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Processo n.º 571/2015 Data do acórdão: 2015-7-2 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– imigração clandestina
– crime de auxílio e sua consumação
– art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004
– anteriores áreas marítimas de Macau
– entrada efectiva na RAEM

S U M Á R I O
1. Da redacção da norma incriminadora do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na parte em que se diz que “Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º […]”, retira-se, sob a égide do n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil, a solução do Legislador de punir penalmente quem dolosamente, e por qualquer forma (por exemplo, por “transportar”, ou por “promover o transporte”, ou por “fornecer auxílio material”), concorrer para a entrada clandestina de outrem na RAEM. Daí que a efectiva entrada na RAEM não é condição sine qua non para a consumação do crime de auxílio em questão.
2. Estando provado que os dois recorrentes, em conjugação de esforços, transportaram, pela embarcação em causa nos autos (a qual chegou às anteriores áreas marítimas de Macau, mas por insuficiência do combustível perdeu a força dinâmica e acabou por ser apanhada pelo pessoal alfandegário de Macau), dois indivíduos vindos do Interior da China para estes entrarem na RAEM fora dos postos de migração, a factualidade provada é suficientemente sutentadora da já consumação, dentro das anteriores áreas marítimas de Macau, do crime de auxílio então imputado aos recorrentes, mesmo que aqueles dois indivíduos, finalmente, não tenham conseguido pisar na área terrestre da RAEM.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 571/2015
(Recursos em processo penal)
Arguidos recorrentes: A
B




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 17 de Abril de 2015 a fls. 110 a 113 do Processo Comum Colectivo n.º CR2-14-0298-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficaram condenados o 1.º arguido A e o 2.º arguido B, aí já melhor identificados, como co-autores materiais de um crime consumado de auxílio (à imigração clandestina), p. e p. pelo art.º 14.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, igualmente na pena de cinco anos e seis meses de prisão.
Inconformados, vieram ambos os arguidos recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O 1.º arguido A, na sua motivação apresentada a fls. 124 a 127v dos presentes autos correspondentes, defendeu principalmente que ele tinha praticado o crime de auxílio (à imigração clandestina) não na forma consumada, mas sim na forma tentada (porquanto a embarcação transportadora de dois pretendentes imigrantes clandestinos de Macau em causa tinha sido apanhada pela Polícia de Macau ainda dentro das anteriores áreas marítimas de Macau, áreas marítimas essas, entretanto, em si e juridicamente falando, não possuídas pela Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) nem pertencentes à área de divisão administrativa da RAEM, mas somente geridas pela RAEM por delegação de poderes da República Popular da China, sendo de entender, pois, que a expressão “entrada na RAEM” constante da norma do n.º 1 do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004 significaria necessariamente a entrada na área terrestre de Macau), pelo que caberia ao Tribunal de recurso passar a impor-lhe a pena aplicável à tentativa desse crime, em sede do art.º 22.º, n.º 2, do Código Penal.
Enquanto o 2.º arguido B, mediante a sua motivação apresentada a fls. 129 a 134 dos autos, imputou ao mesmo acórdao recorrido o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (por sobretudo opinar que a entrada nas anteriores áreas marítimas de Macau não deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo como significando analogicamente a entrada na RAEM), daí que o Tribunal de recurso deveria passar a condená-lo apenas pela prática de um crime tentado de auxílio, com aplicação de uma pena de prisão com duração inferior a três anos, com também almejada suspensão da execução da pena.
Aos recursos, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 141 a 145 dos autos no igual sentido de improcedência da argumentação dos dois recorrentes.
Subidos os recursos, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 156 a 157v, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à decisão dos recursos:
O texto do acórdão ora posto em crise pelos dois arguidos recorrentes consta de fls. 110 a 113 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
De acordo com a factualidade dada por provada nesse aresto, a embarcação transportadora de dois pretendentes imigrantes clandestinos de Macau em causa no caso concreto dos autos chegou às anteriores áreas marítimas de Macau, em frente do hotel anteriormente chamado XX, em Coloane, mas por insuficiência do combustível perdeu a força dinâmica e acabou por ser apanhada pelo pessoal alfandegário de Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Do teor das duas motivações de recurso, vê-se, com nitidez, que os dois recorrentes acabaram por colocar, a título principal, uma mesmíssima questão, qual seja, a de defendida qualificação jurídico-penal dos factos provados como integradores apenas do crime de auxílio (à imigração clandestina) na forma tentada, e não na forma consumada.
Desde já se nota que foi impropriamente invocado pelo 2.º arguido B o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido na alínea a) do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal (CPP), dado que a tese defendida por ele na motivação do recurso tinha a ver materialmente com o julgamento de direito, i.e., com a questão de rectidão, ou não, da qualificação jurídico-penal dos factos provados.
Quanto à questão principal posta nos recursos, a solução será em desfavor dos dois arguidos.
É que da redacção da norma incriminadora do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na parte em que se diz que “Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º […]”, se retira, sob a égide do cânone de hermenêutica plasmado no n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil, a solução do Legislador de punir penalmente quem dolosamente, e por qualquer forma (por exemplo, por “transportar”, ou por “promover o transporte”, ou por “fornecer auxílio material”), concorrer para a entrada clandestina de outrem na RAEM. Daí que a efectiva entrada na RAEM não é condição sine qua non para a consumação do crime de auxílio em questão.
Dest’arte, estando nomeadamente provado no acórdão recorrido que os dois arguidos, em conjugação de esforços, transportaram, pela embarcação em causa nos autos, dois indivíduos vindos do Interior da China para estes dois entrarem na RAEM fora dos postos de migração (mesmo que esses dois indivíduos, finalmente, não tenham conseguido pisar na área terrestre da RAEM), a matéria de facto provada é suficientemente sutentadora da já consumação, dentro das anteriores áreas marítimas de Macau (referidas no Anexo do Decreto n.º 275 do Conselho de Estado da República Popular da China, publicado no Boletim Oficial da RAEM, I Série, N.º 2, de 27 de Dezembro de 1999), do crime de auxílio (à imigração clandestina) então imputado a ambos os recorrentes, pelo que há que naufragar toda a pretensão formulada por eles nas motivações de recurso, sem mais abordagem por desnecessária.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento aos recursos.
Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes, com três UC de taxa de justiça individual, pagando ainda o recorrente A três mil e quinhentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor, e o recorrente B duas mil e trezentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 2 de Julho de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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