Processo nº 540/2014
(Recurso Contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 24/Setembro/2015
Assuntos:
- Princípio da proporcionalidade
SUMÁRIO :
1. Não há desrazoabilidade se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar na interdição de entrada na RAEM por um período de três anos, se o recorrente foi condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução por prática de crime de emprego ilegal.
2. Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 540/2014
(Recurso Contencioso)
Data : 24 de Setembro de 2015
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, vem, nos termos dos art.ºs 20.º e ss do Código do Processo Administrativo Contencioso, interpor RECURSO CONTENCIOSO contra a deliberação constante do ofício n.º 2310/2014-Pº.229.01 proferida em 19 de Maio de 2014 pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança de Macau que proferiu despacho, rejeitando o recurso hierárquico do despacho do Exmo Senhor Comandante da PSP que o interditou de entrada na RAEM por três anos, o que faz, alegando, em síntese conclusiva:
1. O recorrente foi condenado em 10 de Fevereiro de 2012, pela prática de um crime emprego p.p. pelo art.º 16.º n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 4 meses de prisão, com suspensão da execução da pena pelo período de 2 anos, e foi interdito a sua entrada na RAEM pelo período de 3 anos (contar a partir do dia 8 de Agosto de 2013).
2. O recorrente arrendou a loja, sita no XXXXX, a partir de 16 de Novembro de 2007 e explorou um restaurante americano fresco-marisco “S” há mais de seis anos.
3. O horário de funcionamento do restaurante explorado pelo recorrente era das 8h00 da manhã às 23h00 da noite, o recorrente dedicou-se à exploração do restaurante em apreço e fez quase toda a coisa pessoalmente, pagando oportunamente as remunerações aos trabalhadores, liquidando mensalmente as contas aos fornecedores, pagando a renda e as despesas de água e electricidade, elaborando a escala de trabalho de trabalhadores, apresentando pedidos, assinando e recebendo notificações e cartas junto da DSR, banco, correio e do Gabinete para os Recursos Humanos, bem como tratando pessoalmente de capital, recibos, documentos e contratos relativos ao funcionamento do restaurante.
4. O restaurante explorado pelo recorrente era único restaurante americano fresco-marisco e fornecia “all day breakfast” que pouco restaurante fornece em Macau. Portanto, este restaurante tem acumulado uma cardeira de clientes e ganhado bom prestígio ao longo de seis anos.
5. Caso o recorrente seja interdito a sua entrada na RAEM pelo período de 3 anos, ele não poderá continuar a explorar o restaurante supracitado, o que desafavorece à promoção do desenvolvimento multilateral e ao fornecimento de assistência plena aos empresários comerciais de dimensão pequena e média (cfr. calendário dos objectivos principais na área financeira e económica indicados no Relatório das Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2014)
6. Em segundo lugar, o recorrente, além de ter velhos pais e avó a seu cargo, tem ainda a noiva em Macau e um filho da noiva com idade de 13 anos.
7. O recorrente vivia com a noiva B e o filho desta C, tratava-os como parentes mais próximos e por outro lado, C também o tratava o como pai
8. No dia 15 de Novembro de 2012, a noiva do recorrente teve um grave acidente de veículo à porta do Galaxy Hotel de Macau, causando-lhe fragmentada a maioria de ossos dos dois pés e a ter coágulos no coração, a seguir, aceitou os serviços operatórios e assistência clínica no hospital de Hong Kong, com dezenas de parafusos e placas metálicas colocadas nos dois pés, causando-lhe dificuldade na mobilidade. O médico indicou ainda que os coágulos no coração poderão causar a dispeneia, até o risco de morte a qualquer momento.
9. Depois de grave acidente, a noiva do recorrente necessitou de tratamento a longo tempo, não conseguiu de tratar de própria vida nem cuidar do seu filho. Durante este período, o recorrente acompanhou e cuidou deles em relação da vida e alimentação diária, bem como pagou as despesas de vida, nomeadamente o seu filho encontra-se na fase de juventude, por isso precisa mais orientação, acompanhamento e cuidado do recorrente.
10. O recorrente não abandonou a noiva depois de grave acidente, mostrando assim que o recorrente era uma pessoa responsável e quer assumir a responsabilidade pela culpa dele.
11. Actualmente, o filho C andava na XXX Escola, era aluno melhor classificado, gostava muito da vida escolar em Macau e declarou por muitas vezes não quer deixar Macau.
12. Caso o recorrente seja interdito a entrar na RAEM, além de não conseguir explorar o seu restaurante e perder rendimento, também não pode cuidar de avó, pais, noiva e de filho da noiva que residiam em Macau, o que vai afectar gravemente o ambiente da vida e a vida posterior destes.
13. Em terceiro lugar, a partir do ano 2007, o recorrente começou a explorar o restaurante e conheceu a noiva, pretendeu fixar a residência em Macau e não voltar para Hong Kong ou países estrangeiros, pelo que vivia em Macau de modo responsável perante a lei. O recorrente dedicou-se ao dinheiro e aos esforços para as actividades de interesse público da sociedade de Macau ao longo de seis anos, fornecendo sempre patrocínio de comida às instituições (tal como L ou escolas (tal como escola M), bem como emprestando gratuitamente o 2º andar do restaurante à associação para realizar o curso de pintura.
14. Em quatro lugar, o recorrente obteve a licença de contratação de empregados não residentes concedida pelo Gabinete para os Recursos Humanos para explorar o restaurante supracitado, e a pessoa envolvida no caso supracitado não tem relação de trabalho com o recorrente, apenas se encontra no período de “ensaio laboral”, sendo normal para a maioria de empregadores antes de empregar trabalhadores, daí se possa ver que o grau da culpa do recorrente seja muito baixo.
15. O recorrente, depois de ser condenado, ficou a saber que o crime de emprego praticado por ele prejudica os interesses públicos de emprego de pessoal residente de Macau, assim, o recorrente sentiu-se muito arrependido e prometeu agir cuidadosamente e nos termos da lei no futuro.
16. A Lei n.º 6/2004, ora Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão, visa combater eficazmente ao emprego ilegal de trabalhadores não residentes na RAEM, pelo que a intenção do legislador consiste na promoção de emprego de residentes e na garantia de segurança interna de Macau.
17. Ao longo de dez anos de desenvolvimento económico, o efeito da garantia de emprego dos trabalhadores residentes de Macau é afirmativo, e com os resultados da pesquisa de taxa de emprego, durante o período compreendido entre Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014, elaborada pela DSES, tomou-se conhecimento de que a taxa de desemprego era de 1,7%, a taxa de subemprego era de 0,4%, pelo que actualmente se trata de quase pleno emprego da população laboral em Macau.
18. As Linhas de Acção do ano 2014 do Secretário para a Economia e Finanças, ponto n.º 22, referem-se que “aliviar efectivamente as dificuldades do recurso humano das empresas de média e pequena dimensão.” Dos pontos importantes das Linhas de Acção resulta que o recurso humano era muito escasso, pelo que é de admitir que as empresas de dimensão pequena e média se encontram na dificuldade da exploração em virtude de escassez de recursos humanos.
19. Ademais, o recorrente já exaustou toda a energia e o tempo para explorar o seu restaurante e cuidar das familiares a longo tempo e prometeu continuar a dedicar-se ao dinheiro e aos esforços para as actividades de interesse público de Macau através do seu restaurante.
20. Portanto, o erro cometido pelo recorrente foi causado pela mudança social e dificuldade cada mais maior na questão de recursos humanos, assim, o recorrente poderá, em caso algum, causar mais risco para a segurança e a ordem públicas da RAEM.
21. E nos termos do art.º 12.º n.º 3 da Lei n.º 6/2004, a interdição de entrada aplicada pela autoridade deve funda-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM. E nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
22. E nos termos do art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais para os objectivos a realizar, isto é, as actividades administrativas ou os meios utilizados pela autoridade devem ser suficientes e necessários para os objectivos a realizar. Ademais, os interesses prosseguidos pela autoridade devem ser proporcionais aos interesses sacrificados para manter os objectivos.
23. O centro normativo do princípio da proporcionalidade é uma injunção de proibição do excesso e significa uma relação de adequação entre o meio e o fim. Essa ideia central projecta-se em três dimensões injuntivas de proporcionalidade: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa. (vide acórdão do TUI do processo n.º 6/2000)
24. O princípio da proporcionalidade é aplicável a todos os actos e as decisões da autoridade, nomeadamente os actos e as decisões que limitam e prejudicam os direitos e os interesses legítimos de particulares, para alcançar os objectivos previstos, os actos e as decisões têm que ser adequados e necessários.
25. Portanto, quanto à decisão da interdição de entrada e ao período aplicado ao recorrente, deve procurar um equilíbrio entre os interesses lesados e a finalidade prosseguida conforme o princípio de proporcionalidade e deve existir uma relação de adequação entre o meio e a finalidade.
26. O recorrente é delinquente primário, o grau da culpa é baixo e tem arrependimento sincero, mais, prometeu continuar a dedicar-se ao dinheiro e aos esforços para as actividades de interesse público da sociedade de Macau através do seu restaurante, e poderá, em caso algum, afectar gravemente a ordem pública da RAEM no futuro, nem causar risco para a RAEM, a sua censurabilidade é também reduzida.
27. Ademais, considerando que o restaurante explorado pelo recorrente e a situação de familiares do recorrente estão intimamente ligados à RAEM, deve-se tomar decisão mais humanitária em relação ao período de interdição de entrada aplicado ao recorrente.
28. Portanto, nos termos do art.º 12.º n.º 2 da Lei n.º 6/2004, o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
29. Conforme o princípio da adequação e o princípio da humanidade, combinando com o comportamento anterior do recorrente, o menor dolo e baixo prejuízo do crime, a decisão de interdição de entrada na RAME aplicada ao recorrente pela prática de crime de emprego é contrária ao princípio da proporcionalidade em matéria administrativa.
30. Face ao exposto, o despacho supracitado viola o princípio da proporcionalidade p.p. pelo art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, e o acto administrativo recorrido deve ser anulado por ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Face ao exposto, solicita-se ao MM.º Juiz se digne declarar anulado o despacho recorrido tendo em conta os factos e os fundamentos invocados em cima, por violação do disposto no art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, contesta, em síntese:
A decisão de interdição de entrada trata-se duma providência preventiva que, visando garantir a segurança pública da sociedade e a dos cidadãos e dos seus bens, se aplica aos não-residentes que se tem razões para recear que ponham em perigo a segurança social de Macau ou constituam perigo potencial para a mesma.
O recorrente foi condenado pelo tribunal da RAEM, pela prática do crime de emprego ilegal previsto no artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano. A sua conduta constituiu manifestamente perigo para a ordem e segurança públicas, e é de recear que ele repita o mesmo crime ou crimes semelhantes, pelo que a Administração decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.ºs 2.º, 3.º, 4.º da Lei n.º 6/2004, em conjugação com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003, aplicar ao recorrente a medida de interdição de entrada, de forma que ele ficasse afastado da Região e não cometesse mais acto que prejudicasse os interesses dos residentes da Região.
Cumpre enfatizar que o procedimento administrativo de interdição de entrada é totalmente independente da acção criminal. Também são totalmente diferentes as finalidades que pretendem realizar a medida de interdição de entrada e a pena.
Não se pode presumir que o recorrente não constitui perigo para a sociedade apenas porque ele foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução. Certo é que as pessoas receiam pela segurança quando uma pessoa tenha praticado acto que prejudique a sociedade. O facto de o recorrente ter sido condenado pela prática de crime preenche, sem dúvida, os pressupostos de aplicação das leis acima referidas. A Administração entende que o futuro aparecimento do recorrente em Macau porá em causa o valor protegido pelo direito criminal, pelo que são preenchidos os requisitos de aplicação da medida de interdição de entrada, isto é, por em perigo a segurança e ordem públicas. Isso é também totalmente compreendido na letra das disposições das leis acima referidas e no seu pensamento legislativo.
Por isso, o acto recorrido teve por fundamento factos concretos e fez análise e apreciação correctas, além de aplicar correctamente as correspondentes disposições legais.
É adequada e totalmente necessária a aplicação a um não-residente da medida de interdição de entrada como o único meio de eliminar a ameaça, efectiva ou potencial, para a segurança e a ordem públicas, não havendo violação do princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade exige à Administração que todas as acções administrativas sejam tomadas tendo em conta a realização dos objectivos administrativos e os direitos e interesses legais dos administrados. Se para realizar os objectivos administrativos sejam possivelmente afectados os direitos e interesses dos administrados, a afectação deveria ser limitada num âmbito tanto estrito quanto possível e de forma proporcionada aos objectivos a realizar.
Isso consiste em três aspectos: primeiro, a medida e o meio adoptados pela Administração devem ser adaptados aos fins a que se dirige e adequados à prossecução das finalidades administrativas; segundo, os actos administrativos devem ter por objectivo a realização das finalidades administrativas, sem afectar os administrados de forma excessiva, e deve ser sempre optado o meio menos lesivo dos direitos e interesses dos administrados, não podendo ser ultrapassado o limite de necessidade; por último, o dano causado aos administrados pelo meio que adopte a Administração não pode ser desproporcionado ao resultado obtido.
O acto recorrido é adequado por ser proporcionado ao interesse público que prossegue, isto é, garantir a segurança e ordem públicas.
O mesmo acto é também necessário por ser o único meio legalmente previsto que possa garantir o acima referido interesse público e ao mesmo tempo ser o menos prejudicial para os interesses particulares.
Além disso, comparadas com os fins a prosseguir, as inconveniências causadas para o recorrente não são intoleráveis e encontram-se totalmente dentro dos limites necessários, pelo que não há excesso.
Cumpre enfatizar que a decisão de recusa de entrada de não-residentes na RAEM e a determinação do prazo de interdição de entrada encontram-se enquadrados no âmbito dos poderes discricionários da Administração, a quem o legislador deixa amplos espaços de escolha no que respeita à decisão de interdição de entrada e à fixação do respectivo prazo.
Cumpre acrescentar que qualquer pessoa tem o direito a organizar família e a escolher trabalho, mas tal direito não compreende o direito dos não-residentes ao reagrupamento familiar e ao trabalho.
Face ao exposto, dado que o acto recorrido não padece do vício de violação de lei, peço aos Ex.mos Juízes que neguem provimento ao recurso em causa e mantenham o acto recorrido.
3. O recorrente A e a entidade recorrida, em sede de alegações facultativas, concluem, no essencial, como aquando do seu recurso e resposta.
4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Segurança de 19/5/14 que, em sede hierárquica, manteve decisão do comandante de CPSP de interdição da sua entrada na RAEM pelo período de 3 anos, assacando-lhe vício de afronta da proporcionalidade, esgrimindo, no essencial, com o facto de, desde há cerca de 6 anos ser dono do único restaurante de marisco americano em Macau, ao qual dedica, em pleno, a sua actividade, auxiliando, através dele, actividades de interesse comum, tendo a seu cargo, além dos pais e avó, a sua noiva (a quem teve necessidade de, pessoalmente, prestar especiais cuidados, por força de acidente de viação que esta sofreu em 15/11/12), e respectivo filho, que frequenta a escola em Macau, pelo que a execução da medida em questão afectará irremediavelmente a sua actividade profissional, como prover e cuidar daqueles a seu cargo, razão por que, entendendo que o crime por que foi condenado alcançará alguma justificação por ter ocorrido em fase de mudança social e dificuldade de negócios por causa da questão dos recursos humanos, assume que a sua presença na Região "não vai trazer qualquer risco para a segurança e ordem públicas da RAEM", apelando para se dever "proferir uma decisão com humanidade sobre o período de interdição de entrada aplicada ao recorrente".
Entendemos sublinhar parte do subscrito pelo recorrente por se nos afigurar que, sem o referir expressamente, aparenta o mesmo alguma contestação à ocorrência de todos os pressupostos conducentes à medida adoptada, uma vez que conclui não advir da sua presença na Região qualquer perigo para a ordem e segurança públicas da mesma, requisito necessário para a tomada da medida, à luz do disposto no n.º 3 do art. 12° da Lei 6/2004.
De todo o modo, a verdade é que, para além daquela mera referência que, repete-se, o recorrente não expressa ou configura como possível erro nos pressupostos, nada é acrescentado que possa, com um mínimo de rigor e segurança, contrariar o que, na matéria, a entidade administrativa concluiu, sendo certo que o juízo da existência de efectivo perigo para a ordem e segurança públicas da RAEM pode decorrer, com normalidade, da condenação crime de que o visado foi alvo, atenta, sobretudo, a veradeira "chaga" respeitante ao trabalho ilegal na Região.
Relativamente ao restante sublinhado, serve o mesmo como tentativa de fixação do que, aparentemente, constituirá o cerne do inconformismo do recorrente quando apela ao atropelo da proporcionalidade, ou seja, depreende-se daquela expressão que tal inconformismo se prenderá com o concreto período de interdição determinado, que não com a aplicação da medida propriamente dita, pese embora pelo teor do alegado na sua globalidade se alcance a falta de concordância com a medida propriamente dita, pelo que haverá que concluir constituir a aplicação desta o alvo primário do inconformismo, apresentando-se o período respectivo como sucedâneo.
Posto isto, não deixamos de compreender e ter como estimáveis os interesses pessoais, familiares e profissionais adiantados pelo recorrente : porém, indubitavelmente, os mesmos haverão que ceder face ao interesse público da RAEM, a qual, sofre continuamente do verdadeiro flagelo que constitui o trabalho ilegal, a que urge pôr cobro, a beneficio da segurança e ordem públicas.
E, mostrando-se verificados (e, verdadeiramente não contestados) os necessários pressupostos, quer de facto, quer de direito, mal se vê a que nível a tomada da medida em questão possa, em si própria constituir afronta da proporcionalidade, já que nenhuma outra se divisa, nos termos legais, apta a satisfazer os interesses públicos anunciados, tendo em conta a situação concreta, pelo que a problemática apenas poderia residir no "quantum".
Ora, a tal propósito, inscrevendo-se a decisão tomada no âmbito dos poderes discricionários da Administração e tendo em vista os objectivos a prosseguir, não se nos afigura que o período concretamente alcançado - 3 anos - se não mostre adequado e proporcional à gravidade e censurabilidade dos actos que determinaram a aplicação da medida, nos precisos termos do n.º 4 do art. 12° da Lei 6/2004, pelo menos por forma a justificar a intervenção do judicial neste domínio.
Donde, por não ocorrência do vício assacado, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. É do seguinte teor o despacho recorrido:
“ASSUNTO: Recurso hierárquico necessário
INTERESSADO: A
Por despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) de 29/01/2014, que aqui se dá por reproduzido, foi aplicada a medida de interdição de entrada a A, residente da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) titular do HKIC n.º RXXXXXX(8) pelo período de 3 (três) anos, com fundamento no artigo 4.º, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 4/2003 conjugado com o artigo 12.º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004.
O despacho do Comandante do CPSP sufragou os fundamentos do parecer e proposta n.º 1064/2013 - P.º 222.18, de 31/07/2013, para aplicar a medida de interdição de entrada em apreço, tendo como fundamento de facto a condenação do recorrente por sentença do Tribunal Judicial de Base / 1.º Juízo Criminal, confirmada em sede de recurso penal por sentença do Tribunal de Segunda Instância de 20/06/2013, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática em autoria material de um crime de emprego ilegal previsto e punido nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004.
Atento o teor do recurso hierárquico necessário de 14/04/2014, que aqui, também se dá por reproduzido.
Compulsado o processo instrutor,
Considero que a decisão proferida é legal, adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, confirmo a decisão recorrida, negando provimento ao presente recurso.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 19 de Maio de 2014.
O Secretário para a Segurança
Cheong Kuoc Vá”
2. Por sua vez o despacho que foi objecto de recuso hierárquico, proferido pelo Exmo Senhor Comandante da PSP, é o seguinte:
“Assunto: Medida de interdição de entrada na RAEM
Referência: Proposta n.º 1064/2013-Pº222.18 de 31 de Julho de 2013
A, de sexo masculino, nascido a 23 de Dezembro de 1970, titular do BIRPHK n.º R138041(8), cometeu crime em Macau, designadamente:
Em 6 de Dezembro de 2010, um homem conheceu através da sua mulher que o restaurante “S” sito na XXXXX estava a recrutar empregados, pelo que se dirigiu ao restaurante para candidatar-se ao emprego. Na altura, ele apresentou ao dono A um recibo de entrada do pedido de residência emitido pelo Departamento de Migração do CPSP. A partir de 7 de Dezembro de 2010, A contratou o referido homem como aprendiz de padeiro do restaurante, mas não foi fixado o salários. A seguir, em 9 de Dezembro de 2010, na acção de fiscalização realizada pelo pessoal do CPSP, foi descoberto que o referido homem estava sozinho na cozinha a pôr manteiga no pão com uma faca de manteiga, vestindo vestuário para cozinheiro. A resposta do Departamento de Migração do CPSP mostrou que tal homem nunca tinha obtido a autorização de trabalhar legalmente em Macau. A contratou o referido homem bem sabendo que uma pessoa tinha que ser titular de determinado documento para trabalhar em Macau e conhecendo no momento da contratação do homem que este, ao invés de ter o documento que lhe permitisse o trabalho em Macau, era titular do passaporte das Filipinas e estava a requerer a residência em Macau. Após o julgamento da causa pelo órgão judicial, A foi condenado, em 10 de Fevereiro de 2012, pela prática de um crime de emprego ilegal previsto no artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 4 meses de prisão.
Tendo em conta os factos objectivos acima referidos e as circunstâncias do crime praticado pelo mesmo, o seu aparecimento na Região constituiria perigo para a ordem e segurança públicas da Região. A fim da defesa dos interesses públicos da Região e do exercício da função específica do CPSP, decreto a interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau do indivíduo acima referido pelo período de 3 anos (contados a partir de 8 de Agosto de 2013), no exercício da competência subdelegada pelo Secretário para a Segurança e ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.ºs 3.º e 4.º da Lei n.º 6/2004.”
Da respectiva decisão cabe recurso para o Secretário para a Segurança. Mais se notifica o interessado de que o incumprimento da medida ora aplicada viola o disposto no artigo 21.º da Lei n.º 6/2004 e é punido com pena de prisão.
Em 29 de Janeiro de 2014, no CPSP
Pelo Comandante do CPSP
(Ass. vide o original)
Lei Siu Peng (李小平)
Superintendente Geral”
3. Por sua vez esse despacho louvou-se no seguinte parecer:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Parecer:
1. A foi condenado pelo TJB de Macau pela prática de um crime de emprego ilegal previsto no artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 4 meses de prisão. Ora é revogada a autorização de permanência e A já não pode entrar na RAEM até que exista a decisão em sentido contrário.
2. Dado que o indivíduo acima referido foi condenado numa pena privativa da liberdade, o seu aparecimento na Região constituiria perigo para a ordem e segurança públicas da Região. Ao abrigo do artigo 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003 em conjugação com o artigo 12.º, n.º 2, al. 1) e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, mantém-se a recusa da entrada do indivíduo acima referido na RAEM, até que este seja notificado da decisão de interdição de entrada. É de sugerir, também, a instauração de procedimento de audiência para que ao mesmo seja recusada a entrada na RAEM pelo período não inferior a três anos, e a inscrição do mesmo na lista de pessoas não admissíveis.
3. Submete-se à apreciação superior.
Chefe do Departamento de Informações
(Ass. vd. o original)
31 de Julho de 2013
Despacho:
- Concordo;
- Proceda ao procedimento de audiência de acordo com a lei;
- Finda a audiência e feita a análise, decida a medida a adoptar.
Comandante do CPSP
(Ass. vide o original)
31 de Julho de 2013
Assunto: Medida de interdição de entrada de não-residente
Proposta n.º 1064/2013-Pº222.18
Refa: Processo indivíduo n.º 1138/2011 Data: 31 de Julho de 2013
1. A, solteiro, nascido a XX de XX de 197X em Hong Kong, filho de D e E, residente na XXXX, telefone número: 00853-XXXXXXXX, titular do BIRPHK n.º RXXXXXX(8).
2. Em 6 de Dezembro de 2010, um homem conheceu através da sua mulher que o restaurante “S” sito na XXXXX estava a recrutar empregados, pelo que se dirigiu ao restaurante para candidatar-se ao emprego. Na altura, ele apresentou ao dono A um recibo de entrada do pedido de residência emitido pelo Departamento de Migração do CPSP. A partir de 7 de Dezembro de 2010, A contratou o referido homem como aprendiz de padeiro do restaurante, mas não foi fixado o salários. A seguir, em 9 de Dezembro de 2010, na acção de fiscalização realizada pelo pessoal do CPSP, foi descoberto que o referido homem estava sozinho na cozinha a pôr manteiga no pão com uma faca de manteiga, vestindo vestuário para cozinheiro. A resposta do Departamento de Migração do CPSP mostrou que tal homem nunca tinha obtido a autorização de trabalhar legalmente em Macau. A contratou o referido homem bem sabendo que uma pessoa tinha que ser titular de determinado documento para trabalhar em Macau e conhecendo no momento da contratação do homem que este, ao invés de ter o documento que lhe permitisse o trabalho em Macau, era titular do passaporte das Filipinas e estava a requerer a residência em Macau. Após o julgamento da causa pelo órgão judicial, A foi condenado pela prática de um crime de emprego ilegal previsto no artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 4 meses de prisão. (vide ofício n.º 891 do TSI)
3. Revogada a autorização de permanência de A pelo CPSP, ele já não pode entrar na RAEM até que exista a decisão em sentido contrário.
4. Face ao exposto, se A possa entrar em Macau no futuro, o seu aparecimento constituiria perigo para a ordem e segurança públicas da Região. Portanto, a fim de prevenir a prática em Macau de mais crimes por parte de A, é de decidir, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003 em conjugação com o artigo 12.º, n.º 2, al. 1) e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, a manutenção da recusa da entrada do indivíduo acima referido na RAEM, até que este seja notificado da decisão de interdição de entrada. Também é de sugerir a instauração de procedimento de audiência e a inscrição do respectivo indivíduo na lista de pessoas não admissíveis.
5. É de sugerir a aplicação a A da medida administrativa de interdição de entrada na RAEM, cujo período a ser superiormente determinado.
6. Submete-se à apreciação superior.
Chefe da Secção de Processamento e Tratamento de Notícias
(Ass. vide o original)
Fong Kuok Kuong (方國光)
Chefe n.º 115891
IV - FUNDAMENTOS
1. O recorrente vem impugnar a decisão do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, de 19/05/2014, que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve o despacho do Exmo Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 29/02/2014, nos fundamentos de facto e de direito, no sentido de aplicar ao recorrente a medida de interdição de entrada pelo período de três anos.
Imputa-lhe, em síntese, o vício de violação do princípio de proporcionalidade e, além deste princípio, fala de violação do princípio de humanidade, não deixando de dizer que nos termos do art.º 12.º n.º 3 da Lei n.º 6/2004, a interdição de entrada aplicada pela autoridade deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM e nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
2. Prevenindo uma ínvia alegação quanto ao vício de violação de lei na vertente de integração dos respectivos pressupostos de facto e direito da decisão tomada, não se deixará de referir que é o próprio recorrente que reconhece que “depois de ser condenado, ficou a saber que o crime de emprego praticado por ele prejudica os interesses públicos de emprego de pessoal residente de Macau, assim, o recorrente sentiu-se muito arrependido e prometeu agir cuidadosamente e nos termos da lei no futuro.
A Lei n.º 6/2004, ora Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão, visa combater eficazmente ao emprego ilegal de trabalhadores não residentes na RAEM, pelo que a intenção do legislador consiste na promoção de emprego de residentes e na garantia de segurança interna de Macau.
Ao longo de dez anos de desenvolvimento económico, o efeito da garantia de emprego dos trabalhadores residentes de Macau é afirmativo, e com os resultados da pesquisa de taxa de emprego, durante o período compreendido entre Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014, elaborada pela DSES, tomou-se conhecimento de que a taxa de desemprego era de 1,7%, a taxa de subemprego era de 0,4%, pelo que actualmente se trata de quase pleno emprego da população laboral em Macau.
As Linhas de Acção do ano 2014 do Secretário para a Economia e Finanças, ponto n.º 22, referem-se que “aliviar efectivamente as dificuldades do recurso humano das empresas de média e pequena dimensão.” Dos pontos importantes das Linhas de Acção resulta que o recurso humano era muito escasso, pelo que é de admitir que as empresas de dimensão pequena e média se encontram na dificuldade da exploração em virtude de escassez de recursos humanos. “
Enquanto afirma que “Ademais, o recorrente já exaustou toda a energia e o tempo para explorar o seu restaurante e cuidar das familiares a longo tempo e prometeu continuar a dedicar-se ao dinheiro e aos esforços para as actividades de interesse público de Macau através do seu restaurante.
Portanto, o erro cometido pelo recorrente foi causado pela mudança social e dificuldade cada mais maior na questão de recursos humanos, assim, o recorrente poderá, em caso algum, causar mais risco para a segurança e a ordem públicas da RAEM..”
O recorrente acaba por reconhecer, no essencial, que com a condenação sofrida se tenha posta em causa a segurança e ordem pública da RAEM, embora explique as razões assumidas do cometimento do crime que esteve na base do acto ora impugnado.
Nessa medida, fica a interrogação sobre a aludida violação da proporcionalidade
3. Na perspectiva da anulação do acto, o vício de violação de lei consiste na “discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis”1, muito embora tal vício ocorra normalmente no exercício de poderes vinculados, o certo é que não deixa de se verificar no exercício de poderes discricionários quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam de forma genérica a discricionariedade administrativa, tais como o princípio da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade, etc..2
Dentro de um certo entendimento, tanto o erro na interpretação ou indevida aplicação de uma regra de direito como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente entram no vício de violação de lei. A ideia falsa sobre os pressupostos de facto em que se funda a decisão traduzem violação de lei, na medida em que, se os poderes forem discricionários, aquela mesma lei não os deixa de conferir para serem exercidos ponderando a existência de “certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre várias decisões possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal. Se estes afinal não existirem nos termos supostos, a lei foi violada no seu espírito.”3
4. Importa atentar no preceito normativo em que se estribou a decisão ora posta em causa, o artigo 4º da Lei 4/2003, de 17/3:
“1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.
2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.”
Havendo que o conjugar com o artigo 12º da Lei 6/2004, de 2/8:
“1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.”
Deste artigo resulta que casos há em que se concede à Administração um poder de interditar a entrada, poder esse vinculado à ocorrência de determinados factos, ali taxativamente enumerados.4
5. Convirá rememorar, a propósito da discricionariedade, alguns conceitos, acolhendo a lição de Freitas do Amaral5:
“Em rigor, não há actos totalmente vinculados, nem actos totalmente discricionários. Todos os actos administrativos são em parte vinculados e em parte discricionários. Assim, quando na linguagem corrente se fala em actos vinculados, está-se no fundo a pensar em actos predominantemente vinculados (ou então está-se a pensar nos aspectos em que tais actos são vinculados); e quando se fala em actos discricionários, está-se no fundo a pensar em actos predominantemente discricionários (ou então está-se a pensar nos aspectos em que tais actos são discricionários)
(...)
Para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o espaço de escolha esteja apenas entre duas decisões contraditoriamente opostas (v.g., conceder ou não uma autorização), quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva (v. g., nomeação de um funcionário para um determinado posto de uma lista nominativa de cinco).”
E tal escolha será livre?
Responde aquele Autor da seguinte forma:
“Porém, hoje, reponderando a questão, entendemos que se deve responder negativamente à questão posta.
Efectivamente, o processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está apenas condicionado pelo fim legal – em termos de se poder afirmar serem indiferenciadamente admissíveis à face da lei todas as soluções que o respeitem. A realidade dos nossos dias demonstra, antes, que tal processo é ainda e sobretudo condicionado e orientado por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública (designadamente, igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público – demonstra, noutros termos, que o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da lei, mas um poder jurídico.”
Em sentido próximo, diz entre nós Vieira de Andrade, na esteira de Rogério Soares, que «a discricionariedade não é uma liberdade (...), mas sim uma competência, uma tarefa, corresponde a uma função jurídica. A Administração não é remetida para um arbítrio, ainda que prudente, não pode fundar na sua vontade as decisões que toma. A decisão administrativa tem de ser racional, porque não pode ser fruto de emoção ou capricho, mas, mais que isso, tem de corresponder à solução que melhor sirva o interesse público que a lei determinou. A discricionariedade não dispensa, pois, o agente de procurar uma só solução para o caso: aquela que considere, fundadamente, a melhor do ponto de vista do interesse público».
Em suma, na discricionariedade, a lei não dá ao órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer solução que respeite o fim da norma, antes o obriga a procurar a melhor solução para a satisfação do interesse público de acordo com princípios jurídicos de actuação.”
Para salientar ainda que certas situações que antes considerava ser de discricionariedade imprópria (tais situações eram três: a liberdade probatória, a discricionariedade técnica e a justiça burocrática) - em geral, aquelas em que um poder jurídico conferido por lei à Administração houvesse de ser exercido em termos tais que o seu titular não se devia considerar autorizado a escolher livremente entre várias soluções possíveis, mas antes era obrigado a procurar a única solução adequada que o caso comportava - representavam exemplos de verdadeira autonomia por parte da Administração, entende agora que a Administração pode exorbitar dos seus poderes e sair abertamente do campo da discricionariedade para entrar no da pura e simples ilegalidade, motivo por que o tribunal administrativo pode anular a decisão tomada pela Administração – embora não possa nunca substituí-la por outra que repute mais adequada. Pelo que as hipóteses de erro manifesto de apreciação correspondem, dogmaticamente, a situações de desrespeito do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação.
6. O "perigo efectivo para a segurança e ordem públicas" traduz um conceito indeterminado puro ou em sentido próprio que admite uma larga margem de livre apreciação, o que determina que a sua avaliação administrativa concreta seja fortemente subtraída à sindicância dos órgãos judiciais.6
Ora, é sensato e razoável que as entidades públicas competentes, em face de indivíduo sobre quem recaiam indícios de prática de crimes, lhe vedem, de acordo com os dispositivos legais vigentes, a entrada no Território, por forma a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança pública.
No caso sub judice estamos perante uma situação em que cabia à Administração escolher uma conduta condicionada ao preenchimento de conceitos vagos e imprecisos e de apreciação subjectiva, tal como ameaça para a ordem pública e segurança do Território.
A lei, ao conferir os poderes discricionários, pretende que eles sejam exercidos em face da existência de certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre as várias decisões possíveis, pela que considere mais adequada à realização do fim legal, daí que se a decisão se fundamentar numa falsa ideia sobre os factos, se estes não existirem nos termos supostos, a lei acaba por ser violada no seu espírito, importando, assim, analisar a questão de eventual erro nos pressupostos de facto.
Não se deixa de reconhecer que a sindicabilidade do preenchimento daquele conceito e sua avaliação pode sair eventualmente postergada pela falta de concretização dos elementos em que a Administração se baseou, o que não acontece quando esse juízo parte de uma condenação de cometimento de um crime contra a segurança e a economia, vista a implicação que a imigração ilegal tem nessas áreas.
Como dissemos, porém, não é por aqui que o recorrente invectiva a decisão proferida. Visto o invocado fundamento para a interdição, observa-se que a entidade recorrida formulou um juízo de perigosidade efectivo para a segurança ou ordem pública da RAEM - art. 12º, n.º 3 da Lei 6/2004.
A discordância, neste caso, não é argumento bastante que possa inverter a decisão proferida, sob pena de se subverter o princípio da separação de poderes.
O fundamento invocado precisa de ser complementado com um juízo de perigosidade para a segurança interna de Macau, o que foi expressamente invocado.
Assim se conclui pela verificação dos pressupostos da aplicação da medida decretada.
7. Quanto à alegada desproporcionalidade, o recorrente invoca uma série de razões, condicionalismos e circunstâncias que não só explicam o cometimento do crime – mas que o não podem justificar -, para concluir que a medida não foi adequada, razoável e proporcionada.
Refere para tanto a dificuldade de recrutamento da mão- de obra, a especialidade e características próprias do seu restaurante, o estado do mercado e a pouca diversidade da oferta naquele segmento, as necessidades da economia, a doença da sua noiva que está a seu cargo com o filho de 13 anos, aqui a estudar e com êxito escolar, bem como os pais e avós a seu cargo, a contingência da saída de Macau com todas as implicações inerentes, enfatizando o trabalho árduo e a preocupação em viver de acordo com as leis da RAEM, não esquecendo que sempre contratou legalmente os seus trabalhadores e aquele caso por que sofreu a condenação foi caso isolado e num circunstancialismo de período experimental do trabalhador em causa.
É perante este quadro que o recorrente entende que o sacrifício imposto é muito superior às vantagens pretensamente prosseguidas na defesa do interesse público, aí residindo a desproporcionalidade do acto.
Perante isto, respeitando embora a opinião do recorrente, entra-se num domínio que é da competência da Administração, sendo a esta que cabe avaliar a dimensão e grau dos interesses públicos atingidos e a preservar.
Quanto a isto, dir-se-á, tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade e desproporcionalidade se não for patente um erro crasso, manifesto, grosseiro, que fira os sentimentos padronizados e tidos como os valores do homem comum e da sociedade em geral.
A ideia de proporcionalidade prende-se com a falta de conformidade e adequação da medida em função de uma graduação de opções possíveis, em função de diferentes graus de grandeza, opções que aqui apenas seriam a de interditar ou não, pelo que não se vê como em bom rigor se possa falar em desproporcionalidade. A outra opção possível seria então a não proibição de entrada, mas a querer-se ponderar aqueles factores pessoais e sócio-económicos, também não seria possível nessa óptica graduar fosse o que fosse.
A questão transpor-se-á então mais para a adequação daquele pressuposto em preencher a previsão ínsita aos valores que devem ser prosseguidos com os actos de autorização de permanências na RAEM.
Bom, sobre isto diremos apenas que é o legislador que erige a não observância das leis de Macau como fundamento para a proibição decretada.
Entra-se assim num domínio em que não cabe mais aos Tribunais sindicar a actuação da Administração, competindo a esta fazer um juízo baseado na sua experiência e nas suas convicções, que não é determinado, mas apenas enquadrado por critérios jurídicos, em que o espaço de conformação da Administração não se cinge à fixação dos efeitos da decisão, antes se alarga igualmente à determinação das próprias condições da decisão consideradas na perspectiva do interesse público.7
De todo o modo, no caso em apreço, não se deixa de descortinar a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.8
Na verdade, a jurisprudência dos tribunais superiores da RAEM tem sido unânime, no entendimento de que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade só deve ter lugar quando as decisões administrativas, de modo intolerável, o violem.9
Como tem repetidamente afirmado o Tribunal de Última Instância, a aplicação que a Administração faça do princípio da proporcionalidade, no uso de poderes discricionários, só é judicialmente sindicável quando haja erro manifesto ou total desrazoabilidade:10 "Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora do controlo jurisdicional, salvo em casos excepcionais. [...] O Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem."
No caso concreto, à Administração deparavam-se apenas duas opções - deferir ou não deferir o pedido de autorização de residência -, sendo que a opção tomada não se mostra desconforme com as razões que lhe subjazem, estando o sacrifício imposto ainda em conformidade com as razões prevalecentes que terão optado a actuação da Administração .
8. No que respeita à medida da duração do tempo de interdição, não vindo especificado este fundamento de desrazoabilidade, dele não se curará, sem deixar de dizer que tal fixação “está dentro da margem de discricionariedade da entidade recorrida como órgão administrativo competente para a aplicação da medida de polícia em causa, pelo que a medida feita por ela é princípio insindicável jurisdicionalmente devido ao basilar princípio da separação de poderes, salvo casos de erro manifesto ou injustiça notória”11, hipóteses estas que não ocorrem no caso concreto.
Não se vê que tenha sido demonstrada pelo recorrente a adopção, por parte da entidade aqui recorrida, de qualquer actuação injusta ou de relevante afronta dos valores da ordem jurídica, e, muito menos, parcial e de má-fé.
Muito menos afronta de princípios humanitários – restando apurar da integração do conceito -, na certeza de que uma proibição de entrada, no quadro fáctico subjacente não parece afrontar os valores da dignidade humana integrantes do núcleo de direitos e interesses normalmente associados a tal conceito, como sejam os da vida, liberdade, integridade física e moral e subsistência
Nos termos expostos há que negar provimento ao recurso sub judice por não se verificarem as assacadas ilegalidades do acto recorrido ou quaisquer outras de que cumpra oficiosamente conhecer.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
Macau, 24 de Setembro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
fui presente
Mai Man Ieng
1 - Freitas do Amaral, in Dto Adm., II, 2002, 390v.
2 - Freitas do Amaral, ob. cit., 392
3 - Marcelo Caetano, in Man. Dto Adm, 10ª ed., I, 504v.
4 - Ac. TSI de 3/2/2000, Acs. do TSI, 2000, I 20
5 - Curso de Dto Administrativo, 2002, 78 e segs
6 Vide, Ac. do TUI de 27/04/2000, Proc. n.º 6/2000; Ac. do TSI de 18/10/2012, Proc. 127/2012
7 - Freitas do Amaral, ob. cit., 111 e 112
8 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
9 - Acs do TUI, Proc. n.º 32/2013 de 31/7/2013; Proc. n.º 38/2012, de 1/7/.2012
10 - Ac. do TUI de 31/07/2013, Proc. n.º 30/2013
11 -Ac. do TSI de 24/4/2003, proc. 107/2001
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