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Processo nº 577/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 8/Outubro/2015

Assunto: Caducidade da autorização de residência temporária

SUMÁRIO
     - A lei estabelece a possibilidade de os investidores estrageiros requererem a autorização de residência com base em investimento, nomeadamente mediante a aquisição de bens imóveis em Macau.
     - A ideia que está por detrás dessa política é incentivar a captação de investimentos de reconhecida relevância económica do exterior tendo em vista a promoção do crescimento económico da RAEM.
     - Sendo assim, aqueles interessados que pretendam obter autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de bens imóveis terão que efectuar um investimento efectivo no valor mínimo de um milhão de patacas, sendo permitida apenas a constituição de hipoteca sobre o mesmo imóvel se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição e o montante mínimo estabelecido na lei.
     - Uma vez efectuado o investimento e adquirido o imóvel, a sua futura valorização ou desvalorização já não relevam para efeitos de renovação da autorização de residência.
     - No vertente caso, tendo a recorrente investido MOP$1.238.400,00, mas constituído hipoteca destinada para garantir um empréstimo bancário no montante de MOP$2.240.250,00, ainda que se verifique a valorização do imóvel no mercado imobiliário, somos a entender que deixou de existir um efectivo investimento no valor de um milhão de patacas.
     - Nos termos do artigo 24º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 5/2003, aplicável por força do artigo 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, constitui causa de caducidade da autorização de residência o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 577/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 8/Outubro/2015

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, casada, titular do BIR não permanente da RAEM, melhor identificada nos autos (doravante designada por recorrente), notificada do despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Julho de 2014, que declarou a caducidade das autorizações de residência temporária da recorrente e do seu agregado familiar, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido baseado no parecer emitido pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, errou na análise da situação em causa, pois nenhum dos motivos utilizados para cancelar a autorização de residência temporária o justifica.
2. Corresponde à realidade que a recorrente pediu um empréstimo, no montante de MOP$4.480.500,00 junto do Banco da China, hipotecando, para garantia do mesmo, a fracção autónoma “XXX” correspondente ao XXX, para habitação, do prédio sito na XXX, na Taipa.
3. Sucede que este empréstimo nunca pôs em causa o valor do investimento efectuado pela recorrente e pelo co-proprietário desta fracção autónoma dado que, devido à actual situação do mercado imobiliário de Macau, o valor desta fracção autónoma, na data em que foi requerido o empréstimo ao Banco e constituída a hipoteca, era já de HKD$8.700.000,00, corresponde a MOP$8.961.000,00.
4. Ou seja, mesmo descontando o valor do empréstimo pedido ao banco, o valor requerido pela lei para o investimento – MOP$2.000.000,00, uma vez que eram dois requerentes para o pedido de fixação de residência em Macau por investimento – manteve-se intocável, dado que o imóvel ainda mantinha o valor remanescente de MOP$4.480.500,00.
5. O que significa que a recorrente manteve, durante todo o tempo da residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. (artigo 18º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005)
6. E, por outro lado, acresce que a recorrente pagou ao banco o empréstimo que este lhe tinha concedido em 10 de Junho de 2014, tendo a hipoteca constituída pelo Banco sido totalmente cancelada na C.R.P. logo em 24 de Junho de 2014.
7. Na data em que foi proferido o despacho ora recorrido, data em que foram canceladas as autorizações de residência temporária, já não existia nenhuma hipoteca registada a favor do Banco.
8. O despacho recorrido errou nos pressupostos de facto porque, em momento algum, esteve em causa a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, ou seja, o investimento no montante de MOP$2.000.000,00 e, ainda porque no momento em que foi proferido o despacho recorrido já não existia qualquer hipoteca sobre a fracção autónoma dado que o empréstimo já tinha sido pago ao banco.
Conclui, pedindo que se julgue procedente o recurso e, em consequência, se anule o acto recorrido.
*
Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões, pugnando pela improcedência do recurso:
1. Os recorrentes imputam ao acto recorrido unicamente o vício de erro nos pressupostos de facto.
2. Os recorrentes não conseguem, no entanto, provar que os motivos de facto do acto recorrido estivessem errados.
3. Na verdade, por força do RA 5/2003, os recorrentes estavam obrigados a manter, durante toda a duração da autorização de residência, o imóvel cuja aquisição fundamentou essa mesma autorização.
4. Apesar disso, os recorrentes constituíram uma hipoteca sobre esse imóvel, como de resto confessam.
5. O facto de essa hipoteca se encontrar já cancelada na data do despacho recorrido é irrelevante, pois a obrigação de manter o imóvel livre de ónus ou encargos é permanente durante o prazo da autorização de residência temporária.
*
Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“As conclusões na petição inicial revelam que basta, in casu, apurar se estiver inquinado do erro nos pressupostos de facto o acto recorrido consubstanciado no despacho exarado pelo Sr. SEF, em 21/07/2014, na Informação n.º 00842/GJFR/2014. (doc. de fls. 16 a 17 do P.A.)
Na nossa modesta opinião, todos os três requisitos expressamente consignados no n.º 1 do art. 3º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 são, para efeitos previstos no art. 18º do mesmo diploma regulamentar, situação juridicamente relevante e fundamento determinante da concessão da autorização da residência temporária.
Sendo embora consentida nos termos definidos no art. 4º n.º 1 deste Regulamento, a hipoteca dada pelo proprietário do imóvel adquirido por mesmo para autorização da residência na RAEM constitui alteração dos fundamentos da concessão dessa autorização e, nesta medida, carece da comunicação consagrada no n.º 4 do art. 18 do citado Regulamento.
Inculca o Venerando TSI proficientemente e por unanimidade (Acórdão no Processo n.º 737/2012): Face ao disposto nos arts. 18º e 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a cessação da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência, sem que houvesse sido comunicada ao IPIM nem constituída nova situação jurídica atendível, no prazo de 30 dias contados desde a data da cessação, constitui o fundamento válido para o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência.
Por sua vez, ensina o Venerando TUI de forma reiterada (a título exemplificativo, vide. Ac. nos Processos. n.º 30/2013, n.º 32/2013 e n.º 74/2013):
Nos termos do art. 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o interessado que obteve a autorização de residência temporária deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização e a autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dessa situação, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
No caso de extinção ou alteração da situação, o interessado deve cumprir o dever de comunicação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração; e o não cumprimento, sem justa causa, dessa obrigação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
No caso sub iudice, é assente que o recorrente nunca comunicou ao IPIM o facto de que ele dava na hipoteca, registada em 15/07/2013, como garantia dum empréstimo bancário a fracção autónoma por si adquirida para requerer a autorização da residência. (vide. n.º 2 da dita Informação)
Em homenagem destas doutas advertências jurisprudenciais, temos por indubitavelmente comprovado que o recorrente não cumpriu o dever de comunicação previsto no n.º 3 do art. 18º do referido Regulamento Administrativo. E o comprovado incumprimento do dever de comunicação determina a inexistência do invocado erro nos pressupostos de facto.
Por todo o expendido supra, propendemos pela improcedência do recurso em apreço.”
*
O Tribunal é o competente em razão da matéria e hierarquia, e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 22.8.2006, a recorrente formulou o pedido de fixação de residência em Macau, mediante o investimento na aquisição de metade indivisa da fracção autónoma sita na Taipa, Urbanização da Nova Taipa Fase I, bloco 21, 22º andar B, pelo preço de MOP$1.238.400,00.
O pedido foi deferido em 29.1.2007, tendo sido concedida autorizações de residência temporária à recorrente e aos seus familiares.
Através do sistema de pesquisa de dados facultado pela Conservatória do Registo Predial, verificou-se que a recorrente, juntamente com o outro comproprietário, deram de hipoteca a referida fracção autónoma a favor do Banco da China, tendo, em contrapartida, recebido um empréstimo no montante de MOP$4.480.500,00.
Foi efectuado o registo dessa hipoteca em 15.7.2013, entretanto, a recorrente não logrou comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau o sucedido.
O imóvel foi avaliado, em 4.6.2013, em HKD$8.700.000,00.
Em 25.6.2014, foi elaborada a seguinte Informação registada sob o n.º 00842/GJFR/2014:
“宣告臨時居留許可失效第1895/2006/03R號卷宗
建議書編號00842/GJFR/2014,25/06/2014
1. 申請人A(A),以購置不動產為依據於2006年8月22日向本局提起臨時居留許可申請,並惠及配偶B及卑親屬C、D、E及F,當時依據之物業為濠景花園XX之1/2業權(價值:1,238,400.00澳門元),申請於2007年1月29日獲批,後分別於2008年6月12日、2010年4月9日及2012年12月5日獲批續期,申請人A(A)及配偶B和卑親屬C之臨時居留許可均續至2016年1月6日,而卑親屬D、E及F之臨時居留許可均續至2014年9月6日。
2. 申請人於2014年2月6日向本局申請確認公函時,本局透過查閱物業登記局網上服務平台獲悉,申請人與另一業權人以上述投資物業向中國銀行股份有限公司貸款4,350,000.00港元(等值4,480,500.00澳門元),並於2013年7月15日作抵押登記,致使申請人實際投資額不符合法定投資額,且並沒有將該法律狀況之變更通知本局,故不利於申請人及上述家屬之臨時居留許可(見附件1)。
3. 基此,本局於2014年3月10日透過第02770/GJFR/2014號書面聽證公函,通知申請人須於10日內就上述第2點事宜向本局提交書面意見及相關佐證明文件(見附件2)。
4. 申請人於2014年3月14日提交書面答辯及佐證文件,指出其因對投資居留許可條件認識不足,以為其投資物業於銀行借貸時之市場價值評估已升至超過800萬港元,故其認為貸款4,350,000.00港元是符合法律規定的,故與另一業權人已將貸款購買內地物業,並請求給予批准其臨時居留許可續期(見附件3)。然而,除該等文件外,申請人至今始終沒有提交可獲考慮之新法律狀況佐證文件。
5. 綜上所述,因申請人與另一業權人於2013年7月15日將用作申請依據之物業向銀行抵押借貸,借貸金額遠超過其購買之物業價值,其狀況不符合第3/2005號行政法規之規定,且經聽證程序至今,申請人終沒有提交任何可獲考慮之新法律狀況佐證文件,故根據第3/2005號行政法規第23條規定補充適用第5/2003號行政法規第24條的規定,建議宣告申請人A(A)、配偶B及卑親屬C、D、E和F的臨時居留許可自2013年7月15日起失效。
呈上級考慮。”
Em 4.7.2014, foi dado o seguinte parecer jurídico:
“同意本建議書內容,因申請人於2013年7月15日將用作申請依據之物業向銀行抵押借貸,致使其實際投資額不符合法律規定,經聽證程序後,申請人未有提交任何可獲考慮之新法律狀況佐證文件,故建議宣告申請人A(A)、配偶B及卑親屬C、D、E和F的臨時居留許可自2013年7月15日起失效”
Tendo o Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau lavrado o seguinte despacho:
“同意是項建議書內容,呈經濟財政司司長 閣下批示。
     XXX/主席 07.07.2014”
Em 21.7.2014, pelo Exmº. Secretário para a Economia e Finanças foi proferido o seguinte despacho:
“批准建議。”
*
A recorrente assaca ao despacho recorrido vício de erro nos pressupostos de facto, alegando que, não obstante ter hipotecado o imóvel cuja aquisição fundamentou a concessão inicial da autorização de residência temporária, mas com o crescimento do mercado imobiliário em Macau, o valor da referida fracção autónoma, na data em que foi constituída a hipoteca, era muito superior ao valor mínimo exigido pela lei para efeitos de autorização de residência temporária.
Em boa verdade, o erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
Salvo o devido respeito, entendemos não se vislumbrar o alegado vício de erro nos pressupostos, pois segundo se refere no despacho recorrido, a entidade recorrida já teve conhecimento e ponderou a circunstância de que o preço do imóvel poderia atingir ao valor de oito milhões dólares de Hong Kong, e o que sucede é que, na perspectiva da entidade recorrida, face à constituição da hipoteca pela recorrente, o valor do investimento já não correspondia às condições previstas no Regulamento Administrativo nº 3/2005, e foi com esse fundamento que se procedeu ao cancelamento das respectivas autorizações de residência temporária.
Sendo assim, o vício em causa seria, quando muito, violação de lei e que já agora passemos à análise da questão.
Defende a recorrente que quando hipotecou o imóvel cuja aquisição fundamentou a concessão inicial da autorização de residência temporária, o valor de mercado do referido imóvel valia mais de oito milhões, portanto, muito superior ao preço pelo qual o adquiriu e também muito superior ao valor mínimo exigido pela lei para efeitos de autorização de residência temporária.
Vejamos.
Estatui-se nos termos do artigo 3º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 que os interessados que pretendam pedir autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de bens imóveis devem, no momento do pedido, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos:
“1) Ter adquirido na Região Administrativa Especial de Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas;
2) Ter fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo em instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa Especial de Macau e livres de quaisquer encargos;
3) Ser titulares do grau académico de bacharelato ou equivalente.”
Por sua vez, no que respeita à constituição de garantias sobre o imóvel, prevê-se no artigo 4º daquele mesmo diploma legal que o interessado só pode constituir garantia sobre o imóvel adquirido se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição e o montante mínimo estabelecido na lei, que é um milhão de patacas.
Vejamos o que acontece no caso em apreço.
Em 2006, a recorrente requereu a concessão da autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de bem imóvel, tendo para o efeito, adquirido metade da fracção autónoma e pago o valor de MOP$1.238.400,00.
Em 2013, a recorrente constituiu hipoteca sobre a referida fracção autónoma, destinada para garantir um empréstimo de MOP$4.480.500,00 contraído junto do banco (sendo metade, ou seja, MOP$2.240.250,00, da responsabilidade da recorrente).
Melhor dizendo, a recorrente investiu em 2006 MOP$1.238.400,00, mas em 2013 constituiu hipoteca sobre a referida fracção autónoma, destinada para garantir um empréstimo bancário no montante de MOP$2.240.250,00.
Ora bem, embora seja facto notório que os preços dos imóveis subiram fortemente nos últimos anos, mas a verdade é que, no caso da recorrente, com a constituição da hipoteca sobre o bem imóvel cuja aquisição fundamentou o pedido de autorização de residência temporária, deixou de se verificar as condições previstas no artigo 3º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, mais precisamente, deixou de existir um efectivo investimento de um milhão de patacas por parte da recorrente.
E não se diga que, por que o preço do imóvel subiu, atendendo ao preço actual do bem imóvel, e descontando o valor do empréstimo concedido pelo banco, o valor de investimento ainda era superior ao valor exigido pela lei.
Salvo melhor opinião, julgamos que essa interpretação da recorrente não corresponde minimamente à intenção do legislador.
Em boa verdade, a lei estabelece a possibilidade de os investidores estrageiros requererem a autorização de residência com base em investimento, nomeadamente mediante a aquisição de bens imóveis em Macau.
A ideia que está por detrás dessa política é incentivar a captação de investimentos de reconhecida relevância económica do exterior tendo em vista a promoção do crescimento económico da RAEM.
E a intenção do legislador é bastante clara, aqueles interessados que pretendam obter autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de bens imóveis terão que efectuar um investimento efectivo no valor mínimo de um milhão de patacas, sendo permitida apenas a constituição de hipoteca sobre o mesmo imóvel se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição e o montante mínimo estabelecido na lei.
No fundo, a lei exige que o interessado invista pelo menos um milhão de patacas, destinado para aquisição de bem imóvel, e uma vez efectuado o investimento e adquirido o imóvel, a sua futura valorização ou desvalorização já não relevam para efeitos de renovação da autorização de residência.
No vertente caso, tendo a recorrente investido MOP$1.238.400,00, mas constituído hipoteca destinada para garantir um empréstimo bancário no montante de MOP$2.240.250,00, ainda que se verifique a valorização do imóvel no mercado imobiliário, somos a entender que deixou de existir um efectivo investimento no valor de um milhão de patacas.
Nos termos do artigo 24º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 5/2003, aplicável por força do artigo 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, estatui-se que constitui causa de caducidade da autorização de residência o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização.
Aqui chegados, não se descortina que a decisão recorrida que declarou a caducidade das autorizações de residência temporária está inquinada do vício de violação de lei.
Finalmente, diz a recorrente que na data em que foi praticado o acto recorrido, a recorrente já pagou ao banco o empréstimo que este lhe tinha concedido, bem assim foi cancelado o registo da hipoteca constituída pelo mesmo banco.
Ora bem, essa questão não foi abordada no despacho recorrido, não devendo, portanto, ser objecto de apreciação no presente recurso.
Mas mesmo que seja apreciada, também continuamos a entender sem razão a recorrente.
Preceitua-se no artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005:
“1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
     2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
     3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.”
A lei exige que se mantenha, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação jurídica relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência, ou seja, para além da manutenção do valor investido, é necessário ainda que o mesmo investimento se mantenha livre de ónus ou encargos durante todo o período de duração da autorização de residência temporária, sob pena de cancelamento da respectiva autorização.
Ora, no presente caso, uma vez verificada a alteração da situação jurídica relevante que fundamentou a concessão da respectiva autorização de residência temporária, ainda que a recorrente tenha logrado repor a situação, esta reposição não deixaria de ser irrelevante, já que a situação jurídica relevante tem que ser preservada durante toda a duração da autorização de residência, e não apenas em momentos determinados desse período de tempo.
Decidiu-se no Acórdão do Venerando TUI, de 31.7.2013, no Processo nº 30/2013:
“Uma vez que a autorização de residência temporária é concedida a indivíduos não residentes que satisfaçam os requisitos previstos por lei, estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
     No caso de extinção ou alteração da situação, o interessado deve cumprir o dever de comunicação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração; e o não cumprimento, sem justa causa, dessa obrigação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
     É muito clara a intenção do legislador, de manter estável, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que esteve na base da concessão dessa autorização.”
Concluindo, não se mostrando o acto recorrido inquinado do vício indicado, julga-se improcedente o presente recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido impugnado.
Custas pela recorrente, com 6 U.C. de taxa de justiça.
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RAEM, 8 de Outubro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira

Fui presente
Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 577/2014 Pág 18