打印全文
Processo nº 847/2015 Data: 15.10.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Revogação da suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”.

2. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 847/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Digno Magistrado do Ministério Público vem recorrer da decisão do Mmo Juiz do T.J.B. que não acolheu promoção sua no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão decretada ao arguido A, com os restantes sinais dos autos.

E, em síntese, diz que a decisão recorrida colide com o estatuído no art. 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 150 a 154-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondendo pugna o arguido no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 156 a 165).

*

Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Do vastíssimo “cardápio” de condenações sofridas pelo recorrente, muitas delas atinentes a ilícitos da mesma natureza dos presentes autos, constata-se que aquele, já após a condenação nestes autos, em 28/1/14, cometeu novos ilícitos, nomeadamente em 3/5/14, 17/5/14 e 3/6/14, pelos quais foi condenado em penas efectivas de prisão, respectivamente em 15/9/14 (proc. CR2-14-0466-PC e CR2-14-0465-PCT) e 28/10/14 (proc. CR2-14-0543-PCP), revelando-se, pois, como puramente incompreensível a posição do julgador “a quo” ao não revogar a suspensão da pena aplicada, já que se revela absolutamente claro e evidente que as finalidades que estiveram na base da mesma não puderam, manifestamente, por meio dela, ser alcançadas.
Daí que, por se nos afigurar que as razões que nortearam o despacho sob escrutínio, para além de não deterem consubstanciação bastante na matéria apurada nos autos, não são passíveis de afastar, com um mínimo de consistência e razoabilidade o que supra se refere, sejamos a entender merecer provimento o presente recurso, acompanhando-se, pois, o entendimento vertido pelo Exmo Colega na sua brilhante motivação”; (cfr., fls. 172).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Em causa no presente recurso está uma decisão do Mmo Juiz do T.J.B. que, confrontado com a prática pelo arguido dos autos de novos crimes em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão de 4 meses, considerou inadequada a revogação da dita suspensão, prorrogando o aludido prazo de suspensão por mais 1 ano, na condição de o arguido pagar MOP$30.000,00 à R.A.E.M.; (cfr., fls. 145 a 147-v).

E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, cremos que o recurso merece provimento.

Com efeito, resulta dos autos que o arguido dos autos tem um “extenso historial” de condenações sofridas. Apenas no que diz respeito ao ilícito aqui em questão – “condução sem para tal estar habilitado” – tem 8 processos, em que os factos ocorreram entre os anos de 2012 a 2014, e as condenações em 2014 e (duas) em 2015.

E, perante isto – e embora se compreenda a motivação do Mmo Juiz a quo, que entendeu conceder “mais uma oportunidade” ao arguido – outra solução não perece existir.

Vejamos.

Nos termos do art. 54° do C.P.M.:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

E, como se viu – e bem nota o Ilustre Procurador Adjunto – em pleno período da suspensão da pena de 4 meses de prisão cometeu o arguido (não 1, nem 2, mas sim) 3 idênticos ilícitos, revelando, de forma clara que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.

Aliás, pela frequência da sua conduta delinquente – cujo primeiro registo data de 2002 – se constata que o arguido tem (extrema) dificuldade em levar uma vida em conformidade com as normas de uma sã convivência social, o que não deixa de abalar a valia do argumento pelo mesmo apresentado quanto às suas “dificuldades sociais, familiares e económicas”.

Não se nega, (e assim temos entendido) que se devem evitar penas de prisão de curta duração, (cfr., v.g., o Ac. de 05.06.2014, Proc. n.° 329/2014), que a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, e que o legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”.

Como recentemente decidiu o T.R. de Guimarães:

“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).

Igualmente temos afirmado que não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o Ac. de 14.05.2015, Proc. n.° 387/2015).

No caso dos autos, face à postura do ora recorrente, que insiste em levar uma vida delinquente, insistindo em desenvolver um comportamento à margem das normas de convivência social, impõe-se dizer que correcta se nos apresenta a posição do Ministério Público, pois que revelado está que as finalidades que estavam na base da decretada suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.

Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o recente Ac. do T.R. de Lisboa de 05.05.2015, P. 242/13 in, www.dgsi.pt).

Por sua vez, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do T.R. Guimarães, de 13.04.2015, P.1/12).

Apresentando-se-nos assim que o recurso merece provimento, há que decidir em conformidade.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se a suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão ao arguido aplicada nos presentes autos.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Macau, aos 15 de Outubro de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 847/2015 Pág. 10

Proc. 847/2015 Pág. 9