--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). --------------
--- Data: 25/06/2015 -------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng -------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 232/2015
(Recurso em processo penal)
Arguidos recorrentes: A
B
C
D
E
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
Inconformados concretamente com o decidido no ponto 2 do despacho exarado em 18 de Dezembro de 2014 a fls. 1037 a 1037v do Processo Comum Colectivo n.o CR3-13-0226-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), por força do qual foram judicialmente declarados perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau os objectos e bens apreendidos nesses autos (e identificados a suas fls. 1021 a 1023), com excepção dos bens ou objectos apreendidos identificados no ponto 1 desse despacho, vieram A, B, C, D e E, como os arguidos já melhor identificados nesse processo penal, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a revogação da dita declaração judicial da perda de bens e objectos, através de um conjunto de razões expostas na motivação apresentada unamente a fls. 1049 a 1056 dos presentes autos correspondentes, sintetizáveis de seguinte maneira:
– o despacho recorrido invoca apenas a disposição do art.º 101.º, n.º 1, do Código Penal (CP) para servir de alegado fundamento para a declaração da perda dos bens e valores apreendidos e especificados a fl. 1037, daí se vê que esse despacho, proferido sobre bens e valores monetários de envergadura, e sem a indicação de quais os fundamentos fácticos para sustentar a decisão de declaração da perda, assim como as provas que terão servido para se alcançar um raciocínio conducente a essa decisão, não reuniu os requisitos da fundamentação exigidos no art.º 355.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP);
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que tal declaração da perda, sem que para tal houvesse uma condenação penal proferida por tribunal competente e transitada em julgado, seria uma decisão de confisco de bens, e, portanto, violadora do princípio da protecção da propriedade privada e do princípio da presunção da inocência do arguido, plasmados respectivamente nos art.os 6.º e 29.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, e também do princípio da culpa vertido no art.º 40.º, n.º 2, do CP;
– e fosse como fosse, o despacho recorrido não deixaria de derespeitar o n.º 1 do art.º 101.º do CP, na segunda parte desta norma, dado que esse despacho “não aponta, não refere, não fundamenta, não demonstra que os bens e valores monetários em causa revestem de uma perigosidade intrínseca adeviente da sua própria natureza”, e, por outro lado, “não se alcança nem se conclui que esses objectos, bens e valores, de per si, sejam idóneos para serem utilizados no cometimento de novos crimes no futuro”, e, finalmente, “é forçoso concluir que tais objectos, bens e valores não põem em perigo a segurança das pessoas nem ferem de forma inaceitável ou escandalosa a moral ou ordem públicas”, sendo que “dos diversos autos de busca e apreensão lavrados pela Polícia e constantes dos autos apenas se pode concluir que os bens foram encontrados na morada visada e no corpo dos suspeitos. A polícia na investigação subsequente não logrou demonstrar que o apreendido fosse todo instrumento de crime ou produto de crime. Apenas se procedeu à apreensão de bens encontrados – com algum exagero rotineiro”.
Aos recursos respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 1060 a 1063, no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subidos os recursos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer a fls. 1076 a 1077v, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à decisão dos recursos:
– Por despacho judicial de 29 de Janeiro de 2014 exarado a fl. 966 dos autos, foi declarada extinta a responsabilidade penal (por entendida já prescrição, em 30 de Setembro de 2013, do respectivo procedimento) do arguido F pela autoria material de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho, e de um crime de aceitação de apostas ilícitas, p. e p. pelo art.º 3.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 9/96/M, de 22 de Julho, responsabilidade essa então imputada na acusação pública de 26 de Setembro de 2013, recebida judicialmente no Primeiro de Novembro de 2013 através do despacho de fls. 942 a 942v;
– Aquando da dedução dessa acusação de 26 de Setembro de 2013, o Digno Magistrado do Ministério Público declarou a extinção da responsabilidade penal (por entendida já prescrição do respectivo procedimento) dos outros arguidos A, B, C, D e E, apesar de ter concluído pela existência de indícios suficientes da prática, por estes cinco, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 8/96/M, de um crime de aceitação de apostas ilícitas, p. e p. pelo art.º 3.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 9/96/M, e de um crime de colocação de apostas ilícitas, p. e p. pelo art.º 4.º da Lei n.º 9/96/M, por um lado, e, por outro, declarou também a extinção da responsabilidade penal (por entendida já prescrição do respectivo procedimento) do arguido F na parte referente à suficiente indiciação da prática, por este, de um crime de colocação de apostas ilícitas, p. e p. pelo art.º 4.º da Lei n.º 9/96/M;
– Das fls. 1021 a 1023 dos autos, consta uma lista de objectos apreendidos à ordem dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido;
– Em 18 de Dezembro de 2014 a fls. 1037 a 1037v dos autos, foi proferido o despacho judicial que declarou, no seu ponto 2, perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau, os objectos apreendidos nos autos e identificados a fls. 1021 a 1023 (com excepção dos identificados no ponto 1 do próprio despacho, a saber: o veículo automóvel de chapa de matrícula MA-XX-XX, com respectivos aparelho de controlo à distância e documentação, 81 charutos e uma tesoura, um relógio de Rolex e um frasco de comprimidos, dois frigoríficos de vinhos e vinhos, e dois armários para guardar vinhos), sendo o seguinte o teor do ponto 2 desse despacho, originalmente escrito em chinês:
Do tratamento dos restantes objectos apreendidos a que se reportam as fls. 1021 a 1023 dos autos:
O inquérito dos presentes autos começou em 10 de Junho de 2008, tendo a Polícia Judiciária recebido notícia de que havia um grupo de aceitação de apostas paralelas de jogos de futebol a funcionar em Macau (cfr. a fl. 2 dos autos).
Após autorização do Juízo de Instrução Criminal, foram feitas escutas a várias linhas telefónicas (cfr. a fl. 34 dos autos) e busca a diversas fracções autónomas (cfr. a fl. 170 dos autos).
Em 28 de Junho de 2008, a Polícia Judiciária procedeu à busca domiciliária e à apreensão de objectos na fracção autónoma 18F do edifício […] (cfr. as fls. 258 a 264 dos autos).
Ao mesmo tempo, foi apreendido um conjunto de objectos no corpo dos arguidos F (cfr. a fl. 330 dos autos), C (cfr. a fl. 347 dos autos), B (cfr. as fls. 357 a 358 dos autos) e D (cfr. as fls. 370 a 371 dos autos), na fracção autónoma 9R do edifício […] (cfr. as fls. 374 a 375 dos autos), no corpo do arguido E (cfr. a fl. 390 dos autos), na fracção autónoma 11L do bloco 2 do edifício […] (cfr. as fls. 396 a 398 dos autos), no corpo do arguido A (cfr. a fl. 427 dos autos) e numa fracção autónoma do 24.º andar do bloco 2 do edifício […] (cfr. a fl. 432 dos autos).
Após analisados os objectos apreendidos e o conteúdo dos telefonemas escutados, há absolutamente razão para crer que os equipamentos de entre os objectos apreendidos referidos a fls. 1021 a 1023 foram instrumentos através dos quais os seis arguidos acima referidos A, C, D, E, B e F se dedicaram à prática do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 8/96/M, do crime de aceitação de apostas ilícitas, p. e p. pelo art.º 3.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 9/96/M, e do crime de colocação de apostas ilícitas, p. e p. pelo art.º 4.º da Lei n.º 9/96/M (e muito possivelmente utilizáveis no futuro para prática de crime), e com base nos lucros do grupo há absolutamente razão para crer que as quantias pecuniárias foram obtidas através da prática dos crimes.
Face ao exposto, de acordo com o disposto no art.º 101.º do CP, nos art.os 17.º e 18.º da Lei n.º 8/96/M, e no art.º 8.º da Lei n.º 9/96/M, declara-se perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau os objectos apreendidos referidos a fls. 1021 a 1023 (com excepção dos apreendidos referidos no ponto 1 do presente despacho), sendo os objectos valiosos enviados à Direcção dos Serviços de Finanças para tratamento, e os objectos sem valor destruídos.
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Os cinco arguidos recorrentes começaram por assacar ao despacho ora recorrido a falta de fundamentação, com violação da exigência do art.º 355.º, n.º 2, do CPP.
Improcede manifestamente esta tese dos recorrentes, porquanto a montante, não sendo uma sentença propriamente dita, ao despacho ora recorrido não se aplica o estatuído no n.º 2 desse 355.º., e a jusante, do conteúdo desse despacho (na parte do seu ponto 2) se vê que a M.ma Juíza já cumpriu, nesse despacho, o dever de fundamentação imposto no art.º 87.º, n.º 4, do CPP, tendo até indicado quais os elementos dos autos (veja-se mormente as folhas dos autos indicadas nesse despacho, e o conteúdo das escutas telefónicas autorizadas pelo Juízo de Instrução Criminal) a partir dos quais se formou a sua convicção de que “há absolutamente razão para crer que …”.
Outrossim, também evidentemente há que cair por terra a tese subsidiariamente defendida pelos recorrentes segundo a qual “a declaração da perda, sem que para tal houvesse uma condenação penal proferida por tribunal competente e transitada em julgado, seria uma decisão de confisco de bens”.
É que é a própria lei penal (i.e., o art.º 101.º, n.º 2, do CP) que permite a declaração da perda dos objectos apreendidos nos autos mesmo que não haja uma condenação penal dos arguidos por prática de crime, ficando, portanto, logicamente prejudicada a tese de alegada violação, pela decisão judicial ora recorrida, do princípio da protecção da propriedade privada, do princípio da presunção da inocência do arguido, e do princípio da culpa citados na motivação una dos recursos sub judice.
Por fim, não deixa de ser também claramente infundada a tese dos recorrentes de que o despacho recorrido derespeitou o n.º 1 do art.º 101.º do CP.
Na verdade, a M.ma Juíza já explicitou, no ponto 2 do seu despacho, que após analisados os objectos apreendidos e o conteúdo dos telefonemas escutados, há absolutamente razão para crer que os equipamentos de entre os objectos apreendidos referidos a fls. 1021 a 1023 foram instrumentos através dos quais os seis arguidos se dedicaram à prática do crime de exploração ilícita de jogo, do crime de aceitação de apostas ilícitas, e do crime de colocação de apostas ilícitas, equipamentos esses muito possivelmente utilizáveis no futuro para prática de crime, e com base nos lucros do grupo há absolutamente razão para crer que as quantias pecuniárias foram obtidas através da prática dos crimes.
Não sendo patentemente desrazoável esta convicção da M.ma Juíza (por não ser violadora de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda de quaisquer legis artis vigentes no campo da apreciação da prova), é de respeitá-la na íntegra, pelo que no caso dos autos, é de louvar mesmo a decisão pela M.ma Juíza, tomada em cumprimento cabal inclusivamente do art.º 101.º, n.º 1, do CP, dado que ela já formou a sensata convicção, mediante a análise dos elementos dos autos e do conteúdo dos telefonemas escutados, todos referenciados no ponto 2 do seu despacho ora em causa, de que:
– os equipamentos apreendidos à ordem dos autos foram instrumentos dos crimes referidos no despacho, e muito possivelmente utilizáveis na prática de crime no futuro;
– as quantias pecuniárias apreendidas foram produtos dos crimes referidos no despacho.
Devem, pois, ser declarados perdidos tais equipamentos sobretudo à luz do art.º 101.º, n.º 1, do CP, e perdidas também as quantias pecuniárias nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da Lei 8/96/M, e do art.º 8.º da Lei n.º 9/96/M.
É, pois, de rejeitar os recursos sob a égide dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação, por desnecessária, sobre todo o remanescente alegado pelos recorrentes na sua motivação una.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar os recursos dos arguidos A, B, C, D e E.
Custas dos recursos pelos respectivos cinco recorrentes, com quatro UC de taxa de justiça individual. Pagará cada um deles também três UC de sanção pecuniária pela rejeição do respectivo recurso.
Macau, 25 de Junho de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
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