Processo n.º 381/2015 Data do acórdão: 2015-6-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– suspensão do prazo da prescrição da multa
– art.o 117.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
– processo de cobrança coerciva da multa
– arquivamento condicional do processo
– art.o 118.o, n.o 2, do Regime das Custas nos Tribunais
– art.o 118.o, n.o 3, do Código Penal
S U M Á R I O
1. A contagem do prazo de quatro anos de prescrição da pena de multa, previsto no art.o 114.o, n.o 1, alínea e), do Código Penal (CP), a começar desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, fica, nos termos do art.o 117.o, n.o 1, alínea a), do CP, suspensa a partir do dia em que se decide judicialmente, à luz do art.o 118.o, n.o 2, do Regime das Custas nos Tribunais, pelo arquivamento condicional do processo destinado inclusivamente à cobrança coerciva da multa.
2. Isto porque a decisão desse arquivamento significa que a execução (coerciva) da multa (isto é, o acto de pagamento coercivo da multa – na sequência da falta de pagamento voluntário – através da liquidação de algum bem penhorável do executado) não pode legalmente iniciar-se, sendo certo que pelo n.o 3 do art.o 118.o do CP fica ressalvado o tempo dessa suspensão.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 381/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido em 21 de Novembro de 2014 a fls. 127 a 127v do Processo Contravencional n.o CR2-10-0015-LCT do Tribunal Judicial de Base que decidiu pela ainda não prescrição da pena de seis mil patacas de multa então imposta nesses autos ao aí já melhor identificado arguido A como proprietário da Sociedade de Construção B, Limitada (B建築工程有限公司), veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação do tal despacho, com almejada consequente declaração da extinção da pena de multa, alegando, para o efeito, que o Tribunal a quo, ao entender, nuclearmente, que aquando da instauração e pendência do processo de cobrança coerciva da multa, ficaria interrupta a prescrição, violou o art.o 118.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP) (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 129 a 132v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso não respondeu o arguido.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 185 a 186), pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro juiz-adjunto nos termos do art.o 417.o, n.o 1, parte final, do Código de Processo Penal (CPP).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos com pertinência à solução do recurso:
1. Por sentença do Primeiro de Novembro de 2010 (a fls. 78 a 79v dos autos), transitada em julgado em 11 de Novembro de 2010 (cfr. a nota lançada a fl. 80), foi sobretudo imposta a multa de seis mil patacas ao arguido A, como proprietário da Sociedade de Construção B, Limitada, então julgado presencialmente em processo contravencional.
2. Em 15 de Novembro de 2010, foi mandada, sob registo postal, uma carta de notificação dirigida ao arguido, para este vir, no prazo de vinte dias, pagar a multa, sob pena de cobrança coerciva.
3. Em 9 de Fevereiro de 2011, o Ministério Público fez instaurar o correspondente processo de execução por custas, para cobrança coerciva, inclusivamente, da multa (cfr. o requerimento inicial da execução, a fls. 2 a 2v do respectivo apenso de execução).
4. Processo esse que, por despacho judicial de 29 de Abril de 2011 (a fl. 11 do apenso), veio a ser arquivado condicionalmente a pedido do Ministério Público, devido ao desconhecimento dos bens do arguido executado.
5. Ulteriormente, em 21 de Novembro de 2014, o M.mo Juiz titular dos presentes autos principais no Tribunal Judidial de Base julgou que, ao contrário da promoção do Ministério Público, a multa então aplicada ao arguido ainda não estava prescrita, por entender, nuclearmente, que aquando da instauração e pendência do processo de execução ficaria interrupta a contagem do prazo de quatro anos da prescrição da pena de multa (cfr. esse despacho exarado a fls. 127 a 127v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O Ministério Público ora recorrente pretende que seja declarada extinta a pena de multa por efeito da prescrição.
Entretanto, para o presente Tribunal ad quem, não pode proceder esse desejo do Digno Ente Recorrente, porquanto é de entender que a contagem do prazo de quatro anos de prescrição da pena de multa dos presentes autos, como tal previsto no art.o 114.o, n.o 1, alínea e), do CP, que já tinha começado desde o dia 11 de Novembro de 2010 em que tinha transitado em julgado a respectiva sentença condenatória do Primeiro de Novembro de 2010, já ficou, nos termos do art.o 117.o, n.o 1, alínea a), do CP, suspensa a partir de 29 de Abril de 2011, com o judicialmente decidido arquivamento condicional do processo destinado inclusivamente à cobrança coerciva da mesma multa, isto tudo porque a decisão desse arquivamento, tomada materialmente à luz do art.o 118.o, n.o 2, do vigente Regime das Custas nos Tribunais, já significa que a execução (coerciva) da multa (isto é, o acto de pagamento coercivo da multa – na sequência da falta de pagamento voluntário – através da liquidação de algum bem penhorável do executado) não pode legalmente iniciar-se, de maneira que sendo ressalvado pelo n.o 3 do art.o 118.o do CP o tempo dessa suspensão, o prazo da prescrição da multa, à data do ora impugnado despacho judicial de 21 de Novembro de 2014 (e mesmo hoje) está longe de estar completado.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do Ministério Público, mantendo a decisão judicial recorrida, ainda que por fundamentação algo diversa da sustentada pelo Tribunal a quo.
Sem custas, dada a isenção subjectiva da Entidade Recorrente.
Macau, 18 de Junho de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
________________________ (segue declaração)
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
Processo nº 381/2015
(Autos de recurso penal)
Declaração de voto
Vencido.
O Digno Magistrado do Ministério Público veio recorrer da decisão proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que, considerando ter ocorrido causa de “interrupção (da prescrição)”, decidiu que prescrita não estava a pena de multa de MOP$6.000,00 à arguida dos autos aplicada.
Como é sabido, a “prescrição da pena ou medida de segurança” tem como efeito não poder qualquer delas ser imposta ou executada.
Como razões de tal instituto, alinham-se as que consideram como motivo essencial o “decurso do tempo”, merecendo também destaque razões associadas aos próprios “fins das penas” e “necessidade de segurança jurídica”; (sobre a questão, vd., v.g., L. Henriques, in “Anot. e Com. ao C.P.M.”, Vol. III, pág. 518 e segs.).
No capítulo da “prescrição das penas e medidas de segurança”, preceitua o art. 114° do C.P.M. que:
“1. As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) 25 anos, se forem superiores a 15 anos de prisão;
b) 20 anos, se forem iguais ou superiores a 10 anos de prisão;
c) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
d) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;
e) 4 anos, nos casos restantes.
2. O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.
Face à natureza da pena dos autos – “multa” – em causa está o prazo de 4 anos para a sua prescrição, (cfr., art. 114°, n.° 1, al. e) ), que começa a correr no dia do trânsito em julgado da sentença que a aplicou, e que, no caso, ocorreu em 11.11.2010; (cfr., n.° 2).
In casu, invocando o estatuído no art. 118°, n.° 1, al. a) do C.P.M., entendeu o Mmo Juiz a quo que houve lugar a “interrupção”, e que, desta forma, prescrita não estava a pena de multa em questão.
Porém, e como resulta do douto Acórdão que antecede, veio-se a entender que a dita prescrição não ocorreu por efeito de causa suspensiva prevista no art. 117°, n.° 1, al. a) do mesmo C.P.M..
Outra é a nossa opinião.
Nos termos do art. 117° do C.P.P.M.:
“1. A prescrição da pena e medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) A execução não puder legalmente iniciar-se ou continuar;
b) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
c) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”.
E em causa estando a “causa de suspensão” enunciada na al. a) do transcrito comando legal, cremos pois que, in casu, a mesmo não ocorreu.
Importa atentar que, como no preceito em questão se pode ler, a mesma é uma causa “com origem na Lei”, (daí a expressão “legalmente”), valendo aqui a pena lembrar os ensinamentos de M. Cavaleiro de Ferreira que considera que para a situação, “a suspensão tem de depender directamente de preceito legal que a imponha”; (cfr., Lições de Dto. Penal, II, pág. 204).
Nesta conformidade, e como também nota L. Henriques, não cabe pois aos Tribunais “criar ou justificar causas de suspensão não especialmente previstas”; (cfr., ob. cit., pág. 547, podendo-se também sobre a questão ver o Ac. da R.L. de 21.10.2009, in C.J., Ano XXXIV, T. IV, pág. 147).
Dest’arte, e não nos parecendo que a “situação” identificada no douto Acórdão que antecede constitua uma “impossibilidade legal” de se iniciar ou prosseguir a execução da pena para efeitos de se poder ter por suspenso o prazo da sua prescrição, cabe dizer que também não se nos mostra que tenha ocorrido “interrupção da prescrição”, como pelo Mmo Juiz do T.J.B. foi entendido.
Com efeito, nos termos do art. 118° do C.P.M.:
“1. A prescrição da pena e medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser entregue ou onde não possa ser alcançado.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição da pena e medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.
E, atento o seu teor, há que interpretar a invocada “causa de interrupção da prescrição” da al. a) do n.° 1 do art. 118° do C.P.M. com as devidas cautelas, pois que, no que à “pena de multa” diz respeito, implica o “início do seu pagamento”, não valendo pois para o efeito o mero “início do processo para a sua cobrança”, (aqui, situando-se, em nossa opinião, o equívoco da decisão recorrida que considerou ter havido “interrupção da prescrição” da multa aplicada com a instauração pelo Ministério Público de processo executivo tendente ao seu pagamento, mas que se veio a revelar infrutífero; cfr., fls. 124 a 126).
Na verdade, sendo de se considerar assente que toda a pena criminal envolve um “sacrifício” (ou perda) para o condenado, e sendo assim a execução da pena a sua “materialização”, adequado se nos mostra de entender – e o próprio elemento literal da al. a) em questão, erigindo como causa de interrupção da prescrição da pena a “sua execução”, leva a se considerar – que a mesma implica o “efectivo cumprimento” da multa, pois que uma pena se deve considerar em execução a partir do momento em que o “sacrifício” se “concretiza” (“materializa”) na esfera jurídica do condenado.
Tratando-se de uma “pena de prisão”, esta, (a sua execução), inicia-se com a “privação da liberdade” do condenado.
Em caso de “pena de multa”, valem os mesmos argumentos.
O “processo executivo” para o seu pagamento coercivo, (não obstante a eventual proximidade “verbal”), é tão só o “meio destinado a (fazer) executar a multa, não se confundindo com a sua “execução” ou o seu efectivo pagamento, (já que “actos destinados a executar uma pena de multa” – o processo executivo – não se identifica com a sua efectiva execução, isto é, o seu pagamento); (neste sentido, cfr., v.g., C. Ferreira, nas citadas “Lições de Direito Penal”, II, pág. 172, e P. P. Albuquerque in “Com. ao C.P.”, pág. 387, podendo-se ver também, o Ac. da R. Lisboa de 09.10.1985, in C.J. Ano X, T. 4, pág. 176, os da R. de Coimbra de 14.10.2009 e de 04.11.2009, in C.J. XXXIV, T. 4 e 5, pág. 51 e 37 respectivamente, assim como o do S.T.J. de 08.03.2012, in D.R. I, Série, n.° 73, 12.04.2012 – todos aqui citados como mera referência e – onde se fixou jurisprudência no sentido de se considerar que “a mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no art. 126°, n.° 1, alínea a), do Código Penal”, que tem idêntica redacção à al. a), n.° 1 do art. 118° do C.P.M.).
Assim, e concluindo-se que não ocorreu nenhuma das consideradas (ou outras) causas de suspensão ou de interrupção da prescrição da multa aplicada nos presentes autos, e decorrido que está o período desta, (4 anos), julgava procedente o recurso.
Macau, aos 18 de Junho de 2015
José Maria Dias Azedo
Processo n.º 381/2015 Pág. 12/12