Processo nº 267/2014
(Autos de recurso contencioso)
Data: 22/Outubro/2015
Assuntos: Interdição de entrada na RAEM
Princípio da presunção de inocência
Fortes indícios da prática de crime
Perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas
Princípio da proporcionalidade
SUMÁRIO
- A recusa de entrada na RAEM de não-residentes não está ligada à questão de saber se lhe deve ser aplicada alguma pena ou medida de segurança, enquanto reacção pública ao crime, caso em que terá sempre que ter em linha de conta o princípio da presunção de inocência, mas sim estamos no âmbito do exercício da actividade administrativa, em que a Administração terá o dever e o cuidado de tomar decisões destinadas a satisfazer interesses públicos.
- A medida de interdição fundada na existência de fortes indícios de o indivíduo ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes está condicionada pela existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
- A questão de “fortes indícios” da prática de crime é um conceito indeterminado que não deixa ao órgão qualquer liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade de exercer o poder, nem sobre o modo desse exercício e o conteúdo do acto, nem lhe permite que escolha uma das várias atitudes ou soluções, pois o que está em causa é a mera interpretação de uma norma jurídica, não havendo intenção da lei de conceder à Administração qualquer margem de livre apreciação, daí que é judicialmente revisível.
- Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança.
- Saber se há “perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas” tal como se refere no nº 3 do artigo 12º da Lei nº 6/2004, está em causa também um conceito indeterminado.
- Não obstante, por este conter uma grande indeterminação, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial, sendo só sindicável em caso de erro grosseiro e manifesto.
- Face aos elementos carreados ao processo administrativo, nomeadamente o teor do auto de notícia e as fotografias, indicia suficientemente a prática pelo recorrente de um crime de ameaça, considerando que no dia 18 de Setembro de 2013, o ofendido recebeu através do seu telemóvel duas mensagens com palavras de ameaça à sua integridade física, enviadas pelo recorrente.
- Sendo assim, é razoável que a Administração tome medidas adequadas com vista a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança pública, neste caso, proibindo o recorrente de entrar em Macau durante determinado período de tempo, neste caso por um período de três anos, não se vendo que essa medida seja manifestamente desproporcional aos objectivos que pretende atingir com a prática do acto impugnado.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 267/2014
(Autos de recurso contencioso)
Data: 22/Outubro/2015
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, do sexo masculino, titular do Bilhete de Identidade da República Popular da China, melhor identificado nos autos, notificado do despacho do Exmº Secretário para a Segurança de 22 de Janeiro de 2014, que indeferiu o recurso hierárquico do despacho proferido pelo Senhor Comandante do Corpo da Polícia de Segurança Pública que, por sua vez, determinou a interdição de entrada na RAEM do recorrente pelo período de 3 anos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
1. 被上訴之批示作出維持禁止司法上訴人3年進入澳門特別行政區的決定。
2. 被上訴之批示作出針對司法上訴人禁止入境的決定,主要歸納出以下兩點理由:
- 存有強烈跡象顯示司法上訴人曾在澳門實施犯罪;
- 司法上訴人倘踏足本澳地區,將對本澳地區的公共秩序及治安構成危險。
3. 就指出存有強烈跡象顯示司法上訴人曾在澳門實施犯罪方面;有關針對司法上訴人所開立的刑事卷宗已被檢察院作出歸檔處理,在現階段仍未有任何之司法裁判,以裁定司法上訴人曾在本澳實施任何犯罪。(請參閱附件十一)
4. 即使司法上訴人曾作出被上訴之批示中第二版第二至第四段所敍述的行為,但有關行為是否屬於犯罪行為,亦需經過法院進行審判聽證後,才能得出有關行為是否屬於犯罪行為或觸犯法律的結論。
5. 基於《基本法》及澳門刑事法律制度中均規定了“無罪推定原則”,其意義在於“在有罪判決確定前推定嫌犯為無罪”。
6. 所以在本案中,完全缺乏強列跡象以顯示司法上訴人曾在本澳實施犯罪。
7. 故被上訴之批示在認定事實時出現錯誤,從而錯誤適用第4/2003號法律第4條第2款3項及第6/2004號法律第3及第4款之規定,以及違反了澳門《基本法》及刑事訴訟法律“無罪推定”的原則性規定,具有違法瑕疵,從而應宣告撤銷被上訴之批示。
8. 另外,就司法上訴人倘踏足本澳地區,將對本澳地區的公共秩序及治安構成危險方面;
9. 第6/2004號法律第12條規定,何謂“對公共安全或公共秩序有危險”,必須是“確實”的,而不是當局所提出的“可能”。
10. 終審法院第6/2000號及第9/2000號合議庭裁判亦闡述了就行政當局禁止某人進入澳門需要遵守的適度原則。
11. 上述判決均要求行政當局需要衡量行政當局的決定和受保護的私人權益之間的衝突,並且認為外地人在澳門曾觸犯一些輕微罪行,不足以認為威脅公共秩序或安全而禁止他們入境。
12. 事實上,司法上人與刑事案中的被害人的糾紛已經解決,所以可預見司法上訴人將不會在本澳重複作出有關行為及會作出任何犯罪行為,以及對本澳的秩序造成危險。
13. 司法上訴人與其妻子B(澳門居民)於2003年在國內結婚,雙方的兒子C於2013年6月在澳門出生,司法上訴人現與兒子在國內生活,其妻子則在澳門工作及生活,司法上訴人為著家庭經濟收入,其亦在本澳設立了一間裝修有限公司。
14. 司法上訴人為了能與妻子過著安穩的生活,繼續維繫父妻感情、希望兒子能在本澳的良好環境下生活成長,給予兒子一個健康家庭,並且能使兒子接受澳門的教育、以及能有效處理澳門公司的事務,以維持家庭經濟狀況,司法上訴人便向本澳相關政府部門,以家庭團聚方式申請移居本澳居住。
15. 依據法上訴人上述種種客觀因素及家庭狀況,這可預見司法上訴人不會在本澳進行任何犯罪及作出一些會影響社會秩序的行為。
16. 根據第6/94/M號法律《家庭政策綱要法》所確立的基本原則等規定,家庭在我們社會具有崇高的價值,行政當局應予支持和配合立法者的要求。
17. 在這需要重申,檢察院已就針對司法上訴人的刑事案件作出歸檔處理,亦未有任何實質及充份的證據以證明司法上訴人所作出的行為屬於犯罪。
18. 但被上訴之批示仍繼續維持針對司法上訴人禁止入境的決定,並且是長達3年時間,明顯違反了第6/2004號法律第12條之規定及適度原則。
19. 因此,行政當局在採取第6/2004號法律第12條所指的禁止入境措施時,雖然其是行使其應有的自由裁量權,但很明顯,行政當局在本案中出現了所行使的自由裁量權是明顯不合理或明顯錯誤的情況,亦都明顯地超越了適度原則所合理容許的範圍。
20. 故被上訴之批示除了違反第6/94/M號法律《家庭政綱要法》之規定、第6/2004號法律第12條之規定及適度原則外,在行使自由裁量權時存有明顯錯誤及絶對不合理行使,從而應宣告撤銷被上訴之批示。
倘法院不這樣認為時,司法上訴人則提出以下理據。
21. 被上訴之批示違反《行政程序法典》第114條及第115條之規定缺乏說明理由。
22. 被上訴之批示指出:“倘司法上訴人踏足本澳地區,將對本特區的公共秩序及治安構成危險。”
23. 很顯而易見,被上訴之批示沒有用任何方法指出或說明司法上訴人的行為如何對本澳公共安全存在潛在危險的事實及法律依據。
24. 根據《行政程序法典》第114條及第115條規定了行政機關作出決定時須說明理由,說明理由應以闡述有關決定之事實依據及法律依據,並以清楚、連貫、一致之方式表達其本身內容。
25. 但被上訴之批示並不能以充分、足夠、合理之事實及法律依據來支持司法上訴人的行為會對本澳的公共安全存在危險這一事實,其亦沒有以清楚、連貫、一致之方式說明理由。
26. 這樣,則使司法上訴人完全不能明確知悉及理解作出行政行為者是如何運用其自由裁量權所依從的思路以及如何對客觀事實及證據作出判斷。
27. 為此,被上訴之批示因其說明理由明顯含糊、不充分,並未能具體解釋作出該行為之理由,這等同於無說明理由,因而違反了《行政程序法典》第114條及第115條之規定存在形式瑕疵,亦應宣告被撤銷。
Conclui, pedindo a procedência do recurso contencioso, e a consequente anulação do despacho recorrido.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 56 a 74 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pela improcedência do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Na petição inicial, o recorrente opinou que o despacho recorrido ofendeu o princípio da presunção da inocência, o disposto na alínea 3) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003 e no n.º 3 do art. 12º da Lei n.º 6/2004, os princípios previstos na Lei n.º 6/94/M e no n.º 4 do aludido art. 12º, e fere do vício da falta da fundamentação.
Ora, proclama por unanimidade o Venerando TSI (Acórdãos nos Processos n.º 759/2007 e n.º 647/2012): - A interdição da entrada na RAEM, sendo uma medida policial destinada a assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência, previsto nos arts. 29º e 43º da Lei Básica.
Por sua vez, o Venerando TUI assevera peremptoriamente (Acórdão no Processo n.º 28/2014):
1. No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM – art.º 12º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 6/2004 e art.º 4º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pró reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.
3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dúbio pró reo.
Considerando devidamente o teor das duas mensagens transcritas a fls. 61 do P.A. (dadas aqui por integralmente reproduzidas), subscrevemos a conclusão do Exmo. Sr. Secretário para Segurança no acto em crise, rezando: O que constitui um acervo de elementos que permite concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime imputado ao recorrente (enviado ao Ministério Público) e pela constatação “in casu” da existência de perigo efectivo para a segurança e a ordem públicas, consubstanciando na possibilidade de virem a ser praticados crimes.
Sendo assim e em harmonia com as sensatas jurisprudências citadas supra, temos a firme convicção de que o despacho em escrutínio não ofende, de todo em todo lado, o princípio da presunção da inocência.
Quanto ao alcance da alínea 3) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003 e ainda do art. 12º, n.º 3 da Lei n.º 6/2004, ensina o Venerando TSI o aresto emanado do Processo n.º 647/2012: «Ao contrário do que sucede com a alínea 2) do n.º 2, do mesmo art. 4º, não se torna necessária a condenação em pena privativa de liberdade na RAEM ou no exterior; basta a simples existência de indícios de que tenha sido cometido o crime.» e «De resto, quando a lei fala em “quaisquer crimes” a propósito do art. 4º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, sob pena de contra-senso absurdo, não se está a referir a “crimes julgados”, pois por enquanto ainda tudo não passa de indícios, mas ilícitos criminais que, com grande dose de verosimilhança, preenchem os elementos típicos de um crime previsto na lei.»
Importa mencionar que instaurado contra o recorrente, o Inquérito n.º 10588/2013 foi arquivado apenas por motivo da desistência da queixa pelo ofendido, desistência que acarretou peremptoriamente ao Ministério Público a perda da legitimidade (doc. de fls. 27 do P.A.).
Nesta linha de vista, não podemos deixar de concluir que o despacho em questão não colide com o preceituado alínea 3) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003 e ainda do art. 12º, n.º 3 da Lei n.º 6/2004.
No que diz respeito à interdição de entrada de indivíduos não residentes, as jurisprudências dos Venerandos TSI e TUI têm sustentado, de forma constante de uniforme, que a fixação do período de interdição se insira na margem de discricionariedade da Administração, e o respeito pelo princípio da proporcionalidade na fixação do período de reentrada em Macau só em casos de erro grosseiro pode ser sindicado. (cfr. a título exemplificativo, os doutos acórdãos do TUI nos processos n.º 34/2007, n.º 83/20112 e n.º 34/2007, do TSI nos n.º 209/2007, n.º 654/2011, n.º 656/2012 e n.º 823/2012)
Aferindo, à luz da jurisprudência consolidada, o período de 3 anos fixado no despacho in questio, entendemos com certeza e tranquilidade que o qual não contende com os princípios previstos na Lei n.º 6/94/M e no n.º 4 do art. 12º da Lei n.º 6/2004.
Procedendo à leitura atenciosa do despacho em exame, temos toda a certeza de que o mesmo se encontra perfeitamente fundamentado, tendo irremediavelmente de cair em vão a arguição do vício de forma por falta de fundamentação.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 18 de Setembro de 2013, o recorrente enviou do seu telemóvel para o telemóvel do ofendido duas mensagens, com o seguinte teor:
“XXX你跟XXX俩个人好自为知吧!希望你们俩人出入平安吧!切记!切记!小心走路哦!你镜敢上去想拿埋我那伍仟元按金!我上去被案了!报了警!有工人来冒认想欺诈!我拿手继办了退场!楼下保安亚叔XXX帮我办了退场!你只是我的工人而以!我才是交按金的人!我才是老板!上面有录像看的!是我交的按金!动动脑子吧!玩我好过急是吧?”
“我暂时没有动你们别以为平安了?等着!”(cfr. fls. 61 do processo administrativo)
Foi instaurado o inquérito, tendo o recorrente, durante a investigação, admitido ter praticado os factos acima descritos, mas os autos acabaram por ser arquivados face à desistência de queixa apresentada pelo ofendido.
Por despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 22/11/2013, foi determinada a interdição de entrada do recorrente na RAEM, pelo período de 3 (três) anos (cfr. fls. 57 do processo administrativo).
Inconformado com o despacho, o recorrente apresentou recurso hierárquico necessário junto do Exmº. Secretário para a Segurança, tendo este proferido em 22 de Janeiro de 2014 o seguinte:
“DESPACHO
Assunto: Recurso hierárquico necessário
Recorrente: A
Por despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 27/11/2013, que sufragou os fundamentos legais constantes da Informação n.º 1547/2013 – Pº 222.18 de 24/09/2013 que aqui se dão por reproduzido, foi aplicada a medida de interdição de entrada a A, não residente, titular do Salvo-conduto da República Popular da China n.º XXX, pelo período de 3 (três) anos, com fundamento nos n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 6/2004, por existirem fortes indícios da prática pelo recorrente, em 24/09/2013, do crime de ameaça previsto no artigo 147º do Código Penal.
Atento o teor do recurso do recurso hierárquico necessário do recorrente, de 11/12/2013, que aqui, também, se dá por reproduzido.
A aplicação da medida de interdição de entrada nas situações com os contornos do caso em apreço justifica-se e depende da verificação de dois requisitos essenciais:
- A existência de fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes (al. 3), n.º 2, art. 4º da Lei n.º 4/2003) conjugada com a existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM; (n.º 3, art. 12º da Lei n.º 6/2004)
- Sendo que, a verificação do segundo destes requisitos está sempre dependente do primeiro no que respeita à natureza e gravidade das infracções e do modo como eventualmente se repercutem em sede de segurança interna e ordem pública.
Compulsado o processo instrutor.
Da Participação do CPSP, a fls. do processo instrutor, colhe-se que o recorrente:
- Confessou ser o autor das duas mensagens com ameaças à integridade física e à vida do queixoso e ter sido, também, o próprio que as enviou do seu telefone para o telefone móvel daquele;
- Declarou, ainda, que após ter enviado as mensagens as apagou do registo de mensagens do seu telemóvel; e,
- Fotocópia do ecrã do telemóvel da vítima com o texto da mensagem enviada do telefone do recorrente.
O que constitui um acervo de elementos que permite concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime imputado ao recorrente (enviado ao Ministério Público) e pela constatação, “in casu” da existência de perigo efectivo para a segurança e ordem públicas, consubstanciado na possibilidade de virem a ser praticados crimes.
Contudo, não concordo com a fundamentação legal do despacho em crise por, certamente por mero “lapsus calami”, não expressar a fundamentação legal, plasmada no 3 da Informação n.º 319/2013 - Pº 229.04, de 29/10/2013, e que mereceu despacho de concordância do Comandante do CPSP.
Pelo que,
Face à situação factual acima descrita, a aplicação, ao recorrente, da medida administrativa de interdição de entrada pelo período de três anos na Região tem como fundamento de direito o artigo 4º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 4/2003 conjugado com o artigo 12º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Em tudo o mais, considero a decisão proferida legal, adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, e mostra-se, agora, devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que ao abrigo do artigo 161º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, confirmo a decisão recorrida, negando provimento ao presente recurso.”(cfr. fls. 37 a 38 do processo administrativo).
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Analisaremos agora os fundamentos do recurso.
Da violação do princípio da presunção de inocência
Alega o recorrente que o acto recorrido está ferido de ilegalidade por violação da Lei Básica, mais precisamente no respeitante ao princípio da presunção de inocência.
Diz o recorrente que, relativamente aos factos ilícitos a si imputados, foi decidido pelo Ministério Público o seu arquivamento, daí que, não havendo um processo judicial transitado em julgado, nunca é possível considerar-se assentes os factos imputados ao recorrente, pelo que a Administração estava obrigada a actuar em conformidade com o princípio da presunção de inocência.
Vejamos.
Embora seja a presunção de inocência princípio fundamental em processo penal e que está previsto na Lei Básica, mas a verdade é que não estamos aqui em causa a apreciação da responsabilidade penal do recorrente.
No fundo, não precisamos saber se deve ser aplicada ao recorrente alguma pena ou medida de segurança, enquanto reacção pública ao crime, caso em que terá sempre que ter em linha de conta o referido princípio fundamental, mas sim estamos no âmbito do exercício da actividade administrativa, em que a Administração terá o dever e o cuidado de tomar decisões destinadas a satisfazer interesses públicos.
Simplesmente, por que a questão da recusa de entrada na RAEM de não-residentes está ligada a assuntos inseridos no âmbito da actividade administrativa, não se deve falar aqui de violação do princípio da presunção de inocência.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão de 25.11.2010 deste TSI, no Processo nº 759/2007, onde se refere que “a recusa da entrada na RAEM, sendo uma medida policial com a finalidade de assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência”.
O mesmo entendimento também foi perfilhado pelo Acórdão do Venerando TUI, de 19.11.2014, proferido no âmbito do Processo nº 28/2014:
“1. No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM - art.º n.s 2 e 3 da Lei nº 6/2004 e art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei nº 4/2003.
2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.
3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.”
Tudo para apontar a improcedência do vício invocado.
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Da violação do disposto nos artigos 4º, nº 2, alínea 3) da Lei nº 4/2003 e 12º, nº 3 e 4 da Lei nº 6/2004
Sustenta ainda o recorrente que a conduta do recorrente nunca pode ser configurada como um perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM.
Consagra-se na alínea 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes” – sublinhado nosso.
Por sua vez, a alínea 1) do nº 2 do artigo 12º da Lei nº 6/2004 dispõe que “pode igualmente ser decretada a interdição de entrada preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo”.
Mais se exige no número 3 do mesmo artigo que “a interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM” – sublinhado nosso.
Face a essas normas, dúvidas não restam de que a medida de interdição fundada na existência de fortes indícios de o indivíduo ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes está condicionada pela existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
Comecemos pela questão de fortes indícios.
A entidade recorrida interditou a entrada do recorrente na RAEM por um período de 3 anos, por se entender haver indícios de prática pelo recorrente de um crime de ameaça.
Em boa verdade, não restam grandes dúvidas de que a aplicação da medida de interdição não está condicionada pela condenação do recorrente em processo-crime, bastando a simples constatação de indícios de que o mesmo tenha cometido algum crime.
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, de 3.5.2000, no Processo nº 9/2000, a questão de “fortes indícios” da prática de crime é um conceito indeterminado que “não deixa ao órgão qualquer liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade de exercer o poder, nem sobre o modo desse exercício e o conteúdo do acto, nem lhe permite que escolha uma das várias atitudes ou soluções”, pois o que está em causa é a mera interpretação de uma norma jurídica, não havendo intenção da lei de conceder à Administração qualquer margem de livre apreciação.
Daí que é judicialmente revisível.
Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança.
In casu, face aos elementos carreados ao processo administrativo, nomeadamente o teor do auto de notícia e as fotografias, indicia suficientemente a prática pelo recorrente de um crime de ameaça, considerando que no dia 18 de Setembro de 2013, o ofendido recebeu através do seu telemóvel duas mensagens com palavras de ameaça à sua integridade física, enviadas pelo recorrente.
Nestes termos, não há dúvidas quanto à existência de fortes indícios de prática do crime de ameaça, não obstante o ofendido ter desistido de queixa contra o recorrente, mas como acima se referiu, no nosso caso, não precisamos saber se o recorrente teria assumido ou terá que assumir alguma responsabilidade penal.
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Por outro lado, alega o recorrente que não está verificado o chamado “perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM”.
Vejamos.
No que toca ao sentido da expressão, igualmente o Venerando TUI já teve oportunidade de se pronunciar, nesse seu Acórdão de 3.5.2000, no Processo nº 9/2000, nos seguintes termos: “o que está em causa é um juízo de avaliação da sua actividade futura, é a emissão de juízos de valor que contêm elementos subjectivos, muitos deles integrados numa prognose. Esta…é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.”
Estatuindo-se ainda naquele douto aresto que “a intenção da lei é a de conceder uma margem de livre apreciação à Administração, cujo mérito não deve ser sindicado pelo tribunais”.
De facto, não obstante estarmos em causa conceitos indeterminados, mas por conter uma grande indeterminação, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial.
Mas isto não significa que as decisões da Administração tornam-se sempre imunes a qualquer controle judicial, mas a sindicância só aparece em caso de erro grosseiro e manifesto.
Decidiu o TUI, no seu Acórdão de 27.4.2000, no Processo nº 6/2000, que “quando o acto resultado do exercício do poder discricionário ou da margem de livre decisão está manifestamente contrário aos princípios jurídicos fundamentais a que as actividades administrativas devem respeito, o tribunal pode anular o acto por este fundamento no uso da competência da fiscalização da legalidade. Fica, assim, garantidos adequadamente os direitos e interesses legais prejudicados através do meio jurisdicional sem detrimento do pleno exercício dos poderes discricionários pela Administração”.
Segundo o estatuído no artigo 12º da Lei nº 6/2004, é conferido à Administração o poder de recusar a entrada de não-residente na RAEM na medida em que se verifica a existência de fortes indícios de aquele ter praticado algum facto ilícito, cuja sua permanência em Macau pode constituir um perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
De acordo com a matéria carreada aos autos, verifica-se a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de actos de ameaça contra pessoa terceira.
Sendo assim, entendemos que a interdição de entrada é uma medida adequada e necessária para assegurar a paz social e a ordem pública, proteger os interesses da comunidade e satisfazer as necessidades colectivas, no fundo, é para evitar qualquer tipo de desestabilização social.
Ponderando que a sua entrada ou estadia em Macau pode causar perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM, e não se descortinando que a actuação da Administração está viciada de qualquer erro grosseiro e manifesto, improcede o vício invocado.
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Da violação da Lei de Bases da Política Familiar (Lei nº 6/94/M)
Defende ainda o recorrente que o despacho recorrido viola os princípios fundamentais previstos na Lei de Bases da Política Familiar (Lei nº 6/94/M).
Salvo o devido respeito, entendemos igualmente não assistir razão ao recorrente.
Em primeiro lugar, o recorrente limitou-se a alegar de forma simples que o acto recorrido teria violado os princípios fundamentais previstos naquele diploma legal, mas não logrou identificar quais as normas que estariam em causa.
Em segundo lugar, embora seja verdade que, de acordo com aquele diploma legal, incumbe à Administração garantir o direito de constituição de família, promovendo a melhoria da qualidade de vida e a realização moral e material das famílias e dos seus membros, mas isso não significa que os não residentes teriam necessariamente direito a obtenção do direito de residência em Macau.
Veja-se o que se disse no Acórdão deste TSI, de 26.7.2012, no Processo nº 766/2011:
“É verdade que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, plasmado no artigo 38º da Lei Básica, bem como nos artigos 1º, 2º e 3º da lei nº 6/94/M de 1 de Agosto, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
Não obstante aquela consagração importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar.
Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.
A separação familiar é uma contrariedade dos trabalhadores migrantes que se contrapõe às vantagens que decorrem desse estatuto de não residente, cabendo aos próprios ponderar as vantagens e os inconvenientes, pelo que não pode afirmar-se que a Administração viola os princípios de protecção à família quando decide em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias, ao que se não opõem o Direito Interno e International.
Não há, pois, qualquer violação da Lei Básica, v.g. do artigo 38º da LB, porquanto, como é óbvio, não é por causa do acto praticado que se impede a reunião, harmonia e manutenção da estabilidade familiar.”
Concordamos na íntegra com a posição assumida naquele douto aresto, daí que julgamos improcedente o vício invocado.
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Da alegada desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e violação do princípio da proporcionalidade
O recorrente considera que o acto recorrido afronta o princípio da razoabilidade no exercício de poderes discricionários e viola o princípio da proporcionalidade previsto no disposto no artigo 12º da Lei nº 6/2004, segundo o qual o período de interdição de entrada tenha que ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
Em boa verdade, no tocante à determinação do período da interdição, situa-se igualmente no âmbito do exercício de poderes discricionários pela Administração, à qual é conferido por lei o poder ou a liberdade de escolher, de entre as várias soluções possíveis, aquela que lhe pareça a melhor para o caso concreto, com vista à satisfação de interesses públicos.
Prevê-se na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discrionários” constitui um dos fundamentos de recurso contencioso.
Segundo o Acórdão deste TSI, de 19.5.2011, no Processo 363/2009, “A desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.”
E o Acórdão deste TSI, de 7.12.2011, no Processo nº 647/2010, segue também o mesmo entendimento: “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
No caso vertente, dúvidas não restam de que o fim visado por aquela lei (Lei nº 6/2004) ao conferir a determinado órgão da Administração o tal poder de autorizar ou recusar a entrada de não-residentes na RAEM é assegurar a tranquilidade social e segurança pública da Região, impedindo a entrada e permanência de pessoas indesejáveis, por forma a proteger os interesses pessoais e patrimoniais tanto dos residentes como dos demais visitantes que cá permanecem.
Sendo assim, entendemos não haver aqui a alegada situação de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários que poderia servir de fundamento de recurso contencioso.
No que concerne à questão de violação do princípio da proporcionalidade, dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
Decidiu o Acórdão do Venerando TUI, de 31.7.2012, no Processo nº 38/2012 que, “de acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos”.
E a propósito da questão de intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da violação do princípio da proporcionalidade, foi já tratada por várias decisões do Venerando TUI, designadamente nos Processos nº 9/2000, 13/2012, 38/2012, transcrevendo-se, a seguir, parte de um desses arestos:
“Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
David Duarte, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, “que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção”.
Nas mesmas águas navega Maria da Glória F. P. Dias Garcia, defendendo que “em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem.”
Pese embora a interdição de entrada do recorrente na RAEM possa causar-lhe algum incómodo, mas não é menos verdade que a entidade recorrida pretende, com a prática do acto recorrido, prosseguir interesses públicos, nomeadamente prevenir e reprimir a criminalidade na RAEM, assegurar a manutenção da segurança, boa ordem e estabilidade sociais na RAEM.
Aqui chegados, não se vislumbra que o sacrifício a ele imposto (interdito de entrar na RAEM por um período de 3 anos) seja manifestamente desproporcional ao fim visado.
Improcede, assim, o vício invocado.
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Da falta de fundamentação do acto administrativo
O recorrente vem ainda assacar ao despacho recorrido vício de forma por falta de fundamentação, alegando que não foram indicadas as razões de facto e de direito que serviram de suporte à decisão, especialmente no concernente à “perigosidade” do recorrente.
Estatui-se no artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
Preceitua-se ainda no nº 1 do artigo 115º do mesmo Código que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para a uma maior transparência da actividade administrativa.1
In casu, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos não estar em causa o vício invocado.
Tal como referiu o Acórdão deste TSI, de 11.10.2012, no Processo nº 229/2012, relativamente a um caso semelhante:
“Ora, ainda que as expressões “perigo para a sociedade” e “facto de perigosidade” façam parte da fundamentação do acto sem grande desenvolvimento, pensamos que o contexto discursivo é bastante ou suficiente para que qualquer homem de meridiana capacidade de entendimento possa colher o verdadeiro sentido delas. Na verdade, não são afirmações soltas, isoladas ou desligadas do todo justificativo. São antes, digamos, ideias de reforço, que se suportam nos factos objectivos(…). Neste sentido, a sua existência no seio da fundamentação contextual mostra-se explicada e bem entendível, e assim mesmo a terão entendido os recorrentes, já que o recurso foi desenvolvido sem hiatos ou falhas que pudessem ser imputadas àquela alegada insuficiência.”
No caso em apreço, uma vez constatada do despacho recorrido a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de um crime de ameaça, e afigurando-se a possibilidade de o mesmo vir a cometer outros crimes, entendemos que verificado não está o vício de falta de fundamentação que atente contra o disposto nos artigos 114º e 115º do CPA.
Face ao expendido, o recurso não deixará de improceder.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 22 de Outubro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Vitor Coelho
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624
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Recurso Contencioso 267/2014 Página 29