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Processo nº 601/2015 Data: 02.07.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico”, “consumo” e “detenção de utensilagem”.
Pena.
Atenuação especial.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial da pena (nos termos do art. 66° do C.P.M.) só deve ter lugar em situações “excepcionais” ou “extraordinárias”, ou seja, “quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 601/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação pública e em audiência colectiva respondeu, no T.J.B., A, (2°) arguido com os sinais dos autos.

Realizado o julgamento, decidiu o Colectivo, condenar o dito arguido como autor da prática em concurso real de:

- 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelos art°s 8°, n.° 1 e 10°, n.° 7 da Lei n.° 17/2009, na pena de 10 anos de prisão; e
- 1 crime de “detenção para consumo” e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelos art°s 14° e 15° da mesma Lei n.° 17/2009, nas penas parcelares de 2 meses de prisão cada.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 10 anos e 2 meses de prisão; (cfr., fls. 756 a 767-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o identificando (2°) arguido recorreu, pedindo (apenas) a redução da pena aplicada para o crime de “tráfico” p. e p. pelos art. 8°, n.° 1, 10°, n.° 7 da Lei n.° 17/2009 (cfr., fls.782 a 790-v).

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Respondendo, é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que a decisão recorrida não merece nenhuma censura, devendo ser objecto de total confirmação; (cfr., fls. 793 a 798).

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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.782 a 790v. dos autos, o recorrente as sacou ao Acórdão recorrido a violação do disposto nos arts. 40°, 65° e 66° n.° 1-c) do Código Penal, por lhe parecer excessivamente severa a pena única de dez anos e dois meses de prisão efectiva, alegando repetidamente a confissão espontânea de todos os factos ilícitos, e ainda o arrependimento.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (efr. fls.793 a 798 dos autos), no sentido de não provimento do presente recurso. E, com efeito, não temos nada, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Bem avaliada, a alegada confissão espontânea não mostra relevante para a descoberta da verdade dos factos, visto que o recorrente foi detido em flagrante delito e, nomeadamente, a P.J. tinha já tomado conhecimento da identidade dos três arguidos.
No ordenamento jurídico de Macau, a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, e não é uma qualquer das circunstâncias previstas no n. °2 do art.66. ° do Código Penal ou semelhantes logo capaz de accionar o regime de atenuação especial da pena, antes tem de apreciar todo o quadro da actuação do agente para ponderar a atenuação especial e encontrar a medida concreta da pena. Com efeito, «Para poder beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.66.° do Código Penal, é necessário que se verifica uma situação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, em resultado da existência de circunstâncias com essa virtualidade.» (Acórdão do TUI no Processo n.°20/2004)
E em regra, «para que seja possível accionar o mecanismo de atenuação especial ou dispensa da pena previsto no art.18.° da Lei n.°17/2009, é necessário que as provas fornecidas sejam tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas de certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento.» (Acórdão do TUI no Processo n.°34/2010)
De outro lado, importa ter presente que para efeitos de atenuação especial da pena, o arrependimento só é relevante se se traduzir em actos concretos demonstrativos de tal sentimento (Ac. do TUI no Proc. n.°34/2010). E a mera colaboração com autoridade policial bem como a confissão não tem condão do arrependimento consignado na c) do n.°2 do art.66° do CP.
Em esteira, não podemos deixar de perspectivar que o douto Acórdão recorrido não infringe as disposições nos arts.40°, 65° e 66° n.° 1-c) do Código Penal. Nesta linha de vista, afigura-se-nos inatacável o aresto do Tribunal a quo, e, assim, necessariamente inviável o pedido de redução da pena única de dez anos e dois meses de prisão efectiva.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 830 a 831)

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Nada obstando, cumpre apreciar e decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 759 a 763-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Diz o recorrente que excessiva é a pena que lhe foi aplicada – tanto quanto nos parece, apenas – pelo crime de “tráfico de estupefacientes”, (visto que em toda a motivação e conclusões do recurso só se refere a este crime).

Dúvidas não havendo que a conduta do ora recorrente (dada como provada) integra o crime em questão, pouco há a acrescentar ao já considerado pelo Ilustre Procurador Adjunto cujo Parecer aqui se dá como reproduzido.

Vejamos.

Ao crime de “tráfico de estupefacientes” cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009).

No caso, entendeu o Colectivo a quo que verificada estava a “circunstância agravante” do art. 10°, n.° 7 da referida Lei n.° 17/2009, (“fizer da prática do crime modo de vida”), pelo que, a referida pena de 3 a 15 anos de prisão foi objecto de uma agravação “de um terço no seu limite mínimo e máximo”, passando a ser de 4 a 20 anos de prisão.

E, não sendo caso de “atenuação especial da pena” – pois que como temos entendido, esta só deve ter lugar em situações “excepcionais” ou “extraordinárias”, ou seja, “quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011, de 05.12.2013, Proc. n° 715/2013, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n° 22/2015) – há pois que se confirmar a pena de 10 anos de prisão fixada.

Com efeito, a alegada “confissão” tem, no caso, (até por ser parcial, o que, por si, afasta qualquer “arrependimento”), pouco valor atenuativo, uma vez que o arguido já estava identificado, (cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 118/2014), certo sendo que não é caso de aplicação do art. 18° da Lei n.° 17/2009, (cfr., v.g., Ac. do T.U.I. de 24.09.2014, Proc. n.°94/2014), e como tem este T.S.I. entendido, “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 13.01.2015, Proc. n° 13/2015).

Por sua vez, nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, nesta conformidade, face à matéria de facto dada como provada – da qual se destaca o facto de o ora recorrente se dedicar ao “tráfico de droga” há vários meses antes de ser detido, que lhe foi encontrada uma quantidade de estupefaciente superior a 350 gramas, e que não era primário – atenta a moldura penal em questão, (4 a 20 anos de prisão), e evidentes sendo as prementes necessidades de prevenção (especial e geral), à vista está a solução.

Tudo visto, confirmando-se a pena impugnada, impõe-se a improcedência do recurso.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam julgar improcedente o recurso do (2°) arguido A.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1,800.00.

Macau, aos 02 de Julho de 2015

José Maria Dias Azedo [Nos termos da minha declaração de voto anexa ao Acórdão de 31.03.2011, Processo n.° 81/2011].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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