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Proc. nº 534/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Outubro de 2015
Descritores:
-Contrato a favor de terceiro
-Contratação de mão-de-obra não residente
-Subsídio de alimentação
-Subsídio de efectividade

SUMÁRIO

I. A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.

II. O subsídio de alimentação visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade, ou seja, reparar um custo em que o trabalhador incorre diariamente sempre que vai trabalhar, e portanto, deve ser considerado como compensação pela prestação de serviço efectivo.

III. O subsídio de efectividade é um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas injustificadas.














Proc. nº 534/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – RELATÓRIO
A, de nacionalidade filipina, titular do BIRM n.º XXXXXX, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, em 20 de Setembro de 2006, com residência na XXXXX, n.º XXX, Bloco XXX, XX.º andar, “XX”, Taipa, intentou contra:
B - LIMITADA, com sede na Avenida XXXX, s/n, Edifício XXXX, Fase XX, XX.º Andar XX, Macau,
acção de processo comum do trabalho, ---
pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de Mop$ 406.119,00, a título de diferenças salariais (54.500,00), trabalho extraordinário (20.069,00), subsídio de alimentação (28.335,00), subsídio de efectividade ( 22.680,00) e descanso semanal (262.535,00).
Foi na oportunidade proferida sentença, que julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia total de Mop$ 286.372,00 e juros de mora respectivos.
*
Contra essa sentença insurge-se, em primeiro lugar, o autor, em cujas alegações produziu as seguintes conclusões:
«1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro;
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$161,148.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$80,574.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento; devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de “descanso compensatório” em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!».
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A este recurso, sem concluir, respondeu a ré em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Recorreu, igualmente, a ré “B”, cujas alegações concluiu da seguinte maneira:
«a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”;
j) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, nº 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, nº 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
cc) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o” pagamento de subsídio de alimentação depende da prestação efectiva de trabalho;
dd) Não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R.;
ee) A decisão recorrida parece ter acolhido o entendimento de que os dias em que o A. não trabalhou para a R. em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido;
ff) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228º, nº 1 do Código Civil;
gg) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
hh) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho;
ii) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia;
jj) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228º, nº 1 do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.»
*
O autor da acção respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
« 1. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes;
2. A Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a C, Lda.);
3. O Recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
4. Por outro lado, constitui igualmente jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a C Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrido) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros.
5. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela C Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrido);
6. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do CCivil de Macau) e, em consequência, pode exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
7. De onde, concluído que o Contrato de Prestação de Serviço celebrado entre a Recorrente e a C Limitada juridicamente se qualifica como sendo um Contrato a favor de terceiros e, deste modo, repercutindo-se na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, forçoso concluir que o Recorrido terá direito a reclamar todas as condições que se mostrem mais favoráveis dos mesmos emergentes e, em concreto, reclamar e receber os montantes devidos a título de diferenças salariais, subsídio de alimentação, de efectividade e de trabalho extraordinário tal qual, aliás, acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
Nestes termos e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!».
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
Desde 1992, a Ré celebrou com a C Lda., entre outros, os «contratos de prestação de serviços»: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 45/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (alínea C) dos factos assentes)
Os «contratos de prestação de serviço» supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela C Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
Entre 09/09/1994 e 20/09/2005, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança” (Cfr. fls.19) (alínea E) dos factos assentes)
Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea F) dos factos assentes)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea G) dos factos assentes)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea H) dos factos assentes)
Entre 09/09/1994 a 10/11/1999, o Autor exerceu funções para a Ré, enquanto trabalhador não residente, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/93 celebrado entre a Ré e a CLimitada (Cfr. fls. 20, lista nominativa dos trabalhadores contratados ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/93). (alínea I) dos factos assentes)
Depois, entre 11/11/1999 a 20/09/2005 o Autor exerceu funções para a Ré enquanto trabalhador residente da RAEM. (alínea J) dos factos assentes)
Do conteúdo do Contrato de prestação de serviços n.º 6/93 resulta que o trabalhador teria direito a auferir, no mínimo, a quantia de Mop$90,00 diárias. (alínea K) dos factos assentes)
Acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação. (alínea L) dos factos assentes)
Que teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade “igual ao salário de quatro dias”, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (alínea M) dos factos assentes) Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias. (alínea N) dos factos assentes)
E o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (alínea O) dos factos assentes)
Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (alínea P) dos factos assentes)
Entre Setembro de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,500.00, mensais. (alínea Q) dos factos assentes)
Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (alínea R) dos factos assentes)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (alínea S) dos factos assentes)
Entre Abril de 1998 e Novembro de 1999, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (alínea T) dos factos assentes)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca conferiu ao Autor o pagamento de qualquer acréscimo salarial, em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea U) dos factos assentes)
Durante todo o tempo da relação de trabalho o Autor auferiu da Ré, a título de rendimento anual e de rendimento normal diário, as quantias que abaixo se discriminam:
Ano
Rendimento anual
Rendimento normal diário
1995
9450
90
1996
51414
143
1997
54075
150
1998
56776
158
1999
53749
149
2000
57941
161
2001
60292
167
2002
66390
184
2003
71782
199
2004
74457
207
2005
73732
205
(alínea V) dos factos assentes)
Entre 01 de Julho de 1999 e 20 de Setembro de 2005, nunca o Autor gozou de nenhum dia a título de descanso semanal. (alínea X) dos factos assentes)
Entre 9 de Setembro de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8.00, por hora. (Resposta ao quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
Entre 1 de Julho de 1997 e 10 de Novembro de 1999, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 3º da base instrutória)
Tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (Resposta ao quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
Entre 9 de Setembro de 1994 a 10 de Novembro de 1999 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre 9 de Setembro de 1994 a 10 de Novembro de 1999 nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito 6º da base instrutória)
Entre 9 de Setembro de 1994 a 10 de Novembro de 1999 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (Resposta ao quesito 7º da base instrutória)
Entre 09 de Setembro de 1994 e 30 de Junho de 1999, entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (Resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca conferiu ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 9º da base instrutória)
O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 10º da base instrutória, aceite pelas partes)».
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III – O Direito
1 – Do recurso do autor
Está unicamente em discussão a compensação pelo trabalho prestado em dias que deveriam ter sido de descanso semanal.
A sentença, embora aceitando que o trabalho prestado nesses dias deveria ser pago em dobro daquele que seria o salário normal, acabou por compensar o autor apenas com mais um dia de salário, uma vez que lhe descontou o outro que efectivamente tinha recebido.
Mas, sem razão, salvo o devido respeito, como desde há muito tempo este TSI tem vindo a afirmar (por mais recentes, ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014).
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Ora, como o dia de descanso compensatório foi já considerado na sentença, nessa parte, ela tem que manter-se.
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2.
Significa que a 1ª instância não deveria ter descontado o valor já pago de Mop$80.574,00. Consequentemente, a este específico título (remuneração pelos dias de descanso semanal) o autor terá direito a receber a quantia de Mop$ 161.148,00, sem prejuízo da quantia arbitrada na 1ª instância pelo trabalho prestado em dia que deveria ser de descanso compensatório (80.574,00)
Procede, pois, o recurso do autor.
*
2 – Do recurso da ré “B”
2.1 - Do regime do Despacho nº 12/GM/88 e da Qualificação dos contratos celebrados entre a “C Limitada” e a “B”.
Em nossa opinião, tudo foi já dito e redito sobre o assunto.
Por comodidade, limitar-nos-emos a transcrever um acórdão em que a questão foi tratada pelo mesmo colectivo julgador neste Tribunal (Ac. TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010):
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre B e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (B) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (C, Lda).
Aquele despacho disse, ainda, que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a) - manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b) - garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante B) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (B e C) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e abusos eventuais. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E, por isso mesmo, é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
*
2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre B e C?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e C, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre B e C é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.
Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, ou um contrato de cedência de trabalhadores – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (C) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para assim concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 20 vº a 22 da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos-tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e C, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que equivale a dizer que(…), o contrato a favor de terceiro9 será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.
Não vemos razão para alterar o entendimento exposto no trecho transcrito, pelo que, quanto a esta parte, improcede o recurso.
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2.2 – Das diferenças salariais
A sentença comparou as remunerações por períodos e, no final, contabilizou um total de diferenças no valor Mop$ 54.500,00, tal como havia sido peticionado.
Ora, em vista do que acabou de se expor no tocante à natureza do contrato e às responsabilidades advenientes respectivas, nada há a censurar à decisão recorrida a este respeito.
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2.3 – Do trabalho extraordinário
O autor considerou o tempo por que durou a relação laboral e, tendo em conta as horas efectivamente prestadas e a diferença entre o valor pago e o devido, obteve o montante em dívida a este título: Mop$ 20.069,00.
A sentença fez exactamente o mesmo percurso, concluindo igualmente pelo mesmo valor compensatório.
O autor tinha direito a um acréscimo de remuneração (cfr. art. 11º, nº2, DL 24/89/M). Certo é que a lei não estabelece o modo de remunerar esse acréscimo de trabalho, conforme foi já expressado por este TSI (Ac. de 16/06/2011, Proc. nº 737/2010). Todavia, a fixação desse valor não pode ser livre, nem deixada ao arbítrio da entidade patronal. Ora, se o valor a considerar era de 90 patacas diárias (cfr. al. K) dos Factos Assentes), dificilmente se aceitaria que a remuneração horária a título de serviço extraordinário fosse satisfeita por valor inferior ao da prestação do serviço normal de oito horas de trabalho.
Portanto, de acordo com o facto assente na alínea K) e nas respostas aos arts. 2º a 4º da Base Instrutória, deveria cada hora de serviço extraordinário ter sido remunerado a Mop$ 11,25 e não Mop$8,00 e Mop$9.30, como aconteceu (neste sentido, entre outros, tb. Ac. do TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010).
É essa diferença que deverá ser considerada no cálculo da indemnização, sem que se possa acolher, sequer, a ideia da imputada violação do art. 228º, nº1, do CC.
Assim, nada haverá a criticar sobre o valor alcançado pela sentença recorrida, sendo, portanto, de Mop$ 20.069,00, o valor a atribuir ao autor a este título.
Improcede, portanto, também o recurso nesta parte.
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2.4 - Do subsídio de alimentação
Recorre também a ré “B” no que respeita ao subsídio de alimentação.
O autor achou-se na petição com direito à indemnização de Mop$ 28.335,00 e a sentença a computou-lho no mesmo valor.
Sobre esta prestação, foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva10. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.11.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”12. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)13.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão14.”
Ora, a sentença recorrida aplicou o valor do subsídio multiplicando-o pelo número de dias de trabalho por que durou a relação laboral.
Todavia, e como bem refere a recorrente, o facto referente ao art. 6º da BI contém implicitamente o reconhecimento de o autor alguns dias ter faltado com justificação ou autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença, nos termos do art. 564º, nº2 do CPC (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014; 23/10/2014, Proc. nº 505/2014; 23/10/2014, Proc. nº 338/2014; 30/10/2014, Proc. nº 606/2014, 6/11/2014, Proc. nº 623/2014).
Assim se fará também, neste caso, dando-se, pois, provimento ao recurso nesta parte.
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2.5 - Do subsídio de efectividade
Como se sublinhou, por exemplo, nos Acs. deste TSI de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012 e 25/07/2013, Proc. nº 322/2013, trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas. Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
Resulta da resposta ao facto constante da resposta ao art. 7º da BI que a ré da acção, aqui recorrente, nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de “subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias”.
A recorrente invoca a circunstância de o autor da acção ter dado algumas faltas ao longo da duração da relação contratual. É verdade, o que deresto está em consonância com a resposta dada ao art. 6º da BI.
Todavia, tal como este tribunal já decidiu, a atribuição do subsídio em apreço não está excluída nos casos de não assiduidade justificada. Com efeito, “Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade” (Ac. TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013. No mesmo sentido, Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 627/2013; Ac. 13/11/2014, Proc. nº 483/2014).
Portanto, eventuais faltas autorizadas pela entidade patronal não excluem o direito a este subsídio.
Quanto a este aspecto, o autor pedia o valor de Mop$ 22.680,00 e a sentença atribuiu-lho no valor de Mop$ 22.320,00. Será, então este o valor a atribuir, uma vez que contra ele não recorreu o autor.
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2.6 - Tudo visto, a liquidação da indemnização a arbitrar ascende neste momento a Mop$ 258.037,00, acrescido do valor fixado na 1ª instância a título de descanso compensatório não gozado (Mop$ 80.574,00) que não fez parte do objecto do recurso, sem prejuízo do que vier a ser fixado em liquidação em execução de sentença relativamente ao subsídio de alimentação.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Conceder provimento ao 1º recurso jurisdicional da sentença interposto pelo autor da acção, no que respeita à indemnização pelo trabalho prestado por si nos dias de descanso semanal;
1.1 - Em consequência, revoga-se nessa parte a sentença e condena-se a ré “B” a pagar ao autor a quantia de Mop$ 161.148,00, que será incluída no valor referido no ponto 3 adiante.
2.1 – Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Ré, e assim:
a) Revogando-se a parte da sentença que a condenou a pagar ao autor a quantia de Mop$ 28.335,00, a título de subsídio de alimentação; e
b) Em consequência, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia que a esse título vier a liquidar-se em execução de sentença nos exactos termos supra referidos;
2.2 – Negar provimento ao recurso na parte restante.
3 – Em suma, e em consequência, vai a ré B condenada a pagar de imediato a parte ora liquidada no valor de Mop$338.611,00, onde se inclui a importância referida em 1.1 supra e a atribuída na 1ª instância a título de “descanso compensatório” (Mop$ 80.574,00), acrescida dos juros legais, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias em função do decaimento.
TSI, 15 de Outubro de 2015
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)

1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492.
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 O TSI assim tem considerado de forma insistente (v.g., Ac. TSI, de 23/06/2011, Proc. nº 69/2011; 25/07/2013, 25/04/2013, Proc. nº 372/2012, 13/09/2012, Proc. nº 396/2012).
10 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
11 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
12 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
13 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
14 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
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534/2015 24