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Proc. nº 328/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Setembro de 2015
Descritores:
-Imposto Complementar de Rendimentos
-Apuramento do rendimento colectável
-Métodos indirectos
-Princípio do inquisitório
-Deficit de instrução
-Art. 40º do RICR
-Exame à escrita

SUMÁRIO:

I. No grupo A, o lucro real efectivo é apurado através da “conta de resultados” do exercício, ou de ganhos e perdas (n.º 1 do artigo 19º); no grupo B, o lucro tributável será determinado pela diferença entre os proveitos e os custos por cada um dos contribuintes no ano anterior, quando deva presumir-se que aqueles são superiores a este (método presuntivo), ou por métodos indiciários (n.º 2 e 3 do artigo 19º).

II. Na falta ou insuficiência das declarações dos contribuintes do grupo A, poderá (actuação discricionária) o chefe da Repartição de Contribuições e Impostos, determinar-lhes o rendimento colectável ou deferir tal fixação para a Comissão de Fixação, aplicando-se em ambas as hipóteses as regras de fixação próprias dos contribuintes do grupo B (art. 36º, do RICR)).

III. Quando a Administração se serve dos métodos indirectos, sobre ela recai o ónus de prova do facto constitutivo do direito que pretende exercer no procedimento. Isto é, cabe-lhe provar o requisito de que dependia o uso do método indirecto previsto no art. 19, nºs 2 e 3, ao abrigo do art. 36º, nº 3, do RICR. Ou seja, cumpre-lhe provar a base legal (pressupostos vinculativos) da sua actuação, não no sentido da legalidade substantiva, mas sim do fundamento legal em que radica a titularidade das atribuições e competências para a prática do acto; Ao contribuinte cumpre provar a realidade do facto tributário, a realidade tributária do resultado dos exercícios. É que quando a Administração se socorre dos métodos indirectos, é ao administrado que cabe demonstrar a inadequação ou errada aplicação dos métodos de quantificação utilizados.

IV. Mas, a prova referida em III por parte do contribuinte é a prova a efectuar no âmbito do procedimento tributário. Se o contribuinte pôde fazer a prova do resultado concreto de dois exercícios em relação aos quais não apresentou declarações de rendimentos, até por lhe ter sido dada tal faculdade e lhe terem sido pedidos elementos nesse sentido, mas não a fez então, não a pode vir fazer no âmbito do recurso contencioso.

V. O disposto em II pode ser feito pela Administração Fiscal, sem prejuízo do exercício de outros poderes inquisitivos de cariz instrutório de que igualmente goza, e do dever de realizar o “exame à escrita” do contribuinte em causa (actuação vinculada), nos termos do art. 40º, do RICR.

VI. A falta do exame à escrita, em tais circunstâncias, constitui um deficit instrutório, posterga o dever de agir em ordem à procura da verdade material tributária, viola o princípio do inquisitório na sua vertente impositiva e traduz a violação de lei, concretamente do art. 40º do RICR, geradora do acto de fixação do rendimento tributável.











Proc. nº 328/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A Companhia de Construção e Engenharia A Limitada, com os demais sinais dos autos interpôs no TA (Proc. nº 749/11-CF) recurso contencioso fiscal contra a decisão proferida em 14 de Dezembro de 2010 pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos (grupo B) da Direcção dos Serviços de Finanças, que indeferiu a sua reclamação e manteve o seu rendimento colectável dos exercícios de 2007 e 2008 no valor de MOP$ 26.049.500,00, bem como deliberou fixar, a título de custas, um agravamento da colecta em 0,1% do imposto.
Nesse processo, a recorrente contenciosa requereu a anulação da deliberação recorrida por esta padecer dos vícios de erro nos pressupostos de facto e de violação dos princípios do inquisitório, da legalidade, proporcionalidade e boa-fé (fls. 2 a 30 dos autos).
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Foi, então, oportunamente rejeitado o recurso com base na procedência da excepção de caducidade do direito de recurso (fls. 106 a 107).
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De tal sentença, a recorrente contenciosa interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Segunda Instância, que, por acórdão de fls. 134 a 139v dos autos, foi julgado provido, tendo sido revogada, em consequência, a referida sentença e ordenado o prosseguimento dos autos.
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Após a prova produzida, a seu tempo foi lavrada sentença no TA (fls. 328 a 333), julgando “improcedente” o recurso “por ilegitimidade activa”, em virtude da aceitação do acto contenciosamente impugnado.
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Dessa decisão a recorrente apresentou recurso jurisdicional para o Tribunal de Segunda Instância, o qual, por acórdão de fls. 528 a 550v, foi julgado provido, tendo os autos sido remetidos ao tribunal “a quo” para apreciação dos vícios imputados ao acto.
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Dando-se vista dos autos ao Ministério Público, o digno Magistrado nesse tribunal teve oportunidade de se pronunciar no sentido de manter os pareceres de fls. 267 a 270v dos autos (fls. 556 dos autos).
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Foi finalmente proferida sentença, que em 28/11/2014 “rejeitou o recurso” por o considerar “totalmente improcedente”.
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Dessa sentença vem, agora, interposto pela recorrente contenciosa o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 557 e ss. dos autos Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo que decidiu, a final, julgar improcedente o recurso contencioso mantendo, em consequência, o acto administrativo praticado pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos “B” da Direcção dos Serviços de Finanças.
II. Esse acto administrativo é uma deliberação datada de 14/12/2010 da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos “B” da Direcção dos Serviços de Finanças, através da qual essa Comissão decidiu pelo indeferimento total de uma Reclamação da Recorrente de 26/10/2010, sobre a fixação do seu rendimento colectável para cada um dos exercícios de 2007 e 2008.
III. Dessa decisão resultou a manutenção, para cada um desses exercícios, do valor de MOP$26.049.500,00 como lucro tributável a ter em conta para efeitos de cálculo do Imposto Complementar de Rendimentos (“ICR”), agravado de 0,1% na colecta, com base no artigo 47º do Regulamento de ICR (“RICR”).
V. Em consequência, o tributo devido pela Recorrente a título de ICR foi fixado em MOP$3,098,940.00, para cada um dos anos de exercício de 2007 e 2008.
V. A Recorrente não pode (novamente) conformar-se com a referida sentença na medida em que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou diversas questões deduzidas pela Recorrente, apreciou outras que não lhe competia apreciar, ignorou, sem fundamento, diversa prova (documental e testemunhal).
VI. Não se vislumbra a razão pela qual o Tribunal a quo entendeu como relevantes para a decisão da causa somente os factos que elencou nos pontos A. a a. da sentença ora recorrida, confundindo a prova de factos, com a sua relevância para a(s) solução(ões) plausível(eis) da questão de direito.
VII. Dos presentes autos, porém, constam todos os elementos de prova que permitem a este Venerando Tribunal, nos termos do disposto no artigo 629º do Código de Processo Civil (“CPC”) ex vi do artigo 1º do CPAC para, por um lado, suprir o erro de julgamento efectuado pelo Tribunal a quo a este respeito na sentença ora sub judice, modificando a matéria de facto que foi aí fixada pelo Tribunal a quo, e, por outro lado, em face dessa modificação, concluir pela solução de direito pugnada pela Recorrente.
VIII. Por requerimento de 11/06/2012, a Recorrente juntou aos presentes autos documentação, previamente submetida à Recorrida, da qual resulta, de forma clara e inequívoca, que no exercício de 2007 a Recorrente obteve apenas um lucro de MOP$4.878.122 e no de 2008 um prejuízo de MOP$2.158.126 (vide requerimento da Recorrente de 11/06/2012 e documentação a ele anexa).
IX. A junção dessa documentação aos autos havia sido solicitada pela Recorrente quando apresentou o recurso contencioso junto do Tribunal a quo, em 22/02/2011, e, mais tarde, solicitada por esse mesmo Tribunal.
X. A entidade Recorrida nunca se opôs à sua junção, nem tomou posição nos autos sobre os mesmos, uma vez juntos, como lhe competia, seja quanto à forma, seja quanto à sua substância.
XI. No entanto, em sede administrativa, não só os admitiu, como até solicitou em 14/06/2012 mais dados contabilísticos à Recorrente, na pendência do recurso contencioso, sobre esses dois exercícios, sob pena de, entre outros, aplicação de multa.
XII. Os factos consubstanciados por esses documentos juntos pela Recorrente nunca foram impugnados pela entidade Recorrida, pelo que deveriam ter sido incluídos no elenco dos factos assentes e relevantes para a boa decisão da causa.
XIII. Ao não fazê-lo na sentença em crise o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, desse modo violando, entre outros, o disposto nos artigos 54º e 76º, ambos do CPAC.
XIV. O Tribunal a quo deveria, portanto, ter considerado e dado como assente na sentença sub judice que, com base nos elementos contabilísticos junto aos autos referentes aos exercícios de 2007 e 2008 juntamente com declarações de rendimentos relativos aos mesmos anos de exercício entregues na Direcção dos Serviços de Finanças em 4/06/2012, no exercício de 2007 a Recorrente obteve um lucro de MOP 4.878.122 e no de 2008 um prejuízo de MOP 2.158.126 (vide requerimento da Recorrente de 11/06/2012 junto aos autos e documentação a ele anexa.)
XV. Uma vez que o Tribunal a quo não procedeu a tal apreciação e inserção na lista dos factos assentes, como lhe era devido na sentença em crise, poderá este Venerando Tribunal fazê-lo, nos termos do disposto no artigo 629º do CPC ex vi do artigo 1º do CPAC, modificando a matéria de facto fixada e passando a dar como assente a matéria de facto acima referida o que desde já se requer, e que tem apoio na jurisprudência, conforme resulta, a título meramente exemplificativo, do acórdão proferido por este Venerando Tribunal, em 15/11/2012, com o número de processo no. 451/2012.
XVI. O Tribunal a quo desvalorizou totalmente a documentação contabilística que a Recorrente apresentou à Administração Fiscal já na pendência destes autos, referente aos citados exercícios de 2007 e 2008 usando argumentação distinta.
XVII. Convém realçar que a junção de tais documentos aos autos não era para que os mesmos fossem considerados de per se para julgar a actuação da administração, mas apenas provar os rendimentos efectivos da Recorrente e, assim, a disparidade entre o rendimento fixado e o rendimento efectivo, que é, em última análise, a questão está em causa nestes autos.
XVIII. Essa disparidade - ainda que não especificada ou quantificada - era, deveria ser, ou poderia ter sido do conhecimento da Administração Fiscal aquando da prática do acto administrativo em causa, caso a mesma tivesse actuado segundo as regras e princípios que regem a administração pública em geral e a administração fiscal em particular.
XIX. Resultou provado nos autos que já em sede da Reclamação apresentada pela Recorrente junto da Comissão de Revisão do ICR, aquela tinha-se disponibilizado a apresentar imediatamente elementos simples, e, em certo prazo, elementos contabilísticos de acordo com as regras de escrita, necessários a uma fixação de rendimentos mais consentânea com a realidade dos factos (cfr. ponto M. dos factos assentes na sentença recorrida).
XX. Porém, a Comissão de Revisão rejeitou essa Possibilidade, sem qualquer fundamento, o que fere o acto de diversos vícios susceptíveis de o anular, (como o Ministério Público deu conta no seu douto parecer), impossibilitando assim a correcção, por recurso a elementos factuais, da errada fixação realizada pela Comissão de Fixação (vide deliberação da Comissão de Revisão do ICR que consubstancia o acto administrativo aqui em crise).
XXI. Essa documentação junta não visava factos inteiramente novos e surpreendentes para a Administração Tributária, pois referia-se a factos já alegados e que a Recorrente se propôs a provar junto desta quando pôs em causa a tributação fixada.
XXII. Assim, conclui-se não só que a documentação é pertinente para os presentes autos como também que a mesma apenas concretiza factos que eram, deveriam ou poderiam ter sido do conhecimento da Administração Fiscal caso esta tivesse optado por procurar a verdade tributária e/ou atendesse ao pedido da Recorrente e aceitasse os elementos que lhe permitissem fixar um tributo justo e consentâneo com os rendimentos efectivamente auferidos por esta.
XXIII. Ainda para mais quando a Recorrente se disponibilizou a colaborar com a Administração Fiscal, algo que até esse momento, por factores de ordem exterior, na sua maioria públicos e notórios de quase todo Macau, havia estado impossibilitada de o fazer, e que a sentença recorrida, pura e simplesmente, ignorou, pese embora a prova testemunhal que foi produzida, nomeadamente, em sede de audiência de julgamento, conforme se retira pelo conjunto de factos discriminados no ponto B.9. destas alegações.
XXIV. Tais factos, a serem dados como provados na sentença, como o deveriam ter sido, impunham, também, uma decisão diversa pois não foi por mera negligência que a Recorrente não apresentou elementos contabilísticos atempadamente à Administração Fiscal.
XXV. Não se ignora a posição deste Venerando Tribunal vertida no acórdão relativo ao processo no. 261/2003, e cuja transcrição parcial da relevante passagem se expôs no ponto B.10 destas alegações, sobre o que, em regra, se deverá ter em conta quanto à relevância de factos posteriores ao momento da prática de um acto administrativo para a apreciação da sua legalidade, e que parece ser, no fundo, o entendimento seguido pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida.
XXVI. Porém, crê-se que a factualidade exposta nesse douto acórdão difere substancialmente do caso vertente pelo que a conclusão de direito deverá, também, necessariamente diferir.
XXVII. Resulta até da matéria dada como assente nestes autos (cfr. pontos E. e, em especial o ponto M. dos factos assentes da sentença recorrida), que a Recorrente deu conta à Administração Fiscal que tinha dificuldades em elaborar as contas necessárias à entrega das declarações e documentação exigidas como contribuinte do Grupo A para os exercícios de 2007 e 2008.
XXVIII. E posteriormente confrontada com a fixação dos lucros tributáveis para os exercícios de 2007 e 2008 calculados, exclusivamente, com base nos rendimentos presumidos do exercício de 2006, não só contestou esses valores, que como mostrou disponibilidade para entregar documentação que comprovava essa discordância.
XXIX. A Administração Fiscal é que, pura e simplesmente, ignorou a disponibilidade de colaboração demonstrada pela Recorrente, e nem sequer fundamentou, no acto administrativo, as razões pelas quais optava por manter a fixação dos tributos fiscais devidos com base em presunções ao invés de atender, no mínimo que fosse, à real e efectiva situação tributável da Recorrente.
XXX. Assim, à data da prática do acto administrativo ora em crise não existiu qualquer falta de cooperação da Recorrente perante a Administração Fiscal para o apuramento da real situação contributiva daquela no tocante aos exercícios de 2007 e 2008.
XXXI. Esta foi aliás a posição que resultou, também, vertida, no parecer do Ministério Público destacando uma evidente violação, por parte da Entidade Recorrida do seu dever de investigação, com evidente falta de fundamentação do acto recorrido e violação do princípio da boa-fé.
XXXII. Conclui-se, assim, que não pode colher o argumento vertido na sentença recorrida quanto à inoportunidade da apreciação da documentação junta aos autos pela Recorrente na pendência do recurso contencioso.
XXXIII. Foi a própria Recorrida que se escusou, sem qualquer fundamento, a aceder à disponibilidade revelada pela Recorrente sobre os dados da sua efectiva situação contributiva nesses exercícios, ignorando os mais importantes princípios que regem o procedimento de fixação da matéria colectável.
XXXIV. Conclui-se ainda que, a referida documentação junta posteriormente já em sede de recurso e comprovativa dos rendimentos efectivos da Recorrente é apenas a concretização de um facto - disparidade entre o rendimento fixado e o rendimento efectivo - que era, deveria ou poderia ter sido do conhecimento da Administração Fiscal aquando da prática do acto administrativo impugnado, pelo que é relevante para a apreciação do mesmo.
XXXV. Há uma manifesta falta de boa-fé por parte da Administração Fiscal no apuramento do rendimento efectivo dos exercícios aqui em crise, numa clara violação do princípio da verdade material, conforme lhe é imposto, entre outros, pelos artigos 8º e 9º do CPA, e que se mantém durante a fase de recurso contencioso em face da dualidade de posições que vem demonstrando.
XXXVI. Por um lado, no decurso dos presentes autos, a Recorrida manteve sempre uma defesa do seu acto administrativo assente, unicamente, na escolha automática do método presumido de tributação dos rendimentos da Recorrente, não querendo saber dos reais rendimentos desta e da disponibilidade por si demonstrada para cooperar na descoberta desses reais rendimentos, o que só por si já seria fundamento para anular o acto em crise, como já se expôs.
XXXVII. Por outro lado, na pendência da impugnação contenciosa do acto administrativo aqui em crise, a entidade Recorrida, não só aceitou as declarações de rendimentos do Grupo A relativos aos anos de exercício de 2007 e 2008 em 04/06/2012, como, posteriormente, por ofício, ordenou à Recorrente para que viesse juntar os respectivos comprovativos dos custos constantes dessas declarações sob pena de, entre outros, a Recorrente ficar sujeita a aplicação de (mais) multas.
XXXVIII. A Recorrente cumpriu essa ordem fiscal da Recorrida, crendo desse modo, e de boa-fé, que esta iria finalmente ter em conta, para fixação do seu rendimento colectável, a sua situação real e efectiva nesses dois exercícios.
XXXIX. E, não se compreende que a Autoridade Fiscal não tivesse já procedido oficiosamente à anulação da fixação das colectas de ICR relativas aos exercícios de 2007 e 2008, pois encontra-se a avaliar administrativamente a documentação que aceitou e que põe em causa claramente a fixação presumida que atribuiu à Recorrente.
XL. Em face do exposto, requer-se para prova do alegado e ao abrigo do disposto no artigo 616º do CPC, a junção a este dos Docs. 1 e 2.
XLI. Não pode colher também a argumentação vertida na sentença em crise quando parece sugerir que a possibilidade de apreciação dessa documentação em fase de recurso contencioso poderia revelar-se injusta para a Administração Fiscal.
XLII. Considerar um acto administrativo ilegal quando o seja, jamais pode ser visto como uma injustiça ou penalização inoportuna para a Administração, antes deve ser visto como prevalecimento da justiça e legalidade administrativa consagrados de forma emblemática no CPA (artigos 3º e 14º) e que qualquer estado de direito se deve orgulhar.
XLIII. Não se pediu ao Tribunal a quo que com base nos elementos de escrita apresentados fixasse um rendimento colectável, pois tal caberia (e cabe) à Administração Fiscal.
XLIV. Injustiça é taxar um contribuinte com base num rendimento que manifestamente não teve.
XLV. Conclui-se, portanto, que nada obstava em termos de oportunidade a que o Tribunal a quo tivesse tido em consideração, na apreciação da legalidade do acto administrativo, a documentação que foi junta aos autos pela Recorrente sobre seu o rendimento real nos dois referidos exercícios, de onde resulta o erro de julgamento do Tribunal a quo na sentença em crise.
XLVI. A documentação que foi junta pela Recorrente diz respeito a dados que resultam de contas devidamente auditadas que o Tribunal não pode, sem mais, pôr em causa uma vez as mesmas estão sujeitas a regras e obrigações não só legais como deontológicas, sobretudo quando a própria Administração Fiscal nunca pôs em causa tais contas.
XLVII. Nos termos do artigo 40º do RICR, como próprio Tribunal dá conta, quando a falta ou insuficiência das declarações não forem supridas pelos esclarecimentos prestados pelos contribuintes do grupo A pode a Administração Fiscal determinar a realização de exames à escrita.
XLVIII. Não caberia, assim, ao Tribunal fazer uma incursão às contas para decidir da sua insuficiência para demonstrar os efectivos rendimentos auferidos pela Recorrente nos exercícios em causa.
XLIX. Essa é uma tarefa da Administração Fiscal que tem os meios próprios ao seu alcance para solicitar esclarecimentos (como fez), aplicar penalidades à falta desses esclarecimentos e, em última análise, solicitar um exame à escrita.
L. Assim, o tribunal a quo, ao apreciar as contas apresentadas e concluir pela sua insuficiência para a prova dos rendimentos efectivamente auferidos pela Recorrente, incorre em excesso de pronuncia, o que torna a sentença nula, vício que desde já se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 571º, no. 1, alínea d), do CPC, ex vi o artigo 1º do CPAC.
LI. Ao invés, deveria o Tribunal a quo na sentença em crise ter dado como provado, que, no exercício de 2007 a Recorrente obteve um lucro de MOP$ 4.878.122 e no de 2008 um prejuízo de MOP$ 2.158.126.
LII. E, sendo esse facto dado como provado, conjugado com os factos provados nos pontos H., K., L. e M, da sentença, o Tribunal a quo deveria ter concluído de direito, pela existência de vício de erro nos pressupostos de facto sobre os quais assentou a deliberação da Comissão de Revisão aqui em crise, vício esse que torna o acto administrativo anulável, nos termos do disposto no artigo 124º do CPA, e que se desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
LIII. Não está, nem nunca esteve em causa que o procedimento de fixação da matéria colectável no caso concreto aqui em análise teve início pela falta de apresentação pela Recorrente das suas declarações de rendimentos modelo M/1, referentes aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, conforme invocou por diversas vezes nestes autos, e que, lamentavelmente a sentença recorrida, pura e simplesmente, ignorou.
LIV. Resultou provado dos autos que a Recorrente se prestou a fornecer elementos tendentes à demonstração da sua real situação financeira, algo que o Tribunal a quo desvaloriza completamente, ao contrário do que fez o Ministério Público.
LV. Afigura-se, porém, mais grave o facto de o Tribunal, salvo o devido respeito, em claro excesso das suas funções, defender, ao contrário do que fez a Recorrida, que esta investigou e acabou por aplicar ambos os métodos consagrados no artigo 19º do RICR.
LVI. A Recorrida confessou que seguiu apenas o método presuntivo, algo que nos termos da lei lhe era permitido fazer, face à não apresentação das declarações de rendimento pela Recorrente.
LVII. Porém, para sustentar tal tese, o Tribunal suporta-se em factos que deu como provados sem nunca terem sido discutidos, pois não foram alegados pela entidade Recorrida, relativos aos registos das Finanças dos quais consta que a Recorrente cobrou o valor de MOP$144.269.296,80 em 2007 e MOP$96.796.351,93 em 2008.
LVIII. Esses elementos, porém, constam das contas auditadas apresentadas pela Recorrente à entidade Recorrida e juntas nestes autos.
LIX. Esquece o Tribunal que aquilo que surge nos registos como cobrado relativamente a obras adjudicadas anteriormente é apenas uma aplicação do critério do artigo 22º do RICR.
LX. O certo é que, esses registos podem não reflectir rendimentos efectivamente auferidos pela Recorrente pois no âmbito da construção civil podem não corresponder a trabalhos que ainda estejam a seu cargo mas que esta já tenha subempreitado.
LXI. Trata-se mais uma vez de uma questão de contas as quais, após apresentadas, caberia à Recorrida, e não ao Tribunal, sindicar através dos meios que a lei lhe confere.
LXII. É, assim, irrelevante que tenham sido dado como provado nos autos que a Recorrente teve receitas, nos exercícios de 2007 e 2008, provenientes de obras públicas que lhe terão sido adjudicadas em anos anteriores a 2006, na medida em que esses factos não provam o rendimento colectável da Recorrente nesses anos, mas quanto muito parte das suas receitas.
LXIII. De resto, a Administração Fiscal nunca alegou tais factos em seu favor, para sustentar que tivesse levado em conta os rendimentos reais do Recorrente.
LXIV. Conclui-se pois, que ao defender uma tese que nunca foi defendida pela própria Administração Fiscal - de que esta utilizou também o método indiciário levando em conta os rendimentos efectivamente auferidos pela Recorrente -, ao sustentar-se em factos que deu como provados sem nunca terem sido discutidos e ao colocar em causa, sem meios para tal, as contas da Recorrente, o tribunal a quo incorre em excesso de pronuncia, o que torna a sentença nula, vício que desde já se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 571º, no. 1, alínea d), do CPC, ex vi o artigo 1º do CPAC.
LXV. Acresce que, em relação aos demais vícios em causa, Recorrente não questiona que, conforme decorre do nº 2 do artigo 19º do RICR, a Comissão poderia fixar o rendimento colectável da Recorrente por aplicação do chamado método presuntivo, tendo em conta os rendimentos auferidos nos anos anteriores, em especial, os anteriores a 2006.
LXVI. Mas essa aplicação não podia ser “livre”, desde logo, porque a Administração está vinculada aos princípios constantes do Código de Procedimento Administrativo, os quais regem toda a actuação da Administração em geral.
LXVII. No âmbito da fiscalidade, assumem particular relevância os princípios da equidade, proporcionalidade e verdade material, como forma de alcançar a justa tributação dos sujeitos passivos, de acordo com a sua situação real, ou seja, com os rendimentos efectivamente auferidos e sujeitos à tributação - Princípio da tributação justa.
LXVIII. A actuação da Administração Fiscal no presente caso não foi conforme tais princípios.
LXIX. Face às razões apresentadas pela Recorrente, algumas delas públicas e notórias, a entidade Tributária, em obediência ao princípio da verdade tributária e da justa tributação, e até da boa-fé, deveria ter optado por um exame à escrita, ou deveria ter concedido um prazo à Recorrente para apresentação dos elementos contabilísticos conforme solicitado, ou ainda, deveria ter recorrido ao método indiciário de modo a fixar um rendimento colectável adequado.
LXX. Esta foi posição defendia pelo Ministério Público no parecer que consta dos autos a fls. 267 e ss. (e mantido a fls. 566), que pugnou, a final, pela anulação do acto administrativo em crise.
LXXI. A Comissão de Revisão, porém, rejeitou tal possibilidade, pondo assim de parte a possibilidade de corrigir, por recurso a elementos factuais, a errada fixação realizada pela Comissão de Fixação, violando desta forma, os deveres e as competências que a lei lhe impõe, o que fere o acto em causa de anulabilidade.
LXXII. Assim, o recurso à norma do artigo do 19º, no. 3 - método indiciário -, ou ao do artigo 40º, n.º 1 alínea a), seria sempre mais concordante com aqueles que devem ser os princípios reguladores da actuação da Administração Fiscal.
LXXIII. Estas normas - tais como muitas outras que pretendem regular a determinação do rendimento colectável e a actuação da Administração Fiscal - pretendem obedecer, o mais possível, ao princípio da verdade tributária e da justa tributação.
LXXIV. De resto, como resulta do artigo 25º da Lei 30/99/M (Lei Orgânica da DSF), uma das competências da Administração Fiscal é a de efectuar as diligências necessárias de modo a apurar a real situação tributária do contribuinte.
LXXV. Tem sido esta, de resto, a jurisprudência deste Venerando Tribunal, como resulta Acórdão do TSI, exarado no processo de recurso com o n.º 212/2002).
LXXVI. É, também, unânime que a finalidade essencial do procedimento tributário é a investigação dos factos tributáveis, com vista à sua comprovação, sendo tal investigação inteiramente dominada pelo princípio do inquisitório e da verdade material, razão pela qual a Administração Fiscal não está vinculada às provas facultadas pelo contribuinte, devendo proceder às diligências probatórias legalmente consagradas (veja-se o douto parecer do MP exarado no processo de recurso no. 15/2004 deste Venerando Tribunal).
LXXVII. Assim, antes de mais, para que haja tributo ou para que a Administração Fiscal possa tributar um rendimento, necessário é que prove a existência do facto tributário.
LXXVIII. Cabia, assim, à Administração Fiscal o ónus da prova relativo à existência efectiva dos rendimentos a tributar - cfr. o citado Acórdão do TSI exarado no processo de recurso n.º 212/2002.
LXXIX. O que se põe em causa neste caso é assim a actuação e a “escolha” do método utilizado pela Administração Fiscal para a fixação do rendimento colectável, quando esta tinha elementos que apontavam que esse método traduzir-se-ia numa evidente injustiça tributária, a qual se veio a confirmar.
LXXX. Porém, na deliberação que consubstancia o acto administrativo aqui em causa, é expressamente referido na conclusão n.º 3 que a Comissão de Fixação atendeu à situação real da Recorrente para fixar a matéria colectável, o que manifestamente não correspondeu à verdade.
LXXXI. Pelo que, ao fundamentar essa decisão em factos que se verificaram não serem verdadeiros, a decisão em causa encontra-se ferida de um vício de erro nos pressupostos de facto,
LXXXII. Tal vício torna o acto administrativo em crise anulável, nos termos do disposto no artigo 124º do CPA, que se invoca, de onde resulta que sempre deverá ser julgado procedente este recurso com a consequente anulação o acto administrativo aqui em crise.
LXXXIII. Já no diz respeito o facto de a Comissão de Fixação ter optado pelo método errado de fixação da matéria tributável, tal constitui uma violação ao estipulado no artigo 86º do CPA, violação essa que traduz num vício de preterição de formalidade legal no procedimento adoptado, e desse modo anulável a deliberação, nos termos do disposto no art. 124º do CPA, o que novamente se invoca como fundamento para a procedência do presente recurso.
LXXXIV. O acto administrativo em questão viola, igualmente, o princípio da legalidade, porquanto a Recorrida deveria ter agido na procura da tributação justa, princípio que é decorrente daquele.
LXXXV. Foi essa, aliás, novamente a conclusão a que chegou o Ministério Público no parecer dado nos presentes autos, no qual pugnou pela anulação do acto administrativo (vide parecer do Ministério Público de fls. 267 e ss. dos autos).
LXXXVI. Ao não procurar obter, por si ou por dados que a Recorrente se disponibilizou a fornecer, um rendimento mais próximo do real a Recorrida, na deliberação em causa, violou os princípios da legalidade, proporcionalidade e boa fé, sendo anulável também por este fundamento, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
LXXXVII. O acto recorrido padece ainda do vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 115º CPA, acompanhando-se o parecer do Ministério Público de fls. 267 e seguintes, o que o torna anulável, nos termos do artigo 124º do CPA.
LXXXVIII. Conclui-se, assim, em face de tudo o exposto, que sempre será de julgar procedente o presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, e, em consequência, anular-se o acto administrativo em causa, em face de todos os vícios evidenciados, o que desde já se requer, devendo a Administração Fiscal proceder a nova fixação do rendimento colectável da Recorrente, relativo aos anos de 2007 e 2008, desta feita de acordo com as declarações e os elementos contabilísticos já fornecidos pela Recorrente.
Nestes termos e nos demais de direito, deve a sentença recorrida ser revogada, anulando-se o acto administrativo aqui recorrido,
Assim fazendo V. Exas., Meritíssimos Juízes, a habitual boa e sã Justiça!».
*
A entidade recorrida respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 557 e seguintes dos autos, que julgou improcedente o recurso interposto pela contribuinte e, consequentemente, manteve a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, tomada a 14 de Dezembro de 2014, que decidiu manter o rendimento colectável anteriormente fixado para os exercícios de 2007 e 2008 no montante de MOP$26,049,500.00.
II. A Comissão de Revisão fundamenta a sua decisão na falta de entrega da declaração modelo M/1, pelo que a Recorrente, contribuinte do grupo A, fica sujeita à aplicação das normas de tributação dos contribuintes do grupo B, nomeadamente, as de fixação do rendimento colectável nos termos dos artigos 36.º e 19.º n.º 2 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR).
III. O n.º 2 do artigo 19.º do RICR que o lucro dos contribuintes do grupo B é “determinado pela diferença entre os proveitos e os custos obtidos por cada um dos contribuintes no ano anterior, quando deva presumir-se que aqueles são superiores a este ou por métodos indiciários”, e o n.º 3 do artigo 190º estipula quais os elementos em que se baseiam os métodos indiciários.
IV. Agiu a administração fiscal em conformidade com os princípios norteadores da sua actividade, nomeadamente, os princípios da legalidade, da igualdade e proporcionalidade, justiça e imparcialidade, na procura da verdade material.
V. Até à notificação da fixação da matéria colectável, a 14 de Outubro de 2010, agiu a administração fiscal de forma diligente com vista ao esclarecimento, junto da ora Recorrente, acerca das informações de que dispunha.
VI. Vejam-se o Oficio n.º 0552/MM/DIFT/DAIJ/10 datado de 13 de Maio de 2010 a fls. 17 do processo administrativo do exercício de 2008 - onde se reitera o pedido de informações do Oficio n.º 0073/MM/DIFT/DAIJ/10 datado 12 de Fevereiro de 2010 - e o Aviso n.º 31/NFE/DAIJ/IC/M de 26 de Julho de 2010, do Núcleo de Fiscalização Externa, a fls. 16 do processo administrativo do exercício de 2008, onde em cumprimento do disposto nos artigos 62.º e 41.º n.º 1 do RICR foram solicitados esclarecimentos sobre as receitas dos exercícios de 2007 e 2008.
VII. Por tudo supra expendido verifica-se a inexistência dos vícios assacados ao acto recorrido desde logo a violação dos princípios da legalidade (artigo 3.º n.º 1 do CPA), da prossecução do interesse público e protecção dos direitos e interesses dos residentes (artigo 4.º do CPA), da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) da igualdade e proporcionalidade (artigo 5.º do CPA) e da boa fé (artigo 8.º do CPA) inexistindo erro nos pressupostos de facto da deliberação da Comissão de Revisão.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantida a Sentença ora recorrida, tudo com as legais consequências.».
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O digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer (fls. 720-722Vº):
«Assaca a recorrente à douta sentença sob escrutínio uma vasta panóplia de deficiências, decorrentes quer dela própria, como é o caso de erro de julgamento da matéria de facto e excesso de pronúncia, quer de errada apreciação de matéria alegadamente consubstanciadora de vícios que imputa ao acto alvo do recurso contencioso, o qual vê afectado por erro nos pressupostos de facto, falta de fundamentação, preterição de formalidade legal e atropelo dos princípios da verdade material, verdade tributária e justa tributação, legalidade, proporcionalidade e boa fé.
Cremos que lhe assistirá parcial razão, em matéria que, bem vistas as coisas, se revelará passível de “toque” em vários dos domínios abordados na consubstanciação dos vícios operada.
Pretende, desde logo, a recorrente que, em face da documentação julgada pertinente, entretanto junta em sede de recurso contencioso e referente à disparidade entre o rendimento colectável colectado e o rendimento efectivo, se imporia, por parte do tribunal “a quo “, a fixação de diversa matéria de facto, condizente com aquela verdade tributária, pelo que, não o tendo sido, caberia, de todo o modo, a esta instância a modificação dessa matéria factual fixada, passando a dar como assente a matéria que aquela pretende coadunar-se com o reflectido pela documentação a que se reporta.
Não se ignorando jurisprudência (cfr, designadamente, o ac. deste tribunal de 15/11/12 in proc. 451/2012, citado pela recorrente) no sentido da possibilidade de modificação da matéria de facto, nos termos do artº 629º, CPC, quando se patenteie contradição com a globalidade de outros factos comprovados, a verdade é que, não ocorre tal contradição no caso presente.
E, constituindo regra a aferição da legalidade do acto administrativo à luz da conjuntura temporal em que o mesmo foi praticado, não se podendo impor à entidade administrativa diferente comportamento na base de dados de que, nessa conjuntura, não disponha, não se antevê a possibilidade de modificação almejada nesta instância, afigurando-se-nos, a esse propósito, algo insólita, inusitada e descabida a incursão do julgador “a quo” nas contas entretanto apresentadas para decidir da insuficiência para a prova dos rendimentos efectivamente auferidos pela recorrente nos exercícios em questão, quando a Administração, a quem tal competiria, se não havia pronunciado na matéria.
De todo o modo, a finalidade essencial do procedimento tributário é a investigação dos factos tributáveis, com vista à sua comprovação, sendo tal investigação inteiramente dominada pelo princípio inquisitório e a verdade material, razão por que a A. Fiscal não está limitada aos meios de prova facultados pela contribuinte, devendo proceder às diligências probatórias legalmente consagradas, sendo concedidos aos órgãos instrutores bastantes meios investigatórios (cfr, nomeadamente, arts. 16º, 17º, 40º, 41º, 62º, e 63º do RICR e 59º, 86º-90º do CPA), a possibilitarem a formação de convicção sólida sobre a existência e conteúdo do facto tributável.
Neste passo e atentos os concretos contornos do acto submetido a escrutínio contencioso, somos a concordar inteiramente com a perspectiva do Exmo Colega junto do tribunal “a quo” (cfr, parecer a fls 267 a 270v), no sentido de que, no caso, tendo a recorrente explicado na sua reclamação a situação do exercício da sociedade nos períodos em causa e a incapacidade de apresentar a declaração devida (como contribuinte do Grupo A) por falta da escrituração respectiva, prontificando-se, porém, a apresentar alguns dados simples sobre as receitas e despesas, caberia à A. Fiscal, perante essa disponibilidade, e no exercício da instrução cuja direcção lhe cabe, com os meios a que acima nos reportámos, empreender as diligências adequadas a melhor poder decidir, no encalce da verdade tributária, designadamente quanto à ponderação sobre manter a aplicação do nº 2 do artº 19º, RICR (determinação do lucro pela diferença entre os proveitos e custos obtidos no ano anterior), ou optar por recorrer aos métodos indiciários definidos no nº 3 do mesmo normativo.
Porém, o certo é que a A. Fiscal não empreendeu quaisquer diligências no sentido da efectiva apresentação dos dados que a contribuinte referira, não fazendo, aliás, em termos de fundamentação, qualquer referência ao assunto, nada ponderando quanto à possível utilidade no procedimento desses dados, pelo que, em nosso critério, assistindo-se a manifesto déficit instrutório, decorrente da omissão de investigação de factos cujo conhecimento se revelava pertinente para justa decisão, a redundar em erro nos pressupostos, invalidante da decisão questionada no recurso contencioso, haveria que se ter concluído pela anulação do acto controvertido nessa sede.
Assim não sucedendo, entende-se que, por erro de julgamento, no específico, haverá que conceder provimento ao presente recurso.».
*
Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«A. A recorrente contenciosa, contribuinte do imposto complementar de rendimentos (grupo A), não entregou oportunamente à DSF a declaração de rendimentos relativa aos anos de 2007 e 2008, declaração esta que deve ser feita pelos contribuintes do imposto complementar de rendimentos (grupo A) (fls. 12 a 14 dos autos do processo administrativo de 2007 e fls. 19 a 21 dos autos do processo administrativo de 2008).
B. Em 12/02/2010 e 13/05/2010, a DSF, através dos ofícios nºs 0073/MM/DIFT/DAIJ/10 e 0552/MM/DIFT/DAIJ/10, exigiu à recorrente contenciosa o fornecimento de dados, sob pena de ser determinado o rendimento colectável do ano de 2008 conforme as regras de fixação próprias dos contribuintes do grupo B (por método presuntivo ou por métodos indiciários), ao abrigo do artº 36º, nº 3 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (fls. 17 dos autos do processo administrativo de 2008).
C. Até 17/06/2010, a DSF não recebeu nenhuma resposta da recorrente contenciosa aos dois ofícios indicados no facto provado B (fls. 17 dos autos do processo administrativo de 2008).
D. Em 26/07/2010, a DSF enviou à recorrente contenciosa a notificação nº 31/NFE/DAIJ/IC/M, para ela fornecer o montante relativo a “produtos e trabalho” (um novo item acrescentado naquele ano), bem como o valor da receita total dos anos de 2007 e 2008 (fls. 16 dos autos do processo administrativo de 2008).
E. Quanto ao facto provado D, a recorrente contencioso apresentou, em 02/08/2010, as seguintes alegações à DSF (fls. 15 dos autos do processo administrativo de 2008, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“Assunto: Resposta ao vosso ofício nº 31/NFE/DEIJ/IC/M de 26/07/2010
Uma vez que são incompletas as informações financeiras desta companhia relativas aos anos de 2007 e 2008, o que torna impossível a contabilização de contas, razão pela qual esta companhia não é capaz de apresentar a “Declaração de Rendimentos - Imposto Complementar de Rendimentos (grupo A)” relativas aos anos referidos. Esta companhia realmente não é capaz de fornecer os dados exigidos, por qual pede desculpas.
Com os melhores cumprimentos.”
F. Segundo os dados da DSF, a recorrente contencioso auferiu, em 2007, uma quantia, no valor de MOP144.269.296,80, relativa a obras públicas (fls. 10 e 11 dos autos do processo administrativo de 2007).
G. Segundo os dados da DSF, a recorrente contencioso auferiu, em 2008, uma quantia, no valor de MOP96.796.351,93, relativa a obras públicas (fls. 9 dos autos do processo administrativo de 2008).
H. Em 07/10/2010, a Comissão de Fixação determinou que o rendimento colectável da recorrente contenciosa dos anos de 2007 a 2008 no valor de MOP26.049.500,00 (fls. 8 a 9 dos autos do processo administrativo de 2007 e fls. 7 a 8 dos autos do processo administrativo de 2008).
I. Indica-se na nota da “Fixação de Imposto Complementar de Rendimentos e Balanço” de 2007 no facto provado H. (fls. 8 dos autos do processo administrativo de 2007):
“N M/1
Ref: IC2/2916/NFE/DAIJ/2010
Inf Nº 0155/DIFT/DAIJ/2010
Dados: $144.269.296,80
Atendendo a que, para além das receitas decorrentes das obras públicas, a contribuinte obtinha rendimentos provenientes das obras privadas, pelo que a determinação da matéria colectável é feita com base nos dados referentes ao ano anterior.”
J. Indica-se na nota da “Fixação de Imposto Complementar de Rendimentos e Balanço” de 2008 no facto provado H. (fls. 7 dos autos do processo administrativo de 2008):
“N M/1
Ref: IC2/2916/NFE/DAIJ/2010
Inf Nº 0155/DIFT/DAIJ/2010
Dados: $96.796.351,93
Atendendo a que, para além das receitas decorrentes das obras públicas, a contribuinte obtinha rendimentos provenientes das obras privadas e também não entregou a declaração de rendimentos ou forneceu dados referentes aos rendimentos/obras de 2007, pelo que a determinação da matéria colectável é feita com base nos dados do ano de 2006.”
K. Em 12/10/2010, o director dos Serviços das Finanças, no uso da competência conferida pelo Despacho nº 3/DIR/2010, procedeu à liquidação do rendimento colectável do imposto complementar da recorrente contenciosa relativos aos anos de 2007 e 2008, sendo os rendimentos colectáveis também no valor de MOP26.049.500,00 e os impostos também no valor de MOP3.098.940,00 (fls. 7 dos autos do processo administrativo de 2007 e fls. 6 dos autos do processo administrativo de 2008).
L. Em 14/10/2010, a DSF enviou à recorrente contenciosa a “Notificação de Fixação de Rendimento - Imposto Complementar de Rendimentos” (fls. 41 a 42 dos autos).
M. Em 26/10/2010, a recorrente contenciosa apresentou à DSF as seguintes alegações (fls. 265 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“Assunto: Notificação de Fixação de Rendimento - Imposto Complementar de Rendimentos, impressos nºs 2007-011621-01 e 2008-012587-01
Tendo esta Companhia de Construção e Engenharia A Limitada, nº de contribuinte: 81343920, recebido a Notificação de Fixação de Rendimento - Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 14/10/2010, dessa Direcção de Serviços, respeitante aos impostos dos anos de 2007 e 2008, que indica que o valor do rendimento colectável é de $26.049.500,00, valor igual ao do ano de 2006. Acreditamos que a Comissão de Fixação determinou o valor segundo os dados dos anos anteriores. Dado que se encontram incompletas as informações financeiras do ano 2006, o que nos impossibilita de declarar o rendimento complementar no grupo A. E, devido à falta do balanço de encerramento do ano de 2006, também não podemos declarar o rendimento complementar no Grupo A relativo aos anos de 2007 e 2008.
Desde o ano de 2006, por causa dos factores exteriores, a companhia não era capaz de arranjar novas obras. Durante este tempo, apenas efectuou apenas o trabalho referente à conclusão da primeira fase das obras e a sua conservação e manutenção, razão pela qual caiu dramaticamente o rendimento da companhia. Pelo exposto, solicitamos à Comissão que faça de novo a avaliação após ter considerado a situação desta companhia. Embora não possamos fornecer a conta geral inteira, podemos apresentar os simples registos de receitas e despesas. Caso a Comissão considere necessário, vamos fazer o máximo possível para lhe proporcionar dados. Pedimos desculpas e esperamos que a Comissão aceite o pedido de revisão desta companhia, agradecemos antecipadamente. Com os melhores cumprimentos.”
N. Em 14/12/2010, a Comissão de Revisão “B” da DSF tomou deliberação, decidindo não aceitar a reclamação da recorrente contenciosa e mantendo os rendimentos colectáveis de 2007 e 2008 no valor de $26.049.500,00, respectivamente. Além disso, a Comissão deliberou fixar, a título de custas, um agravamento da colecta em 0,1% do imposto. (fls. 38 e 39 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
J. Em 30/12/2010, a referida decisão foi notificada à recorrente contenciosa mediante o ofício da DSF nº 134/DAIJ/CRB/10 (fls. 37 a 39 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
P. Em 26/01/2011, a recorrente contenciosa efectuou o pagamento, sem nenhuma reserva, do imposto complementar de rendimentos devido relativo aos anos de 2007 e 2008 e as respectivas custas (fls. 15 e verso dos autos do processo administrativo de 2007, fls. 12 e verso dos autos do processo administrativo de 2008, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
Q. Em 22/02/2011, a recorrente contenciosa interpôs o presente recurso contencioso por meio de fax para este tribunal».
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III – O Direito
1- Exposição do caso
O que se discute é a validade da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 14/12/2010 que relativamente aos anos de 2007 e 2008 – e em sede de reclamação da decisão do Director dos Serviços de Finanças de 12/10/2010 - manteve à ora recorrente o rendimento colectável de Mop$ 26.049.500,00 para cada um daqueles períodos exercícios.
A recorrente tinha imputado à decisão impugnada os vícios de erro sobre os pressupostos de facto, violação do art. 86º do CPA (inquisitório), violação do princípio da legalidade, da proporcionalidade e da boa fé.
A sentença agora sob censura julgou-os improcedentes.
Dela a recorrente discorda em 26 artigos alegatórios, desdobrados em 145 parágrafos, se bem os contámos, e “resumidos” a 88 longas conclusões.
*
2 - Dos factos
Começa a recorrente por defender a alteração da matéria de facto com fundamento no art. 629º do CPC, tendo por base os documentos juntos aos autos no TA em 11/06/2012, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, e que, em sua opinião, reflectem a verdadeira situação do resultado desses exercícios: lucro de Mop$ 4.878.122,00 e prejuízo de Mop$ 2.158.126,00, respectivamente.
Considera a recorrente que se não tratava de elementos novos para a Administração, pois visava factos já alegados e que ela se tinha disposto provar junto da Administração Fiscal quando pôs em causa a tributação fixada.
Conhecendo.
A questão assim equacionada reporta-se ao pressuposto de facto que esteve na origem do acto sindicado.
E isto obriga-nos a ir à procura dos preceitos aplicáveis ao caso.
Desde logo, surge-nos à cabeça o art. 4º do RICR, que distribui a sujeição dos contribuintes por dois grupos: de um lado, os do grupo A, que manda serem tributados pelo lucro efectivo; do outro, os do grupo B, que determina que sejam tributados pelo lucro presumido.
A seguir, o art. 19º, que esclarece a forma de apuramento do lucro tributável em cada um dos grupos. No grupo A, o lucro real efectivo é apurado através da “conta de resultados” do exercício, ou de ganhos e perdas (n.º1 do artigo 19º); no grupo B, o lucro tributável será determinado pela diferença entre os proveitos e os custos por cada um dos contribuintes no ano anterior, quando deva presumir-se que aqueles são superiores a este (método presuntivo), ou por métodos indiciários (n.º 2 e 3 do artigo 19º).
Assim, «No grupo A a matéria colectável é determinada através de prova directa pré-constituída, que é a contabilidade do contribuinte; no grupo B a matéria colectável é determinada oficiosamente, através de provas indirectas, por via do método presuntivo e do método indiciário.
O valor da declaração de contribuinte é bem diferente em cada um dos sistemas: no primeiro, a declaração é, em princípio, determinante do próprio valor da matéria colectável, uma vez que serve directamente de base ao lançamento; no segundo, a declaração do sujeito passivo possui um alcance meramente indiciário da matéria colectável. Em relação aos contribuintes do grupo B, o lucro tributável é determinado pela diferença entre os proveitos e os custos obtidos por cada um dos contribuintes no ano anterior, quando deva presumir-se que aqueles são superiores a estes, ou por métodos indiciários (art. 19º, nº2 do RICR). Os métodos indiciários baseiam-se em todos os elementos de que a Administração Fiscal disponha, designadamente margens de lucro bruto ou ilíquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros, taxas médias de rentabilidade do capital investido, coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias primas, ou de outros custos directos, elementos e informações declarados à Administração Fiscal, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte (art. 19º do RICR).» (Ac. TSI, de 18/03/2004, Proc. nº 261/2003; no mesmo sentido, Ac. TSI, de 7/03/2002, Proc. nº 116/2001 e de 7/03/2002, Proc. nº 117/2001).
A recorrente era contribuinte do grupo A, já sabemos.
Ora, de acordo com o art. 36º, nº3, do RICR, «Na falta ou insuficiência das declarações dos contribuintes do grupo A poderá o chefe da Repartição de Contribuições e Impostos, determinar-lhes o rendimento colectável ou deferir tal fixação para a Comissão de Fixação, aplicando-se em ambas as hipóteses as regras de fixação próprias dos contribuintes do grupo B.».
Significa isto que «é o próprio legislador a reconhecer a «impossibilidade» de tributação baseada no balanço e a permitir a tributação com base em indícios ou índices, renunciando assim à exigência da certeza como condição da produção do acto tributário e aceitando formas menos seguras de reconstituição do facto tributário» (cit. Ac. do TSI, nº 261/2003).
Voltemos outra fez ao citado aresto do TSI (Proc. nº 261/2003):
«Será que a Administração fiscal só pode recorrer ao método indiciário no caso da impossibilidade de uso do método presuntivo?
Embora ambos os métodos sejam provas indirectas que apelam a regras ou máximas de experiência, a verdade é que a avaliação e apreciação que se faz dos indícios ou dos índices escolhidos é diferente.
O lucro tributável dos contribuintes do grupo B será determinado pela diferença entre os proveitos e os custos obtidos e as fontes de cálculo desses proveitos e custos estão enunciadas no artigo 41º, onde se diz que a fixação do lucro tributável será feita “em face das declarações dos contribuintes, eventualmente corrigidas com base em informações devidamente fundamentadas dos serviços de fiscalização ou de quaisquer outros elementos de que se disponha”.
Pretende-se na sentença recorrida ver aqui um claro princípio de tributação de acordo com a situação efectiva do contribuinte. A presunção aí estabelecida referir-se-ia apenas à conclusão de que a empresa devesse ter obtidos lucros. Mas, extraída tal ilação, deveria proceder-se ao cálculo dos proveitos e custos, com base nos elementos constantes da declaração de contribuinte, de informações devidamente fundamentadas e de outros elementos de que se disponha. Não está em causa o procedimento a adoptar que tal como descrito decorre da lei. Mas mesmo que se perceba a diferença entre a presunção de auferimento de lucros e a certeza da operação para quantificação dos lucros a partir de tais elementos, sempre se terá de concluir que o resultado encontrado não deixa de ser um lucro presumido, na medida em que por essa via se atinge um facto desconhecido (lucro real) a partir de dados conhecidos. Aliás, se assim não se entendesse, não faria sentido que se apontasse para esse método de determinação dos lucros quando estes fossem de presumir, na medida em que se os lucros reais pudessem ser exactamente apontados já não careciam de ser presumidos.
Na verdade, o artigo 41º do RICR delimita com grande abertura o poder de fixar a matéria colectável, pois não se diz qual o peso a atribuir às declarações dos contribuintes, as condições em que os elementos por ele fornecidos podem ser afastados, o tipo de informações que deverão ser fornecidas pelos serviços de fiscalização e a natureza dos elementos de que poderá eventualmente dispor a Comissão de Fixação.
É certo que do que se trata é de tributar não de acordo com o rendimento médio de certas actividades, de certa região ou de empresas de determinada dimensão, mas sim estimar, por métodos aproximativos, o rendimento de um empresa individualmente considerada ou de acordo com as circunstâncias concretas do contribuinte. No método presuntivo, os funcionários fiscais devem apreciar caso por caso a importância dos indícios que revelam os lucros tributáveis e calcular os proveitos e custos do contribuinte no ano a que respeita o imposto, donde resulta uma tributação incidente sobre o lucro real presumido».
Bom. Se é certo que à Administração Fiscal cabem os poderes inquisitivos que, de entre outras fontes, lhe advêm dos arts. 59º, 88º, 90º, do CPA, verdade é, por outro lado, que ao contribuinte cumpre, segundo o art. 62º, nº 2 do CPA, o dever de prestar a sua colaboração para o conveniente esclarecimento dos factos e a descoberta da verdade. Portanto, se a Administração tem que prestar colaboração com os particulares, também estes devem no seu relacionamento com aquela «revelar lisura e rectidão de comportamentos, além da necessária colaboração para o esclarecimento cabal dos factos e a descoberta da verdade material» (cit. aresto).
Aliás, e no plano tributário, «… como diz Vítor Faveiro, cabe ao contribuinte, não apenas cumprir as obrigações de prestação pecuniária ou em espécie que correspondam ao seu dever contributivo, mas também o dever de dar conhecimento à administração tributária de todas as situações e realidades de facto que lhe respeitam e devam ser enquadradas nas normas de incidência, bem como das fontes em que tais realidades assentem, já que, como é evidente, é o contribuinte que tem com elas contacto directo, enquanto que a Administração Fiscal só por formas indirectas, e nem sempre seguras, delas se apercebe e as pode qualificar e quantificar.». (cit. aresto).
Aliás, no que respeita aos contribuintes do grupo A, aí está o art. 18º, nº1, do RICR imperando que «Os contribuintes do grupo A, devem organizar e conservar a sua escrita de modo a que se possa apurar o lucro tributável com inteira observância das disposições deste regulamento, podendo o Governador do Território, sob proposta do chefe dos Serviços de Finanças, tornar obrigatórias, por despacho, a existência de determinados livros, documentos ou outros elementos de escrita e a observância de certas normas na sua arrumação e apresentação», dando seguramente conta dos deveres que lhes cumpre observar com vista, precisamente, à demonstração da sua real situação tributária.
Porém, nem tudo fica assim resolvido. Na verdade, perante este quadro de poderes e deveres, pode dar-se o caso de a Administração Fiscal ficar impossibilitada de proceder à quantificação da matéria colectável de um modo fidedigno a partir dos elementos fornecidos pelo contribuinte do grupo A.
É certo que o art.36º, nº3 permite a aplicação das regras de fixação dos contribuintes do grupo B na “falta ou insuficiência das declarações dos contribuintes». Todavia, este preceito não pode ser estudado isoladamente. É preciso que tenhamos em conta o disposto no art. 40º do mesmo Regulamento, que, sem prejuízo da faculdade prevista no nº3, do art. 36º, e para a «Falta ou insuficiência de declarações não suprida pelos esclarecimentos prestados pelos contribuintes e seus contabilistas ou auditores», impõe (“O chefe…deve…”) que seja determinado um exame à escrita.
Mais uma vez a preocupação do legislador reside no apuramento dos verdadeiros factos tributários, para o que contribui todo o ambiente do próprio articulado legal em exame, nomeadamente o que deriva do art. 17º (pedido de esclarecimentos indispensáveis quando as declarações não sejam suficientemente claras), do art. 19º (possibilidade de ordenar e fixar correcções), e do próprio art. 46º, nº2 (a Comissão, em sede de reclamação, pode rever o rendimento colectável, fixando-o de novo).
Em suma, existe por parte da Administração Fiscal o dever de «…suprir os erros na declarações, mesmo os que surjam em desfavor do contribuinte, o que aliás resulta da regra geral do artigo 19º nº1 do R.I.C.R., tendo sempre presente o que estatui o artigo 4º do C.P.A.
Este último preceito, onde se contêm os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes deve ser acolhido e acatado pelo fisco.» (Ac. TSI, de 7/03/2002, Proc. nº 116/2001; também da mesma data, Proc. nº 117/2001).
Ainda a propósito do exame à escrita, disse o aresto acabado de citar (Proc. nº 116/2001):
«O artigo 40º deste diploma prevê duas situações de obrigatoriedade do exame à escrita. São elas a falta, ou insuficiência de declaração não suprida pelos esclarecimentos prestados pelo contribuinte e seus contabilistas ou auditores, sem prejuízo da faculdade do nº3 do artigo 36º; e quando os resultados do exercício, e apesar da prestação daqueles esclarecimentos, não se revelem suficientemente justificados.
Há assim, e sempre, como pressuposto do exame à escrita a emissão de um juízo de suficiência de esclarecimentos que obrigatoriamente terão de ser pedidos.
O “iter” terá de ser o seguinte:
1º - Apresentação da declaração pelo contribuinte;
2º - Verificação de que essa declaração não é suficiente;
3º - Pedido de esclarecimentos ao declarante;
4º - Prestação de esclarecimentos;
5º - Reconhecimento da insuficiência dos esclarecimentos;
6º - Exame à escrita.
Então, e só se após esta diligência se verificar a impossibilidade de determinação da matéria colectável segundo as regras dos contribuintes do grupo A, é que a Administração Fiscal transfere o contribuinte para o regime do grupo B.
Todo o procedimento instrutório descrito pressupõe, como passo essencial, a solicitação dos “esclarecimentos indispensáveis” (artigo 17º) ao contribuinte. Se tal for omitido, não pode proceder-se ao exame à escrita e sem este não poderá fazer-se transitar o contribuinte para o grupo B.
Como julgou o Acórdão do S.T.A. de Portugal, de 18 de Fevereiro de 1988, AD 323-1362 – haverá “falta de diligências necessárias para a constituição da base fáctica da decisão” o que “afectará esta não só se (tais diligências) forem obrigatórias (vinculação ao princípio da legalidade) mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegadas pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto)”.
Em suma, o que importa extrair de toda esta ordem de considerações, é que os contribuintes do grupo A devem ser tributados em função do resultado real do exercício e só no caso de se tornar impossível o apuramento, de acordo com os dados que fornecer à Administração (por sua iniciativa ou por iniciativa desta) e com o exame à escrita a realizar, é que se poderá fazer uso dos métodos possíveis para os contribuintes do grupo B, o presuntivo ou o indiciário.
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3 - (Continuação)
Neste caso, a Administração para o apuramento do resultado dos exercícios de 2007 e 2008 partiu do resultado do exercício de 2006, uma vez que a recorrente não apresentou as declarações referentes àqueles anos.
Certo é que pediu o fornecimento dos dados em 12/02/2010 e 13/05/2010 (facto B), numa iniciativa que não teve correspondência por parte da recorrente (facto C).
Certo ainda que em 26/07/2010 a DSF voltou a pedir elementos (facto D), o que mereceu da recorrente a resposta de que “Uma vez que são incompletas as informações financeiras desta companhia relativas aos anos de 2007 e 2008, o que torna impossível a contabilização de contas, razão pela qual esta companhia não é capaz de apresentar a “Declaração de Rendimentos - Imposto Complementar de Rendimentos (grupo A)” relativas aos anos referidos. Esta companhia realmente não é capaz de fornecer os dados exigidos, por qual pede desculpas.” (facto E).
Quer dizer, a Administração procedeu a diligências no âmbito do procedimento tendentes ao apuramento dos resultados dos exercícios em causa, mas não obteve da parte da recorrente a colaboração que de si era esperada.
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4 - Do ónus de prova
Eis-nos, porém, agora chegados a um momento crucial: o dos factos e da sua prova.
Mais uma vez, recorramos às palavras deste TSI:
«Importará, não obstante o princípio da presunção da legalidade do acto administrativo, considerar os limites da actuação da Administração que se deve pautar pela juridicidade das sua opções e pela obrigatoriedade de fundamentação do acto, dentro do respeito pela imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade, o que implica um ónus da prova dos pressupostos de facto subjacentes às decisões desfavoráveis aos interessados em respeito pelo princípio de justiça e legalidade. Pode, neste enquadramento, continuar a falar-se, mesmo em sede do recurso de anulação, de um ónus da prova, a cargo de quem alega os factos, no entendimento de que “há-de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”.
Este enquadramento prévio, já adoptado noutros arestos deste Tribunal, não deixa de ser igualmente válido para o Direito tributário.
Podemos assim afirmar que, sendo a existência de rendimento o pressupostos legal do tributo (artigo 2º do RICR) - a existência do facto tributário -, o ónus da prova recai sobre a Administração fiscal» (Ac. TSI, de 11/03/2004, Proc. nº 212/2003).
E às deste outro aresto: «A finalidade essencial do procedimento tributário é a investigação dos factos tributáveis, com vista à sua comprovação, sendo tal investigação inteiramente dominada pelo princípio inquisitório e pela verdade material, razão por que a Administração Fiscal não está limitada aos meios de prova facultados pelo contribuinte, devendo proceder às diligências probatórias legalmente consagradas, sendo concedidos aos órgãos instrutores bastantes meios investigatórios a possibilitarem a formação de convicção sólida sobre a existência e conteúdo do facto tributável. Na tributação do Grupo A do Imposto Complementar de Rendimentos, a contabilidade que se mostre organizada segundo a lei comercial e fiscal tem uma força probatória particular, que é a presunção da sua veracidade.» (Ac. TSI, de 11/03/2004, Proc. nº 87/2003).
Parece ser consensual na RAEM1, por conseguinte, que pertence à Administração o ónus de prova do facto constitutivo do direito que pretende exercer no procedimento. Neste caso, caber-lhe-ia provar o requisito de que dependia o uso do método indirecto previsto no art. 19, nºs 2 e 3, do RICR. Ou seja, cumprir-lhe-ia provar a base legal (pressupostos vinculativos) da sua actuação, embora não no sentido da legalidade substantiva, mas sim do fundamento legal em que radica a titularidade das atribuições e competências para a prática do acto (Ac. do STA, de 26/01/2000, BMJ nº 493, pág. 230).
E ao contribuinte cumpria provar a realidade do facto tributário, a realidade tributária do resultado dos exercícios. É que quando a Administração se socorre dos métodos indirectos, é ao administrado que cabe demonstrar a inadequação ou errada aplicação dos métodos de quantificação utilizados (Ac. do STA, de 16/11/2011, Proc. nº 247/11).
Ora, por parte da Administração Fiscal aquela prova foi feita no procedimento. Face à ausência das declarações, nem mesmo após o pedido de elementos à recorrente, cabia-lhe proceder como lho permite o art. 19º, nº2, “ex vi” art. 36º, nº3, do RICR.
A prova dos factos reais, essa cumpria ao contribuinte, demonstrando o excesso da matéria tributável e da liquidação.
Assim, tendo a Administração Fiscal podido actuar no procedimento, como actuou, já ao contribuinte cumpria ulteriormente, em sede de revisão da matéria colectável – uma vez que o não fizera até esse momento – apresentar os elementos que poderiam fazer inflectir o sentido da decisão revidenda (neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, pág. 766). Não, o fez, porém a recorrente.
Agora bem. É imperioso que se esclareça que o ónus de prova de que vimos falando é o respeitante à prova dos factos tributários, isto é, da realidade do rendimento do exercício sujeita a tributação, dentro do procedimento tributário. Todas as normas do RICR no que respeita à impugnação administrativa, designadamente através da “revisão”, estão impregnadas dessa marca procedimental. Quer dizer, o que houver de ser provado, terá que sê-lo no seio do procedimento.
E não pode haver prova judicial desses mesmos factos?
Pode, mas já aí o domínio não é de total liberdade. Por exemplo, se o contribuinte apresenta facturas no âmbito procedimental (até mesmo em sede de uma revisão), na tentativa de provar as despesas ou os custos do exercício, e a Administração as não acolhe como meio de prova, as não releva como forma de demonstração desses custos, por não as tomar por verdadeiras (facturas falsas, portanto), não tem o contribuinte outro remédio senão desviar o litígio para o tribunal, onde tentará provar aquilo que a Administração não considerou.
Mas, se o contribuinte não apresentou no procedimento, em qualquer das suas fases, a prova dos custos e vem a fazê-lo pela primeira vez no tribunal, já o problema é diferente. Aí, não há razão para traçar uma solução diferente da que se ergue no procedimento administrativo.
E qual é a solução, então?
É sabido que no processo judicial de recurso contencioso não se pode fazer a prova dos factos que podiam e deviam ser provados no procedimento administrativo.
Neste plano, o TUI e o TSI já defenderam que a prova feita no procedimento num dado sentido, com base em elementos para ele carreados, conquanto o recorrente tivesse podido fazer prova noutro sentido, é definitiva.
Isto é, não pode ser feita no recurso contencioso a prova de factos - para efeito do vício de erro sobre os pressupostos de facto, v.g. - se o recorrente teve a possibilidade de, em concreto, a fazer no procedimento administrativo (Ac. TUI de 2/06/2004, Proc. n.º 17/2003; TUI, de 31/07/2013, Proc. nº 39/2013; TSI de 25/10/2012, Proc. n.º 23/2012).
O acolhimento desta posição também decorre, para além dos argumentos vazados nos referidos arestos, da circunstância de vigorar no procedimento administrativo o princípio da verdade material (no procedimento tributário: verdade material tributária), que, como corolário, implica que o órgão ou agente deve adequar a sua análise e a sua decisão aos factos provados no contexto do procedimento.
Ora, se a recorrente sabia que não tinha apresentado as declarações de 2007 e 2008, se tinha conhecimento de que a Administração podia recorrer aos métodos indirectos de apuramento do rendimento colectável, se foi notificada para apresentar elementos, porque motivo não apresentou então os elementos, os quais só em 2012 carreou para o processo judicial de recurso?
Isto quer dizer, portanto, que deixou de lhe ser possível contrariar judicialmente aquilo que procedimentalmente podia, mas não quis, provar.
Serve isto, pois, para referir que este vício não pode proceder.
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5 - Da violação do princípio do inquisitório
O vício seguinte foi o da violação do princípio do inquisitório, por a Administração não ter observado a disciplina legal, nomeadamente a do art. 40º, nº1 do RICR e do art. 86º do CPA, no que foi acompanhada pelo digno Magistrado do MP no seu parecer.
Temos que nos voltar para as normas do RICR mais uma vez.
Como já se viu, a aplicação do art. 40º é feita sem prejuízo da faculdade do nº3, do art. 36º do Regulamento. Significa, portanto, que a Administração Tributária agiu bem, por lho permitir o diploma, em proceder à determinação do rendimento tributário recorrendo aos métodos indirectos. E culpa de assim ter acontecido abate-se inteiramente sobre a própria recorrente que, nem apresentou as declarações fiscais referentes àqueles dois anos, como ainda nem se dignou fornecer os elementos esclarecedores sobre o assunto, apesar de notificada para tanto pela Administração Fiscal.
O uso, porém, dessa “faculdade” não afasta o “dever” constituído no art. 40º. A Administração deve sempre proceder ao exame à escrita.
É claro que este dever lhe é imposto pelo autor da norma como modo de vincular a Administração a um procedimento que evite a relapsia dos serviços, que procure incutir-lhes o sentido da diligência e da eficiência, que instile a marca do bem agir, das boas práticas, etc.. Tudo isso é verdade.
Mas, por detrás dessa intencionalidade, descobre-se outra ainda mais profunda e, até por isso, talvez mais decisiva: o interesse público que domina toda a estrutura fiscal.
Quer dizer, ao determinar ou impor aos serviços que investiguem a situação que seja possível apurar através de um exame à escrita, com uma observação minuciosa e atenta aos elementos em posse do contribuinte, o que está a salvaguardar é o interesse público (fiscal) da cobrança do tributo em função de uma avaliação bem mais próxima da realidade tributária do que a derivada da avaliação por estimativas, presunções ou indícios.
E assim, ao mesmo tempo que obriga a essa fiscalização como modo de realizar o interesse público subjacente – que se adivinha através da receita fiscal que for devida -, também realiza um outro interesse, que é próprio de uma Administração Fiscal dominada pelos princípios da justiça e da verdade material tributária.
Ora, o art. 40º em apreço não foi accionado!
Não houve exame à escrita. Tivesse ele existido, talvez estes elementos - que agora, em 11/06/2012, a recorrente tardiamente juntou – pudessem ter sido detectados, apreciados, valorados. E, então, talvez, quem sabe, a matéria tributária a relevar não fosse aquela a que a Administração obteve por métodos indirectos, mas uma outra (não interessa neste momento dizer se, superior ou inferior, isso não está em causa na presente avaliação).
E só se o exame não fosse concludente, e subsistisse a impossibilidade de determinar a matéria colectável, é que o contribuinte seria tributado com na base nos lucros presumíveis (art. 40º, nº5, RICR).
Neste sentido, sim, estamos de acordo com a recorrente e com o digno Magistrado do MP: não foi accionado na sua plenitude o “poder” do art. 59º, nem o “dever” do art. 86º, do CPA, assim como não foi posto em marcha o “dever” específico do art. 40º do RICR.
Dito de outra forma, não foi desencadeado o inquisitório, nem na sua vertente facultativa, nem na vertente impositiva (vertente esta que fixa uma vinculação, traduzida no dever de averiguar: neste sentido Lino Ribeiro e outro, Código de Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, pág. 462).
E, por ser assim, estamos perante a ausência de diligências necessárias “…para a constituição da base fáctica da decisão” o que “afectará esta não só se (tais diligências) forem obrigatórias (vinculação ao princípio da legalidade) mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegadas pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto)” (Ac. do S.T.A. de Portugal, de 18 de Fevereiro de 1988, AD nº 323, pág. 1362).
Estamos em presença pois de um dever de instrução (vinculado) “ …quanto ao conhecimento dos pressupostos legais (positivos ou negativos) da decisão do procedimento, não podendo haver, pois, nesse domínio, qualquer juízo de conveniência ou oportunidade, ditado por razões de justiça, muito menos de celeridade”. De tal maneira que a “ falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigatórias (acarretando, assim, violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro nos pressupostos de facto). (…) Ou seja, as omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução estão na origem de um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, interesses que tenham sido introduzidos pelo interessado, ou factos que fossem necessários para a decisão do procedimento.” (Ac. TSI, de 27/03/2003, Proc. nº 193/2000).
Este vício, a que não foi dado verdadeiro nome pela recorrente, mas que se inclinou para o qualificar como sendo de violação do princípio da legalidade, é, na qualificação que fazemos, principalmente determinante da violação do próprio art. 40º do RICR - a importância da distinção aqui é escassa, na medida em que, a violação da lei, concretamente do art. 40º citado, não deixa de configurar uma violação, no sentido amplo, do princípio da legalidade estabelecido no art. 3º do CPA, embora nos pareça que este é um princípio programático, cujo desrespeito não é possível acontecer directamente ou por si mesmo, mas apenas por intermédio de uma acção concreta que viole “a lei e o direito” nas suas mais variadas representações, seja de norma, seja de princípios gerais do direito, etc. – e até mesmo ilustrativo de um vício de forma, por omissão de uma formalidade legal e essencial, imposta pela referida disposição legal. Violação tanto mais relevante quanto é certo que o exame à escrita poderia ter contribuído para um apuramento da matéria tributável mais próximo da verdade tributária que o Regulamento e o seu espírito consagram.
Seja pela violação do inquisitivo impositivo, seja pela violação do dever instrutório imposto pela norma, seja pela violação da própria norma, estamos perante um vício que conduz à anulação do acto, o qual deverá ser renovado, caso não haja obstáculos legais, em função do resultado do exame que for feito à escrita da recorrente/contribuinte, eventualmente tomando ou não em consideração os elementos juntos em 11/06/2002 (fls. 158-184), se tal se mostrar útil ou necessário.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e anulando o acto administrativo impugnado.
Sem custas, por delas estar isenta a entidade recorrida.
TSI, 24 de Setembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Fui presente
Mai Man Ieng

1 Também na ordem jurídica portuguesa, onde existem mesmo normas específicas sobre o assunto: cfr. art. 74º (ónus da prova) da Lei Geral Tributária (cfr. tb. art. 88º, al. a), desse diploma).
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328/2015 49