Proc. nº 648/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Outubro de 2015
Descritores:
-Marcas
-Registo de desenhos e modelos
SUMÁRIO:
Se uma interessada já tem inúmeras marcas registadas em Macau que incluem os sinais nominativos XX, não se pode falar em concorrência desleal nem imitação de marcas relativamente a outra empresa que aqui tem registos vários de marcas com a designação M……s, se obtém uma vez mais na RAEM um registo complexo, agora de um modelo e desenho que integra elementos figurativos, nominativos e desenhados (traços), além do sinal traduzido pelos caracteres XX.
Proc. nº 648/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, romanizado como A, em Português “A”, com o número de registo do Empresário Comercial, Pessoa Colectiva 7…(SO), com sede em Macau, Rua XXX n.º XX, XXX, 14.º Andar, (cfr. Doc. 1) doravante designada apenas por Recorrente,
Recorreu para o TJB (Proc.nº CV1-14-0042-CRJ) do despacho da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu à “B”, com sede em Room X, XXX, Hong Kong, o registo do desenho e modelo, que tomou o n.º D/XXXX00, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que recuse o pedido de registo do desenho e modelo referido.
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Na oportunidade, a sentença julgou improcedente a acção.
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Dessa decisão vem recorrer jurisdicionalmente a “A”, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
«A. A Recorrente, obteve e detém o direito exclusivo à utilização da firma: “A”, em Português “A”, em Inglês “A” em Macau.
B. A Recorrente é também, titular do registo de Nome ou Insígnia de estabelecimento n.º E/XXXX31,com validade até 08/01/2020.
C. A Recorrente é titular, em Macau, das marcas:
- N/XXX09 “” para a classe 30 (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria.) com registo válido até 25/09/2014;
- N/XXXX73 para a classe 30, (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitos) com registo válido até 29/09/2014;
- N/XXXX46 “” para a classe 30, com registo válido até 05/03/2017;
- N/XXXX39 “M……S” para a classe 30, com registo em vigor até 24/06/2013;
- N/XXXX40 “M……S” para a classe 43, com registo em vigor até 27/02/2020;
-N/XXX90 “M……S” para a classe 29, com registo válido até 14/04/2021; (alvo de recurso)
-N/XXX91 “M……S” para classe 32, com registo válido até 30/12/2020.
D. As marcas da Recorrente são constituídas pelo elemento dominante da denominação social e firma da aqui Recorrente “XX”.
E. Ao analisarmos o desenho concedido encontramos os mesmos caracteres que dominam as marcas da Recorrente: “XX住好啲” e “XX佳品之煮飯仔”.
F. A Recorrente, A, foi constituída em 23 de Outubro de 1992, tendo como objecto social a fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos, pães e o comércio geral de importação e exportação.
G. Ao contrário da recorrida, que nunca desenvolveu qualquer actividade comercial ou industrial em Macau, a Recorrente é uma empresa de Macau.
H. A origem e reputação da Recorrente é fruto de uma história de sucesso com mais de 40 anos, em Macau.
I. Em virtude do seu uso permanente e extensivo por parte da Recorrente a sua marca “XX” é conhecida em Macau, exclusivamente ligada aos serviços da Recorrente, o que faz com que o público em geral e os consumidores, associem directa e automaticamente esta marca aos seus serviços e a mais nenhuma outra sociedade.
J. O sucesso e reputação do nome “XX”, advém, acima de tudo, da qualidade reconhecida dos produtos e serviços da Recorrente.
K. Assim, o nome e a Marca “XX” é reconhecida pela generalidade da comunidade em Macau, como designando as actividades da Recorrente.
L. Pois, a marca da Recorrente só por esta foi usada no Território de Macau e só aqui é reconhecida por ser usada pela Recorrente.
M. Pelo que, os consumidores de Macau, só podem associar o nome e Marca “XX” aos produtos de Pastelaria da Recorrente.
N. Assim, quando a recorrida inclui no seu desenho os caracteres “XX” fá-lo, de forma intencional para criar confusão nos consumidores.
O. Atenta a tradução das expressões em Chinês: “XX佳品之” como “O melhor produto da M……S” .
P. Há uma clara tentativa de aproveitamento da notoriedade e reputação do nome e Marca em Macau da Recorrente pela recorrida.
Q. Ou seja, a embalagem destina-se a comercializar os mesmos produtos, já protegidos pelas marcas da Recorrente, nomeadamente na classe 30.
R. Pelo que não temos quaisquer dúvidas que o registo do desenho deveria ter sido recusado, nunca concedido.
S. Estando vedada à recorrida a utilização da expressão “XX”.
T. Não existe, nem nunca existiu qualquer relação comercial ou de outra natureza entre a Recorrente e a recorrida, não tendo esta alguma vez solicitado autorização, ou sido licenciada pela Recorrente a usar o nome e a marca notória e de prestigio da Recorrente.
U. Razões que levaram os Tribunais de Macau, no CV3-11-0038-CAO, primeiro, e no TSI n.º 261/2012, depois que confirmou a decisão, a cancelarem a marca da recorrida N/XXX86, na classe 30: “XX香港地”, e
V. A própria DSE cancelou, por caducidade, as Marcas N/XXXX47 “XX- XX” da recorrida.
W. Assim, a recorrida agiu de má-fé quando requereu o registo do desenho D/XXXX00.
X. Pois, sabia perfeitamente que a Recorrente e as suas marcas eram reconhecidas pelo público em Macau, onde são nomes e marcas registadas e onde o nome “XX” e as marcas da Recorrente gozam de reconhecida notoriedade e prestigio há mais de 40 anos.
Y. Pelo que é flagrante a existência de concorrência desleal por parte da recorrida que nunca desenvolveu qualquer actividade promocional das suas marcas em Macau e que pretende agora tirar vantagem do sucesso da Marca “XX” em Macau para aproveitar a reputação empresarial da Recorrente em benefício próprio;
Z. Dos factos provados pelo Tribunal a quo, apenas se retira que a recorrida tem algumas marcas registadas em Macau que incluem a expressão “XX”.
AA. Mas em nenhum facto provado consta que a recorrida utiliza tal expressão para identificar qualquer produto por si comercializado em Macau.
BB. Pelo que de modo nenhum podia o Tribunal a quo concluir nem que a Recorrida utiliza a expressão em Macau, nem que a utiliza para identificar os produtos que comercializa, como faz mais à frente.
CC. Simplesmente, a recorrida não tem qualquer actividade comercial ou industrial em Macau, apenas, registou as Marcas referidas.
DD. Aliás, o que a DSE veio a reconhecer ao cancelar, por não uso, as marcas N/XXXX47 e N/XXXX51 da recorrida.
EE. O Tribunal a quo confundiu o mais importante.
FF. A Recorrente é uma empresa de Macau onde desenvolve a sua actividade comercial sob a designação de “XX” há mais de 40 anos.
GG. A Recorrida é uma empresa de Hong Kong, que nunca desenvolveu nenhuma actividade comercial em Macau sob a designação “XX”.
HH. O Tribunal a quo violou os Arts. 9.º, 173.º e 219.º do RJPI e 158.º e 165.º do C. Comercial.
Nestes termos,
Com o Mui Douto suprimento de V. Ex.ª, requer-se seja considerado procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência, seja revogado a sentença que manteve o despacho da DSE de 26/05/2014 e substituído por outro que recuse o pedido de registo de desenho e modelo, que tomou o n.º D/XXXX00.»
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A Direcção dos Serviços de Economia limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, tendo a contra-interessada B respondido ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
«A. As questões colocadas e decididas na sentença recorrida e que assim constituem o objecto do recurso, são a eventual proibição de a Recorrida utilizar os dizeres “XX” no seu desenho ou modelo e a prática de concorrência desleal por parte da Recorrida através do pedido de registo do desenho ou modelo em discussão.
B. Como provado nos presentes autos, a Recorrida registou diversas marcas para assinalar produtos e serviços de diferentes classes, incluindo em Macau, onde se encontram registadas, designadamente, as marcas N/XXX45, N/XXX46, N/XXX47, N/XXX48, N/XXX49, N/XXX50, N/XXX51, N/XXX52, N/XXX84, N/XXX85, N/XXX86, N/XXX87 e N/XXX88.
C. Os caracteres chineses “XX” estão protegidos, em Macau, como marcas registadas da Recorrida, resultando também dos factos assentes que a Recorrente não é titular da marca “XX” em Macau.
D. Não pode a Recorrente arrogar-se do direito de impedir a utilização da marca “XX” pela Recorrida quando a mesma está registada em Macau pela Recorrida, podendo a Recorrida inscrever no seu desenho ou modelo os caracteres que se encontram registados enquanto marca a seu favor.
E. Discute-se no presente processo um pedido de registo de desenho ou modelo, e não de uma marca, sendo que, como resulta artigo 150.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, o que é protegido pelo desenho é “aparência da totalidade ou de parte de um produto devido a características tais como linhas, contornos, cores, forma, texturas e ou materiais utilizados do próprio produto e ou da sua ornamentação (…) ”.
F. Os caracteres “XX” não têm qualquer expressão no desenho e modelo n.º D/XXXX00, nem qualquer autonomia no conteúdo do mesmo, sendo um elemento muitíssimo secundário do desenho e modelo objecto do presente processo.
G. A Recorrente não levantou qualquer objecção no presente processo quanto ao desenho ou modelo em si, como um todo, mas apenas quanto à inclusão dos caracteres “XX” no desenho ou modelo.
H. A Recorrente limitou-se a transpor para esta instância a disputa que mantém com a Recorrida no âmbito das marcas a respeito da marca “XX”, mas a mesma não tem qualquer expressão ou relevância quanto ao registo do presente desenho.
I. Os caracteres “XX” diluem-se na imagem gráfica do desenho ou modelo e não existe fundamento para se afirmar que o consumidor médio de Macau, ao deparar-se com o desenho ou modelo em questão, o associe exclusivamente à Recorrente ou aos produtos que a mesma comercializa, pelo que não está a Recorrida proibida de utilizar os dizeres “XX” no seu desenho ou modelo.
J. Conforme resulta dos artigos 158.º, 159.º e 165.º do Código Comercial, o acto de concorrência desleal é aquele que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, nomeadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem.
L. O desenho e modelo da Recorrida, quando globalmente apreciado, não evoca qualquer produto ou embalagem da Recorrente e não é idóneo a criar confusão nos consumidores, pelo que registo do desenho e modelo não é um acto de concorrência desleal por parte da Recorrida.
M. O recurso não poderá proceder face ao actual quadro legal e ao disposto nas normas em vigor em Macau, não se verificando qualquer fundamento de recusa de registo do desenho ou modelo em causa.
Termos em que se requer respeitosamente a V. Exa. que se digne considerar improcedentes as alegações apresentadas pela Recorrente, por falta de fundamento legal, devendo ser confirmada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«1. Em 31/10/2012, B requereu o registo do desenho e modelo, que tomou o n.º D/XXXX00, para classe 09, sub-classe 03 1.
2. Por despacho proferido em 26/05/2014 e publicado no B.O. n.º 25 em 18/06/2014, foi tal pedido de registo concedido.
3. A Recorrente é uma sociedade por quotas, com sede em Macau, que se dedica à fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos, pães e ao comércio geral de importação e exportação.
4. A Recorrente utiliza a firma: “A”, em Português “A”, em Inglês “A” .
5. A Recorrente é titular do registo de Nome ou Insígnia de estabelecimento n.º E/XXXX31, “”, com validade até 08/01/2020.
6. A Recorrente é titular, em Macau, das marcas:
- N/XXX09 “” para a classe 30 (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria) com registo válido até 25/09/2014;
- N/XXXX73 “” para a classe 30, (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitos) com registo válido até 29/09/2014;
- N/XXXX46 “” para a classe 30, com registo válido até 05/03/2017;
- N/XXXX39 “M….S” para a classe 30, com registo em vigor até 24/06/2018;
- N/XXXX40 “M......S” para a classe 43, com registo em vigor até 27/02/2020;
-N/XXX90 “M......S para a classe 29, com registo válido até 14/04/2021; (alvo de recurso)
-N/XXX91 “M......S” para classe 32, com registo válido até 30/12/2020;
7. A Recorrente requereu em 27/04/2011, à Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo de Marca “XX” para a classe 30, a que foi dado o n.º N/XXX78; em 13/12/2012, o pedido de registo de Marca “XX” para a classe 43, a que foi dado o n.º N/XXX41; em 30/10/2012, o pedido de registo de Marca “XX” para a classe 29, a que foi dado o n.º N/XXX92; e em 30/10/2012 o pedido de registo de Marca “XX” para a classe 32, a que foi dado o n.º N/XXX93;
8. A Recorrida tem registada a seu favor, desde 20 de Janeiro de 1971, para assinalar produtos da classe 30, a saber, bolos, pães e confeitarias, a marca n.º 1990XXXXX,
9. Em Macau, a Recorrida é titular, entre outras, das seguintes marcas:
- N/XXX45 constituída por n.” para a classe 16, pedida em 200804-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX46 constituída por “XX” para a classe 29, pedida em 200804-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX47 constituída por “XX” para a classe 30, pedida em 200804-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28 ;
- N/XXX48 constituída por “XX” para a classe 35, pedida em 200804-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28 ;
- N/XXX49 constituída por “XX XX” para a classe 16, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX50 constituída por “XX XX” para a classe 29, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX51 constituída por “XX XX” para a classe 30, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX52 constituída por “XX XX” para a classe 35, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX84 constituída por “XX香港地” para a classe 16, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX85 constituída por “XX香港地” para a classe 29, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX86 constituída por “XX香港地” para a classe 30, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX87 constituída por “XX香港地” para a classe 35, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX88 constituída por “XX香港地” para a classe 43, pedida em 2010-06-17,concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25.
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A matéria do art. 8º dos factos assentes terá a seguinte redacção, uma vez que assim foi alegada e não contestada:
8. A Recorrida tem registada a seu favor em Hong Kong, desde 20 de Janeiro de 1971, para assinalar produtos da classe 30, a saber, bolos, pães e confeitarias, a marca n.º 1990XXXXX,
***
III – O Direito
1 – A recorrente, “A”, recorreu da decisão da DSE que concedeu o registo do desenho e modelo D/XXXX00 que tem a configuração . E o motivo principal por que o fez, foi porque na composição de tal desenho entram os conjuntos descritivos “XX住好啲” e “XX佳品之煮飯仔”, que significam “Arroz cozido” e “Série de bons produtos M......S”.
Destacamos as expressões os caracteres chineses XX., que romanizam XX e significam XXX.
Pergunta-se:
- Poderia uma tal composição (complexa), com elementos coloridos de carácter pictórico e com duas expressões em língua chinesa, tudo numa embalagem com uma forma cilíndrica elíptica, ser objecto de registo?
- E o direito da recorrente estava protegido pelas marcas registadas anteriormente a seu favor, ao ponto de com este desenho se estar a fazer concorrência desleal?
*
2 - A sentença estudou o assunto da maneira que a seguir se transcreve:
«O artigo 150.º do mesmo diploma legal enuncia que só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de registo de desenho ou modelo, as criações que se traduzem numa aparência da totalidade ou de parte de um produto devido a características tais como linhas, contornos, cores, forma, texturas e ou materiais utilizados do próprio produto e ou da sua ornamentação e que reúnam os requisitos previstos na presente secção.
Nas palavras de Luís Couto Gonçalves2 o desenho ou modelo é um direito que protege a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto, de modo a torná-lo, desejavelmente, mais atractivo ou apelativo para o consumidor. [...] A aparência do produto pode resultar das “características de, nomeadamente, linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação”.
A lei exige que os desenhos e modelos a registar sejam novos e tenham carácter singular, ou seja, carácter distintivo (cf. artigo 152.º do RJPI), sendo certo que a novidade do desenho ou modelo não é prejudicada se este, não sendo inteiramente novo, realizar combinações novas de elementos conhecidos ou disposições diferentes de elementos já utilizados, que dêem aos respectivos objectos carácter singular.
Por sua vez, o artigo 173.º elenca, além do mais, os seguintes fundamentos de recusa do registo de desenho ou modelo:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) No desenho ou modelo for utilizado um sinal distintivo cujas disposições legais aplicáveis conferem o direito a proibir essa utilização;
Ora, no nosso juízo, a inscrição dos caracteres chineses “XX”, no desenho D/XXXX00 não lhe retira os requisitos necessários à sua registabilidade em Macau, requisitos esses que são, como vimos e bem salientou a DSE, a novidade e a singularidade.
A análise dos factos assentes permite-nos concluir que as sociedades recorrente e recorrida (uma a actuar, fundamentalmente, em Macau e a outra em Hong Kong), têm disputado a titularidade da expressão “M......S” e a sua correspondente transliteração, ao nível do direito de marcas, todavia, é também facto provado que a recorrida utiliza a expressão em causa e tem a respectiva marca registada em Macau, pelo que nada impedia que a inscrevesse no desenho e modelo que pretendia registar, tanto mais porque tais inscrições se diluem na imagem gráfica em questão e foi a essa imagem (a esse desenho), que a recorrida pediu protecção.
O desenho/modelo em causa é uma caixa para embalagem, com a forma de um cilindro elíptico, de cor base amarela, com diversos caracteres chineses de cor vermelha inscritos e uma pintura campestre, na qual surgem duas crianças de etnia chinesa, com roupas tradicionais e alguns animais. Os dizeres que nela se destacam, sempre em caracteres chineses, são os seguintes “煮飯仔”, expressão essa que, em português, significará “cozinhar” ou “brincar a cozinhar”.
Já a polémica expressão nela aposta “XX佳品之”, que significa em português “o melhor produto da M......S”, tem parcial correspondência com o nome social da própria recorrida e com as marcas que a mesma tem registadas em Macau e que utiliza para identificar os produtos que comercializa. Com efeito, é a recorrida quem tem registada, em Hong Kong, desde 20 de Janeiro de 1971, para assinalar produtos da classe 30, uma marca com os elementos M......S e XX3 e, em Macau, é também a recorrida quem beneficia do registo da expressão singular “XX”, como marca, para as classes 16, 29, 30, 35, pelo que, efectivamente, não vislumbramos como poderá a recorrente arrogar-se o direito de impedir a sua utilização pela recorrida, nem cremos que exista fundamento para se afirmar que o consumidor médio de Macau, ao deparar-se com este desenho/modelo o associe exclusivamente à recorrente ou aos produtos que a mesma comercializa.
Como é sabido, a doutrina e a jurisprudência têm enunciado três pressupostos da concorrência desleal:
1. a prática de um acto de concorrência (o acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado). A concorrência pode procurar não a conquista directa da clientela, mas ter como objectivo primordial a disputa de fornecedores, distribuidores, vendedores, ou dos próprios trabalhadores. Estes actos continuam a ser actos de concorrência, porque através deles o que se procura é o melhor apetrechamento da empresa para a conquista de posições vantajosas no mercado. Com efeito, a conquista de posições vantajosas no mercado é feita em detrimento dos outros agentes económicos que nele actuam e cuja clientela, actual ou potencial, é disputada.
Deste modo, o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como seu elemento co-natural, implícito na própria noção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiro4.
2. que esse acto seja contrário às normas e usos honestos;
3. de qualquer ramo de actividade económica.
Também como se pode ler no sumário do Acórdão do STJ, de Portugal, datado de 25-03-20105:
I - “Concorrência desleal”, como refere a Convenção da União de Paris, é o “acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou, comercial”, desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuados por uma empresa.
II - Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração pelos interesses e direitos, não só dos seus concorrentes, como também dos consumidores, o que mais não é que agir de boa-fé.
III - A lealdade na concorrência implica a adopção de práticas honestas, já que a propriedade industrial deve considerar-se expressão da propriedade intelectual, por abranger elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc.
Em face dos factos apurados no âmbito deste recurso, julgamos que o comportamento da recorrida não consubstancia nem é susceptível de consubstanciar qualquer acto de concorrência desleal, uma vez que, por um lado, deparamo-nos com um desenho/modelo que, quando globalmente apreciado, não evoca qualquer produto ou embalagem que pertença à recorrente e, como tal, não é idóneo a criar confusão nos consumidores e, por outro lado, cremos que não restarão dúvidas que sendo a recorrida titular da marca com os caracteres “XX” está legitimada a colocá-la no desenho das embalagens que produz...
Deste modo, o Recurso não poderá proceder, uma vez que não há, no nosso juízo, qualquer fundamento de recusa de registo do desenho ou modelo em questão.»
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3 – Concordamos inteiramente com o teor acabado de transcrever, pelo que o fazemos nosso, nos termos e para os efeitos do art. 631º, nº5, do CPC.
Efectivamente, se a recorrente utiliza marca em Macau com o sinal “M……s”, verdade é ainda que, conforme resulta da matéria de facto provada, também em Hong Kong a recorrida utiliza as marcas “XX” e “XX” desde há longos anos (desde 20/01/1971).
É certo que são áreas geográficas distintas. Mas, por outro lado, a mesma recorrida já tem registadas em Macau várias marcas com aqueles mesmos caracteres, tal como o demonstra a matéria factual assente. Há, portanto, neste quadro uma situação de reciprocidade, se assim podemos dizer.
*
4 - Entendemos, mesmo assim, que “XX” não é exactamente o mesmo que XX, do ponto de vista marcário. Muito embora, a romanização da primeira possa apresentar-se com aqueles caracteres, a verdade é que a sua impressividade perante o público consumidor não é exactamente a mesma. O cidadão alvo dos produtos veiculados pelas marcas certamente dirigirá um olhar diferente consoante esteja perante uma e outra, e consequentemente, ambas apresentarão uma diferente atractividade.
Por conseguinte, apetece dizer que estamos em presença de duas pessoas colectivas distintas à conquista do melhor espaço num mercado concorrencial puro e duro.
É claro que nesse mercado podem surgir conflitos marcários. E o conflito entre estas duas “empresas” que disputam o mesmo mercado vai-se alargando à medida em que ora a uma, ora a outra vão sendo concedidos registos que levam contidas as expressões e caracteres “M……s”, “XX”, “X-X” e XX.
E a prova disso é o exemplo extraído do Ac. deste TSI, de 25/06/2015 (Proc. nº 289/2015), onde estava em discussão o registo concedido à “Padaria” (ora recorrente, de Macau) da marca “M……s” N/XXX90, para a classe 29 da Classificação de Nice, e que a empresa “B” (recorrida, de Hong Kong) impugnou em recurso judicial. Como ali foi dito, e bem, entre os sinais “M……s” e “XX” e “X-X” há evidente diferença tanto de índole gráfica, como de índole nominativa, figurativa e fonética. Daí que se não pudesse concluir, como não concluiu, que houvesse imitação de marca, tal como não podia considerar-se a existência de concorrência desleal. Razão pela qual o tribunal confirmou a decisão administrativa de concessão do registo.
Aqui é idêntica a solução, embora diferente o seu pressuposto, uma vez que nos presentes autos não está em discussão o registo de uma marca, mas o de um desenho e modelo. E essa é, desde logo, a primeira pequena-grande diferença. Ou seja, o litígio não é entre marcas, mas entre uma marca e um desenho/modelo.
De qualquer maneira, mesmo que baixemos a nossa atenção para este desenho/modelo (objecto diferente da propriedade industrial) e nos concentremos nos sinais que nele estejam mais próximos dos marcários, logo seremos levados a pensar que aqui estamos em presença de elementos que só remotamente se assemelham aos dacolá. O efeito deles no público-consumidor não é exactamente o mesmo quando se colocam perante aqueles sinais descritivos.
Podemos, pois, com alguma tranquilidade afirmar que o caso vertente é mais acentuadamente distinto, na medida em que em causa está um registo complexo sob a forma de um desenho e de um modelo que integra elementos figurativos, nominativos e desenhados (traços), entre os quais o sinal traduzido pelos caracteres XX.
Se estes mesmos caracteres foram objecto de marcas suas – e não poucas – registadas anteriormente em Macau, mal se perceberia por que não pudessem fazer parte integrante do registo posterior de um desenho e modelo seu!
Todavia, para além desse sinal, tudo o resto quase nada tem a ver com “M……s”, quer pelo conteúdo do que se anuncia (arroz cozido), quer pelos restantes dizeres, muito ao jeito de um anúncio (“da série de bons produtos da XX”), quer pela configuração de rotulagem com que tudo se apresenta em embalagem em forma de cilindro elíptico.
Não! Tal como a sentença o referiu – e a que totalmente aderimos, no dispositivo decisório e nos fundamentos – não existe nem concorrência desleal, nem os caracteres em apreço são exclusivos e indissociáveis da recorrente “Padaria”.
Para dizer, e em suma, que a sentença se tem que confirmar na íntegra.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença impugnada.
Custas pela recorrente.
TSI, 22 de Outubro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Assim representado,
2 Manual de Direito Industrial, 2013, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, pág. 126 e seguintes.
3 Assim representada:
4Jorge Patrício Paul, In Concorrência desleal e direito do consumidor, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=45650&ida=45680.
5 Revista nº 111/09.7TBVCD.P1.S1 – 2ª Secção, Oliveira Vasconcelos (Relator) - A Propriedade Industrial e os Direitos de Autor na jurisprudência das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça - Gabinete dos Assessores do Supremo Tribunal de Justiça, Assessoria Cível.
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648/2015 1