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Processo n.º 72/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorridos: B, C, D e E.
Assunto: Resolução. Cessão da posição contratual.
Data do Acórdão: 4 de Dezembro de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
A resolução extrajudicial de cessão da posição contratual só é possível se for dirigida a todas as partes, incluindo ao cedido.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A intentou acção declarativa contra B (1.ª ré), C (2.ª ré) e marido D(3.º réu), pedindo, a título principal, se declare vendida à autora a fracção autónoma para habitação designada por H17, [Endereço (1)] e [Endereço (2)], com fundamento em incumprimento de 2 contratos-promessa de compra e venda.
Subsidiariamente, pediu (i) a condenação dos 2.º e 3.º réus a pagarem à autora o dobro do sinal pago, no montante de HK$700.000,00, bem como (ii) a quantia de MOP$15.311,00 correspondente a 0,5% do imposto de selo pago.
Mais tarde, a autora chamou E para intervir como réu, o que foi deferido.
Por sentença de 1 de Julho de 2014, foi o pedido principal julgado procedente.
Recorreram os 2.º e 3.º réus, C e D, para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 7 de Maio de 2015, concedeu provimento parcial ao recurso dos réus, revogando a sentença, absolveu os réus do pedido principal, absolveu os réus da instância do pedido subsidiário atinente à condenação no pagamento em dobro do sinal pago e condenou os 2.º e 3.º réus a pagarem à autora o 2.º pedido subsidiário, relativo ao pedido de pagamento da quantia de MOP$15.311,00 correspondente a 0,5% do imposto de selo pago.
Recorre, agora, para este Tribunal de Última Instância (TUI) a autora A, alegando que:
- O acordo de 25 de Maio de 2010 foi uma cedência da posição contratual dos 2.º e 3.º réus no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009;
- O acto de resolução unilateral, dos 2.º e 3.º réus, do acordo de 25 de Maio de 2010, que teve lugar em 11 de Maio de 2011, não produz efeito porque a 1.ª ré não foi notificada desta resolução;
- A autora tem interesse em agir no que toca ao pedido de condenação do sinal em dobro, porque os 2.º e 3.º réus não efectuaram tal pagamento à autora.

II – Factos
Estão provados os seguintes factos:
- A fracção autónoma, sita em [Endereço (1)] e [Endereço (2)], 17.º andar, apartamento H, descrita na CRP sob o n.º XXXXX, inscrito em nome da 1ª ré sob o artigo XXXXXX. (alínea A) dos factos assentes).
- Por escritura pública de 30 de Setembro de 2011, a 1ª Ré vendeu a E e este comprou àquela a fracção autónoma mencionada em A) (alínea B) dos factos assentes).
- Por inscrição provisória n.º XXXXXX, encontra-se registada a favor do E a aquisição referida em B) (alínea C) dos factos assentes).
- Através de acordo escrito assinado no dia 25 de Novembro de 2009, a 1ª Ré prometeu vender aos 2ª e 3º Réus, e estes prometeram comprar, pelo valor de HKD$2.200.000,00 a fracção autónoma mencionada em A) dos factos assentes, cujo teor consta do documento a fls. 21 e 22, que se dá aqui totalmente reproduzido (resposta ao quesito da 1º da base instrutória), mediante o seguinte texto:
Parte A: B, do sexo feminino, solteira, maior, da nacionalidade chinesa, titular do BIRM nn.º XXXXXXX(X), emitido pela DSI em 18 de Março de 2009, residente em [Endereço (3)].
Parte B: C, do sexo feminino, casada com o cônjuge D sob regime da comunhão geral de bens, da nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), emitido pela DSI em 10 de Setembro de 2003, residente em [Endereço (4)].
A parte A venderá à parte B a fracção autónoma “H17” destinada à habitação, sita em [Endereço (1)] e [Endereço (2)], 17º andar, apartamento H, descrita na CRP sob o n.º XXXXX, que a parte B promete comprar, as partes acordam estipular as condições de compra e venda e observam o seguinte:
1. A fracção referida é vendida pelo preço de HKD$2.200.000,00.
2. Modo de pagamento:
a) Antes da celebração do presente contrato, a parte B já pagou à parte A o sinal no montante de HKD$200.000,00;
b) No dia da celebração do presente contrato, a parte B paga à parte A um outro sinal no montante de HKD$500.000,00;
c) O restante valor de HKD$1.500.000,00 será pago por livrança bancária de Macau até 31 de Outubro de 2011.
3. Quando a parte B pagar a quantia indicada no art.º 2.º alínea c), a parte A é obrigada a:
a) Desonerar completamente a fracção;
b) Celebrar a escritura de compra e venda para transmitir à parte B o prédio a vender.
4. Ao celebrar o presente contrato, a parte A já pagou integralmente o foro, a contribuição predial, a despesa de condomínio, as custas de água e electricidade da fracção referida, essas quantias futuras serão pagas pela parte B.
5. Após assinado o presente contrato, a parte A não pode prometer ceder ou ceder a fracção referida a terceiros ou onerar a fracção, sob pena de incumprimento definitivo.
6. As partes acordam constituir o Advogado F para proceder aos trâmites de celebração da escritura de compra e venda.
7. Ao celebrar a escritura de compra e venda indicada no art.º 3.º alínea b), a parte B tem o poder de consignar qualquer terceiro para substituir a sua posição em completar o negócio.
8. Todas as custas a pagar para completar o negócio (imposto de selo, despesa de estipulação de contrato, despesa de registo e honorário do advogado, etc.) ficam a cargo da parte B.
9. A fracção referida está em arrendamento ao terceiro, pela renda mensal de HKD$4.500,00, até 24 de Novembro de 2010, a renda decorrente do período é recebida pela parte B e a renda a título de caução é guardada pela parte A. Quando terminar o prazo de arrendamento ou o inquilino desistir de aluguer, a parte A delega à parte B o poder de escolher o destino da fracção à habitação própria ou arrendamento; se a parte B escolher dar a fracção em arrendamento, considera-se que desiste do destino de habitação própria, a parte B tem o direito a continuar a cobrar a renda até o fim do prazo de arrendamento, e assim sucessivamente.
10. Desde o dia da celebração do presente contrato, a parte B é responsável por qualquer acidente ocorrido a essa fracção, não tem nada a ver com a parte A.
11. Após assinado o presente contrato, a parte A tem de vender a fracção e a parte B tem de comprar a fracção, sob pena de perda do sinal. Se a parte B quebrar o contrato, a parte A tem direito a dispor livremente o imóvel referido e confiscar todo o sinal recebido; se a parte A quebrar o contrato, é obrigada a indemnizar a parte B no dobro do sinal. As partes podem pedir execução específica nos termos do art.º 820.º do Código Civil quando a outra não cumprir o contrato.
12. O endereço para correspondência das partes segue o constante do presente contrato, todas as notificações são enviadas por carta registada ao endereço constante do presente contrato. Caso qualquer parte altere o endereço, deve notificar a outra imediatamente por carta registada. Os documentos enviados por qualquer parte ao endereço constante do presente contrato consideram-se recebidos pela outra após 5 dias da remessa.
13. As demais situações seguem a lei vigente de Macau.
14. O presente contrato é celebrado voluntariamente pelas partes com consentimento completo; é elaborado em triplicado, ficando cada parte com um exemplar e um arquivado no escritório do advogado F.
15. A parte A declarou que recebeu o sinal indicado no art.º 2.º alíneas a) e b) no montante total de HKD$700.000,00.
- Depois de a 1ª Ré e os 2ª e 3º Réus terem assinado o acordo acima referido, a 1ª Ré entregou a fracção mencionada em A) dos factos assentes aos 2ª e 3º Réus (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- No dia 24 de Maio de 2010, os 2ª e 3º Réus celebraram com a Autora o acordo escrito junto a fls 25 e 26 dos autos, através o qual, os primeiros declaram vender a fracção autónoma em A) dos factos assentes ao segundo pelo valor de HKD$2.600.000,00 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Naquele dia, a Autora pagou aos 2ª e 3º Réus o valor de HKD$50.000,00 a título do sinal para comprar a mesma fracção (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- No dia 25 de Maio de 2010, os 2ª e 3º Réus e a Autora celebraram um acordo denominado por “contrato-promessa de compra e venda de imóvel” sob o testemunho do advogado F, com o seguinte teor (resposta ao quesito da 5º da base instrutória):
Contrato-promessa de compra e venda de imóvel
1ºs outorgantes: C e o seu marido D, casados sob o regime de comunhão geral, ambos de nacionalidade chinesa, portadores respectivamente do BIRM n.º XXXXXXX(X) emitido pela DSI a 10 de Setembro de 2003 e do BIRM n.º XXXXXXX(X) emitido pela DSI a 15 de Setembro de 2003, residentes em Macau, Taipa, [Endereço (4)].
2ª outorgante: A, de sexo feminino, solteira, maior, de nacionalidade chinesa, portador do BIRM n.º XXXXXXX(X) emitido pela DSI a 7 de Dezembro de 2006, residente em Macau, [Endereço (5)].
Por a proprietária B da fracção autónoma “H17” para habilitação, sita em Macau, Taipa, [Endereço (1)] e [Endereço (2)](descrição n.º XXXXX da CRP), ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda com os 1ºs outorgantes, prometendo vender a mesma fracção aos 1ºs outorgantes, estes prometem vendê-la à 2ª outorgante, e esta promete comprar, estando ambas as partes dispostas a estipular e a acordar em cumprir as seguintes condições:
1. O preço da venda da aludida fracção é de dois milhões e seiscentos mil dólares de Hong Kong (HKD$2.600.000,00)
2. Modo de pagamento:
a) Antes de celebrar o presente contrato, a 2ª outorgante entregou aos 1ºs outorgantes o valor de cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$50.000,00) a título de sinal;
b) Na data de celebração do presente contrato, a 2ª outorgante paga aos 1ºs outorgantes o valor de trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD$300.000,00);
c) O remanescente de dois milhões e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$2.250.000,00), será pago por ordem de pagamento bancário de Macau antes ou no dia 31 de Outubro de 2011.
3. Quando a 2ª outorgante paga o valor do número 2, alínea C), a proprietária da mesma fracção deve
a) Liquidar todos os encargos da mesma fracção;
b) Outorgar a escritura a transmitir o imóvel a favor da 2ª outorgante.
4. Ao celebrar o presente contrato, os 1ºs outorgantes devem liquidar o foro, a contribuição predial, as despesas de condomínios, as despesas de água e de electricidade da aludida fracção, as despesas despendidas depois correrão por conta da 2ª outorgante.
5. Após a celebração do presente contrato, os 1ºs outorgantes não podem prometer ceder ou ceder a aludida fracção a terceiro, ou constituir encargo sobre a mesma fracção, sob pena de ser considerado incumprimento efectivo.
6. Os 1ºs e 2ª outorgantes concordam em mandatar o advogado F para tratar das formalidades de escritura de compra e venda.
7. Ao outorgar a escritura referida no número 3º, al. b), a 2ª outorgante pode nomear qualquer terceiro para a substituir na compra e venda.
8. Todas as despesas relacionadas com a compra e venda (o imposto de selo, as despesas com a outorga de escritura, com o registo, bem como com os honorários de advogado, etc.) correrão por conta da 2ª outorgante.
9. A aludida fracção está arrendada a terceiro com a renda mensal de quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$4.500,00), com prazo de arrendamento até 24 de Novembro de 2010, a renda adquirida neste período ficará a favor da 2ª outorgante, e a caução fica guardada pela proprietária. Depois de o prazo de arrendamento expirar ou o inquilino fazer cessar o arrendamento, a 2ª outorgante pode escolher entre habitar na fracção ou continuar a arrendá-la, caso a 2ª outorgante escolher pelo arrendamento, é considerado como desistência de a servir de habitação própria, a 2ª outorgante terá direito de continuar a receber a renda, até expirar o contrato de arrendamento.
10. Desde a data de celebração do presente contrato, qualquer incidente emergente da mesma fracção fica ao cargo da 2ª outorgante, deixando de ter relação com o 1º outorgante.
11. Depois de celebração do presente contrato, caso a 2ª outorgante se retractar na compra, os 1.os outorgantes poderão tomar para si o sinal cobrado; caso os 1.os outorgantes se retractarem na venda, os 1.os outorgantes restituirão à 2.ª outorgante o dobro do sinal já efectuado.
12. O endereço constante neste contrato é considerado o endereço de contacto dos outorgantes, todos os avisos serão enviados por carta registada ao endereço constante neste contrato. Caso qualquer outorgante alterasse o endereço, deve de imediato notificar o outro outorgante com carta registada, caso contrário, o documento enviado por qualquer parte conforme o endereço constante no presente contrato é considerado chegado à outra parte cinco dias após ter remetido o documento.
13. Em todo o que é omisso no presente contrato-promessa, as disposições legais vigentes em Macau são aplicáreis.
14. O presente contrato é celebrado em triplicado, ficando os 1ºs outorgantes e a 2ª outorgante cada um com um exemplar para servir de consto; e um exemplar fica depositado no escritório de advogado.
15. Os 1ºs outorgantes declaram ter recebido da 2ª outorgante o sinal referido no número 2, al. a) e b), no valor de trezentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$350.000,00)
Aos 25 de Maio de 2010 em Macau
1ºs outorgantes: (ass.) vide o original
2ª outorgante: (ass.) vide o original
Testemunha: (ass.) vide o original
- No dia 25 de Maio de 2010, a Autora entregou aos 2ª e 3º Réus uma ordem de pagamento no valor de HKD$300.000,00 a título de sinal de comprar a mesma fracção (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- A 1ª Ré tinha conhecimento e conformou-se com a transmissão da fracção autónoma à autora (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- A Autora pagou à DSF de Macau o imposto de selo de transmissão intercalar de 0,5%, no valor de MOP$15.311,00, em relação da fracção mencionada em A) dos factos assentes (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Depois de expirar o prazo de arrendamento referido no número 9º do contrato de 25 de Maio de 2010, a 1ª Ré arrendou a mesma fracção a I através a Fomento Predial G Limitada no dia 13 de Dezembro de 2010 (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- No dia 11 de Maio de 2011, os 2ª e 3º Réus mandatarm a advogada H para enviar uma cartar à autora, na qual manifestou que eram incapazes de cumprir o contrato-promessa de compra e venda de imóvel assinado com a autora no dia 25 de Maio de 2010, uma vez que os 2ª e 3º Réus tinham cedido a posição contratual da mesma fracção a terceiro no dia 6 de Abril de 2011 (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Em 06 de Abril de 2011, os 2ª e 3º Réus celebraram com E o acordo escrito junto a fls. 76 e 77 através do qual aqueles cederam a este a sua posição contratual de promitentes-compradores no contrato-promessa referido na resposta ao quesito 1º (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Ao não inserir a cláusula que permite ao promitente-comprador recorrer à execução específica no caso de se verificar incumprimento por parte do promitente-vendedor no contrato aludido na resposta ao quesito 5º, os 2º e 3º Réus quiseram excluir a possibilidade de recurso à execução específica (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).

III – O Direito
1. As questões a resolver
São as suscitadas pela autora, ora recorrente.

2. Os termos do litígio
É pacífico que, por escrito de 25 de Novembro de 2009, a 1.ª ré prometeu vender e os 2.º e 3.º réus prometeram comprar a fracção dos autos, de que a primeira era proprietária.
O contrato definitivo não foi realizado.
Não obstante, por escrito de 25 de Maio de 2010, os 2.º e 3.º réus declararam prometer vender e a autora declarou prometer comprar a fracção dos autos, embora os primeiros não tivessem, ainda, adquirido a fracção, nem o viessem a fazer.
Entretanto, em 6 de Abril de 2011, os 2.º e 3.º réus cederam a sua posição contratual no contrato-promessa de 25 de Novembro de 2009 (promitentes-compradores) a um terceiro e, por escritura de 30 de Setembro de 2011, a 1.ª ré, proprietária da fracção e promitente-vendedora no contrato de 2009, vendeu-a ao terceiro.
Entretanto, em 11 de Maio de 2011, os 2.º e 3.º réus resolveram o acordo de 25 de Maio de 2010 celebrado com a autora, disponibilizando-se para indemnizar a autora, pagando em dobro o sinal recebido.
A autora pretendeu com esta acção a execução específica do contrato-promessa celebrado em 25 de Novembro de 2009, sustentando a tese de que o acordo de 25 de Maio de 2010 não foi um contrato-promessa de compra e venda, mas antes uma cessão da posição contratual dos 2.º e 3.º réus à autora no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009.
Já para os 2.º e 3.º réus o acordo de 25 de Maio de 2010 foi um contrato-promessa de compra e venda, embora de bem alheio, já que ainda não eram proprietários da fracção, pelo que não pode ter lugar a execução específica desse contrato-promessa.
E também para os 2.º e 3.º réus não pode proceder a execução específica do contrato-promessa celebrado em 25 de Novembro de 2009, pela simples razão de que a autora não é parte em tal contrato, visto que o acordo de 25 de Maio de 2010 não operou qualquer cedência de posição contratual no acordo de 2009.
A sentença de 1.ª instância deu razão à autora, considerando que o acordo de 25 de Maio de 2010 não foi um contrato-promessa de compra e venda, mas antes uma cedência da posição contratual dos 2.º e 3.º réus no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009.
O acórdão recorrido, sem tomar posição na disputa fundamental, a de saber se o acordo consubstanciado no escrito de 25 de Maio de 2010 foi um contrato-promessa de compra e venda ou antes uma cessão da posição contratual, entende que não é possível a execução específica do contrato-promessa de 25 de Novembro de 2009, pelo seguinte:
De duas uma,
   - Ou o acordo de 25 de Maio de 2010 é um contrato-promessa de compra e venda, embora de bem alheio, e então a autora não pode pedir execução específica do contrato-promessa celebrado em 25 de Novembro de 2009, por não ser parte nele.
- Ou o acordo de 25 de Maio de 2010 foi uma cedência da posição contratual dos 2.º e 3.º réus no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009.
Ora, como os 2.º e 3.º réus resolveram unilateralmente o acordo de 25 de Maio de 2010, em 11 de Maio de 2011, e a autora não impugnou esta extinção do contrato de 25 de Maio de 2010, não operou a cessão da posição contratual, pelo que a autora não ingressou como parte no contrato de 25 de Novembro de 2009, não podendo pedir a sua execução específica.
Em qualquer dos casos, o pedido principal seria improcedente.

3. As teses do acórdão recorrido
Apreciemos, as teses do acórdão recorrido.
(i) Se o acordo de 25 de Maio de 2010 é um contrato-promessa de compra e venda, embora de bem alheio, a autora não pode pedir execução específica do contrato-promessa celebrado em 25 de Novembro de 2009, por não ser parte nele.
Na verdade, pelo contrato-promessa de 25 de Novembro de 2009, a 1.ª ré prometeu vender e os 2.º e 3.º réus prometeram comprar a fracção dos autos, de que a primeira era proprietária.
A autora não é parte em tal contrato, ela apenas interveio no contrato de 25 de Maio de 2010. Ainda que se entenda que este é um contrato-promessa, pelo qual os 2.º e 3.º réus prometeram vender e a autora prometeu comprar a fracção dos autos, ela só poderia requerer a execução específica deste contrato, mas não do de 2009. E não o faz, porque tal execução específica não seria possível já que os 2.º e 3.º réus não são nem nunca foram proprietários da fracção.
Em conclusão, nada a censurar ao entendimento do acórdão recorrido, na suposição de que o acordo de 25 de Maio de 2010 é um contrato-promessa de compra e venda.
(ii) Diz, ainda, o acórdão recorrido que, se o acordo de 25 de Maio de 2010 foi uma cessão da posição contratual dos 2.º e 3.º réus no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009, como os 2.º e 3.º réus resolveram unilateralmente o acordo de 25 de Maio de 2010, em 11 de Maio de 2011, e a autora não impugnou esta extinção do contrato de 25 de Maio de 2010, não operou a cessão da posição contratual, pelo que a autora não ingressou como parte no contrato de 25 de Novembro de 2009, não podendo pedir a sua execução específica.
Este entendimento pareceria, à primeira vista, também óbvio. A resolução de um contrato é uma extinção unilateral do contrato. Se a autora não impugnou tal resolução operou-se a extinção do acordo de 25 de Maio de 2010, pelo que não se efectivou a cessão da posição contratual dos 2.º e 3.º réus no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009, para a autora. Esta não ingressaria, portanto, como parte, no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009. Logo, não poderia pedir o cumprimento deste contrato, por via da sua execução específica.
Só que o acórdão recorrido não considerou uma questão, justamente chamada à colação pela autora, ora recorrente. O acto de resolução unilateral, dos 2.º e 3.º réus, do acordo de 25 de Maio de 2010, que teve lugar em 11 de Maio de 2011, não produz efeito porque não consta dos factos provados que a 1.ª ré tenha sido também destinatária da resolução.
Como se sabe, a cessão é um contrato em que intervêm três partes, o cedente, o cessionário e o cedido.
No caso dos autos, os cedentes seriam os 2.º e 3.º réus, a cessionária a autora e a cedida seria a 1.ª ré.
Ora, parece inquestionável que o cedido “é um dos participantes do contrato, visto este só poder considerar-se consumado com a prestação do seu consentimento”1.
Assim, qualquer resolução da cessão só poderia ser efectiva se fosse feita mediante declaração a todas as partes (artigo 430.º do Código Civil).
Não resultando dos autos que a 1.ª ré tenha recebido tal declaração de resolução, não podemos dizer que a resolução da cessão foi operante, pelo que a tese do acórdão recorrido não pode ser sufragada.
Não tendo o acórdão recorrido tomado partido na qualificação do acordo consubstanciado no escrito de 25 de Maio de 2010, se contrato-promessa de compra e venda entre 2.º e 3.º réus e autora ou cessão da posição contratual dos 2.º e 3.º réus no contrato-promessa de compra e venda de 25 de Novembro de 2009, à autora, cumpre, agora, fazê-lo.

4. Qualificação do acordo consubstanciado no escrito de 25 de Maio de 2010
Pelo acordo de 25 de Maio de 2010, os 2.º e 3.º réus declararam prometer vender e a autora declarou prometer comprar a fracção dos autos, pelo preço de HKD$2.600.000,00.
A autora entregou logo aos 2.º e 3.º réus HKD$350.000,00, ficando de pagar os remanescentes HKD$2.250.000,00 até 31 de Outubro de 2011.
Acordaram que, logo que a autora pagasse a totalidade do preço, a 1.ª ré outorgaria a escritura pública de compra e venda da fracção.
Por outro lado, o acordo, que foi celebrado em escritório de advogado, tem o título de contrato-promessa de compra e venda de imóvel.
É certo que a qualificação jurídica das partes pode não ser exacta, não se impondo ao tribunal, mas é suposto que um advogado saiba distinguir um contrato-promessa de compra e venda de uma cessão da posição contratual.
A cláusula 11.ª, em que se convencionou que “Depois de celebração do presente contrato, caso a 2.ª outorgante se retractar na compra, os 1.os outorgantes poderão tomar para si o sinal cobrado; caso os 1.os outorgantes se retractarem na venda, os 1.os outorgantes restituirão à 2.ª outorgante o dobro do sinal já efectuado”, é típica das consequências de incumprimento de contrato-promessa.
A circunstância de o acordo mencionar o/a proprietária, nada adianta para a qualificação do contrato.
Acresce que, se houvesse intenção de as partes celebrarem uma cessão da posição contratual, certamente teriam feito intervir a proprietária da fracção, o que não só não fizeram, como nem sequer colheram o seu consentimento por escrito. Um advogado experiente não teria deixado de o fazer, já que, em caso de litígio, sempre poderia não ser fácil a prova do consentimento da proprietária da fracção e parte no contrato-base, o de 25 de Novembro de 2009, consentimento esse essencial à cessão da posição contratual.
Na sentença de 1.ª instância dá-se muita relevância ao facto de a cláusula 3.ª dizer que “Quando a 2ª outorgante paga o valor do número 2, alínea C), a proprietária da mesma fracção deve a) Liquidar todos os encargos da mesma fracção; b) Outorgar a escritura a transmitir o imóvel a favor da 2ª outorgante” e acrescenta-se na sentença que se o acordo fosse um contrato-promessa quem deveria outorgar a escritura de compra e venda seriam os 2.º e 3.º réus, promitentes-vendedores e não a proprietária, que não interveio no acordo.
Mas não é assim.
No contrato-promessa de 25 de Novembro de 2009 convencionou-se (cláusula 7.ª) que os promitentes-compradores, os 2.º e 3.º réus, “Ao celebrar a escritura de compra e venda … têm o poder de consignar qualquer terceiro para substituir a sua posição em completar o negócio”. Logo, aquele facto não descaracterizaria o contrato-promessa de 25 de Maio de 2010.
Ainda, a circunstância de, no acordo de 25 de Maio de 2010, a autora ter entregue aos 2.º e 3.º réus HKD$350.000,00, ficando de pagar os remanescentes HKD$2.250.000,00 até 31 de Outubro de 2011, indicia tudo menos uma cessão da posição contratual. Se esta tivesse ocorrido, seria normal que a autora, ingressando, nessa ocasião, na posição de promitente-compradora no acordo de 25 de Novembro de 2009, tivesse feito todos os pagamentos devidos aos 2.º e 3.º réus, já que estes teriam efectuado toda a prestação a que se obrigavam, que consistiria na cessão da posição contratual. Ou seja, em condições normais, o pagamento parcial só é compatível com uma situação em que a contraparte ainda não prestou, como por exemplo quando promete vender um bem em que a totalidade do pagamento só ocorre com o contrato definitivo. Não já assim, quando a parte prestou tudo o que havia a prestar.
Por fim, os pagamentos feitos pela autora aos 2.º e 3.º réus (HKD$350.000,00) e o que se obrigou a fazer posteriormente (HKD$2.250.000,00) perfaziam o montante do preço total da fracção (HKD$2.600.000,00), que ela se obrigou a comprar aos réus.
Mas se a tese da sentença de 1.ª instância fosse exacta, a de que com o acordo de 25 de Maio de 2010, a autora ingressou na posição de promitente compradora no acordo 25 de Novembro de 2009, então a autora teria de cumprir este contrato-promessa e de pagar o montante que os promitentes-compradores ainda não haviam pago (HKD$1.500.000,00) à 1.ª ré, bem como pagar os remanescentes HKD$2.250.000,00, do contrato de cessão, aos 2.º e 3.º réus. Teria a autora de pagar na totalidade HKD$4.100.000,00, pela fracção, quando a intenção das partes era a de que a autora comprasse a fracção por HKD$2.600.000,00. Aliás, a autora para obter a execução específica só depositou nos autos o montante de HKD$2.250.000,00 (fls. 209), o que levaria à improcedência da acção e desmente a tese da cessão, já que a autora, o que pretendeu com tal depósito, foi cumprir o contrato de 25 de Maio de 2010, tacitamente qualificando-o como contrato-promessa.
Daqui se vê que a tese da cessão da posição contratual não tem fundamento.
Conclui-se, deste modo que o acordo de 25 de Maio de 2010 é um contrato-promessa de compra e venda.
Assim, não é possível a execução específica do contrato-promessa de 25 de Novembro de 2009, porque a autora não foi parte no mesmo nem ingressou, posteriormente, na posição de promitente-compradora.
Improcede o pedido principal, tal como decidiu o acórdão recorrido.

5. Interesse processual
Cabe, agora, apurar se a autora tem interesse processual em pedir a condenação no pagamento do sinal em dobro.
O acórdão recorrido absolveu os réus da instância do pedido subsidiário atinente à condenação no pagamento em dobro do sinal pago, com o argumento de que autora não tem interesse em agir uma vez que os 2.º e 3.º réus aceitaram pagar o sinal em dobro, pelo que não haveria litígio.
Só que, tratando-se de pedido de condenação e estando a obrigação vencida, só não haveria interesse processual se o autor dispusesse de título com manifesta força executiva, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 73.º do Código de Processo Civil.
Como a autora não dispõe de título executivo, tem interesse processual.
Quanto ao mérito, é pacífico que os 2.º e 3.º réus não cumpriram o contrato-promessa de 25 de Maio de 2010, pelo que se impõe a sua condenação no pagamento do sinal prestado em dobro, nos termos do artigo 436.º, n.º 2, do Código Civil.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se parcial provimento ao recurso, mantendo-se a absolvição dos réus do pedido de execução específica do contrato-promessa de 25 de Novembro de 2009 e, revogando o acórdão recorrido na parte em que absolveu os 2.º e 3.º réus da instância relativo ao pedido de condenação em dobro do sinal recebido, condenam os 2.º e 3.º réus a pagar à autora o dobro do sinal recebido, ou seja, HK$700.000,00 (setecentos mil dólares de Hong Kong).
Custas pela autora e 2.º e 3.º réus, na proporção de 70% e 30%, respectivamente, em todas as instâncias.
Macau, 4 de Dezembro de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, Volume II, reimpressão da 7.ª edição, 2001, p. 412. No mesmo sentido, CARLOS DA MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, Almedina, reimpressão, 2003, p. 194 e 195.
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Processo n.º 72/2015

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Processo n.º 72/2015