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Processo nº 512/2015 Data: 18.06.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “reentrada ilegal”.
Medida da pena.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.

3. Perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 512/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:






Relatório

1. Em 28.04.2015 e no T.J.B., respondeu, em processo sumário, A, arguida com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenada como autora material da prática de 1 crime de “reentrada”, p. e p. pelo art. 21°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão; (cfr., fls. 84 a 86-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu para, em síntese, dizer apenas que “excessiva” era a pena e que lhe devia ser suspensa na sua execução; (cfr., fls. 109 a 110-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 116 a 118-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando, porém, pela parcial procedência do recurso, admitindo a suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 143 a 143-v).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 85 a 86 e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Inconformada com a sentença que a condenou nos termos atrás explicitados, vem a arguida recorrer, afirmando que “excessiva” é a pena, pedindo também a suspensão da sua execução.

Sendo apenas estas as questões colocadas – e outras, de conhecimento oficioso não havendo – vejamos, adiantando-se desde já que, em nossa opinião, nenhuma censura merece a sentença recorrida.

–– Da “pena”.

Pois bem, nos termos do art. 21° da Lei n.° 6/2004:

“Quem violar a proibição de reentrada prevista no artigo 12.º é punido com pena de prisão até um ano”.

Ponderando na prevista moldura penal, – pena de prisão até 1 ano – e certo sendo que não é a arguida “primária”, pois que em 13.10.2014 foi condenada pelo mesmo crime, – cfr., C.R.C. a fls. 82 e a matéria de facto dada como provada – evidente se mostra que excessiva não é a pena fixada de 4 meses de prisão decretada para o crime cometido, e que, mesmo assim corresponde a menos de um terço do seu limite máximo, situando-se a 3 meses do seu limite mínimo.

Com efeito, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 14.11.2013, Proc. n° 549/2013).

E, assim, face ao exposto, e atento também o tipo de crime em questão, fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, (por se tratar, nomeadamente, de um crime em relação ao qual, não obstante o permanente esforço e empenho das autoridades locais no seu combate, continua a ocorrer em grande quantidade, não deixando de causar instabilidade social), patente é a improcedência do recurso na parte em questão.

Aliás, e como recentemente também decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II – Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e decisão sumária do ora relator de 03.07.2014, Proc. n.° 433/2014, de 10.07.2014, Proc. n.° 369/2014 e Ac. de 10.07.2014, Proc. n.° 414/2014).

Dest’arte, e constatada a improcedência do recurso na parte em apreciação, continuemos.

–– Da “suspensão da execução da pena”.

Nos termos do art. 48.° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 11.12.2014, Proc. n.° 769/2014).

No caso, a ora recorrente, foi numa primeira vez encontrada em Macau em “situação de clandestinidade”, e, nesta conformidade, em 09.06.2014, foi expulsa e proibida de reentrar por 5 anos.

Não obstante isso, voltou, e após novamente detectada naquela situação, em 13.10.2014, (apenas 4 meses depois), foi submetida a julgamento em processo sumário, vindo a ser condenada pelo crime de “reentrada ilegal”, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, tendo sido (novamente) expulsa por 7 anos.

Porém, fazendo descaso absoluto destas duas ordens de expulsão e proibição de reentrada, voltou a Macau, contrariando tais ordens (de expulsão e proibição de entrada), vindo a ser detectada e julgada nos presentes autos em 28.04.2015, em pleno período de suspensão da execução da pena que lhe tinha sido aplicada, e a pouco mais de 6 meses depois da sua anterior condenação.

Perante isto, com muito respeito por opinião em sentido diverso, e visto estando que em menos de um ano, (cerca de 10 meses) foi a recorrente encontrada em situação de clandestinidade por 3 vezes, incorrendo na prática de 2 crimes, há que dizer que nenhum motivo nos parece existir para se alterar a decisão recorrida.

Com efeito, e como repetidamente temos considerado, devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

Porém, e como igualmente temos vindo a entender, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o Ac. de 14.05.2015, Proc. n.° 387/2015).

Como recentemente decidiu o T.R. de Guimarães:

“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).

Como também considerava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o recente Ac. do T.R. de Lisboa de 05.05.2015, P. 242/13 in, www.dgsi.pt).

Por sua vez, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do T.R. Guimarães, de 13.04.2015, P.1/12).

Afigurando-se-nos ser a “situação” dos presentes autos, visto está que se impõe confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Em face do exposto, em conformidade, nega-se provimento ao recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 18 de Junho de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 512/2015 Pág. 14

Proc. 512/2015 Pág. 13