Processo nº 204/2014
(Recurso Contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 10/Setembro/2015
Assuntos:
- Contagem do tempo de serviço na sequência da demissão de um agente
SUMÁRIO :
O despacho de demissão só pode produzir efeitos, nomeadamente para efeitos da contagem do tempo de serviço e início da cessação de funções públicas a partir da notificação do acto ou do momento em que se presuma feita a notificação.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 204/2014
(Recurso Contencioso)
Data : 10 de Setembro de 2015
Recorrente: A (A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A (XXXX XXXX), casada, de nacionalidade chinesa, mais bem identificada nos autos,
veio interpor contra
o ex-SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA DO GOVERNO DA RAEM,
RECURSO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, do Despacho n.º 06/SS/2014 de 27.02.2014 proferido pela entidade recorrida,
Alegando, em síntese:
I. Os efeitos das penas disciplinares aplicadas aos militarizados apenas se produzem na data do início da sua execução que, a lei expressamente prevê só ocorrer 15 dias após a publicação do aviso para notificação edital- entendimento contrário viola o artigo 242.°, n.º 2, do EMFSM.
II. Sempre que o arguido não seja notificado pessoalmente, mas por aviso publicado no Boletim Oficial, entende-se que o mesmo só está notificado no termo do prazo de 15 dias a conta da publicação desse aviso - entendimento contrário viola o art. 285.°, n.º 1 do EMFSM.
III. Embora a regra seja a de que o acto administrativo quando perfeito produz todos os seus efeitos desde a data em que foi praticado, a mesma tem excepções, podendo a eficácia ser retrocativa ou diferida sempre que a lei ou o próprio acto, assim o disponham; é igualmente regra geral, de que os acima referidos artigos do EMFSM, relativos à notificação e execução das penas não são mais que uma concretização, que os actos restritivos de direitos ou impositivos de encargos só produzem efeitos após a sua notifocação - entendimento contrário faria indevida interpretação e aplicação dos art.s 117.°, n.º 1, infine, e 121.° do C.P.A.
IV. O acto recorrido ao contar o tempo de serviço da arguida só até ao dia em que foi proferida a decisão punitiva no processo disciplinar, no caso o Despacho de 05.09.2012 do Exmo. Senhor Secretário para s Segurança, padece de vício de violação de lei, pois entende que a pena disciplinar produz todos os seus efeitos a partir do dia seguinte ao da prolacção da decisão, 06.09.2012, e não a partir do dia seguinte áquele em que se considere feita a notificação ao arguido - o acto viola o disposto nos arts. 225.°, n.º 2, e 242.°, n.º 2, do EMFSM.
Termos em que,
Deve o acto recorrido - Despacho n.º 06/SS/2014 de 27.02.2014 do então Exmo. Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau - ser revogado porque anulável por vício de violação de lei.
2. O Exmº Secretário para a Segurança, nos termos do artº 53º CPAC aprovado pelo DL nº 110/99/M de 13 de Dezembro, apresentou contestação contra a pretensão constante na petição inicial apresentada pela recorrente, dizendo, em suma:
1. A recorrente foi demitida disciplinarmente em 05/09/2012, cuja sanção passou a produzir efeito (ser executada) em 20/12/2012, o DGR emitiu em 21/02/2013, notificação nº 042/DRH/DGR/2013, no qual indica que a recorrente prestou serviço no período compreendido entre 18/09/1991 a 05/09/2012, cujo teor corresponde a verdade e preenche as disposições legais.
2. O despacho recorrido não violou o disposto no artºs 225º, nº 2, 242º, nº2 e 285º, nº 1 do “Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau” e artºs 117º, nº 1 e 121º CPA.
3. Requeira-se ao Mmº Juiz que julgue improcedente a motivação do recurso e que mantenha o acto administrativo recorrido, razão porque não padece de qualquer vício de ilegalidade.
3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto ofereceu o seguinte douto parecer:
É inequívoco que, nos termos do n° 1 do art° 117°, CPA, "O acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado ... ". Porém, o acto em questão, de natureza sancionatória, apenas poderá revestir eficácia a partir da sua notificação ao destinatário.
De acordo com o preceituado no n.º 2 do art° 225° EMFSM, "Os efeitos das penas produzem-se na data em que deva ter início a sua execução", acrescentando o n.º 2 do art° 242° do mesmo diploma que, sendo a decisão definitiva " ... o início da execução terá lugar no dia seguinte a da sua notificação ao arguido ou 15 dias após a publicação do aviso referido ..."
Assim, quando, como é o caso, o arguido não for notificado pessoalmente mas por aviso publicado bo Boletim Oficial, entende-se que o mesmo só está notificado no termos do prazo de 15 dias a contar da publicação desse aviso ( art° 285°, n.º 1, EMFSM), produzindo-se os efeitos da sanção a partir dessa altura, entendimento que, relativamente a interpretação de norma similar do ETAPM (art° 308°) parece ser também assumido pela DSAFP (fls 32 e v).
Aliás, aparentemente, a entidade recorrida também assume ter a pena em questão produzido efeitos de acordo com aqueles parâmetros, expressando-se (fls. 47) que "Segundo os dados constantes do processo, é verdade que o CPSP executou a pena de demissão à recorrente, após a mesma ter produzido efeitos (execução) (em 20/12/2012)", acrescentando-se que "Em 5/9/12 foi aplicada a pena de demissão à recorrente, tal pena produziu efeitos (execução) em 20/12/2012", sendo, aliás, de acordo com tais dados que foi prestada a primeira informação à visada, imputando-lhe tempo de serviço prestado até 19/12/2012.
Não vemos razão (e também a não vemos claramente adiantada pela entidade recorrida) para, partindo daqueles pressupostos relativos ao início da produção de efeitos da pena, se proceder à contagem do tempo de serviço tendo como limite a data da prática do acto e não a da sua notificação, nos termos legais.
Aceitamos que, em face de penas com quebra imediata do vínculo funcional, como é o caso, se apresente algo estranha a possibilidade de os sancionados poderem, eventualmente, vir a bebneficiar, em termos de contagem do tempo de serviço de eventual "esquiva" à notificação : porém, não vemos que a interpretação efectuada pela entidade recorrida, no sentido de a contagem de tempo de serviço apenas até à data da prática do acto seja a mais consentânea com os normativos legais apontados, mais concretamente com o disposto nos art°s 225°. n° 2 e 242°, n° 2 do EMFSM, cuja violação deverá determinar, em nosso critério, o provimento do presente recurso.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
O acto recorrido mostra-se consubstanciado no despacho que foi notificado à recorrente nos seguintes termos:
“NOTIFICAÇÃO
Nº. 36/DRH/DGR/2014
Assunto: Recurso hierárquico – contagem de tempo de serviço prestado à Administração Pública
Recorrente: A, ex-guarda do CPSP nº 3......
Relativamente ao recurso hierárquico de V.Exª, interposto em 24/6/2013 através da advogada Drª Ana Fonseca para o Exmº Senhor Secretário para a Segurança, contra a Notificação nº 042/DRH/DGR/2013 do CPSP sobre a contagem do seu tempo de serviço prestado à Administração Pública, fica V.Exª notificada de que o Exmº Senhor Secretário para a Segurança proferiu o Despacho nº 06/SS/2014 em 27/02/2014, que homologou o teor da Notificação nº 042/DRH/DGR/2013, emitida em 21/02/2013 por este Departamento, indeferindo, ao mesmo tempo, o recurso hierárquico de V.Exª
Anexa-se a esta notificação cópia do Despacho nº 06/SS/2014. Da decisão do Exmº Senhor Secretário para a Segurança, pode V.Exª recorrer contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias a contar da data do recebimento da notificação.
Departamento de Gestão de Recursos do CPSP, aos 4 de Março de 2014.
A Chefe do DGR
(Assinatura)
Ung Vong Pek Io
Intendente
Em 5/3/2014 Em 5/3/2014
Notificada Notificante
(Assinatura) (Assinatura)
Chefe 198860
--- o 0 o ---
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
Despacho nº 06/SS/2014
do Secretário para a Segurança
Assunto: Recurso hierárquico – contagem de tempo de serviço prestado na Administração
Recorrente: A, ex-guarda do CPSP nº 3......
Acto recorrido: Notificação emitida pela Chefe do Departamento de Gestão de Recursos e o despacho do Secretário para a Segurança
I
A Chefe do Departamento de Gestão de Recursos do CPSP indicou na Notificação nº 042/DRH/DGR/2013, emitida em 21/02/2013, que o tempo de serviço prestado à Administração Pública pela recorrente é de 18/09/1991 a 05/09/2012.
Inconformada com o teor da notificação, a recorrente apresentou reclamação ao Comandante do CPSP, a qual foi indeferida pelo Comandante através do despacho emitido em 18/06/2013.
Ainda inconformada, de tal decisão a recorrente interpôs recurso hierárquico.
II
O processo é o próprio, tem a recorrente a legitimidade e a recurso foi interposto no prazo legal, inexistindo quaisquer outras questões prévias que obstem à admissão e ao conhecimento do mérito da causa.
Após examinados e analisados os dados constantes do processo, foram apurados os seguintes factos:
a. A recorrente faltou ao serviço por 11 dias seguidos sem causa justificada ou autorização no período entre 7 e 17 de Fevereiro de 2011, a ela foi levantado o processo disciplinar nº 33/2011 em 16/02/2011.
b. Depois, o signatário aplicou à recorrente a pena de demissão mediante o Despacho nº 39/SS/2012 de 05/09/2012 (fl. 2 do processo).
c. Tal despacho foi notificado à recorrente por meio de carta registada com aviso de recepção que foi enviada ao endereço fornecido pelo serviço a que pertence a recorrente, esta, no entanto, não foi levantar a carta de notificação (fl. 17).
d. Assim, foi publicado o dito despacho no Boletim Oficial da RAEM nº 49, II Série, de 05/12/2012 (fls. 24 a 25).
e. Em 15/01/2013, o Departamento de Gestão de Recursos do CPSP emitiu à recorrente a Infª 001/2013, em que apontou que a pena de demissão foi aplicada à mesma produziu efeitos em 20/12/2012, sendo o seu tempo de serviço efectivo até 19/12/2012 (fl. 3).
f. O Departamento de Gestão de Recursos do CPSP emitiu à recorrente Notificação nº 042/DRH/DGR/2013 em 21/02/2013, na qual indicou que o tempo de serviço prestado à Administração Pública pela recorrente é de 18/09/1991 a 05/09/2012, e a notificação substituiu a referida Infª 001/2013 (fl. 10).
g. Na Ordem de Serviço do CPSP nº 37 de 26/02/2013, foi publicada uma rectificação em que apontou: Onde se lê “Por despacho do Exmº. Senhor Secretário para a Segurança de 05 de Setembro de 2012, foi abatido ao efectivo deste Corpo de Polícia, por ter sido demitido, a partir de 20 de Dezembro de 2012, a Guarda nº. 3......, A, deve ler-se “Por despacho do Exmº. Senhor Secretário para a Segurança de 05 de Setembro de 2012, foi abatido ao efectivo deste Corpo de Polícia, por ter sido demitido, a partir de 06 de Setembro de 2012, a Guarda nº. 3......, A.”
h. A Direcção dos Serviços das Forças de Segurança (DSFS) publicou um anúncio no Diário Ou Mun Iat Pou de 11/06/2013, conforme o previsto no artigo 72º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), para notificar a recorrente do assunto referente às compensações pela sua desligação do serviço, informando-lhe que se deslocasse pessoalmente à DSFS a fim de tratar as respectivas formalidades na Secção de Vencimentos no prazo de 15 dias a partir da publicação do anúncio.
i. Em 13/06/2013, a recorrente entregou à DSFS um montante no valor de MOP101.829,70 que era a quantia de compensações pecuniárias e subsídios recebida pela sua demissão após descontada o valor que devia ser devolvido à Administração.
A recorrente alegou que, conforme o artigo 225º, nº 2, o artigo 242º, nº 2 e o artigo 285º, nº 1 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), os efeitos da pena disciplinar produzem-se 15 dias após a publicação no Boletim Oficial da RAEM do despacho de aplicação de pena disciplinar, ou seja, 20/12/2012, pedindo a mesma que lhe seja devolvido o montante relativo à sua demissão que entregou à DSFS em 13/06/2013.
No uso das competências conferidas pela Ordem Executiva nº 122/2009 e pelo artigo 211º do EMFSM e de acordo com o anexo indicado no artigo 4º, nº 2 do Regulamento Administrativo nº 6/1999, o signatário decidiu aplicar, através do despacho nº 39/SS/2012 de 05/09/2012, a pena de demissão à recorrente.
O artigo 110º do CPA dispõe que se consideram actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. E o nº 2 do artigo 117º do mesmo Código prevê que o acto se considera praticado logo que estejam preenchidos os seus elementos, não obstando à perfeição do mesmo, para esse fim, qualquer motivo determinante de anulabilidade.
O referido despacho de aplicação de pena disciplinar já preenche manifestamente todos os elementos legais de acto administrativo e foi proferido por uma entidade legal competente, sendo, portanto, um acto final ou definitivo. A aplicação da pena disciplinar deve ser considerada um acto completo e com efeitos no dia em que foi proferido o dito despacho, ou seja, a pena de demissão foi aplicada à recorrente em 05/09/2012.
De acordo com o artigo 225, nº 2 do EMFSM, os efeitos das penas disciplinares produzem-se na data em que deva ter início a sua execução. E o artigo 242º, nº 2 do mesmo Estatuo prevê que “se a decisão for definitiva, originariamente ou sobre recurso, o início da execução terá lugar no dia seguinte ao da sua notificação ao arguido ou 15 dias após a publicação do aviso referido no n.º 2 do artigo 275.º, tendo em atenção o disposto no n.º 1 do artigo 285.º”
As normas jurídicas mencionadas prevêem a execução da pena disciplinar aplicada ao arguido, não impedindo a integridade e a vigência do despacho que aplica a pena disciplinar (acto administrativo).
O CPSP notificou em 05/10/2012 a recorrente do dito despacho por meio de carta registada com aviso de recepção, mas a mesma não a levantou. Assim, o CPSP publicou o despacho no Boletim Oficial da RAEM nº 49, II Série, de 05/12/2012.
Nesta conformidade, à recorrente foi aplicada a pena de demissão em 05/09/2012, a qual deve produzir efeitos (execução) em 20/12/2012.
Segundo os dados constantes do processo, é verdade que o CPSP executou a pena de demissão à recorrente após a pena ter produzido efeitos (execução) (em 20/12/2012), incluindo: emissão à recorrente da informação e notificações relativas ao tempo de serviço prestado da recorrente, cessação de pagamento de vencimento à recorrente, cessação de recebimento dos atestados médicos apresentados pela mesma.
O artigo 228º do EMFSM estabelece que a pena de demissão importa a perda de todos os direitos inerentes à condição de militarizado.
Em 05/09/2012, foi aplicada a pena de demissão à recorrente, tal pena produziu efeitos (execução) em 20/12/2012. A recorrente deve devolver à Administração os vencimentos indevidamente recebidos relativos ao período entre 05/09/2012 e 20/12/2012.
Em 15/01/2013, o Departamento de Gestão de Recursos do CPSP emitiu à recorrente uma informação, em que apontou que a pena de demissão aplicada à mesma produziu efeitos em 20/12/2012, sendo o seu tempo de serviço efectivo até 19/12/2012. Devido a lapso dos dados, o dito departamento emitiu à recorrente outra notificação em 21/02/2013, na qual rectificou o tempo de serviço prestado à Administração Pública pela recorrente para o período de 18/09/1991 a 05/09/2012.
O acto rectificado preencheu os pressupostos e formas previstos no artigo 135º do CPA, devendo produzir os efeitos legais rectificados.
Nos termos expostos, foi aplicada a pena de demissão à recorrente em 05/09/2012 e tal pena produziu efeitos (execução) em 20/12/2012. O Departamento de Gestão de Recursos do CPSP emitiu à recorrente a Notificação nº 042/DRH/DGR/2013 em 21/02/2013, que indicou que o tempo de serviço prestado à Administração Pública pela recorrente é de 18/09/1991 a 05/09/2012, sendo este teor correcto e conforme com disposições legais.
Por fim, o signatário não encontrou qualquer vício neste processo que possa afectar a continuidade do acto.
III
Em virtude da improcedência do recurso hierárquico, o signatário homologa, nos termos do artigo 4º do Regulamento Administrativo nº 6/1999, da Ordem Executiva nº 122/2009, alterada pela Ordem Executiva nº 28/2011, e do artigo 161º do CPA, o teor da Notificação nº 042/DRH/DGR/2013 emitida em 21/02/2013 pelo Departamento de Gestão de Recursos do CPSP, indeferindo o recurso hierárquico interposto pela recorrente.
Notifique a recorrente para, querendo, recorrer contenciosamente da presente decisão para o Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM, aos 27 de Fevereiro de 2014.
O Secretário para a Segurança
(Assinatura)
Cheong Kuoc Vá”
IV - FUNDAMENTOS
1. Sendo o acto praticado um acto ablativo de direitos, concretamente conducente à cessação do vínculo funcional da recorrente, em vista da demissão de que foi alvo, tal acto tem de ser notificado e os seus efeitos só contam a partir da sua notificação ou do decurso do prazo legalmente consagrado que lhe equivalha.
Trata-se de uma matéria que não oferece dificuldades, antevendo-se desde já assistir razão à recorrente.
2. Em termos gerais, a notificação é o modo de levar ao conhecimento do interessado o efeito jurídico contido no acto administrativo e constitui uma formalidade independente do acto notificado embora inserida no processo integrativo de eficácia do acto, e, por isso, requisito de eficácia do acto praticado – artigos 68º, 117º, n.º 1, 119º, c) e 121º, n.º 1, todos do CPA.
No que respeita à situação jurídico-funcional concreta a que se pôs termo, rege o EMFSM (Decreto-Lei n.º 66/94/M de 30 de Dezembro), dispondo o seu art. 225.° :
1. As penas disciplinares produzem unicamente os efeitos declarados no presente Estatuto.
2. Os efeitos das penas produzem-se na data em que deva ter início a sua execucão.
3. Quando por qualquer motivo não haja ocasião de fazer cumprir efectivamente as penas disciplinares, todos os efeitos se produzirão como se na realidade tivessem sido cumpridas.
Por sua vez o art. 242.° do mesmo EMFSM, com a epígrafe "início de execução" das penas disciplinares, dispõe:
1. Não sendo a decisão definitiva, as penas começarão a ser cumpridas na data em que a mesma se tornar irrecorrível.
2. Se a decisão for definitiva, originariamente ou sobre recurso, o início da execução terá lugar no dia seguinte ao da sua notificação ao arguido ou 15 dias após a publicação do aviso referido no n.º 2 do artigo 275.°, tendo em atenção o disposto no n.º 1 do artigo 285°.
3. O elemento punido deverá apresentar-se às 9 horas do dia do início do cumprimento ao superior a quem estiver directamente subordinado ou, sendo aposentado, no secretariado do comando da respectiva corporação.
4. Se o arguido condenado em multa não pagar a respectiva importância no prazo de 30 dias, contado da data em que a decisão se tornou executória, ser-lhe-à descontada no vencimento ou pensão que haja de receber.
5. A pedido do interessado e mediante despacho da entidade que julgar o processo, o pagamento da multa poderá ser feito em prestações, no máximo de quatro.
6. O disposto nos n.ºs 4 e 5 não prejudica a execução, quando seja necessária, a qual seguirá os termos do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão do despacho punitivo.
Havendo o arguido sido notificado da decisão do processo disciplinar, através de publicação de aviso publicado no Boletim Oficial, por impossibilidade de se ter procedido à sua notificação pessoal, o início da execução só poderia ter lugar 15 dias após o dia da publicação, data em que se presume feita a notificação, ao abrigo do disposto nos artigos 285º, n.º 1 e 275º do EMFSM..
Na verdade, o art. 285.°, n.º 1, do EMFSM, integrado na Divisão V, com a epígrafe "Decisão disciplinar e sua execução", dispõe:
1. A decisão será notificada ao arguido, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 1. 2 e 3 do artigo 275.°, considerando' se feita a notificação no termo do prazo de 15 dias a contar da publicação do aviso.
2. Quando se proceder à notificação do arguido é igualmente notificado o instrutor.
3. Notificados são igualmente, no mesmo prazo, o queixoso ou o participante, desde que expressamente o tenham requerido para efeitos de recurso, quer da decisão final quer de despachos proferidos no processo e que não sejam de mero expediente.
4. O Governador, sob proposta do comandante da corporação ou director, poderá autorizar que a notificação ao arguido seja protelada pelo prazo máximo de 30 dias, se se tratar de pena de suspensão ou de pena que inviabilize a relação funcional, desde que da execução da decisão disciplinar resultem para o serviço inconvenientes mais graves do que os decorrentes da permanência no desempenho do cargo do militarizado punido.
3. Daqui resulta inequivocamente que os efeitos das penas só se produzem a partir da data do início da sua execução, que, no presente caso, é a do dia seguinte ao da sua notificação ao arguido, a data da sua efectiva notificação pessoal ou aquela que a lei estabelece, quando a mesma for edital, isto é, feita por aviso publicado no Boletim Oficial - isto é, no termo do prazo de 15 dias a contar da publicação do aviso (art. 285.°, n.º 1, do EMFSM).
No acto recorrido defende-se que por o Despacho n.º 39/SS/2012 de 05.09.2012 do ex-Secretário para a Segurança, que aplicou à recorrente a pena disciplinar de demissão, ser "uma decisão de um órgão da administração que ao abrigo de normas de direito público visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta" é um acto administrativo, nos termos do art. 110.° do CPA e, assim, nos termos do art. 117.°, n.ºs 1 e 2, do CPA produz todos os seus efeitos desde a data em que for praticado, sendo que se considera praticado logo que estejam preenchidos todos os seus elementos, que são aqueles que constam do art. 110.° do CPA.
Ignora-se, porém, a segunda parte do disposto no n.°1 do referido art. 117.°, que dispõe que a produção dos efeitos do acto administrativo, a partir do momento da sua prática, não ocorre sempre que a lei ou o próprio acto defiram para o futuro ou façam retroagir ao passado os efeitos do acto.
Importa distinguir, como se salienta no acórdão que ora se cita, meramente em termos de Jurisprudência Comparada, que “ O conteúdo da notificação não se pode nem deve confundir com o conteúdo do documento notificativo. Aquele, integra o teor do acto a notificar, enquanto este se resume a uma acta, ou um auto, que documenta o cumprimento do objectivo da notificação.”1
Neste caso, não obstante o acto estar perfeito e conter todos os elementos relevantes, ele não é eficaz enquanto não for notificado, sendo a própria lei que defere a sua eficácia para o momento da notificação ou da sua presunção.
Nesta mesma linha, da necessidade de notificação e respectiva eficácia, se entende, desde há muito, que, anulado “por falta de fundamentação o acto que aplica a um funcionário a pena de demissão, a execução da decisão anulatória impõe que se restabeleça a situação que esse funcionário teria se o acto anulado não tivesse sido praticado.” E “Praticando a Administração um novo acto com o mesmo conteúdo do anulado, mas expurgado do vício que determinou a sua anulação, os efeitos do novo acto punitivo só se produzem a partir da sua notificação ao interessado.”2
4. Como está bem de ver, pena de demissão apenas produz os seus efeitos após a sua notificação, pois dos efeitos da pena de demissão aplicada à recorrente ressalta como principal o da cessação da relação jurídica de trabalho com a Administração, consequência essa extintiva de uma situação jurídica de emprego e supressora de todos os direitos inerentes, desse facto cabendo dar conhecimento ao interessado.
Nesta conformidade o recurso não deixará de proceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso, anulando-se, em conformidade, o acto recorrido.
Sem custas por não serem devidas.
Macau, 10 de Setembro de 2015
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 - Ac. do TCAN, Proc. n.º 01808/09.7BEPRT, de 29/4/2010
2 - Ac. do STA, Proc. n.º 13784A, de 18/12/1986
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204/2014 1/19