Recurso nº 721/2014
Data : 2 de Julho de 2015
Assuntos: - Casos julgados contraditórios
- Modificação (ir)relevante da competência
- Juiz natural
SUMÁRIO
1. Perante dois casos julgados contraditórios, prevalece o primeiro – artigo 580º do Código de Processo Civil.
2. Formado o caso julgado, a situação jurídica que ele declarou e definiu torna-se imutável, não podendo situação ser alterada por caso julgado posterior. Pois, o novo caso julgado, destruindo o benefício que o caso julgado anterior assegurara à parte vencedora, é contrário à ordem jurídica, é, por assim dizer, um facto processual ilícito, e não deve, por isso, subsistir".
3. A competência fixa-se no momento em que o processo se inicia, excepto disposição em contrário, são irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.
4. A relevância da modificação posterior só pode ser estabelecida expressamente na lei, razão pela qual a deliberação do Conselho (tomada no campo da gestão de recursos humanos), relativamente aos presentes autos, não constitui uma modificação relevante da competência.
5. Tendo o mesmo juiz titular do processo iniciado o julgamento, deve ele continuar a intervir nos presentes autos até final, pois a sua intervenção nunca se concluiu enquanto a sua sentença veio a ser invalidada pelo tribunal de recurso que ordenou a sua intervenção como juiz natural.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 721/2014
Recorrentes: - B
- C
- D
- E
- F
Recorrido: A – Serviço e Sistema de Segurança. Limitada
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
I – Relatório
O Ministério Público acusou, tendo revertido o auto de notícia elaborado pela DSAL, contra a A – Serviço e sistema de Segurança, Limitada, pela prática de 8 contravenções previstas pelo artigo 17º do DL nº 24/89/M e punidas pelo artigo 50º nº 1 – c.
Os trabalhadores E, F, D, B e C deduziram os pedidos de indemnização cível contra a arguida nos seus precisos termos das respectivas peças processuais constantes dos autos (respectivamente dos autos de fls. 1060-1072, 1078-1090, 1096-1110, 1116-1130 e 1136-1148, cujos teor se dá por integralmente reproduzido.
Depois do julgamento, o Mm° Juiz proferiu a seguinte sentença, decidindo:
1. Julgar, por ser prescrita, improcedente a acusação contra A – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada pela prática de uma contravenção prevista pelo artigo 17 do D.L. n° 24/89/M, de 3 de Abril;
2. Julgar improcedentes as duas contravenções acusadas contra A – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada previstas pelo artigo 17 do D.L. n° 24/89/M, de 3 de Abril.
3. Condenar A – Serviços e Sistemas de Segurança pela prática de cinco contravenções previstas pelo artigo 17 e puníveis pelo artigo 50, n° 1 al. C) do D.L. n° 24/89/M, de 3 de Abril, na pena de, cada uma, de multa de MOP$1,500.00, totalmente no montante de MOP7,500.
4. Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnizações cíveis e em consequência condenar A – Serviços e Sistemas de Segurança a pagar aos seguintes trabalhadores, respectivamente:
- C: MOP4592.00;
- B: MOP7040.00;
- E: MOP268.00;
- D: MOP1,712.00;
- F: MOP268.00;
Montantes estes que devem ser acrescentados os juros, à taxa legal, desde do trânsito da sentença, até ao pagamento total e efectivo.
5) Julgar improcedentes os restantes pedidos.
6) o arguido ainda deve pagar a G pela compensação do montante de MOP2240.00, que acrescenta os juros, à taxa legal, desde do trânsito da sentença, até ao pagamento total e efectivo.
7) Custas, na parte de contravenção, pelo arguido, com a taxa de justiça de 3 UC’s.
8) Custas da parte dos pedidos de indemnização cível, a proporção do seu respectivo decaimento do arguido e os demandantes, dispensando, porém, os demandantes do pagamento das custas desta parte.
Com esta decisão não conformaram, recorreram os trabalhadores B, C, D, E, F, e os seus recurso obtiveram provimento e fora determinado que “verifica-se o caso uma falta absoluta da indicação das provas que serviram da formação da convicção do Tribunal, a sentença é nula na sua totalidade, devendo o mesmo Juiz, caso possível, saná-la em conformidade.”
Os processos foram concluídos ao mesmo juiz referido, ao que este declarara incompetente para julgar o caso por o Conselho dos Magistrados dos Tribunais ter colocado ele para o juízo cível, o que tornou a incompetência dele na intervenção nos presentes autos.
Foram os presente autos concluídos para o Mmº Juiz substituto e este, tendo entendido que não conseguiu inteirar na convicção do primitivo juiz, determinou proceder o novo julgamento, inclusivé a consignação da nova matéria de facto e decidiu o seguinte:
- 就民事當事人B所提出的強制性假日補償、疾病津貼、年資奬金及相關利息之請求(載於卷宗第1116至1130頁)方面,駁回對嫌疑人A有限公司之起訴;
- 判處嫌疑人A有限公司向民事當事人E支付週假補假之補償澳門幣41,717.22元,以及自本判決作出日至完全支付之日為止的法定利息;
- 判處嫌疑人A有限公司向民事當事人F支付週假補假之補償澳門幣32,801.60元,以及自本判決作出日至完全支付之日為止的法定利息;
- 判處嫌疑人A有限公司向民事當事人D支付週假補假之補償澳門幣50,964.87元,以及自本判決作出日至完全支付之日為止的法定利息;
- 判處嫌疑人A有限公司向民事當事人B支付週假補假之補償澳門幣57,368.87元,以及自本判決作出日至完全支付之日為止的法定利息;
- 判處嫌疑人A有限公司向民事當事人C支付週假補假之補償澳門幣43,488.55元,以及自本判決作出日至完全支付之日為止的法定利息;
- 駁回上述五名民事當事人其餘之請求。
As partes cíveis B, C, D, E e F não concordando com a decisão, recorreram conjuntamente, para esta Instância.
Correram os normais termos processuais, foram sugeridas as questões de saber se foi violado ou não ao princípio do Juiz natural e ao princípio de caso julgado.
Dado o cumprimento do contraditório ao que os recorrentes e a entidade patrona teceram os pareceres no sentido de não haver lugar a referida violação dos princípios, enquanto a Digna Procurado-Adjunto concordou com a opinada violação.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre conhecer.
Como acima ficou dito que o primeiro acórdão deste Tribunal quando decidiu declarar nula a sentença por falta de fundamentação, consistente na falta absoluta da indicação das provas que serviram da formação da convicção do Tribunal, devendo o mesmo Juiz, caso possível, saná-la em conformidade.
Esta decisão transitou em julgado, devendo ser rigorosamente cumprida em conformidade pelo Tribunal a quo, ou seja, devendo o mesmo juiz sanar a nulidade em conformidade.
Sendo certo, a declaração da incompetência daquele mesmo juiz não podia ser objecto da qualquer impugnação, logo, transitou em julgado.
Porém, perante dois casos julgados contraditórios, prevalece o primeiro – artigo 580º do Código de Processo Civil, aplicável ao presente processo penal ao abrigo do disposto no artigo 4º do Código de Processo Panal.
Na verdade, como ensinava Alberto dos Reis, "É fácil descobrir a ratio legis que inspirou a regra do artigo 675º(equivale ao artigo 580º do nosso Código); a razão da lei está na imperatividade ou na força obrigatória do caso julgado (artigos 671º e 672º). Formado o caso julgado, a situação jurídica que ele declarou e definiu torna-se imutável; portanto não pode tal situação ser alterada por caso julgado posterior. O novo caso julgado, destruindo o benefício que o caso julgado anterior assegurara à parte vencedora, é contrário à ordem jurídica, é, por assim dizer, um facto processual ilícito, e não deve, por isso, subsistir".1
Há que ver se a “causa de incompetência” invocada pelo mesmo Juiz (a deliberação do Conselho dos Magistrado dos Tribunais, quanto à colocação dos juízes) é ou não uma alteração relevante da competência.
Prevê o artigo 21º da Lei de Bases da Organização Judiciária que:
”1. A competência fixa-se no momento em que o processo se inicia.
2. Excepto disposição em contrário, são irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.
3. Em caso de modificação relevante da competência, o juiz ordena oficiosamente a remessa do processo pendente ao tribunal competente.“ (sublinhado nosso)
O artigo 13º do Código de Processo Civil estabeleceu este regime da determinação da competência.
Prevê ainda o artigo 23º nº 5 da mesma Lei de Bases que:
“Mantém-se até final do julgamento, nos termos do Estatuto dos Magistrados, a competência dos juízes que o tenham iniciado ou, sendo o caso, que tenham tido visto para o efeito.“
Quer isto dizer, a relevância da modificação posterior só pode ser estabelecida expressamente na lei, razão pela qual a deliberação do Conselho (tomada no campo da gestão de recursos humanos), relativamente aos presentes autos, não constitui uma modificação relevante da competência.
Como resultou dos autos, tendo o mesmo juiz titular do processo iniciado o julgamento, deve ele continuar a intervir nos presentes autos até final, pois a sua intervenção nunca se concluiu enquanto a sua sentença veio a ser invalidada pelo tribunal de recurso que ordenou a sua intervenção como juiz natural.
Assim sendo, a decisão do Tribunal de recurso transitada em primeiro lugar prevalece sobre a sua declaração de incompetência que venha a transitar posteriormente.
Pelo que, deve ser dado cumprimento ao acórdão deste Tribunal, o que implica a invalidação do julgamento e da decisão ora recorrida por violação do caso julgado já formado no acórdão do Tribunal de recurso.
Decidido este incidente, o recurso perde o objecto e o seu conhecimento ficou prejudicado.
IV – Decisão
Pelos expostos, acordam oficiosamente neste Tribunal de Segunda Instância em mandar cumprir o julgado no acórdão de 28/2/2014 (fls 1525-1545 dos autos).
Sem custas nesta instância.
RAEM, aos 2 de Julho de 2015
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
1 Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 193 e ainda Rodrigues Bastos em Notas ao Código de Processo Civil.
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TSI-721/2014 P.5