Processo nº 268/2015
(Recurso cível)
Data: 5/Nov./2015
Assuntos:
- Marcas e registo de desenho e modelo
- Confusão entre elementos dominantes do desenho e elementos de marca registada
- Risco de confusão
SUMÁRIO :
O titular de uma marca X registada na RAEM tem o direito a fazer incluir elementos que integram a sua marca num desenho submetido a registo, ainda que daí possa resultar alguma possibilidade de confusão com uma outra marca Y, pertencente a outro interessado, risco este que derivará então da permissão ou tolerância da marca X, porventura concorrente com Y, e que se permitiu por inércia ou tolerância tivesse sido registada.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 268/2015
(Recurso Civil)
Data : 5/Novembro/2015
Recorrentes : - A LimitadaA有限公司
Recorridas : - Direcção dos Serviços de Economia 經濟局
- B Limited B有限公司
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. Vem o presente recurso interposto por A LIMITADA, da sentença proferida no TJB, em que Mmo Juiz a quo julgou improcedente o recurso judicial apresentado pela recorrente do despacho proferido, em 08/07/2013 e publicado no B.O n.º 32 em 07/08/2013, pela Direcção dos Serviços de Economia.
Para tanto, alega em síntese conclusiva:
A. A Recorrente,A有限公司, foi constituída em 23 de Outubro de 1992, tendo corno objecto social a fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos, pães e o comércio geral de importação e exportação.
B. Ao contrário da parte contrária que nunca desenvolveu qualquer actividade comercial ou industrial em Macau, a Recorrente é urna empresa de Macau.
C. A origem e reputação da Recorrente é fruto de urna história de sucesso com mais de 39 anos, em Macau.
D. A Recorrente promove activamente a divulgação da sua marca através de anúncios em revistas e jornais em Macau; sendo um nome reconhecido em Macau pelo design das suas pastelarias e a qualidade dos seus produtos.
E. Esta marca da Recorrente é, assim, usada para designar os serviços directamente prestados pela Recorrente sob esta marca, em Macau há mais de 39 anos.
F. Em virtude do seu uso permanente e extensivo por parte da Recorrente a sua marca "XX" é conhecida em Macau, exclusivamente ligada aos serviços da Recorrente, o que faz com que o público em geral e os consumidores, associem directa e automaticamente esta marca aos seus serviços e a mais nenhuma outra sociedade.
G. O sucesso e reputação do nome "XX", advém, acima de tudo, da qualidade reconhecida dos produtos e serviços da Recorrente.
H. Assim, o nome e a Marca "XX" é reconhecida pela generalidade da comunidade em Macau, como designando as actividades da Recorrente.
I. Pois, a marca da Recorrente só por esta foi usada no Território de Macau e só aqui é reconhecida por ser usada pela Recorrente.
J. Todos estes factos foram, pura e simplesmente, ignorados pelo Meritíssimo Juiz a quo.
K. Assim, para o Meritíssimo Juiz a quo quer a Recorrente, quer a requerente do registo em apreço, têm XX e "XX" como a sua denominação social, pelo que uma e outra podem tudo.
L. Não interessa que de um lado esteja uma firma, de Macau, que está no mercado há mais de 39 anos e no outro uma sociedade estrangeira que nunca desenvolveu qualquer actividade comercial, em Macau, sob aquela marca.
M. Ao contrário do Meritíssimo Juiz a quo, não temos dúvidas que quem usa um desenho e uma embalagem que diz "o melhor produto da XX", só pode querer criar confusão nos consumidores
N. Quando a requerente inclui no seu desenho os caracteres "XX" fá-lo, de forma intencional para criar confusão nos consumidores.
O. Tanto é assim que o próprio Meritíssimo Juiz a quo se confundiu: "é a mesma, em abstracto, a possibilidade de os consumidores se convencerem que se trata da requerente do registo e dos seus produtos."
P. Atenta a tradução das expressões em Chinês: "手信" como " Recordação" , “XX佳品之” como "O melhor produto da XX" e "大手信" como “A melhor recordação” .
Q. Há, aqui, uma clara tentativa de aproveitamento da notoriedade e reputação do nome e Marca em Macau da Recorrente pela requerente.
R. A própria embalagem, onde se insere o desenho, destina-se a comercializar os mesmos produtos, já protegidos pelas marcas da Recorrente, nomeadamente na classe 30.ª, nomeadamente, café e amêndoa ( "咖啡", "杏仁條") e sempre com a referência produtos "XX".
S. Quando o Meritíssimo Juiz a quo escreve que: "o desenho registando é susceptivel de causar confusão com a recorrente e os seus produtos levando alguns consumidores a pensar que se trata de produtos da recorrente aqueles que a referida caixa embala."
T. Não tem outra saída que aplicar o Art. 219.º do RJPI que impõe a recusa do registo.
U. Ao admitir que há confusão não pode julgar de depois que tudo é normal, pelo que andou mal o Meritíssimo Juiz a quo.
V. Por outro lado, a ora Recorrente dedicou considerável esforço e meios económicos em desenvolver e criar a usa própria imagem de marca e a sua própria clientela, e em associá-lo ao seu próprio nome e às suas actividades comerciais e filantrópicas, em Macau.
W. Pelo que é flagrante a existência de concorrência desleal por parte da requerente que nunca desenvolveu qualquer actividade promocional das suas marcas em Macau e que pretende agora tirar vantagem do sucesso da Marca "A" em Macau para aproveitar a reputação empresarial da Recorrente em benefício próprio.
X. A este propósito veja-se o artigo 165º do C. Comercial: "Considera-se desleal o aproveitamento indevido em beneficio próprio ou alheio da reputação empresarial de outrem".
Y. Ora, resulta da factualidade supra alegada que os consumidores em Macau associam o nome e as Marcas exclusivamente à Recorrente.
Z. Tendo em conta a usurpação que a requerente faz do nome e marcas da Recorrente temos que concluir que toda a conduta daquela é certamente, atentatória dos bons costumes, pelo respeito devido ao bom nome e reputação alheios, no caso da Recorrente.
Nestes termos,
Com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se seja considerado procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência, seja revogado o despacho da DSE de 08/07/2013 e substituído por outro que recuse o pedido de registo de desenho e modelo, que tomou o n.º D/000909.
2. XX Caterers Limited, em chinês “B有限公司”, Recorrida nos autos à margem referenciados, vem, na sequência das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, ao abrigo do artigo 613° n.º 2 do Código de Processo Civil ("doravante CPC"), apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, o que faz, em síntese, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Fundada na década de 1950, a Recorrida possui hoje em dia muitos estabelecimentos de restauração, como padarias, pastelarias, pontos de venda de comida rápida ao público e restaurantes de variados tipos de cozinha como chinesa, vietnamita, japonesa e outras provenientes do sudeste asiático.
2. A Recorrida conta com vários restaurantes de cozinha chinesa, a saber: "XX Palace", "XX Chinese Restaurant", "XX", "XX", "XX Chinese Restaurant", "XX", "XX Place", "XX", "XX Garden", "XX", "House of XX", "XX".
3. A Recorrida tornou-se também na maior empresa de catering de Hong Kong, prestando este tipo de serviços diariamente em empresas comerciais, escolas e hospitais.
4. Além de se encontrar ligada comercialmente à empresa C Coffee International, com quem explora coffee shops em cidades como Macau, Hong Kong e Cantão, a Recorrida possui igualmente relações comerciais com outras marcas franquiadas: "XX Sushi", "XX" e "XX Bakery".
5. A Recorrida é também muito conhecida pela sua larga rede de pastelarias, sendo famosa pelo fabrico de bolos e doces em épocas festivas, como os bolos lunares, os pudins e os bolos de Casamento, tendo sido, inclusivamente, alguns deles galardoados com prémios e certificados de excelência.
6. Hoje em dia, a Recorrida é titular de cerca de 70 marcas, explorando mais de 590 estabelecimentos comerciais, emprega cerca de 12.800 pessoas que atendem para lá de 540.000 pessoas por dia.
7. Em Macau, a Recorrida é titular do registo das marcas XX e XX nas classes 16,30, 35 e 43, assim como da sua denominação comercial em Hong Kong.
8. A Recorrida tem a sua firma registada em Hong Kong, com a seguinte versão em língua chinesa: "B有限公司".
9. Dessa denominação social constam os caracteres "XX" os quais estão incluídos no desenho objecto do presente recurso;
10. A Recorrida é titular de registos para o desenho em Hong Kong e na China, ambos concedidos em 2012;
11. O desenho objecto de discórdia utiliza a mesma expressão que consta da denominação social da Recorrida - registada muito antes da denominação social da Recorrente;
12. É unânime e de conhecimento do público em geral que a Recorrida utiliza na sua actividade os caracteres “XX”.
13. A Recorrida concorda com o entendimento do Tribunal a quo, mas clarifica que, caso houvesse dúvidas que os dizeres da caixa apresentada a registo não têm relevância para o caso (como aliás a Recorrente faz crer), o uso dos caracteres “XX”é legítimo, pois utiliza-os há muito tempo na sua actividade comercial, estando registados como marca e faz parte da sua denominação comercial registada em Hong Kong, pelo que não necessita de autorização da Recorrente para proceder ao registo do desenho em causa.
14. É, portanto, indubitável que a Recorrida não reproduz marca alheia, limitando-se a fazer uso das marcas de que é titular em Macau, ou não é essa utilização faculdade conferida pelo sistema registai de marcas. Aliás, tal uso, sendo facultativo, é no entanto, condição de manutenção do registo de marca, nos termos dos arts. 223º e 231º n.º 1 b) do RJPI.
15. Recusar o registo do desenho com base no art. 219º n.º 1 RJPI não tem cabimento, pois também não é menos verdade que a Recorrida é titular em Macau do registo de marcas que correspondem a “XX”, dispensando-a da obrigação de obter qualquer autorização da Recorrente.
16. A Recorrida sabe que o registo de marcas, firmas e desenho correspondem, todos, a institutos de protecção registai distintos e com funções diversas.
17. Não assiste razão à Recorrente ao invocar a violação da alínea a) e b) do art. 173º do RJPI, desde logo pelo facto de os dizeres constantes da caixa de embalagem corresponderem as expressões que constam dos registos de marcas de que a Recorrida já é titular, bem como da sua denominação comercial.
18. O art. 152º n.º 1 do RJPI estipula que são registáveis a) os desenhos que sejam novos e que b) tenham carácter singular e que não se verifiquem os fundamentos de recusa previstos no art. 173.º do RJPI.
19. De acordo como art. 153º n.º 1 do RJPI para que um desenho ou modelo seja registado e necessário que esta preenchido o requisito da novidade, i. é., que antes do respectivo pedido de registo ou da prioridade reivindicada de um desenho ou modelo, não exista nenhum desenho ou modelo idêntico divulgado dentro ou fora do Território, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, se consideram idênticos os desenhos ou modelos que apenas difiram em pormenores sem importância.
20. Para que um desenho ou modelo seja singular é necessário que a impressão global que suscita ao utilizador informado divirja da impressão global causada a esse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado antes da data do pedido de registo ou da prioridade reivindicada. Sendo que, "na apreciação do carácter singular é tomado em consideração o grau de liberdade, de que o criador dispôs para a realização do desenho ou modelo" (Cfr. art. 154º, n.º 1 e 2 do RJPI).
21. Ora, os caracteres “XX” não assumem especial relevância no desenho apresentado a registo, pois o que está em causa é a aparência do produto da Recorrida e estes caracteres são um dos elementos contidos no desenho caixa, composto por vários elementos que contribuem para que lhe seja reconhecida originalidade e capacidade distintiva;
22. A análise do desenho registando não se deve confinar a atenção nos caracteres “XX”, mas sim analisar o desenho como um todo, sem perder de vista que o que está em causa é a forma do produto, como suporte da sua comercialização, e não os dizeres nele inscritos.
23. A Recorrida tem uma implantação no mercado que lhe granjeiam um capital de reconhecimento tal que é forçoso incluir as suas marcas no grupo das marcas notórias.
24. É óbvio que a Recorrida não age de má-fé ao requerer o registo para o desenho em causa, pois, além de já utilizar o desenho, e de o ter registado primeiramente noutras jurisdições, é igualmente titular de marcas que correspondem aos escritos dele constantes, não existindo nenhum aproveitamento ilegítimo da fama e reputação da Recorrente.
25. Não ficou provado risco de confusão entre o desenho apresentado e registo e a Recorrente.
26. O Meritíssimo Juiz a quo ainda que aluda à existência de confusão, reconhece reputação à Recorrida em Macau e conclui (bem), que lia utilização da caixa desenhada não contende com as normas e os usos honestos da actividade económica, nada ser vendo que imponha à requerente do registo que se abstenha de utilizar a parte característica da sua denominação social no exercício da concorrência", não se subsumindo tal acto à cláusula geral do art. 158 º do Código Comercial.
27. Na ponderação da existência ou não de concorrência desleal, o Tribunal não pode menosprezar uma série de factos relevantes que fazem parte da factualidade assente da Sentença recorrida e que foram bem explorados pelo Tribunal a quo em favor da Recorrida.
28. De facto, não é razoável admitir a prática de quaisquer actos de concorrência desleal pela Recorrida, pois os dois caracteres são usados na sua actividade comercial há mais de 50 anos.
29. A Recorrida é conhecida em Macau há muitos anos, facto que explica que não necessita de se "colar" à Recorrente para ter reputação e prestígio.
30. O Meritíssimo Juiz a quo não comete qualquer erro quando reconhece que a denominação social da Recorrida registada em Hong Kong com os caracteres “XX” lhe confere legitimidade para usar esses caracteres em Macau.
31. Por mais argumentos que se criem para justificar a pretensão da Recorrente, a Recorrida não se pode conformar que este configure um acto desleal sob o ponto de vista das regras que regulam as práticas comerciais leais.
32. É neste contexto que deve ser analisado o pedido da Recorrente, observando-se uma clara tentativa de obstaculizar o exercício da actividade comercial normal da Recorrida em Macau, simulando o aproveitamento indevido da sua reputação;
33. De acordo com o disposto no artigo 158.º do Código Comercial, "constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica".
34. "Considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito das concorrentes" (artigo 159º n.º 1 do mesmo diploma legal).
35. Não existe, como se viu nos factos acima descritos, intenção por parte da Recorrida de fazer concorrência desleal, tampouco a possibilidade de a mesma acontecer.
36. A Recorrida e conhecida par deter uma das maiores cadeias de restaurantes e pastelarias de Hong Kong, sendo também conhecida dos residentes de Macau.
37. O desenho em causa está registado a favor da Recorrida em Hong Kong e na China desde 2012, sendo largamente utilizado na sua actividade comercial, tendo-se tornado conhecido do público em geral.
38. O desenho em apreço refere-se ao uso de uma determinada embalagem, a qual pode ser utilizada para todo o tipo de produtos que não sejam só bolinhos ou os mesmos produtos que a Recorrida, pelo que não se existe concorrência desleal nem sequer a possibilidade de a mesma se verificar.
39. A Recorrida não age de má-fé ao requerer o registo para o desenho em causa, pois além de já utilizar o desenho e ter registado em primeiro lugar noutras jurisdições, e também titular das marcas notórias que correspondem aos escritos constantes do desenho e modelo, não existindo nenhum aproveitamento ilegítimo da fama e reputação da Recorrente;
40. A Recorrida não viola as alíneas a) e b) do art. 173º do RJPI, pois os dizeres constantes da caixa de embalagem corresponderem as expressões que constam das suas marcas registadas em Macau e na sua denominação social.
41. A Recorrida não usurpa o nome, marca alheia ou reputação da Recorrente e não são excedidos, claramente, os limites impostos pelas normas e usos honestos da actividade económica.
42. Admitir que a Recorrida age contra as normas e usos honestos da actividade económica, seria negar a evidência de que é famosa quer em Hong Kong, quer em Macau.
43. O desenho registando é novo e singular, e os dizeres que o compõem estão em conformidade com as regras da concorrência e normas e usos honestos, pelo que cumpre, sem margem para dúvidas, com as exigências legais para que seja registado também em Macau.
44. Como se demonstrou ex abundanti, a DSE e o Tribunal a quo fizeram uma correcta interpretação e aplicação dos arts. 173 º e ss do RJPI, não se verificando os fundamentos de recusa invocados, designadamente os previstos no art. 9 º n.º 1 c) do RJPI e arts. 158º, 159º, 165º do Código Comercial e, nem se verifica a necessidade da Recorrida obter autorização da Recorrente nos termos do art. 219º do RJPI.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, e, em consequência ser mantido o despacho da DSE que concedeu o registo do desenho que tomou o número D/000909 à Recorrida.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
a) - Em 25/04/2012, B Limited requereu o registo de desenho e modelo, reportado à classe 09 e à subclasse 03 da classificação de Locarno, a que deu o título de caixa para embalagem e a que, na parte aqui relevante, deu a seguinte aparência;
b) - O pedido recebeu o número D/000909 e o registo foi concedido por despacho da Srª Chefe do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia de 08/07/2013;
c) - A recorrente está registada no registo comercial sob o número 7185 SO com a seguinte firma em chinês A有限公司;
d) - Desde 2010/01/08 e com validade até 2020/01/08, a recorrente é titular do registo de nome e insígnia de estabelecimento com o número E/000131 e relativo ao seguinte sinal:;
e) - Desde 2000/09/29 e com validade até 2014/09/29, a recorrente é titular do registo de marca com o número N/005273 e relativo ao seguinte sinal:;
f) - Desde 2003/03/05 e com validade até 2017/03/05, a recorrente é titular do registo de marca com o número N/010646 e relativo ao seguinte sinal:;
g) - Em data anterior a 25/04/2012 (data em que B Limited requereu o registo de desenho e modelo nº D/000909), a recorrente requereu o registo como marca do sinal XX, tendo os respectivos pedidos recebido os números N/56078 e N/63141.
h) - A recorrente tem por objecto social, entre outras actividades, a fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos e pães.
i) - A recorrente e a requerente do registo impugnado não têm qualquer relação comercial.
j) - A recorrida B Limited tem registados em Macau, como marca, paras as classes de produtos e serviços 16ª, 29ª, 30ª e 35ª, os sinais “XX” e “XX”, desde Abril de 2009.
k) – A recorrida tem registado na China continental e em Hong Kong desenho e modelo igual ao que foi registado pela decisão impugnada pelo presente recurso.
l) – A recorrida tem a sua firma registada em Hong Kong também na língua chinesa, constando do seguinte: B有限公司.
III – FUNDAMENTOS
1. Questões a conhecer:
- Factos não levados em linha de conta na sentença recorrida;
- Risco de confusão e sã concorrência
2. Começa a recorrente por alegar que houve uma série de factos que deviam ter sido levados em linha de conta e foram completamente ignorados, prendendo-se numa extensa alegação de mais de 40 artigos a referir essa factualidade.
Vejamos o que diz:
“ 1.º
Julgou, o Meritíssimo Juiz a quo improcedente o recurso judicial apresentado pela recorrente do despacho proferido, em 08/07/2013 e publicado no B.O n.º 32 em 07/08/2013, pela Direcção dos Serviços de Economia.
2.º
Salvo o devido respeito, andou mal o Meritíssimo Juiz a quo.
3.º
A, ora Recorrente, obteve e detém o direito exclusivo à utilização da firma: "A有限公司", em Português "A, LIMITADA", em Inglês "XX CAKE SHOP LIMITED" em Macau.
4.º
A Recorrente é também, titular do registo de Nome ou Insígnia de estabelecimento n.º E/000131, “” com validade até 08/01/2020.
5.º
A Recorrente é titular, em Macau, das marcas:
- N/04609 " " para a classe 30 (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria.) com registo válido até 25/09/2014;
- N/005273 " " para a classe 30, (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitos) com registo válido até 29/09/2014;
- N/010646 “” para a classe 30, com registo válido até 05/03/2017;
- N/055239 "XX" para a classe 30, com registo em vigor até 24/06/2013;
- N/063140 "XX" para a classe 43, com registo em vigor até 27/02/2020;
6.º
A Recorrente requereu, também, em 27/04/2011, à Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo de Marca “XX” para a classe 30, a que foi dado o n.º N/56078,
7.º
Em 13/12/2012, o pedido de registo de Marca “XX para a classe 43, a que foi dado o n.º N/63141,
8.º
Em 30/10/2012, o pedido de registo de Marca “XX”para a classe 29, a que foi dado o n.º N/70492,
9.º
Em 30/10/2012 o pedido de registo de Marca “XX”para a classe 32, a que foi dado o n.º N/70493,
10.º
Em 30/10/2012 o pedido de registo de Marca "XX" para a classe 29, a que foi dado o n.º N/70490, e
11.º
Em 30/10/2012, o pedido de registo de Marca "XX" para a classe 32, a que foi dado o n.º N/670491.
12.º
Ora, as marcas da Recorrente são constituídas pelo elemento dominante da denominação social e firma da aqui Recorrente “XX”.
13.º
Ao analisarmos o desenho concedido encontramos os mesmos caracteres que dominam as marcas da Recorrente:
14.º
Assim a seguir aos caracteres “手信” aparecem “XX佳品之” e depois "大手信".
15.º
A Recorrente,A有限公司, foi constituída em 23 de Outubro de 1992, tendo como objecto social a fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos, pães e o comércio geral de importação e exportação.
16.º
Ao contrário da parte contrária que nunca desenvolveu qualquer actividade comercial ou industrial em Macau, a Recorrente é uma empresa de Macau.
17.º
A origem e reputação da Recorrente é fruto de uma história de sucesso com mais de 39 anos, em Macau.
18.º
O sócio D da Recorrente abriu a sua primeira Pastelaria sob o nome de XXou XX na Rua XXX em Macau, em Julho de 1974.
19.º
Abriu, outra Pastelaria, sob o mesmo nome, na Rua de S. Domingos n.º 31, em 1977.
20.º
Abriu, ainda outra Pastelaria, em 1982, na Rua da Barca n.º 14-A sob o nome de XXou XX,
21.º
Abriu, uma outra Pastelaria sob o nome de Padaria e Pastelaria XX ou XX, na Rua XXX, em 1987.
22.º
Abriu, ainda, em 1987 a Padaria e Pastelaria XXou XX na Rua XXX.
23.º
Tendo pago a partir dessas datas as respectivas contribuições Industriais.
24.º
Nestes anos de intensa actividade a Recorrente foi abrindo diversas empresas comerciais em Macau sob o nome "A", em chinês, A, em Português e XX Cake Shop, em Inglês.
25.º
Abriu, sob a forma de sociedade comercial uma pastelaria, em 09/01/1993, em 澳門XXX;
26.º
Em 09/01/1993 na Av. XXX, em Macau,
27.º
Em 09/01/1993, na Rua XXX, em Macau;
28.º
Em 09-01/1993, na Rua XXX, em Macau;
29.º
Em, 09/01/1993 na Rua XXX, em Macau
30.º
Em, 09/01/1993, na Estrada XXX, em Macau;
31.º
Em 09/01/1993, em 澳門XXX,
32.º
Em 09/01/1993, na Rua XXX em Macau;
33.º
Em 15/08/2006, em 澳門氹仔XXX ;
34.º
Em 22/01/2009, em 澳門氹仔XXX.
35.º
Seguindo esta estratégia de expansão, a Recorrente abriu, ainda, pastelarias e restaurantes no sul da R.P. da China.
36.º
Todos os estabelecimentos existentes estão em conformidade com a natureza do respectivo modelo, sujeito ao controlo de qualidade, requisitos de imagem e serviço pensado e desenvolvido pela Recorrente de onde emana a sua reputação e bom nome e com vista a preservar essa mesma reputação e bom nome.
37.º
A Recorrente promove activamente a divulgação da sua marca através de anúncios em revistas e jornais em Macau, sendo um nome reconhecido em Macau pelo design das suas pastelarias e a qualidade dos seus produtos.
38.º
Esta marca da Recorrente é, assim, usada para designar os serviços directamente prestados pela Recorrente sob esta marca, em Macau há mais de 39 anos.
39.º
Em virtude do seu uso permanente e extensivo por parte da Recorrente a sua marca “XX” é conhecida em Macau, exclusivamente ligada aos serviços da Recorrente, o que faz com que o público em geral e os consumidores, associem directa e automaticamente esta marca aos seus serviços e a mais nenhuma outra sociedade.
40.º
O sucesso e reputação do nome “XX”, advém, acima de tudo, da qualidade reconhecida dos produtos e serviços da Recorrente.
41.º
Assim, o nome e a Marca “XX”é reconhecida pela generalidade da comunidade em Macau, como designando as actividades da Recorrente.
42.º
Pois, a marca da Recorrente só por esta foi usada no Território de Macau e só aqui é reconhecida por ser usada pela Recorrente.
43.º
Ora todos estes factos foram, pura e simplesmente ignorados pelo Meritíssimo Juiz a quo. “
O certo é que esses factos não foram dados como provados e, ainda que verdadeiros, a recorrente não faz indicação clara, precisa e concreta das bases probatórias que justificariam que essa factualidade fosse tida por assente.
Estando em causa uma discordância do julgamento de facto devia atender-se ao que dispõe o art. 599º do CPC.
Temos, pois, por irrelevante essa alegação.
3. Daí que não possamos acompanhar o argumento da recorrente expendido no sentido de pretender retirar de uma particular implantação no mercado local, de uma penetração no sector, de um conhecimento por parte do público consumidor de Macau, de uma particular reputação dos seus produtos e de todo um trabalho de divulgação e promoção da sua mercadoria uma posição dominante em relação à pretensa concorrente de Hon g Kong, ora recorrida.
Não se mostra, pois incorrecta a conclusão extraída pelo Mmo Juiz, enquanto disse que “atento o facto de a firma da requerente do registo também ter, como sua parte característica, os caracteres “XX” merecendo igual protecção na RAEM.”, se essa utilização não chocar com princípios decorrentes do Direito da Propriedade Industrial.
Não é verdade, para o Meritíssimo Juiz a quo, que, por tanto a recorrente, como a requerente do registo em apreço, terem XX e “XX” como a sua denominação social, uma e outra possam tudo.
4. Mas já poderia ter razão a recorrente quando se afigura, contrariamente ao afirmado na douta sentença, que poderá haver alguma confusão.
Na verdade, não se explica como é que os consumidores de Macau podem diferenciar os produtos XX de Macau com os de Hong Kong e não já pela razão avançada pela recorrente de que os consumidores de Macau só podem associar o nome e Marca “XX” aos produtos de Pastelaria da Requerente pois, nunca foram comercializados outros sob a mesma Marca.
Aceita-se que possa haver alguma confusão por um desenho e uma embalagem que diz "o melhor produto da XX".
Apetece perguntar, na verdade, "QUAL XX?"
Se há uma clara tentativa de aproveitamento da notoriedade e reputação do nome e Marca em Macau da recorrente pela requerente do registo não o sabemos.
É claro que o risco de confusão sai reforçado quando no desenho, objecto de registo, aparecem uns “bolinhos” aproximando a natureza dos produtos oferecidos por ambas as interessadas, na medida em que a sua principal actividade parece ser exactamente a actividade de pastelaria. Na verdade, os produtos que a requerente pretende comercializar são os mesmos já protegidos pelas marcas da recorrente e na mesma classe 30.ª , onde se incluem aqueles caracteres dominantes quanto à indicação da “casa” produtora.
Temos presente que “para que se possa falar em erro ou risco de confusão é indispensável que o cidadão comum, medianamente ponderado, atento e cauteloso, perante o conjunto dos elementos que constituem a marca, possa ser conduzido, pelas semelhanças encontradas, a confundi-las, por as considerar tão parecidas que as não possa distinguir senão por exame atento ou confronto.”1
5. Aliás, esta constatação que vimos fazendo, fá-la o próprio Juiz ao dizer, em sede de concorrência desleal:
“O desenho sub judice, através dos caracteres “XX”, contém uma frase publicitária2 - que pode ser traduzida por “o melhor produto da XX”.
Quer a recorrente, quer a requerente do registo em apreço têm “XX” e “XX” como sua denominação social.
Não parece merecer dúvidas que a utilização, na sua normal função, da caixa cuja aparência o desenho registando reproduz é susceptível de causar confusão com a recorrente e os seus produtos levando alguns consumidores a pensar que se trata de produtos da recorrente aqueles que a referida caixa embala. E também não parece merecer dúvidas que possa haver consumidores que escolham tais produtos devido à reputação da recorrente. Por outro lado, é a mesma, em abstracto, a possibilidade de os consumidores se convencerem que se trata da requerente do registo e dos seus produtos.”
6. Não obstante, o Mmo juiz considerou que a marca previamente registada da requerente nunca pode conceder qualquer direito ou vantagem relativamente ao registo de desenho e modelo. Apenas pode conceder desvantagens, retirando a novidade ao desenho “
Assim será, em princípio.
Mas importa atentar no art. 9.º do RJPI: “1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial:
….
b) A violação de regras de ordem pública ou os bons costumes;
c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção;”. - sublinhado nosso.
Mais, segundo o art. 173.º do RJPI: "a) O registo de desenho ou modelo é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) No desenho ou modelo for utilizado um sinal distintivo cujas disposições legais aplicáveis conferem o direito a proibir essa utilização;" ." - sublinhado nosso .
Por outro lado, o art. 219.º do RJPI: "1. O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, a utilização, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.
2. O registo da marca abrange a utilização da mesma em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos relativos à actividade da empresarial do titular."
7. Não acompanhando a alegação de que a requerente do registo tenha agido de má-fé, ao requerer o registo do desenho D/000909, ainda que porventura soubesse que a recorrente e as suas marcas eram reconhecidas pelo público em Macau, com nomes e marcas registadas e onde o nome "XX" e as marcas da recorrente pudessem gozar de reconhecida notoriedade e prestigio há mais de 39 anos – quoad est demonstrandum -, é verdade que também ela pode alegar a sua notoriedade e reputação em Hong Kong, mas isso não impede que tenha de respeitar as regras de uma são concorrência e as marcas aqui registadas de forma a confundir o público consumidor.
Tudo estaria bem, se estivéssemos perante o registo de uma marca, havendo que sobrelevar, nesse caso, o critério do registo prioritário, isto é, primeiramente registado, de forma a prevenir sobre um eventual engano do público consumidor de Macau, sobre a proveniência dos tais “bolinhos”. Os de Macu ou os de Hong Kong?
8. Mas importa ter presente duas circunstâncias: que não deixarão de ter a sua relevância para a dilucidação da presente questão:
- a primeira é a de que a o que está em causa é um desenho no qual entram dois caracteres correspondentes à marca dos produtos que ali se pretendem empacotar;
- a segunda é a de que os caracteres potencialmente confusionistas já entram em marcas que a requerente, a empresa de Hong Kong, aqui recorrida já aqui fez registar.
No fundo, por um lado, há um valor que pesa: o risco de confusão. Por outro, como se pode impedir que uma empresa não utilize a sua marca ou elementos da sua marca registada em Macau? Dar-se-ia com uma mão o que se retiraria com a outra.
De nada lhe valeria, então, a sua marca, se a não pudesse usar.
9. A forma como o Mmo Juiz desvaloriza a confundibilidade dos produtos, equiparando a recorrente e a recorrida
“E também não parece merecer dúvidas que possa haver consumidores que escolham tais produtos devido à reputação da recorrente. Por outro lado, é a mesma, em abstracto, a possibilidade de os consumidores se convencerem que se trata da requerente do registo e dos seus produtos.”
para concluir ainda
“Seja a norma da referida cláusula geral perspectivada pela consciência ética do empresário médio, que não há-de querer prevalecer-se da reputação alheia, mas também não há-de querer desperdiçar a sua própria reputação que granjeou na sua actividade; seja aquela norma perspectivada pelo princípio da prestação reportada à a qualidade estética da embalagem que a requerente do registo criou, a conclusão será a mesma: a utilização da caixa desenhada com inclusão do sinal “XX” não contende com as normas e os usos honestos da actividade económica, nada ser vendo que imponha à requerente do registo que se abstenha de utilizar a parte característica da sua denominação social no exercício da concorrência.”,
se não pode ser rebatida a partir de factos que não vêm provados, só o poderia ser por integração na previsão do artigo 219º do RJPI, que permite ao titular de marca registada impedir a utilização de elementos da sua marca por outrem, na actividade económica que aqui pretende desenvolver, potenciando um risco de confusão ou por via do disposto nas al. a), b) e c) do art. 173º do mesmo diploma legal.
10. O problema é que se por um lado a recorrente brande com a sua marca registada, também a requerente do registo, aqui recorrida, o pode fazer, já que, como comprovado está, detém em Macau o registo de marcas compostas igualmente por aqueles caracteres.
Se esses registos deviam ou não ter sido concedidos, essa é outra questão.
Se o registo viola a marca da recorrente, também não é menos certo que a marca da recorrida aqui registada não impedirá o uso dessa marca ou dos seus elementos na sua actividade.
Poder-se-ia ainda argumentar que eventual prioridade do registo da recorrente justificaria a oposição à pretensão da requerente, ora recorrida, não apenas ao nível da marca, mas de uma decorrência desse registo, como decorre do art. 173º para os desenhos. Mas o que não se compreenderia, nesse caso, seria a inércia da recorrente em relação à marca registada da recorrida e a sua iniciativa em relação a uma emanação daquela. Situação, aliás que não deixa de estar prevista como a preclusão por tolerância , como resulta do art. 221º, n.º 1 do RJPI.
11. Esta posição que ora se adopta, vem na sequência da jurisprudência desta instância, num caso muito próximo ao da situação presente: trata-se do Proc. n.º 648/2015, de 22/10/2015 .
Por esta razão somos a julgar improcedente o recurso, e, em consequência, a manter a decisão proferida, confirmando o registo concedido à requerente.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no sentido da manutenção do despacho da DSE de concessão do registo de desenho e modelo que tomou o n.º D/000909.
Custas pela recorrente.
Macau, 5 de Novembro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. STJ, de 6/4/2006, º Revista n.º 4265/05 - 7.ª Secção, stj.pt
2 - Não cabe aqui sindicar se respeita a lei da publicidade - Lei nº 7/89/M, e 4 de Setembro.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
268/2015 33/33