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Processo nº 730/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 12 de Novembro de 2015

ASSUNTO:
- Transmissão da propriedade dos bens

SUMÁRIO:
- Não obstante as partes acordaram que a Embargante só irá reduzir a dívida do Executado na exacta medida dos montantes efectivamente recebidos, em fundos líquidos e imediatamente disponíveis, esta condição contratual não afecta a transmissão da propriedade dos bens em referência mediante o acordo, tendo em conta o disposto do nº 1 do artº 402º do CCM, nos termos do qual “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”.
- Uma coisa é a transmissão da propriedade em si, outra é a contraprestação em consequência da transmissão da propriedade.
- Nada impede, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, que as partes acordam o cumprimento da obrigação primeiramente por uma das partes e a contraprestação da outra parte em momento posterior, que é o caso.
O Relator,

Ho Wai Neng
Processo nº 730/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 12 de Novembro de 2015
Recorrente: B Pty Ltd (Embargante)
Recorridos: C (Macau), S.A. e D (Embargados)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 27/02/2015, julgaram-se improcedentes os embargos deduzidos pela Embargante B Pty Ltd. e, em consequência, absolveram-se os Embargados C (Macau), S.A. e D do pedido.
Dessa decisão vem recorrer a Embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a fls. 371 e ss. dos autos, datada de 27/02/2015, o qual julgou, a final, improcedente os embargos de terceiro deduzidos pela aqui Recorrente contra os embargados e ora Recorridos, sociedade C (Macau), S.A. e Sr. D.
- Conforme flui da sentença recorrida, o Tribunal a quo indeferiu esses embargos de terceiro por entender que a Recorrente não provou ter adquirido do Embargado D, por via de um acordo com ele celebrado em 08/07/2011 (doravante o "Acordo"), o direito de propriedade sobre os bens que posteriormente foram objecto de arresto a pedido da Recorrida C (Macau).
- É dessa decisão de considerar que o Acordo não transferiu a propriedade dos bens nele referidos e posteriormente arrestados que se recorre.
- A sentença recorrida padece, desde logo, do vício de nulidade previsto no artigo 571°, no. 1, alínea c), do CPC, por nela ser evidente a oposição entre os seus fundamentos e a decisão final proferida, vício que se invoca para todos os efeitos legais.
- Resulta da sentença sub judice que toda a matéria de facto seleccionada pelo Tribunal a quo como relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (incluindo toda a matéria de facto quesitada para a Base Instrutória) foi plenamente provada, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida e para onde se remete para todos os efeitos legais (vide páginas 2 a 5 da sentença ora recorrida).
- Ficou, assim, plenamente provado nos autos (cfr. resposta aos quesitos 1 e 2 da Base Instrutória) a integralidade desse Acordo celebrado entre Recorrente e Recorrido (constante de fls. 44 a 47 (e respectiva tradução a fls. 29/32 dos autos), mediante o qual, e como forma de pagamento parcial de uma dívida que o Recorrido tinha (e ainda tem) para com a Recorrente, aquele, declarou, expressamente, que transmitiu e cedeu irrevogavelmente à Recorrente, que aceitou, a propriedade e todos os direitos reais que tinha sobre as fichas de casino e o montante em dinheiro aprendidos no Processo Comum Colectivo que correu termos sob o no. CR3-09-0230-PCC (doravante as "Fichas de Casino e Dinheiro") (vide páginas 2 a 5 e 12 da sentença recorrida).
- Em relação ao direito que o Recorrido tinha sobre esses bens arrestados, o Tribunal a quo concluiu, expressamente, que "sem sombras de dúvidas que o direito que o embargado D tem sobre as fichas de jogo e numerários é direito de propriedade e não mero direito de crédito".
- É uma conclusão do Tribunal a quo que se aceita expressamente quanto a esta específica questão, designadamente para efeitos de delimitação do presente recurso, pois a Recorrente sempre sustentou o direito de propriedade do Recorrido sobre esses bens à data em que os mesmos lhe foram transmitidos por via do Acordo.
- É lógico que quem tem o direito de propriedade sobre uma coisa goza do direito à sua livre disposição, salvo havendo alguma disposição especial que impeça ou limite a transmissão, como decorre do artigo 1229° do CC.
- Pelo que, tendo concluído que o Recorrido tinha o direito de Propriedade sobre as Fichas de Casino e Dinheiro e não tendo o Tribunal a quo, nem os Recorridos, invocado qualquer disposição especial que impedisse ou limitasse a livre transmissão das Fichas de Casino e Dinheiro, essa transmissão só não se verificaria se o Acordo - dado como provado na íntegra - não fosse conclusivo quanto a essa mesma transmissão.
- O Tribunal a quo invoca um dos princípios basilares das relações contratuais em direito civil - o princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos - previsto no artigo 402°, no. 1° do CC para concluir, e bem, que do mesmo resulta que os direitos reais constituem-se e transferem-se com a mera celebração ou perfeição do contrato, independentemente da tradição da coisa objecto desse contrato.
- Ainda na sua análise, o Tribunal reproduz o teor do número 1.1. da cláusula 1ª do Acordo onde é dito expressamente e sem ambiguidades que "O Devedor transmite e cede irrevogavelmente à B a (i) Propriedade e Direitos do Devedor sobre as Fichas de Casino (...) (ii) Propriedade e Direitos do Devedor sobre o Dinheiro (...) (cfr. sentença a fls. 377).
- Assim (i) perante a resposta afirmativa dada pelo Tribunal a quo à questão relativa ao direito de propriedade do Recorrido sobre as Fichas de Casino e Dinheiro antes do Acordo, (ii) perante à norma jurídica invocada e as devidas conclusões que dela o Tribunal a quo retirou - que o direito de propriedade se transfere com a conclusão do contrato -, (iii) perante os factos provados que o próprio Tribunal cita - que o Recorrido declarou no Acordo transferir irrevogavelmente para a Embargante, ora Recorrente, as Fichas de Casino e Dinheiro - a única conclusão lógica que se impunha é a de que, por via do Acordo, esse mesmo direito de propriedade transferiu-se para a Embargante, ora Recorrente, o que, necessariamente conduziria, na própria lógica da sentença, à procedência dos embargos.
- Assim, ao não concluir, na sequência da sua conclusão relativa à eficácia translativa imediata dos contratos e perante o facto provado realçado pelo Tribunal de que o Acordo visou - tal como declarado expressamente e sem ambiguidades pelo Recorrido - transferir o direito de propriedade sobre as Fichas de Casino e Dinheiro, que as Fichas e o Dinheiro efectivamente pertenciam à Embargante, a sentença incorreu numa contradição real que a torna nula, nos termos da norma do artigo 571°, nº 1, c), do CPC.
- É verdade que, como dá conta o Tribunal a quo, a transmissão dos bens no Acordo tinha a finalidade de facilitar a obtenção, por parte da Recorrente, do pagamento do seu crédito perante o Recorrido.
- Porém, essa finalidade apenas releva para efeitos obrigacionais entre as partes - no caso, saber se a dívida se extinguiu e em que medida - mas não põe em causa o direito de propriedade que é um direito absoluto e que, no nosso sistema, não conhece qualquer limitação a não ser nos casos previstos na lei, como resulta claramente do princípio do numerus clausus, consagrado no artigo 1230° do CC.
- Quando há uma transferência de um bem com uma finalidade específica, mas haja uma efectiva transmissão de propriedade, as restrições resultantes da finalidade têm apenas eficácia obrigacional entre as partes.
- Pelo que, tendo em consideração a fundamentação usada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida como é evidente, outra conclusão lógica não poderia ter chegado, em face de tudo o exposto, que não fosse a Recorrente ser a proprietária das Fichas de Casino e Dinheiro em resultado da celebração do Acordo com o Recorrido.
- Consequentemente, o Tribunal a quo deveria ter, a final, decidido pela procedência dos embargos de terceiro por manifesta incompatibilidade deste direito com o arresto decretado sobre os mesmos bens.
- Pelo que, ao não decidir dessa forma a sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, por oposição real entre os seus fundamentos e a decisão final proferida, conforme resulta do disposto no artigo 571°, no. 1, alínea c), do CPC.
- Termos em que, atento o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 571º do CPC, desde já se invoca a nulidade da sentença em crise proferida pelo Tribunal a quo, por oposição real entre os seus fundamentos e a decisão final proferida, devendo este Venerando Tribunal substituí-la por outra, corrigindo o vício invocado.
- Subsidiariamente, caso se entenda que a sentença recorrida não é nula, por os seus fundamentos não estarem em clara oposição com a decisão recorrida, então, sempre deverá a mesma sentença ser revogada, por padecer de flagrante vício de erro de julgamento na subsunção dos factos provados ao direito aplicável.
- O Tribunal a quo dá conta que só se compreenderia que tivesse ocorrido efeito translativo imediato da propriedade dos bens do Recorrido para a Recorrente, por mero efeito do Acordo celebrado, caso o valor da dívida daquele perante esta tivesse sido logo descontado e o mesmo dela exonerado parcialmente perante a Recorrente, i.e., se a entrega dos bens nesse acordo configurasse uma dação in solutum e não uma datio pro solvendo.
- Salvo sempre o devido respeito, esta conclusão vertida na sentença recorrida não tem qualquer sentido e representa um claro e evidente erro de julgamento
- É absolutamente claro e inequívoco que, com base nos factos provados e na lei aplicável, a propriedade dos bens aqui em causa (Fichas de Casino e Dinheiro) se transferiu, por mero efeito do Acordo, imediatamente do Recorrido para a Recorrente pelo que jamais esses bens poderiam ser alvo de um arresto pela Recorrida para garantia cautelar de um crédito sobre o Recorrido.
- E são absolutamente irrelevantes as motivações ou finalidades pelas quais a transferência de propriedade dos bens aqui em causa se operou do Recorrido para a Recorrente, nem tais motivações (quaisquer que sejam) poderiam alguma vez impedir ou por em causa a consensualidade e eficácia real imediata do Acordo.
- O princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos, previsto no artigo 402°, no. 1°, do CC, prevê que os direitos reais constituem-se e transferem-se com a mera celebração ou perfeição do acordo, independentemente da tradição da coisa objecto desse contrato, salvo, naturalmente, as excepções previstas na lei, conforme resulta da última parte da mesma norma legal.
- Só assim não sucede nos casos expressamente previstos no no. 2 do mesmo artigo 402º do CC, no caso de as partes estabelecerem cláusulas de reserva de propriedade no referido acordo (vd. artigo 403º do CC) - onde o efeito translativo imediato da propriedade só se verifica em momento posterior, ou ainda quando, por lei, o efeito translativo da propriedade está dependente da entrega - traditio - da coisa, , como são exemplo, entre outros, o contrato de mútuo e o contrato de comodato previstos no Código Civil.
- A regra na transferência de direitos reais é a sua eficácia translativa imediata, só assim não sucedendo, nos casos previstos na lei e tendo as partes convencionado especificamente condição suspensiva para a sua verificação, mormente, reservando a propriedade ao alienante até a sua verificação, como resulta claramente da lei e doutrina supra citada em sede de alegações.
- Em parte alguma do Acordo resulta expressa ou tacitamente que as partes pretenderam suspender a transferência da propriedade das Fichas de Jogo e Dinheiro até a verificação de um qualquer efeito futuro.
- Assim, evidentemente, os direitos reais sobre esses bens se transferiram imediatamente, com a sua celebração.
- Pelo que, desde logo, a sentença recorrida ao decidir como decidiu, violou claramente o princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos previsto no artigo 402º do CC.
- Acresce que, do Acordo resulta também evidente que não há, nem nunca houve, qualquer divergência entre as partes quanto à sua interpretação, estando ambas as partes cientes de que este visou transmitir, e transmitiu, a propriedade ou "titularidade" das Fichas de Casino e do Dinheiro, conforme resulta claramente dos autos.
- Desde logo, por um lado, a outra parte no Acordo, o Recorrido, o único que poderia pôr em causa essa interpretação, não contestou.
- Por outro lado, demonstrou por diversas vezes que com o Acordo quis transmitir, e transmitiu, a propriedade das Fichas de Casino e Dinheiro, como resulta, por exemplo, dos diversos requerimentos submetidos no Processo-Crime conjuntamente pelo Recorrente e Recorrido e juntos aos presentes autos à petição de embargos como Docs. 2, 4 e 5, onde é declarado de forma clara que as Fichas de Casino e Dinheiro tinham sido transmitidos à Embargante, aqui Recorrente, e se requer que fossem entregues a esta, os quais este Venerando Tribunal pode sempre ter em consideração ao abrigo do disposto o artigo 629°, no. 1, alínea a) do CPC.
- Da clareza da sua redacção, desde logo, nos seus considerandos (A) e (D) e nas cláusulas 1.1 e 1.7. do Acordo, resulta evidente o sentido e a vontade aí expressos pelas partes quanto à eficácia translativa imediata da propriedade dos bens.
- As partes no Acordo disseram exactamente aquilo que queriam dizer, com os efeitos jurídicos daí resultantes, pelo que, nos termos dos artigos 228º a 230º do CC relativo às regras de interpretação dos negócios jurídicos, essas declarações valem, não havendo divergência quanto à expressão dessas vontades, com o sentido que nelas está expresso.
- De nada vale, portanto, pretender, como se sugere na sentença recorrida, que a leitura da cláusula 1.7 do Acordo ou até da outorga da procuração irrevogável nele prevista demostram a intenção de apenas facilitar a entrega dos bens à Recorrente mas não da transmissão da sua propriedade(!?).
- O Tribunal a quo, assim como fez com a norma legal sobre a dação em pagamento, transforma expressões do Acordo que visavam proteger a Recorrente em expressões que apenas a prejudicam, dando-lhes um sentido que nenhuma das partes no Acordo invocou e que não têm um mínimo de correspondência no seu texto, o que configura um manifesto erro de julgamento e consubstancia uma evidente violação do disposto nos artigos 228°, 229 e 230°, 399° e 402°, todos do CC, erro que se invoca.
- O Tribunal a quo confunde eficácia translativa imediata dos direitos reais do Acordo com os efeitos obrigacionais do mesmo que advêm de uma relação de dívida/crédito entre a Recorrente e o Recorrido pré-existente ao Acordo.
- E em consequência desse erro a sentença acaba por fixar uma restrição por via judicial à eficácia translativa imediata do Acordo, chegando a um resultado que jamais foi desejado pelas partes ao manifestarem a sua vontade através do Acordo, nem resulta da lei.
- A finalidade do Acordo era a transmissão dos bens em causa do Recorrido para a Recorrente com vista a facilitar a cobrança parcial do crédito desta sobre aquele, o qual, para protecção da Recorrente e credora, só se viria a extinguir na medida e quando a Recorrente conseguisse efectivamente receber os bens e, no que se refere às Fichas de Casino, trocá-las por dinheiro.
- É nesta perspectiva que se aceita que o Acordo aqui em crise possa ser configurado como uma dação pro solvendo.
- A entrega de um (ou mais) bem(ns) diferente(s) da prestação devida, pelo devedor ao credor, para que este obtenha mais facilmente, pela realização do valor desse(s) bem(ns), a satisfação do seu crédito, e na medida respectiva, só sucede por via de um acordo de transmissão ou acto translativo imediato da propriedade (e, portanto, dos direitos reais) desse bem (ou bens) do devedor para o credor, como sucedeu, in casu, com o Acordo.
- E nada na lei impede que essa transmissão dos bens dados pro solvendo se opere por efeito uma transmissão onerosa do devedor para o credor, como sucedeu nos termos deste Acordo.
- Assim, a entrega de bens pro solvendo do devedor para o credor configura, em regra, um acordo de transmissão oneroso de onde resultam, por um lado, imediatamente, efeitos reais, por mero efeito desse acordo (transmissão imediata da propriedade desses bens do devedor para o credor) e, por outro lado, efeitos obrigacionais (direitos de crédito) entre as partes, os quais não são evidentemente contraditórios, como que se de uma compra e venda se tratasse, por força do disposto no artigo 933º do CC.
- Os efeitos obrigacionais resultantes dessa transmissão são, portanto, semelhantes aos de uma compra e venda, ficando, por um lado, o devedor transmitente obrigado a entregar o bem ao credor e este, por seu lado, obrigado a pagar o respectivo "preço", o qual, consiste na eliminação total ou parcial do crédito que tem sobre o devedor em consequência e na medida do produto obtido com a venda a terceiro desse bem.
- Não está em causa, portanto, a propriedade dos bens (direitos reais), mas apenas, o cumprimento das obrigações (direitos de crédito) que nascem desse acordo.
- Assim, no caso de na transmissão do direito real de um bem lhe estar subjacente a extinção de uma dívida [dação em função do cumprimento (in solvendo)], não se verifica qualquer desvio ou excepção ao princípio da consensualidade e eficácia translativa imediata de direitos reais que imponha a traditio desses bens do devedor para o credor para que esse efeito real se produza.
- Um dos erros de julgamento constantes da sentença verifica-se no entendimento de que a datio pro solvendo constitui como que uma excepção legal ao princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos constante do artigo 402º do CC, impondo ao devedor a tradição dos bens ao credor para que esse efeito real se verifique no credor, o que, como é evidente, não tem qualquer sentido, nem resulta do disposto no artigo 831º do CC.
- O artigo 831º do CC é uma norma destinada à protecção e benefício do credor na medida em que da mesma resulta que a extinção da dívida em contrapartida da transmissão do bem apenas se verifica na medida em que o credor obtenha, com a transmissão futura do bem, a satisfação do seu crédito.
- No entanto, o Tribunal a guo transforma-o numa norma a desfavor do Credor, privando-o do direito de propriedade sobre a coisa dada pro solvendo, e assim do carácter absoluto inerente a esse direito, que o protege contra a agressão de terceiros, como aconteceu in casu.
- A finalidade da transmissão subjacente à dacção pro solvendo não põe, obviamente, em causa o direito de propriedade que a Recorrente adquiriu com o Acordo, com todas as características inerentes a esse direito - absoluto e ilimitado nos termos dos artigos 1229° e 1230° do CC - que protegem a Recorrente contra agressões de terceiro e do próprio transmitente.
- O direito que o transmitente tem, devido às finalidades estatuídas no Acordo, é de invocar as relações obrigacionais que daí resultam, designadamente a extinção da dívida na medida da sua extinção.
- Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou não só o artigo 831° do CC, dando-lhe uma interpretação manifestamente errada, salvo o devido respeito, como também os artigos 1229° e 1230° do CC.
- Assim, outro erro de julgamento constante da sentença recorrida foi o Tribunal ter confundido, salvo o devido respeito, a finalidade da transmissão com a inexistência de transmissão.
- A conclusão a que o Tribunal a quo chega nesta matéria não tem qualquer apoio no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) que se encontra parcialmente referido na sentença recorrida como justificante para a decisão aí vertida.
- O que se quer dizer, efectivamente, nesse acórdão quanto à analogia existente, para certa doutrina, entre o mandato e a dação pro solvendo, como é óbvio, não diz respeito ao efeito translativo imediato dos direitos reais quanto aos bens aí em causa - que, como é evidente, é imediato, por mero efeito desse contrato -, mas antes à relação obrigacional (de crédito) que continua a existir entre o devedor e o credor por causa da natureza pro solvendo dessa transmissão.
- Conclui-se, assim, que a dação em função do cumprimento ou datio pro solvendo, não é, nem nunca poderá ser configurada como uma excepção prevista na lei ao princípio da consensualidade dos contratos e à sua eficácia real imediata, nem pode por em causa o direito de propriedade sobre os bens dados pro solvendo. como resulta claro da lei e da jurisprudência supracitada em sede de alegações.
- Destarte, só se pode concluir, que a datio pro solvendo, configurada como existente no Acordo, nunca teria a virtualidade de impor qualquer restrição ao princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos pretendida pelas partes, designadamente, impondo a efectiva tradição dos bens à Recorrente para que o efeito real previsto nesse Acordo se viesse a produzir nem colocar em causa aquisição efectiva do direito de proriedade com todas as suas características designadamente o carácter absoluto e ilimitado, protegendo a Recorrente contra a agressão de terceiros.
- Assim, atento tudo o supra exposto, cometeu o Tribunal a quo na sentença recorrida um manifesto erro de julgamento, violando de forma clara e evidente o disposto nos artigos 228º, 229º, 230º, 399°, 402°, 831°, 933°, 1242°, alínea a), 1229° e 1230°, todos do CC, razão pela qual deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição mediante embargos de terceiro movida pela Recorrente.
- Termos em que, face a tudo o exposto, deverá ser revogada a decisão contida na sentença ora recorrida que julgou improcedentes os embargos de terceiro movidos pela Recorrente, por violação, entre outros do disposto nos artigos 228°, 229º, 230°, 399°, 402°, 831°, 933°, 1242°, alínea a), 1229° e 1230°, todos do CC, e, em consequência, sejam julgados procedentes os embargos de terceiro da Recorrente por esta ser a titular do direito de propriedade sobre os bens que foram objecto de arresto ordenado nos autos cautelares apensos aos quais estes autos se encontram também apensos, por manifesta incompatibilidade desse arresto com o direito de propriedade da Recorrente.
*
A Embargada C (Macau), S.A. respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 438 a 456 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Embargante é uma sociedade comercial constituída e registada na Austrália, segundo as leis da Austrália, com número de Registo Comercial Australiano [“Australian Business Number (ABN)”] 25 XXX XXX XXX, com escritório principal em Level ..., 80 ...... Street, ......, NSW 2009 Australia e sede registada em Level ..., 159 ...... Street, ...... QLD 4000, Australia. (alínea a) dos factos assentes)
- No passado dia 01 de Fevereiro de 2013, por via de uma notificação postal com carimbo de registo de 31/01/2013 dirigida ao escritório dos mandatários da aqui Embargante no âmbito de uns autos de procedimento cautelar que correm termos pelo 3º Juízo Cível sob no. CV3-13-0001-CPV (agora com o nº CV1-13-0010-CEO-A), e nos quais é Requerente a aqui Embargante e Requerido o também aqui Requerido, Sr. D (D), foi a Embargante notificada, entre outros, de que, ao abrigo dos presentes autos cautelares de arresto, por decisão exarada em 14 de Janeiro de 2013, havia sido decretado o arresto de bens pertencentes ao aqui Requerido, os quais se encontram apreendidos nuns outros autos de Processo Comum Colectivo que corre termos sob o no. CR3-09-0230-PCC para garantia de um montante de MOP$40.855.375,86, pelo que tais bens deveriam ser colocados à ordem dos presentes autos tudo conforme consta de folhas 15 a 22 e aqui se dó por integralmente reproduzidos. (alínea b) dos factos assentes)
- Por decisão de 14.01.2013 proferido nos autos de arresto de que estes são apenso em que é Requerente C Jogos (Macau), S.A. e Requerido D foi decretado o arresto de fichas de Jogo no montante total de HKD$11.000.000,00 e HKD$130.000,00 apreendidas no processo CR3-09-0230-PCC. (alínea c) dos factos assentes)
- Em 08.07.2011 corria no Tribunal de Segunda Instância um recurso, sob o n.º 789/2010, de uma sentença proferida nos autos de Processo Penal com o n.º CR3-09-0230-PCC, em que o aqui Requerido era o Assistente e F e G eram arguidos, que nomeadamente:
a) condenava os arguidos a pagar ao aí Assistente (ou seja, ao aqui Requerido) uma indemnização no montante de HKD$53.819.640,00, acrescido de juros, deduzido dos seguintes montantes:
- HKD$11.000.000,00 (onze milhões de dólares de Hong Kong) em fichas de casino, as quais foram apreendidos nos referidos autos e se encontram depositadas à ordem do Tribunal de Macau e dos mesmos autos;
- HKD$130.000,00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, o qual foi também apreendido nos autos e se encontra depositado à ordem do Tribunal de Macau e dos autos.
b) ordenava a restituição ao Assistente (isto é, ao aqui Requerido) as fichas de casino e do montante em dinheiro supra mencionados. (alínea d) dos factos assentes)
- O Tribunal de Segunda Instância por decisão transitada em julgado confirmou a decisão da primeira instância referida no item anterior, designadamente no que se refere à entrega ao Requerido das fichas de casino e do montante em dinheiro apreendidos. (alínea e) dos factos assentes)
- Por acordo concluído em 08 de Julho de 2011 entre a aqui Embargante e o aqui Requerido, Sr. D, este reconheceu que deve à Embargante a quantia total de AUD$10.059.764,67 (dez milhões cinquenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro dólares de australianos e sessenta e sete cêntimos) em virtude de:
a) ter desonrado o cheque n.º 44XXXX, no montante de HKD$103.963.326,98 (equivalentes a AUD$13.757.040,00), sacado sobre o ...... Bank (...... Branch) em Hong Kong, a favor da Embargante, o qual foi apresentado a pagamento por esta ao seu banco em 17 de Junho de 2008: e
b) ter incumprido um acordo que havia celebrado com a Embargante em 6 de Agosto de 2008 relativo ao pagamento em prestações de uma dívida que tinha para com a Embargante no montante de AUD$13.559.764,67 (treze milhões, quinhentos e cinquenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro dólares de australianos e sessenta e sete cêntimos) tudo conforme consta de folhas 44 a 47 ( tradução a folhas 29/32) e aqui se dá por integralmente reproduzidos. (resposta ao quesito 1 da base instrutória)
- Ao abrigo do acordo de 08 de Julho de 2011, também para salvaguarda dos direitos e interesse da Requerente, o Requerido outorgou, na mesma data uma procuração, conferindo irrevogavelmente poderes à Embargante, para que pudesse levantar directamente junto do Tribunal as fichas e o montante em dinheiro apreendidos nos autos. (resposta ao quesito 2 da base instrutória)
*
III – Fundamentação:
O presente recurso prende-se com a interpretação do acordo celebrado entre a Embargante e o Executado D em 08/07/2011.
Na óptica da Embargante, o Executado D transferiu-lhe a propriedade das fichas de jogo no valor de HKD$11.000.000,00 e do dinheiro em numerário no valor de HKD$130.000,00 mediante o acordo de 08/07/2011.
Assim, no momento do arresto das fichas de jogo e do montante em dinheiro acima em referência, isto é, em 14/01/2013, tais bens já não pertencem ao Executado D, mais à ora Embargante.
O Tribunal a quo qualificou o referido acordo como uma dação em função de cumprimento (datio pro solvendo) e não dação em cumprimento (datio in solutum), por entender que:
“...Ora, se atendemos as demais declarações emitidas pelas partes, outra será a conclusão que chegaremos.
Com efeito, os contraentes convencionam, na mesma cláusula 1.1, que a finalidade desse acto de transmissão destina-se para facilitar à embargante obter o pagamento parcial que tem sobre o 2° embargado, com o recebimento das fichas ( do produto da sua troca por dinheiro) e do dinheiro.
Portanto, a transmissão da propriedade das fichas de jogo e dos numerários pelo embargado à embargante tem a função específica de fazer extinguir, pelo menos, parte da dívida que esta última tem sobre aquele.
Em vez de efectuar o pagamento da dívida por dinheiro, o embargado realiza uma prestação diferente que se traduz em fazer a entrega das fichas de jogo e dos numerários apreendidos no processo penal.
Mas, essa dação é apenas dação em função de cumprimento e não em cumprimento.
Assim, considerando, no global, as declarações emitidas, não se afigura que o objecto do acordo referido é a transmissão de propriedade e direito sobre as fichas de jogos e numerários apreendidos no processo penal.
Para já, como se menciona nas declarações dos intervenientes, a transmissão das fichas de jogo e dos numerários destinam-se apenas para facilitar a cobrança do crédito pela embargante, com a finalidade de se extinguir parcialmente das dívidas assumidas pelo 2° embargado perante a embargante. No entanto, a extinção não se realiza logo pela outorga do acordo em causa, mas ainda por acto posterior de efectiva entrega dos bens em apreço e a troca das respectivas fichas em dinheiro.
Se a substituição da prestação consistir na entrega da coisa em lugar da obrigação pecuniária, e, com isso fizer extinção da obrigação, assim, a dação em causa é dação em cumprimento. Essa dação implica necessariamente a transmissão da propriedade da coisa, assim, podemos considerar que está perante um contrato real.
Mas não é isso acontece no caso, o acordo não configura dação em cumprimento (datio in solutum) mas dação em função de cumprimento (datio pro solvendo).
Como se deixa referido supra, a distinção entre a dação em cumprimento e dação em função de cumprimento reside na extinção imediata ou não da obrigação devida com a prestação diversa. No primeiro, com a entrega da coisa ou a cessão dum direito pelo devedor ao credor, aquele fica exonerado da obrigação devida, enquanto no segundo caso, a entrega da coisa diferente, a prestação dum facto ou a cessão dum direito pelo devedor ao credor não faz a extinção imediata do crédito e da obrigação, o credor apenas fica com o objecto através do qual pode procurar a satisfação do seu crédito (pela venda da coisa ou pela cobrança do crédito), a extinção do crédito só ocorrerá com a realização efectiva do valor.
No caso em apreço, segundo as próprias declarações emitidas no acordo, a declaração da transmissão das fichas de jogos e dos numerários pelo 2° embargado à embargante não se destina a extinção imediata as obrigações do 2° embargado, pois, a transmissão da propriedade tanto das fichas de jogo como dos numerários visa-se tão só a facilitar a obtenção do pagamento do crédito da embargante (1.1), por um lado e por outro lado, segundo a cláusula 1.7, em que as partes declararam expressamente que a dívida do embargado só se reduz na exacta medida dos montantes efectivamente recebidos pela embargante.
Daí se podemos retirar que as partes não têm o intuito, com a celebração do acordo, a transmissão e cessão da propriedade ou direitos reais das fichas de jogo e dos numerários, mas somente para facilitar a sua satisfação, nomeadamente quando a embargante receberá efectivamente as fichas de jogo (e troca-las-à em dinheiro) e os numerários e sempre na medida dos montantes concretamente cobrados pela embargante.
Com efeito, se o acordo em causa tivesse por objecto a constituição e transmissão do direito real sobre as fichas de jogo e dos numerários apreendidos no processo criminal, e que o efeito translativo ocorresse com a celebração do acordo, já não se compreenderia que a dívida do 2° embargado só se exoneraria com o montante efectivamente recebido, em fundos líquidos e imediatamente disponíveis pela embargante. Efectivamente, se houvesse a transmissão da propriedade das fichas de jogos e dos numerários com a celebração do acordo, tal como alega a embargante, o valor correspondente aos bens transmitidos devia ser logo descontado na dívida assumida pelo embargado, com a exoneração parcial da sua obrigação.
No fundo, o que releva para as partes, não é a transmissão da propriedade nem a entrega efectiva das fichas de jogo e dos numerários, mas o efectivo recebimento do produto de troca das fichas de jogo e dos numerários.
Através desse acordo, o 2° embargado não é mais de fazer a declaração de transmitir e ceder o direito sobre as fichas de jogo e numerários apreendidos à embargante para que a embargante os possa obter, com a munição de tal acordo, ou no caso necessário, com a passagem da procuração irrevogável pelo embargado a favor da embargante, ou com a assinatura do requerimento para a destituição das fichas e numerários, junto do Tribunal à ordem do qual se encontram apreendidos os mesmos, e dessa maneira, facilita-a a obter a satisfação parcial do seu crédito com o valor obtido pela troca das fichas de jogo em dinheiro e dos numerários.
Assim, decide o Acórdão de 17/03/2005, n°05B499, do S.T.J. “O traço característico da dação em função do cumprimento traduz-se em as partes não pretenderem a extinção imediata da obrigação do devedor e quererem que ela subsista até à satisfação integral do direito de crédito do credor, como se fosse um mandato conferido à última pelo primeiro de se pagar por via da uma coisa ou de um direito de crédito.
É essencial à dação em cumprimento o acordo do credor sobre a aceitação de prestação diversa feita pelo devedor e a imediata extinção do seu direito de crédito e da correspondente obrigação do devedor.”
Nem não se afigura que estamos perante promessa da dação pro solvendo. Na verdade, constam nas cláusulas 1.3 e 1.4 que o 2° embargado ficará obrigado a subscrever e submeter um requerimento junto do Tribunal de Macau bem como a outorgar e entregar uma procuração a favor à embargante, conferindo-lhes, irrevogavelmente, os plenos poderes relativamente às fichas de jogo e numerários estavam e estão à ordem do juiz do processo criminal, mas se repara bem esses clausulados, essa obrigação não é a obrigação principal mas a obrigação acessória destinada à execução da obrigação clausulada no 1.1 e 1.2, nomeadamente com a intenção de facilitar a embargante, por si próprio, a poder receber directamente junto do Tribunal as fichas de jogo e numerários.
Face aos acima expendidos, não é de acolher que a embargante adquiriu a propriedade das fichas de jogo e dos numerários em causa com o acordo celebrado com o embargado, por força do disposto do art°402° do C.C..
Assim, não se julga que houve transmissão da propriedade das fichas de casino nem dos numerários apreendidos no processo comum colectivo n°CR3-09-0230-PCC, com a celebração do acordo entre a embargante e o embargado, não sendo, por isso, a embargante proprietária desses bens...”.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito, temos um entendimento diverso do Tribunal a quo.
Como já referimos logo no início, que a solução do caso prende-se com a interpretação do acordo celebrado entre a Embargante e o Executado D.
Dispõe o artº 228º do CCM que:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
   2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
No caso sub justice, o acordo tem o seguinte teor:
   “....Considerando que:
(A) O Devedor deve à B o montante (em divida) de HKD$10.059.764,67 (dez milhões cinquenta e nove mil setecentos e sessenta e quatro dólares australianos e sessenta e sete cêntimos) (doravante a "Dívida à B") em resultado de:
(i) o Devedor ter desonrado o cheque no 44XXXX no montante de HKD$103.963.326,98 (equivalentes a AUD$13.757.040,00), sacado sobre o ...... Bank (...... Branch) em Hong Kong, a favor da B, o qual foi apresentado a pagamento por esta ao seu banco em 17 de Junho de 2008; e
(ii) o Devedor ter incumprido o acordo com a B celebrado pelo Devedor em 6 de Agosto de 2008 (doravante o "Acordo Para Pagamento da Dívida à B") nos termos do qual o Devedor deveria ter pago à B o montante de AUD$13.559.764,67 ou onze prestações mensais de AUD$1.250.640,00 cada de 31 de Agosto de 2008 a 30 de Junho de 2009;
(B) Nos autos de Processo Penal a correrem termos em Macau sob o no CR3-09-0230-PCC, em que o Devedor é o Assistente e F e Mau In são os Arguidos, foi proferida pelo Tribunal Judicial de Base de Macau sentença (doravante a "Sentença do Tribunal Judicial de Base de Macau"), nomeadamente:
(i) a condenar os Arguidos a pagar ao Assistente (ou seja, ao Devedor) uma indemnização no montante de HKD$53.819.640,00, acrescido de juros, deduzido dos seguintes montantes:
- HKD$11.000.000,00 (onze milhões de dólares de Hong Kong) em fichas de casino, as quais foram apreendidas nestes autos e se encontram depositadas à ordem do Tribunal de Macau e destes autos (doravante as "Fichas de Casino"); e
- HKD$ 130.000,00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, o qual foi também apreendido nestes autos e se encontra depositado à ordem do Tribunal de Macau e destes autos (doravante o "Dinheiro");
(ii) a ordenar a restituição ao Assistente das Fichas de Casino e do Dinheiro supra mencionados;
(C) Os Arguidos recorreram da Sentença do Tribunal Judicial de Base de Macau para o Tribunal de Segunda Instância de Macau, encontrando-se este recurso a correr termos neste tribunal sob o no. 798/2010, a aguardar decisão, digo, 789/2010, a aguardar decisão;
(D) Antecipando a possibilidade de o Tribunal de Segunda Instância de Macau ou (caso haja recurso da decisão deste) o Tribunal de Última Instância de Macau proferirem decisão que confirme, no todo ou em parte, a Sentença do Tribunal Judicial de Base de Macau no que respeita à restituição das Fichas de Casino e do Dinheiro ou por qualquer modo ordene a restituição das Fichas de Casino e do Dinheiro, no todo ou em parte, e tal decisão transitar em julgado (doravante a "Decisão Transitada"), o Devedor pretende transmitir e ceder agora à B a propriedade e todos os direitos reais que tem sobre as Fichas de Casino e o Dinheiro (incluindo quaisquer partes dos mesmos cuja restituição a Decisão Definitiva confirme ou ordene) e, bem assim, todos os demais direitos relativos às Fichas de Casino e ao Dinheiro (incluindo quaisquer partes dos mesmos), incluindo o direito a receber directamente do relevante Tribunal de Macau as Fichas de Casino e o Dinheiro (ou quaisquer panes mesmos) e o direito a trocar as Fichas de Casino por dinheiro junto da respectiva entidade responsável por essa troca (seja ela uma concessionária, uma subconcessionária, uma operadora ou um promotor de jogo em casino) (doravante, todos os direitos supra serão designados também por "Propriedade e Direitos do Devedor"), tudo nos termos estabelecidos neste acordo;
   É acordado o seguinte:
   1. Transmissão e Cessão da Propriedade e Direitos do Devedor
1.1 O Devedor transmite e cede, irrevogavelmente, à B:
(i) a Propriedade e Direitos do Devedor sobre as Fichas de Casino, na sua totalidade, para que a B obtenha mais facilmente, com o recebimento dessas Fichas de Casino (incluindo quaisquer partes das mesmas) do relevante Tribunal de Macau e do produto da sua troca por dinheiro, o pagamento parcial do montante em dívida da Dívida à B;
(ii) a Propriedade e Direitos do Devedor sobre o Dinheiro, na sua totalidade, para que a B obtenha mais facilmente, com o recebimento desse Dinheiro (incluindo quaisquer partes do mesmo) do relevante Tribunal de Macau, o pagamento parcial do montante em dívida da Dívida à B.
1.2 Para evitar dúvidas, fica desde já esclarecido que, por este Acordo, o Devedor também transmite e cede à B o direito a receber directamente do relevante Tribunal de Macau (expressão que inclui qualquer autoridade judiciária, administrativa, governamental, policial e bancária relacionada responsável pela restituição em cumprimento da Decisão Transitada) as Fichas de Casino e o Dinheiro (incluindo quaisquer partes dos mesmos).
1.3 Para salvaguardar os direitos e interesses da B nos termos deste Acordo,
(i) aquando da assinatura deste Acordo ou logo que possível após tal, as partes subscreverão e submeterão ao competente Tribunal de Macau um requerimento conjunto, em língua portuguesa, materialmente nos termos do Anexo I a este Acordo, para que o relevante Tribunal de Macau possa entregar as Fichas de Casino e o Dinheiro directamente à B ou aos advogados da B;
(ii) sempre que solicitado pela B, as partes também subscreverão e submeterão a qualquer outro competente Tribunal de Macau um requerimento conjunto, em língua portuguesa, materialmente nos termos do Anexo I a este Acordo, a fim de assegurar que o relevante Tribunal de Macau entrega as Fichas de Casino e o Dinheiro directamente à B ou aos advogados da B.
1.4 Para salvaguardar os direitos e interesses da B nos termos deste Acordo, e ainda para o caso de a validade ou eficácia da transmissão e cessão da Propriedade e Direitos do Devedor aqui acordadas serem por qualquer modo postas em causa, aquando da assinatura deste Acordo o Devedor outorgará e entregará à B uma procuração, em língua portuguesa, materialmente nos termos do Anexo 2 a este Acordo, conferindo irrevogavelmente à B plenos poderes relativamente às Fichas de Casino e ao Dinheiro (incluindo quaisquer partes dos mesmos).
1.5 Além disso, o Devedor obriga-se a usar todos os seus melhores esforços para assegurar que as Fichas de Casino e o Dinheiro (incluindo quaisquer partes dos mesmos) são entregues pelo relevante Tribunal de Macau directamente à B.
1.6 Caso, por qualquer razão, o Devedor receba as Fichas de Casino e o Dinheiro (ou quaisquer partes dos mesmos), o Devedor, incondicional e irrevogavelmente, promete entregar imediatamente essas Fichas de Casino e Dinheiro (ou aquelas partes dos mesmos) à B.
1.7 Em qualquer caso, a Dívida à B só será reduzida nos termos deste Acordo na exacta medida dos montantes efectivamente recebidos, em fundos líquidos e imediatamente disponíveis, pela B.
1.8 Este Acordo e a transmissão e cessão nele acordadas têm eficácia imediata.
   2. Diversos
2.1. Este Acordo vincula o Devedor e manter-se-á para benefício dos sucessores e cessionários da B.
2.2. Para evitar dúvidas, este Acordo é celebrado sem prejuízo de quaisquer direitos e faculdades da B, conferidos por lei ou por contrato (incluindo pelo Acordo Para Pagamento da Divida à B), contra o Devedor para reembolso do montante em divida da Dívida à B e relativos juros e despesas, os quais a B pode exercer e executar contra o Devedor em toda a extensão permitida por lei.
3. Lei e Jurisdição Aplicáveis
3.1. Este Acordo é feito e regido de acordo com as leis da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
3.2. As partes deste Acordo acordam, incondicional e irrevogavelmente, submeter quaisquer disputas emergentes deste Acordo à jurisdição não exclusiva dos tribunais de Macau, sem prejuízo de a B poder instaurar procedimentos judiciais contra o Devedor em qualquer jurisdição conforme entender necessário ou conveniente a fim de obter o pagamento integral da Dívida à B......” .
Tendo inteirado o teor do acordo, afigura-se-nos que a vontade real das partes é transferir desde já a propriedade das fichas de jogo e do dinheiro em numerário nele referidas à Embargante e esta aceitou desde logo.
Pois, resulta de forma clara que as partes estipularam nas cláusulas 1.2 e 1.8 os seguintes:
“Para evitar dúvidas, fica desde já esclarecido que, por este Acordo, o Devedor também transmite e cede à B o direito a receber directamente do relevante Tribunal de Macau (expressão que inclui qualquer autoridade judiciária, administrativa, governamental, policial e bancária relacionada responsável pela restituição em cumprimento da Decisão Transitada) as Fichas de Casino e o Dinheiro (incluindo quaisquer partes dos mesmos).” (cláusula 1.2)
“Este Acordo e a transmissão e cessão nele acordadas têm eficácia imediata.” (cláusula 1.8)
Por outro lado, no ponto D) da parte das considerações iniciais do Acordo, consagra-se que “O Devedor (o Executado D) pretende transmitir e ceder agora as Fichas de Casino e o Dinheiro …” (o sublinhado e o mais carregado são nossos).
Julgamos que as referidas cláusulas e o ponto D) da parte das considerações iniciais do Acordo demonstram inequivocamente esta vontade real das partes.
É certo que a Embargante só irá reduzir a dívida do Executado D na exacta medida dos montantes efectivamente recebidos, em fundos líquidos e imediatamente disponíveis.
Contudo, esta condição contratual não afecta a transmissão da propriedade dos bens em referência mediante o acordo, tendo em conta o disposto do nº 1 do artº 402º do CCM, nos termos do qual “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”.
Pois, uma coisa é a transmissão da propriedade em si, outra é a contraprestação em consequência da transmissão da propriedade.
Nada impede, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, que as partes acordam o cumprimento da obrigação primeiramente por uma das partes e a contraprestação da outra parte em momento posterior, que é o caso.
Nota-se que à data do acordo, os bens em causa ainda não estavam na livre disponibilidade do Executado D, uma vez que a sentença que determinou a restituição dos bens ainda não transitou em julgado.
Daí que é natural para a Embargante exigir que a sua contraprestação, isto é, o efeito liberatório da dívida, só se opera no momento posterior, na exacta medida dos montantes efectivamente recebidos, em fundos líquidos e imediatamente disponíveis.
Nesta conformidade, na data em que o arresto foi decretado – dia 14/01/2013 –, os bens em causa já não pertencem ao Executado D, mas sim à Embargante.
Pelo exposto, o recurso não deixará de se julgar procedente.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e julgando procedentes os embargos.
Em consequência, se determina o levantamento do arresto sobre as fichas de jogo e montante em dinheiro em crise.
*
Custas pelos Embargados em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 12 de Novembro de 2015.

(Relator) Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong



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730/2015