Processo n.º 490/2015 Data do acórdão: 2015-11-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.º 72.º do Código Penal
– cúmulo jurídico das penas por conhecimento superveniente
– falta de fundamentação da decisão
– suspensão da execução da pena como uma faculdade
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
– interdição efectiva da condução
– princípio da culpa
– ne bis in idem
– art.º 109.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. Como no acórdão recorrido, já estão identificados, com suficientes detalhes, os fundamentos fácticos subsumíveis ao disposto no art.º 72.º do Código Penal (CP), para efeitos do cúmulo jurídico do art.º 71.º do mesmo Código, e estando também aí citados estes dois artigos, não há falta de fundamentação da decisão de feitura do cúmulo jurídico das penas por conhecimento superveniente.
2. A concessão da suspensão da pena é uma faculdade, e não uma obrigação, do triubnal sentenciador, pelo que se o tribunal não decidiu em suspender a execução da pena, não precisou, processualmente falando, de explicar a razão da não suspensão.
3. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como tal previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal diz respeito a eventual falta de investigação, pelo tribunal julgador, de alguma parte do objecto probando do processo, problema esse que nada tem a ver com o mérito, ou não, da decisão de aplicação efectiva da sanção de inibição de condução saída da operação do cúmulo das penas.
4. Como o cúmulo das penas foi operado no acórdão recorrido nos termos permitidos nos art.os 72.º e 71.º do CP, a respectiva decisão não pode violar estes dois artigos, nem violar os princípios da culpa ou de ne bis in idem, assistindo naturalmente ao tribunal sentenciador, depois de ponderados em conjunto os factos e a personalidade do agente em causa em diversos processos em questão, a liberdade de formar o seu juízo de valor quanto à concessão, ou não, do benefício de suspensão da pena de interdição de condução finalmente achada no cúmulo jurídico por conhecimento superveniente.
5. Não sendo o recorrente um motorista de profissão, há que afastar a priori qualquer hipótese de suspensão da pena de inibição de condução à luz especialmente do art.º 109.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 490/2015
(Recurso em processo penal)
Condenado recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 236 a 242 dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR2-13-0162-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o 2.º arguido B, já aí melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de um ano e três meses de prisão, e de um crime consumado de consumo de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 14.º da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, operado nos termos dos art.os 71.º e 72.º do Código Penal (CP), dessas duas penas com as penas então impostas nos Processos n.os CR1-13-0063-PCS, CR4-13-0275-PCS, CR1-13-0148-PCC e CR2-13-0303-PCS do TJB, finalmente na pena única de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova, e sob condição de sujeição ao acompanhamento por pessoal assistente social do Departamento de Reinserção Social (DRS) da Direcção dos Serviços de Justiça, e ao tratamento da toxicodependência, para além de ficar com a sanção de interdição de condução pelo período de dois anos e nove meses.
Veio o arguido B recorrer dessa decisão condenatória na parte atinente à pena de inerdição de condução, para pedir a este Tribunal de Segunda Instância (TSI) a suspensão da execução, por dois anos, dessa sanção, nos termos alegados na sua motivação apresentada a fls. 255 a 261 dos presentes autos correspondentes, na qual imputou à decisão recorrida, para sustentar a procedência da sua pretensão, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a violação do princípio da culpa e do princípio de ne bis in idem, a violação do disposto nos art.os 71.º e 72.º do CP, e a existência do vício de nulidade aludido no art.º 360.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP) (devido à falta de fundamentação da decisão de aplicação efectiva da interdição de condução).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 269 a 273, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 297 a 298v, pugnando pelo provimento do recurso na parte respeitante à pretendida suspensão da execução da pena de interdição de condução.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 236 a 242 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
Segundo a fundamentação fáctica tecida pelo Tribunal Colectivo sentenciador nesse aresto, na parte que interessa à solução do recurso sub judice:
– o arguido ora recorrente não confessou na audiência de julgamento os factos relativos ao imputado crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade;
– o crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade e o de consumo de estupefaciente por que vinha condenado o recorrente nesta vez foram praticados em Outubro de 2012;
– o recorrente declarou ser operário de construção civil;
– o recorrente não é delinquente primário:
– no Processo n.º CR1-13-0063-PCS, ficou condenado, em 11 de Abril de 2014, pela prática, em 23 de Dezembro de 2012, de um crime de consumo de estupefaciente, e de um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena única de quatro meses e quinze dias de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento pelo DRS e ao tratamento da toxicodependência, para além de ficar punido com pena de inibição de condução de um ano e três meses, suspensa na execução por um ano e seis meses;
– no Processo n.º CR4-13-0275-PCS, ficou condenado, em 22 de Outubro de 2013, pela prática, em 24 de Março de 2013, de um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e sujeição ao tratamento da toxicodependência, para além de ficar punido com pena de inibição de condução de um ano e seis meses, suspensa na execução por um ano, sob condição de prestação, dentro de um mês, de cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau;
– no Processo n.º CR1-13-0148-PCC, ficou condenado, em 8 de Janeiro de 2014, pela prática, em 6 de Maio de 2011, de um crime de consumo de estupefaciente, na pena de dois meses e quinze dias de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento pelo DRS e ao tratamento da toxicodependência, para além de não poder voltar a consumir a droga, nem contactar indivíduos toxicodependentes, nem tão-pouco fazer companhia com individuos malfeitores;
– e no Processo n.º CR2-13-0303-PCS, ficou condenado, em 27 de Janeiro de 2014, pela prática, em 18 de Novembro de 2011, de um crime de consumo de estupefaciente, na pena de dois meses e quinze dias de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e sujeição ao tratamento da toxicodependência, para além de não poder voltar a consumir a droga;
– sendo certo que em 8 de Outubro de 2014, foi operado o cúmulo jurídico das penas dos acima referidos quatro processos, do qual resultou a aplicação da pena única de nove meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento pelo DRS e ao tratamento da toxicodependência, para além da inibição de condução de dois anos e nove meses, suspensa na execução por dois anos.
Na fundamentação jurídica do mesmo acórdão ora recorrido, o Tribunal Colectivo sentenciador afirmou que o caso do recorrente está conforme com o disposto nos art.os 71.º e 72.º do CP, pelo que procedeu ao cúmulo jurídico das penas impostas no subjacente processo com as já aplicadas nos referidos quatro processos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Começa-se por conhecer da questão de falta de fundamentação no acórdão recorrido no tangente à feitura do cúmulo jurídico das penas.
Ante os elementos pertinentes já acima referenciados na parte II do presente acórdão de recurso, é de ver que no aresto recorrido, já estão identificados, com suficientes detalhes, os fundamentos fácticos subsumíveis ao disposto no art.º 72.º do CP, para efeitos do cúmulo jurídico do art.º 71.º do mesmo Código, pelo que estando também aí citados estes dois artigos, há que cair por terra a tese de falta de fundamentação na feitura do cúmulo jurídico das penas (por conhecimento superveniente), sendo certo que como a concessão da suspensão da pena é uma faculdade, e não uma obrigação ou um dever, do Triubnal sentenciador, se este Tribunal não decidiu em suspender a execução da pena de interdição de condução, não precisou, processualmente falando, de explicar a razão da não suspensão dessa pena. Não ocorre, pois, qualquer causa de nulidade cominada pelo art.º 360.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Daí que é também descabida a invocação, pelo recorrente, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada na impugnada decisão do cúmulo jurídico das penas, visto que este vício, previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP, diz respeito a eventual falta de investigação, pelo tribunal julgador, de alguma parte do objecto probando do processo, problema esse que nada tem a ver com o mérito, ou não, da decisão de aplicação efectiva da sanção de inibição de condução saída da operação do cúmulo jurídico das penas.
Por outro lado, como o cúmulo jurídico das penas foi operado no acórdão recorrido nos termos expressamente permitidos nos art.os 72.º e 71.º do CP, a decisão ora concretamente recorrida não pode violar estes dois artigos, nem violar os princípios da culpa ou de ne bis in idem, sendo de frisar que assiste naturalmente ao Tribunal sentenciador, depois de ponderados, em conjunto, os factos e a personalidade do recorrente em causa nos cinco processos acima referidos, a liberdade de formar o seu juízo de valor quanto à concessão, ou não, do benefício de suspensão da pena de interdição de condução finalmente achada na operação do cúmulo jurídico por conhecimento superveniente.
E como uma nota a final, não sendo o recorrente um motorista de profissão, há que afastar a priori qualquer hipótese de suspensão da pena de inibição de condução à luz especialmente do art.º 109.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário – cfr. a jurisprudência constante deste TSI em recursos congéneres anteriores.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com seis UC de taxa de justiça e duas mil e quinhentas patacas de honorários à Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
E comunique aos Processos n.os CR2-15-0019-PCS (com referência ao ofício de fl. 288) e CR3-15-0278-PCS (com referência ao ofício de fl. 320) e também aos Processos n.os CR1-13-0063-PCS, CR4-13-0275-PCS, CR1-13-0148-PCC e CR2-13-0303-PCS, todos do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 12 de Novembro de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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