade do contrato dos autos, sendo certo que o receio demonstrado com a prolação da sentença recorrida se encontra devidamente acautelado com o registo da acção judicial de execução específica lavrado, provisoriamente por natureza, sob a inscrição n.º XXXXXXX da Conservatória do Registo Predial;
T. O douto Tribunal a quo quis vislumbrar no pedido da Recorrente o que o legislador de 2013 visou penalizar e impedir, incorrendo em excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC;
U. Ao chamar à colação o elemento sinépico, o douto Tribunal a quo avaliou as consequências do cancelamento do registo indevidamente lavrado, sem que, para tal, estivesse em posição de conhecer ou tenha conhecido de todos os factos relevantes para o fazer;
V. E não conheceu de tais factos porque estes não lhe foram, nem tinham que ser oferecidos, pois não se pediu ao douto Tribunal a quo que se pronunciasse sobre a validade do contrato, porquanto a Recorrente limitou-se a pedir, tanto e só, que fosse cancelado um registo nulo com base na insuficiência do título que lhe serviu de base;
W. Neste processo especial, não se discute a validade do contrato, nem tem de se discutir, cabendo apenas ao requerente ou autor alegar os factos constitutivos do direito que invoca, nos termos do n.º 1 do artigo 335.º do Código Civil;
X. Num processo especial de rectificação de registo, como o previsto nos artigos 121.º e seguintes do CRP, o requerente apenas tem de alegar, sob pena de ineptidão ou improcedência do pedido, factos que demonstrem a insuficiência do título que serviu de base ao registo que pretende ver rectificado ou cancelado;
Y. Por essa razão, a Recorrente não alegou, nem tinha de o fazer, por o presente processo especial não ser a sede própria, que o contrato promessa já se encontra resolvido por Notificação Judicial Avulsa de 22 de Maio de 2014, ou que as partes acordaram no direito da Recorrente à resolução convencional discricionária, também chamado direito ao arrependimento - cfr. cláusula 2.2 do contrato;
Z. De resto, a sua discussão não cabe nos presentes autos, nem a Recorrente pretende suscitá-los como questão nova - que, aliás, sempre estaria, como sabido, subtraída à apreciação do Tribunal ad quem -, mas que apenas aqui se referem, por absurdo, para demonstração lógica do facto de que o Tribunal a quo, face à natureza e escopo limitado do processo especial de rectificação de registo, não dispunha, nem estava em posição de dispor, de todos os factos relevantes que o habilitassem a recorrer ao elemento sinépico da interpretação da lei, para aferição das consequências do resultado da decisão de aplicar a lei sem recurso àquele elemento;
AA. Ao fazê-lo, sustentado na conclusão de que o contrato permanece válido, o Tribunal a quo, com o devido respeito, que é muito e merecido, sobrepôs-se à vontade das partes contratantes, atribuindo-lhes retroactivamente um desiderato - permitir o registo provisório da promessa - que, todavia, nenhuma delas quis à data da celebração daquele;
BB. É que o contrato celebrado deve produzir os efeitos que, à altura da sua celebração, ambas as partes quiseram que produzisse. Nem mais, nem menos. E nenhuma delas quis, então, levá-lo a registo, nem sujeitá-lo a eficácia real;
CC. Ao pronunciar-se sobre a validade do contrato promessa, a sentença recorrida foi para além dos efeitos limitados pela vontade da Recorrente e autora, violando o princípio do dispositivo, cuja manifestação se encontra nos artigos 5.°, 407.°, 408.°, 564.º, n.º 1 e 571.°, n.º 1, todos do CPC - está, por isso, a douta sentença recorrida ferida também de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC;
DD. Baseando-se no elemento sinépico, o Tribunal a quo decidiu em total detrimento dos elementos literal, sistemático, histórico e teleológico da Lei n.º 7/2013, afastando, em particular, a aplicação da alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.° e do n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013;
EE. Tal desaplicação arreda os princípios basilares e orientadores do direito registral, em sede de registo predial, desde logo, (i) o princípio da legalidade, (ii) o princípio do trato sucessivo, (iii) o princípio da eficácia declarativa, (iv) o princípio da instância e o (v) da fé pública registral ou presunção de verdade e exactidão, e, ainda, o princípio da segurança e certeza jurídicas;
FF. É o princípio da segurança jurídica que, nos termos do artigo 1.º do CRP, constitui os alicerces do direito registral, estipulando que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, que garante a eficácia dos actos e contratos celebrados sobre os imóveis, com base em duas vertentes fundamentais: que o registo é oponível a terceiros e que constitui presunção de que o direito pertence ao titular inscrito nos termos em que nele se encontra definido, conforme dispõem, respectivamente, o artigo 5.º e o artigo 7.º do CRP.
GG. A sentença recorrida viola o princípio da legalidade, plasmado no artigo 59.º do CRP, também chamado de qualificação, em que assenta a própria credibilidade do sistema do registo predial e estruturante do direito registral de Macau;
HH. Com a sua decisão, o conservador mais não fez do que inscrever no registo um facto que não estava contido no documento apresentado: a vontade das partes em sujeitá-lo a registo - nem do promitente, nem do promissário; nem em conformidade com a lei nova, nem em conformidade com a lei anterior;
II. Ao não declarar o cancelamento do registo indevidamente lavrado, o douto Tribunal a quo, mantém uma situação que viola as regras definidas pela lei e, assim, confere fé pública a um acto que não preenche todos os requisitos legais para a ter;
JJ. O princípio do trato sucessivo em que se baseia a aquisição tabular e a fé pública do registo sai ferido com a decisão recorrida, pois reconhece um direito susceptível de ser transmitido que não existe;
KK. Os resultados legais e práticos da decisão recorrida vêm, por isso, colocar na cadeia do trato sucessivo do registo da fracção uma peça que, tanto por razões formais como materiais, deveria inexistir: um registo nulo e indevidamente lavrado;
LL. À data da celebração do contrato, nenhuma das partes pretendia atribuir-lhe eficácia real, sujeitá-lo a um registo que nada tem de provisório e que, mais até do que o tornar oponível a terceiros, quase o investe de um efeito atributivo, para além dos efeitos ad probationem do registo;
MM. Isto é, a Recorrida não adquiriu nenhum direito real através do contrato promessa, o seu titular era e continua a ser a Recorrente, mas da sua inscrição no registo, ao abrigo da Lei n.º 7/2013, resulta a aquisição do direito real pela Recorrida;
NN. Por conseguinte, ainda que, ao tempo da celebração do contrato, fosse admissível o seu registo, o que não se concede, nenhuma das partes contratantes poderia prever que o seu registo provisório produzisse, sem mais, tais efeitos;
OO. Pois deste novo regime resulta não só um registo provisório que se renova automaticamente como a oponibilidade a terceiros nos termos gerais, entendida como eficácia real;
PP. As partes não convencionaram nem quiseram convencionar a atribuição de tais efeitos;
QQ. Nos termos do artigo 34.º do CRP, salvo nos casos especialmente previstos na lei, o registo não pode ser efectuado oficiosamente mas apenas a requerimento dos interessados, sobre quem recai o ónus de carrear para o processo os elementos necessários para a decisão do conservador;
RR. O processo não foi instruído com documento que atestasse a vontade das partes de registar o contrato promessa, como exigido antes da Lei n.º 7/2013, nem com documento que cumprisse os requisitos que esta impõe;
SS. Não se pode aceitar que, contrariamente ao que impõe a fé pública do registo, o douto Tribunal a quo venha permitir que o registo do contrato promessa produza aquilo que as partes não quiseram produzir com a celebração do contrato, substituindo com a legalidade registral o que a legalidade substancial não permite.
TT. Ao recusar declarar a nulidade do registo in casu, o douto Tribunal a quo, com o devido respeito, mantém uma presunção que não devia existir no sistema registral, conferindo fé pública a um facto inscrito com base em título insuficiente.
UU. A douta sentença de fls. 160 a 170, ora recorrida, é nula, nos termos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC, e viola o artigo 7.°, a alínea b) do artigo 17.º e os artigos 34.º, 37.°, 41.° e 59.°, todos do CRP, o artigo 8.º, o n.º 1 do artigo 402.º e o n.º 1 do artigo 407.° CC, o artigo 5.° e o n.º 1 do artigo 564.° do CPC e, ainda, a alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.º, o artigo 10.º e o n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 e, bem assim, os princípios da legalidade, do trato sucessivo, da eficácia declarativa, da instância e da fé pública registral ou presunção da verdade e exactidão do registo, bem como o princípio da segurança e certeza jurídicas.
*
A Recorrida respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 299 a 328 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
Requerendo também a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto do artº 590º do CPCM, com as seguintes conclusões:
....
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
VII.
VIII.
IX.
X.
XI.
XII.
XIII.
XIV. O artigo 26.º n.º 1 da Lei n.º 7/2013 confere validade aos contratos-promessa de transmissão de parte do edifício em construção celebrados antes de 1/06/2013, data do início da sua vigência.
XV. O artigo 26.º n.º 1 da Lei n.º 7/2013 declara a validade formal e substancial dos contratos de pretérito para os efeitos que a referida lei prevê, ou seja, a susceptibilidade de produzirem os efeitos jurídicos consagrados no regime estabelecido por esta lei.
XVI. Um dos efeitos que a Lei n.º 7/2013 pretende ao conferir validade aos contratos de pretérito é a possibilidade de serem sujeitas a registo as promessas de aquisições de imóveis anteriores à sua vigência.
XVII. Pretendeu a lei obviar a subsequente e múltipla promessa de venda e/ou venda do mesmo imóvel, seja pelo promotor do empreendimento seja por terceiros.
XVIII. Para que tal registo seja possível o legislador excluiu da aplicação a estes contratos de pretérito dos requisitos formais previstos nos artigos 4.º a 9.º da Lei n.º 7/2013.
XIX. Entendimento que é corroborado pelo artigo 26.º da Lei n.º 7/2013, que afasta daquele regime de exclusão dois tipos de negócios que apenas têm lugar depois da entrada em vigor da nova lei: a transmissão da parte restante do edifício que não foi transaccionada à data da sua entrada em vigor, que está sujeita ao regime estabelecido naqueles artigos; e a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração posteriores à entrada em vigor que ficam sujeitas ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes, mesmo que os respectivos contratos-promessa tenham sido celebrados antes da entrada em vigor da referida lei.
XX. Os contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, que não tenham as assinaturas dos contratantes reconhecidas, são título bastante para que a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração possam ser levados a registo, desde que as assinaturas da cessão ou da promessa de oneração estejam reconhecidas notarialmente, dispensando a lei os restantes requisitos, de acordo com o n.º 6 do artigo 26.º.
XXI. Se, para efeitos de registo dos contratos de pretérito, a nova lei exigisse o reconhecimento das assinaturas das partes outorgantes, a mesma lei não poderia prever que esses mesmos contratos, sem qualquer reconhecimento de assinaturas, servissem para titular a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração supervenientes à sua entrada em vigor ao ponto de poderem ser apresentadas a registo.
XXII. Nesta hipótese, o contrato-promessa (de pretérito) não era registável, mas já o era a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração que lhe sucederam, o que seria um contra-senso.
XXIII. Conjugando o artigo 26.º, n.º 6, com o artigo 9.º, n.º 2 alínea 1) da Lei n.º 7/2013, resulta que se os contratos de pretérito não pudessem ser registados provisoriamente, não poderia existir qualquer a cessão da posição contratual ou da promessa de oneração relativamente às promessas de compra e venda celebradas antes da entrada em vigor desta lei, situação que é expressamente admitida no n.º 6 do artigo 26.º.
XXIV. A Lei n.º 7/2013 exige o reconhecimento das assinaturas das partes nos contratos de cessão da posição contratual, no n.º 6 do artigo 26.º, pelo que se não se encontrar registada a transmissão titulada pelos contratos de pretérito, no qual constará o promitente-comprador que assume ali posição de cedente, o notário não reconhecerá as respectivas assinaturas, de acordo com a leitura do do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1).
XXV. Situação que retiraria à norma transitória qualquer efeito útil, porque o regime por ela criado só se aplicaria às situações ocorridas após a sua entrada em vigor, não admitindo sequer cessões da posição contratual supervenientes aos contratos de pretérito, o que contraria frontalmente a intenção do legislador e o disposto no n.º 6 do artigo 26.º da referida lei.
XXVI. O artigo 26.º prevê a sujeição a registo dos contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, estabelecendo para o efeito um regime de benefícios fiscais, nos prazos e condições previstos no seu n.º 5.
XXVII. O Parecer da Assembleia Legislativa refere a vontade do legislador de submenter a registo os contratos de pretérito, nesse parecer se dizendo que "A fim de incentivar o registo, em tempo útil, dos contratos-promessa de compra e venda (...) celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, prevê-se, nas disposições transitórias, a isenção dos emolumentos de registo (...)".
XXVIII. O contrato-promessa de compra a venda celebrado em 19/04/2011 entre a Recorrente (na qualidade de promitente-vendedora) e a Recorrida (na qualidade de promitente-compradora) é totalmente válido, do ponto de vista substancial e formal, e estava em plenas condições de ser levado o registo, conforme as disposições da Lei n.º 7/2013.
XXIX. O registo de aquisição a favor da ora Recorrida, sob a inscrição 257448G, foi devidamente lavrado, não padecendo dos vícios invocados pela Recorrente.
XXX. Se se entendesse que o registo dos contratos de pretérito tinha como condição prévia a constituição do registo provisório da propriedade do edifício, o contrato-promessa em causa estava em condições de ser registado porque o registo provisório da constituição da propriedade horizontal do edifício foi efectuado antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, pelo que se encontravam reunidos os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 10.º e na alínea 2) do n.º 5 do artigo 26.º dessa lei para o registo da aquisição da fracção autónoma "G1" a favor da ora Recorrida, titulada pelo contrato-promessa de compra e venda supra referido, com total isenção de emolumentos.
XXXI. O registo da transmissão titulada pelo contrato-promessa celebrado em 19/04/2011 está conforme às regras aplicáveis aos contratos de pretérito previstas na Lei n.º 7/2013.
XXXII. O contrato-promessa de compra e venda que a recorrida, na qualidade de promitente-compradora, outorgou com a recorrente é, pois, título válido para registar provisoriamente a seu favor a respectiva fracção, na medida em que esse contrato, por força da aprovação da Lei n.º 7/2013 e da declaração da sua validade, ficou sujeito ao regime legal que decorre da conjugação das citadas normas legais, nomeadamente ao seu artigo 10.º.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) Em 15 de Agosto de 2013, a sociedade comercial Companhia de Desenvolvimento B, Limitada requereu, junto da Conservatória do Registo Predial, sob a apresentação n.º XXXX, o registo da aquisição, a seu favor, da fracção autónoma “XX” do 1.º andar do prédio sito em Macau, na Baía da XXXX, denominado “XXXX”, s/n, descrito sob n.º XXXX, a fls. 81 do Livro B8K, com o título constitutivo da propriedade horizontal inscrito, então provisoriamente por natureza, sob o n.º XXXX, ali registado a favor da Requerente sob a inscrição n.º XXXX, a fls. 88 do Livro F20K;
b) O prédio supra identificado encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição n.º XXXX, a fls. 174 do Livro F8K da aludida Conservatória.
c) O pedido de registo foi instruído com a pública-forma do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma, celebrado por documento particular, no dia 19 de Abril de 2011, entre a Requerente, como promitente-vendedora, e a Requerida, como promitente-compradora, e, ainda, com a guia de pagamento do imposto do selo devido, cobrado em 25 de Abril de 2011.
d) As assinaturas dos representantes da Requerente e da Requerida apostas no aludido contrato-promessa não se encontram reconhecidas notarialmente, não tendo sido atribuída eficácia real ao mesmo pelas referidas partes contratantes.
e) O registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção da referida Fracção “G1”, foi lavrado a favor da Requerida sob a inscrição, provisória por natureza, n.º XXXX, com menção expressa ao n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2013, de 27 de Maio.
f) O registo provisório de constituição de propriedade horizontal do referido prédio havia sido feito anteriormente a favor da Requerente, através da apresentação n.º 108, de 30 de Maio de 2013, sob o n.º XXXX, tendo, entretanto, sido registada a sua conversão em definitivo sob a apresentação n.º 342, de 29 de Maio de 2014, a que corresponde o averbamento n.º 1 à aludida inscrição.
g) Em 23 de Julho de 2014, a Requerente solicitou, junto da Conservatória do Registo Predial, a rectificação do aludido registo, com fundamento em nulidade, requerendo, ainda, o averbamento à inscrição n.º XXXX da pendência da rectificação, e, bem assim, que a Requerida fosse notificada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código do Registo Predial.
h) Por via do ofício n.º 106/CRP/2014, de 11 de Agosto p.p., recebido no dia 13 do mesmo mês, foi notificado à Requerente o despacho exarado pelo Exmo. Senhor Conservador Substituto da Conservatória do Registo Predial de Macau, que lhe indeferiu liminarmente a sua pretensão.
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III – Fundamentação:
1. Das questões prévias:
1.1 Do desentranhamento de documento:
A Recorrida vem requerer o desentranhamento do documento junto pela Recorrente aos autos a fls. 271 e seguintes em sede da motivação do recurso.
Trata-se duma certidão do registo predial actualizada da fracção autónoma em crise, com vista a provar uma factualidade que não é relevante para a boa decisão da causa.
Assim, ao abrigo do disposto do nº 1 do artº 468º do CPCM, determina-se o desentranhamento do mesmo e a respectiva restituição.
Custas do desentranhamento pela Recorrente com 1UC de taxa de justiça.
Notifique.
1.2 Do não atendimento dos novos factos invocados:
Entende a Recorrida que os factos alegados pela Recorrente em sede do presente recurso (parágrafos 4º da página 13, 3º e 4º da página 15 e todo o alegado nas páginas 16 e 17 da motivação do recurso) não devem ser atendidos, por não serem factos novos.
Analisada a motivação do recurso da Recorrente, não se nos afigura que a matéria alegada em causa constitua factos, mas antes interpretações de factos, intensões, posturas ou comportamentos.
De qualquer forma, a matéria alegada, ainda que fosse factos, não é relevante para o mérito da causa, pelo que não é atendida para o efeito.
2. Do recurso:
2.1 Da nulidade da sentença por excesso da pronúncia
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo ao pronunciar-se sobre a validade do contrato promessa de compra e venda, foi para além dos efeitos limitados pela vontade das partes, violando assim o princípio do dispositivo, o que gera a nulidade da sentença por excesso da pronúncia nos termos da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM.
Salvo o devido respeito, não se nos afigura que assista razão à Recorrente.
A referência da validade do contrato promessa na sentença recorrida consiste, a nosso ver, simplesmente num argumento que ajudará a uma interpretação da lei.
Como é sabido, o juiz pode extrair da matéria alegada outros factos ou razões que levem a motivar uma dada linha de fundamentação.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão deste Tribunal de 10/09/2015, proferido no Proc. nº 498/2015, no qual o Relator e o 1º Adjunto dos presentes autos intervieram como 1º e 2º Adjuntos do Colectivo.
Pelo exposto, se conclui pela inexistência da nulidade assacada, pelo que é de julgar improcedente este fundamento do recurso.
2.2 Do mérito da causa:
Entende o Tribunal a quo que com a confissão da existência do contrato promessa de compra e venda por parte da Recorrente nos autos fica suprida a necessidade do reconhecimento notarial das assinaturas apostas no mesmo para efeitos de registo, uma vez que o reconhecimento notarial é, ao lado do reconhecimento pela parte contra quem o documento é apresentado, uma das duas formas de demonstrar a veracidade da letra e da assinatura, nos termos dos artºs 368º e 369º do CCM.
Além disso, defende ainda que, mesmo ter sido indevidamente lavrado o registo com base em título insuficiente, este só pode ser cancelado se inexistir nas instâncias de registo declaração do promitente vendedor e proprietário inscrito, a confirmar a promessa de transmissão.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar o entendimento do Tribunal a quo.
Como é sabido, a confissão é uma prova que tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artºs 334º e 345º do CCM).
No caso sub justice, não está em causa a existência ou não do contrato promessa de compra e venda, mas sim a sua registabilidade.
Para efeito de registo do mesmo, tanto a lei antiga como a nova (Lei nº 7/2013) exige, como formalidade essencial, o reconhecimento notarial das assinaturas apostas no mesmo.
Ora, uma coisa é a formalidade legalmente exigida para efeito do registo, outra é a prova dos factos.
Provada a existência do contrato promessa pela confissão não significa que o mesmo reúna já os requisitos legais para o registo.
A registabilidade do contrato difere da validade e existência do mesmo, são realidades bem distintas.
Como já referimos, a função da confissão consiste em demonstrar a realidade dos factos, não podendo, por isso, suprir uma formalidade essencial legalmente exigida para efeito de registo.
No mesmo sentido, veja-se também o acórdão deste Tribunal de 10/09/2015, proferido no Proc. nº 498/2015 (por nós antes já referido).
Em relação ao argumento de que só pode ser cancelado se inexistir nas instâncias de registo declaração do promitente vendedor e proprietário inscrito, a confirmar a promessa de transmissão, cumpre-nos dizer que se trata dum argumento que não tem suporte legal, pelo que o mesmo não pode ser atendido.
Face ao expendido, o recurso não deixará de se julgar procedente e a sentença recorrida haverá de ser revogada.
2.3 Da ampliação do recurso:
A questão suscitada na ampliação do recurso pela Recorrida já foi objecto de análise e decisão por parte deste Tribunal num processo congénere.
Por acórdão de 16/07/2015, proferido no Proc. nº 266/2015, foi decidido que não era registável o contrato promessa sem reconhecimento notarial das assinaturas nele apostas.
Por concordarmos integralmente com as razões e fundamentação aí expostas, passamos a transcrever as partes pertinentes:
“3 – Apreciando
3.1 - Discute-se, então, no presente recurso se a Lei supra citada permitiria ou não o registo provisório a que se refere a inscrição nº 254.495G lavrado a favor do requerido, ora recorrente.
Vejamos o que dizem as disposições legais.
É efectivamente nulo, segundo o art. 17º, nº1, al. b), do CRP, o registo que “tiver sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado”.
Esta questão da prova assume particular importância, na medida em que “Só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem” (art. 37º, nº1, do CRP).
Ou seja, o que está em causa é um título “suficientemente” comprovativo do facto registando.
Claro está que a declaração negocial é importante, pois é nela que se descobre a densificação do acto jurídico e, portanto, do direito em apreço, mas as assinaturas mostram-se, neste plano do registo, elementos ainda mais reveladores da intenção subjacente, sendo como que o garante de uma paz para o comércio jurídico.
É nessa senda que se alcança o disposto no art. 41º do CRP, ao prescrever a necessidade de reconhecimento presencial das assinaturas dos declarantes/outorgantes. Atente-se no seu conteúdo:
«1. O registo provisório de aquisição de um direito ou de constituição de hipoteca voluntária, antes de titulado o negócio, é feito com base em declaração do proprietário ou titular do direito.
2. A assinatura do declarante deve ser reconhecida presencialmente, salvo se for feita perante o funcionário da conservatória.
3. O registo provisório de aquisição ou de hipoteca pode também ser feito com base em contrato-promessa de alienação ou de oneração, com reconhecimento presencial da assinatura dos outorgantes».
Ora, estamos seguros que as assinaturas apostas neste contrato-promessa não foram objecto de reconhecimento presencial. Parece ser, por isso, firme que à sombra do CRP estar-se-ia perante um título insuficiente, que não permitiria o registo provisório.
Todavia, o registo foi feito sob a expressa e declarada égide da Lei nº 7/2013!
Poderia sê-lo?
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3.2 – A lei nº 7/2013, de 27/05 veio regular os negócios jurídicos que tenham por objecto a promessa de transmissão de edifícios em construção, bem como a sua promessa de oneração. E introduziu parâmetros e critérios mais apertados, tendo em vista, precisamente, a regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções e a garantia dos legítimos direitos e interesses dos contratantes (cfr. art. 1º).
De acordo com este diploma, os negócios jurídicos de promessa de transmissão e oneração de edifícios em construção obedecem a determinadas regras:
a) Sob pena de nulidade, só podem realizar-se após autorização prévia da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, adiante designada por DSSOPT (art. 4º);
b) Os contratos de promessa são titulados por documento particular com as assinaturas reconhecidas notarialmente (art. 6º, nºs 2 e 3; 9º);
c) Os contratos devem conter determinados elementos, sob pena de anulabilidade (art. 7º, nº1);
d) O conteúdo do contrato deve estar em conformidade com o disposto na lei, o que deve ser declarado por advogado (art. 8º)
É claro que esta lei não se aplica aos negócios jurídicos celebrados antes da sua entrada em vigor (art. 3º, nº2, al. 1)). No entanto, excepcionalmente haverá que ter em conta o disposto no art. 26º (art. 3º, nº2, al. 1), “fine”).
O que contém o art. 26º? A resposta está na sua epígrafe: disposições transitórias.
Vejamos o seu conteúdo integral:
«1. Mantêm-se válidos os negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração sobre parte do edifício em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, devendo, todavia, os negócios jurídicos sobre a parte restante do edifício obedecer ao disposto na presente lei.
2. Caso hajam sido celebrados negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção, antes da entrada em vigor da presente lei, sem que o registo provisório de constituição de propriedade horizontal tivesse sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerer o registo em causa no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.
3. Após o decurso do prazo referido no número anterior sem que tivesse sido requerido o registo provisório de constituição de propriedade horizontal, qualquer interessado nos negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, pode requerer o registo em causa, sendo os emolumentos suportados pelo promotor do empreendimento.
4. O promotor do empreendimento goza de redução de 10% dos emolumentos de registo provisório de constituição de propriedade horizontal, desde que, aquando do pedido, nos termos do n.º 2, apresente a pública-forma de todos os negócios jurídicos em que tenha intervindo, e que tenham sido celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, relativos aos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração.
5. Está isento de emolumentos o registo dos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração, celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, nas seguintes situações:
1) O promotor do empreendimento requeira o registo nos termos do n.º 4;
2) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal de edifício em construção tenha sido efectuado antes da entrada em vigor da presente lei, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de entrada em vigor da presente lei;
3) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal tenha sido requerido nos termos do n.º 2 ou n.º 3, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de realização do registo provisório.
6. Relativamente aos contratos-promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes estão sujeitas às disposições da presente lei, excepto o disposto sobre autorização prévia, confirmação por advogado e elementos necessários do contrato».
Deste artigo, destaquemos duas normas: a do nº1 e a do nº6.
O nº1 preceitua que os contratos celebrados antes da entrada em vigor da lei «sobre parte do edifício em construção» se mantêm válidos. E dele resultam, desde logo, duas ordens de considerações:
Em primeiro lugar, trata-se de uma disposição que só se aplica aos contratos de promessa de partes do edifício, nomeadamente, a fracções de residência ou de aparcamento.
Em segundo lugar, e como é evidente, só se manterão válidos os negócios que eram válidos ao tempo da sua celebração. Quer dizer, esta lei não tem virtudes sanatórias de modo a tornar válidos os negócios que sofriam de algum tipo de invalidade.
O nº6 estipula que, em relação aos contratos de promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes ficam sujeitas às disposições da presente lei, excepto quanto à “autorização prévia”, “confirmação por advogado” e “elementos necessários ao contrato”.
Não nos iludamos quanto ao alcance das palavras deste inciso: as disposições da presente lei só se aplicam à cessão da posição contratual e às promessas de oneração (supervenientes) que venham a ocorrer após os contratos de promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei 7/2013.
Isto parece querer dizer que as disposições da lei em causa, “a contrario sensu”, não se aplicam directamente aos contratos de promessa, em si mesmos, celebrados anteriormente.
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3.3 – (Idem)
E assim sendo, se tais contratos eram válidos, assim continuarão a ser, face à nova lei (6º, nº1). Mas, o facto de colherem a sua validade na lei anterior (CRP) não significa que bebam da nova os requisitos da sua registabilidade. Isso não é dito em lado nenhum da lei.
Quer dizer, a conjugação dos nºs 1 e 6 do art. 26º está perfeitamente em consonância com a trajectória do âmbito de aplicação definido no art. 3º, nº2, al. 1).
Ou seja, o novo diploma não se aplica, em princípio (em regra) aos contratos de pretérito, porque assim o estatui imperativamente o art. 3º, nº2, al.1), a não ser nos casos (de excepção) previstos no art. 26º, entre os quais se não prevêem, declarada e expressamente, os contratos de promessa celebrados anteriormente, podendo até dizer-se que, com a literalidade restritiva do nº6, teria querido o legislador intencionalmente afastá-los.
Aliás, se na lei anterior o registo não podia ser feito por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, mal se perceberia que, à luz do novo diploma - que sabemos entretecido de malhas mais apertadas para controlo do mercado imobiliário especulativo e reforço da transparência, segurança e certeza jurídicas - ele pudesse ser feito, tendo em conta, inclusive, que o próprio artigo 6º até continua a exigir o reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes!
Repare-se que o nº6 do art. 26º referido, exclui expressamente o disposto na lei sobre “autorização prévia” do art. 4º, sobre “confirmação por advogado” do art. 8º e sobre os “elementos necessários do contrato” do art. 7º, mas não exclui o reconhecimento notarial previsto no art. 6º, nº3. Quer dizer, além de o nº6 do art. 26º apenas ter na sua mira as cessões de posição contratual e as promessas de oneração posteriores aos contratos-promessa de compra e venda, em relação a estes (contratos-promessa) não excluiu a necessidade de reconhecimento notarial.
Por conseguinte, estamos seguros que tanto o CRP, como a lei 7/2013 exigem o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes (presencial, além; notarial, aqui) e nenhuma interpretação sensata pode legitimar a ideia de que um negócio validamente celebrado ao tempo do CRP bastará para o registo, se tanto o diploma vigente ao tempo da sua celebração, como o actualmente imperante obrigam ao reconhecimento das assinaturas dos contraentes.
Não faria, aliás, o menor sentido – nem isso tem o menor apoio na lei – dizer que só por ser válido, nada já mais obsta ao registo provisório, até porque são coisas diferentes: uma coisa é a validade do negócio, que tem que ser analisada sob o comando das disposições substantivas do Código Civil – outra é a sua registabilidade, que deve obedecer aos comandos das regras registrais prediais.
Aceitar uma diferente interpretação seria o mesmo que reconhecer um anacronismo. Isto é, seria o mesmo que admitir a aplicação da nova lei, porém expurgada do requisito do reconhecimento notarial que ela impõe aos novos contratos celebrados sob o seu império. Ora, nada disso está no articulado da lei em forma de preceito, nem isso emerge, sequer longinquamente, do espírito normativo.
O lapso do recorrente reside, cremos nós, na circunstância de olhar para a “validade” mantida pelo art. 26º, nº1 da Lei 7/2013, como sendo uma fonte excludente dos requisitos da registabilidade.
Mas, como pode ousar ler no texto dessa lei uma tal permissividade, se todo o diploma vai no sentido contrário?!
Olhar para o nº1 do art. 26º dessa forma equivale a aceitar que o legislador, apesar de obrigar ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes, quis dar um “bónus” registral aos contraentes dos negócios celebrados ao tempo do CRP, passando uma esponja sobre a exigência contida no art. 41º, que impunha o reconhecimento presencial.
Assim, é de entender que quanto aos contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei 7/2013, o seguinte:
- Se eles eram válidos, assim continuarão a ser face à nova lei, o que bem demonstra que não houve um propósito de interferir na sua substância e no seu conteúdo;
- As disposições que a nova lei acolhe não se lhes aplicam (art. 3º, nº2, al. 1));
- Aplicam-se as disposições da lei nova apenas no que se refere aos contratos de cessão de posição contratual e promessa de oneração fundados no contrato-promessa (e mesmo assim, com a exclusão alusiva à autorização prévia, confirmação por advogado e quanto aos elementos necessários do contrato (nº6, do art. 26º);
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3.4 – (Continuação)
E não se diga que a interpretação que sufragamos impede a celebração de contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes, ao contrário do que o afirma o recorrente.
Expliquemo-nos.
Realmente, de acordo com a nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas (art. 6º, nº3) implica um pedido que deve ser acompanhado da respectiva certidão de registo predial (art. 9º, nº1). A tese do recorrente é a de que sem registo prévio, isto é, sem a possibilidade de o promitente comprador efectuar o registo provisório, não há lugar a reconhecimento notarial dos contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes. E a maioria dos contratos de pretérito celebrados ao abrigo do CRP seriam insusceptíveis de aquisição derivada por uma daquelas vias.
Mas, sobre isso, apenas nos cumpre dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, no que se refere aos contratos-promessa em si mesmos, não se lhes aplicando o regime da nova lei, como dissemos, impor-se-á o reconhecimento presencial, nos moldes do CRP já vistos. Uma vez obtido esse reconhecimento, nada imporá o registo provisório e, dessa maneira, os contratos de cessão contratual ou de promessa de oneração supervenientes, celebrados ao abrigo já da nova lei (art. 26º, nº6) já poderão ser celebrados sem dificuldade com observância do reconhecimento notarial a que alude o art. 9º obtido, uma vez que o reconhecimento notarial que se lhes aplique já pode ser acompanhado do respectivo registo predial.
Em segundo lugar, não nos pode torpedear, pela interpretação, aquilo que é estatuição normativa. Realmente, o intérprete não deve ir à procura de uma solução que a lei rejeita. Se o legislador quis que os contratos de cessão contratual e de promessa de oneração subsequentes a um contrato de promessa celebrados ao abrigo da nova lei fiquem sujeitos às disposições desta, escapa ao poder do julgador saber se a solução é a melhor para os interesses das partes. Nesta matéria o que é preciso é ver se há alguma lógica no aperto da malha, se a restrição a este tipo de negócios tem fundamento. E, quanto a esse aspecto, já vimos que o objectivo é, precisamente, controlar a especulação e fomentar a transparência, a certeza e a segurança jurídicas. Ora, o benefício de um tão grande interesse público não se obtém sem algum sacrifício de alguns interesses privados.
De maneira que, respondendo ao recorrente, a lei não impede a formalização de tais contratos de cessão de posição contratual ou de promessa de oneração. Simplesmente, obriga as partes a um registo, a partir do qual se obterá a respectiva certidão e o consequente reconhecimento notarial. E aquele registo, reportado que seja a um contrato-promessa celebrado antes da Lei nº 7/2013 implicará, como já se viu, um reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes (art. 41º, nº3, do CRP). Portanto, os promitentes que se encontrem numa dessas situações terão se reconhecer as assinaturas e partir daí já não haverá obstáculos ao accionamento das regras da nova lei para os contratos supervenientes de cessão de posição contratual e de promessa de oneração celebrados já ao abrigo da nova lei.
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3.5 – (Continuação)
No que respeita à invocação da nota justificativa que acompanhou a proposta de lei, bem como ao parecer da AL que precedeu a lei, importa dizer que não passam de meros elementos de interpretação, mas que, por acaso, não têm correspondência directa no articulado da lei. Isto é, aquilo que podia ser um conteúdo normativo a partir desses textos, não foi vazado para o diploma em termos, pelo menos, claros.
Por exemplo, quando na nota justificativa se diz que “relativamente aos edifícios em construção antes da entrada em vigor da presente lei, a respectiva transmissão ou oneração só é permitida depois de ter sido efectuado o registo predial, sob pena de nulidade do contrato” (pág. 5, a fls. 87 dos autos), tal é apresentado com uma tal força dispositiva que mais parece a expressão de um comando normativo. Realmente, não pode prescrever-se a nulidade através de uma simples nota justificativa; a nulidade, sendo uma sanção severa para uma invalidade, tem que estar expressamente prevista. Todavia não vemos a emanação de uma tal sanção no articulado da lei. Apenas encontramos afirmado no art. 10º, nº1, que “Estão sujeitos a registo os negócios jurídicos relativos a promessa de transmissão ou de oneração de edifícios em construção” ou no art. 23º que “Às transmissões ou onerações de edifícios em construção que se pretendem efectuar, seja a que título for, aplica-se com as devidas adaptações o disposto na presente lei”, sem que, no entanto, se estabeleça aí qualquer sanção de nulidade. E, de qualquer maneira, sempre é bom lembrar que são disposições aplicáveis aos negócios posteriores à entrada em vigor da lei.
No que se refere aos negócios de promessa de transmissão ou oneração celebrados antes da entrada em vigor da lei, apenas o nº2 do art. 26º prescreve que se o registo provisório de constituição de propriedade horizontal não tiver sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerê-lo no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da lei, sendo que, se não o fizer, qualquer interessado nos negócios o pode fazer (nº3, art. 26º).
Ora, esse registo da constituição da propriedade horizontal não estava em causa no caso em apreço, uma vez que ele já se encontrava efectuado pelo empreendedor/requerente.
Portanto, não se pode apelar a regras concernentes a um tipo de registo para daí se extrair efeitos relativamente a outro.
Relativamente ao registo de aquisição a favor do promitente-comprador a que se refere o art. 10º, nº 3 da Lei 7/2013 (esse é o que está em causa) a sua disciplina apenas se aplica aos negócios celebrados após a entrada em vigor da Lei, afigurando-se-nos importante dizer que o art. 9º, nº2 da proposta alternativa citado pelo recorrente nas suas alegações como modo de convencer o tribunal a optar por uma determinada interpretação iluminado pelo espírito e intenção do legislador ou pela mens legistoris – preceito que, relativamente a contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei, pretendia fazer depender a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração do registo de aquisição – não passou para o texto do diploma.
Estamos, enfim, de acordo que as normas do art. 26º, nomeadamente a do nº6, têm um carácter excepcional. Mas é, precisamente, por isso mesmo e por causa do art. 10º do Código Civil, que, se nem a analogia é permitida, também a interpretação extensiva se não justifica aqui no sentido que nos é proposto pelo recorrente, uma vez que as razões que invoca concernentes às exigências de segurança e certeza jurídicas neste comércio imobiliário já também implicam, pela nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas, como já vimos.”
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida; e
- determinar o cancelamento do registo provisório de aquisição inscrito sob o nº XXXX.
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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 08 de Outubro de 2015.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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535/2015