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Processo nº 831/2013
Data do Acórdão: 09JUL2015


Assuntos:

Apoio judiciário
Efeitos do pedido de apoio judiciário
Suspensão da prescrição dos direitos de acção
Interrupção dos prazos processuais em curso

SUMÁRIO

1. Se a impossibilidade, face à lei geral, do exercício atempado dos direitos de acção ou da prática tempestiva de actos processuais na pendência e no âmbito de uma acção não tiver sido motivada pela demora na decisão de um pedido de apoio judiciário com fundamento na falta ou insuficiência dos meios económicos dos seus titulares, não se justifica a suspensão da prescrição dos direitos de acção ou a interrupção dos prazos processuais em curso, uma vez que neste tipo de situações, não está em causa o bem jurídico que o nosso legislador visa tutelar com a estatuição nos normativos do citado artº 20º da Lei nº 13/2012.

2. O bem jurídico que o artº 20º da Lei nº 13/2012 visa tutelar é o exercício efectivo do direito ao acesso à justiça, por parte daqueles que careçam dos meios económicos suficientes para suportar os custos de um litígio judicial e que se vêem obrigados a recorrer ao apoio judiciário.

O relator
Lai Kin Hong

Processo nº 831/2013


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente identificada nos autos, intentou, contra B, Companhia de Investimento e Construções C, Limitada, e interessados incertos, a acção ordinária, no Tribunal Judicial de Base, onde a acção foi registada sob o nº CV3-10-0009-CAO e corre os seus termos no 3º Juízo Cível, pedindo que a declarasse a única e legítima proprietária da fracção autónoma 5º andar F, sita em Macau, na..., alegadamente adquirida por usucapião, e subsidiariamente outros pedidos, relacionados com as despesas e encargos alegadamente suportados por ela, conforme se vê na petição inicial.

Citados os Réus, só a 2ª Ré Companhia de Investimento e Construções C contestou à acção e formulou pedido reconvencional, pedindo que a reconhecesse como única e legítima proprietária da mesma fracção autónoma e que condenasse a Autora a desocupar e restituir a mesma fracção autónoma.

Devidamente tramitada a acção, foi afinal proferida a sentença julgando parcialmente procedente um dos pedidos subsidiários formulados contra o 1º Réu B, na petição inicial e procedente a reconvenção, declarando a 2ª Ré como única e legítima proprietária da fracção autónoma, sita em Macau, na..., nº…, Jardim XX (Bloco IV), 5º andar-F, melhor identificada nos autos.

Não se conformando com o decidido, veio a Autora interpor recurso ordinário da sentença da primeira instância para este Tribunal de Segunda Instância.

Por despacho proferido em 21MAIO2013 pela Exmª Juiz Titular do processo, o recurso foi admitido.

Através da carta registada expedida em 23MAIO2013 para o Mandatário constituído, a Autora foi notificada da admissão do seu recurso.

Em 24JUN2013, a própria Autora formulou o requerimento dirigido ao Tribunal a quo, pedindo a prorrogação do prazo para a apresentação das alegações do recurso, tendo invocado como fundamento a necessidade de dispor de mais tempo para substituir o advogado constituído e facultar ao advogado a constituir o tempo necessário à preparação das motivações do recursos, assim como mais tempo para ela angariar dinheiro para custear a constituição de outro advogado.

Em 03JUL2013, a Autora juntou aos autos documento comprovativo da já formulação do pedido de apoio judiciário nas modalidades da isenção de preparos, da isenção de custas e da nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário, dirigido em 03JUL2013 à Comissão de Apoio Judiciário.

Por despacho de 05JUL2013, a Exmª Juiz titular do processo considerou interruptos os prazos em curso ao abrigo e nos termos do disposto no artº 20º da Lei nº 13/2012.

Por carta registada expedida em 09JUL2013, as partes ficaram notificadas desse despacho.

Por deliberação da Comissão de Apoio Judiciário de 04JUL2013, o pedido do apoio judiciário formulado pela Autora foi indeferido com fundamento na falta de apresentação dos documentos comprovativos da verificação dos requisitos para a concessão do apoio judiciário nos termos requeridos, exigidos pelo artº 7º/1 e 3 do «regime geral de apoio judiciário», aprovado pela Lei nº 13/2012.

Por ofício datado de 08JUL2013, a Autora ficou notificada do indeferimento.

Entretanto, por seu ofício datado de 18JUL2013, e em cumprimento do disposto no artº 21º/1 da Lei nº 13/2012, reguladora da matéria de apoio judiciário, a Comissão de Apoio Judiciário comunicou aos autos os factos de que tiveram conhecimento na apreciação do pedido de apoio formulado pela Autora e que, na óptica da comissão, indiciaram a intenção de causar demora no andamento do processo.

Mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TJB, a 2ª Ré Companhia de Investimento e Construções C, Limitada, recorreu do despacho proferido pela Exmª Juiz Titular do processo em 05JUL2013 que determinou a interrupção dos prazos processuais em curso por efeito do pedido de apoio judiciário.

Mediante o ofício datado de 23JUL2013, a Comissão e Apoio Judiciário comunicou aos presentes autos que o indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado pela Autora se tornou inimpugnável em 23JUL2013.

Por despacho de 26JUL2013, a Exmª Juiz Titular do processo mandou notificar as partes para se pronunciarem sobre a comunicação da Comissão de Apoio Judiciário, notificar a Autora para apresentar no prazo legal as alegações do recurso da sentença, sob pena de deserção do mesmo e admitiu o recurso interposto pela 2ª Ré do despacho que determinou a interrupção dos prazos em curso por efeito da apresentação do pedido de apoio judiciário.

Mediante o requerimento datado de 31JUL2013, o Mandatário constituído Dr. Fong Kin Fao comunicou ao Tribunal que tinha renunciado o mandato em 19JUN2013, data em que substabeleceu sem reserva os poderes que lhe foram conferidos pela Autora a um outro colega indicado pela Autora, pedindo que se procedessem as notificações a que se refere o artº 81º do CPC.

Foi ordenado o cumprimento e dado o cumprimento do disposto no artº 81º do CPC.

Mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TJB em 06SET2013, a 2ª Ré pediu que fosse considerada a Autora litigante de má-fé e em consequência fosse condenada na multa por ter intencionalmente causado demora no andamento do processo.

Sobre esse pedido não houve pronúncia.
Nem a 2ª Ré arguiu a omissão da pronúncia.

Em 18SET2013, a Autora juntou nova procuração mediante a qual constituiu quatro advogados e dois advogados estagiários como seus Mandatários forenses.

Em 23SET2013, a Autora apresentou as alegações do recurso da sentença, pedindo que fosse julgada procedente o recurso considerando a Autora como única e legítima proprietária da fracção autónoma objecto da presente acção.

Ao recurso respondeu a 2ª Ré, suscitando a questão da deserção do recurso por falta da apresentação das alegações no prazo legal e subsidiariamente pugnando pela improcedência do recurso.

Em 30SET2013, a 2ª Ré apresentou as alegações do recurso do despacho que determinou a interrupção dos prazos processuais em curso por efeito da apresentação pela Autora do pedido de apoio judiciário à Comissão de Apoio Judiciário.

A Autora respondeu, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela 2ª Ré.

Posteriormente, foram feitos subir a esta instância ambos os recursos.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Tendo em conta todas as vicissitudes ocorridas após a prolação da sentença da primeira instância, tal como vimos supra no relatório do presente Acórdão, e pela lógica das coisas, temos de nos debruçar primeiro sobre o recurso interposto pela 2ª Ré, pois o conhecimento do recurso da sentença da primeira instância fica condicionado pela improcedência daquele recurso em que se pede a não interrupção do prazo para a apresentação das alegações do recurso da sentença, ou seja, a eventual procedência do recurso interposto pela 2ª Ré conduzirá necessariamente à deserção do recurso da sentença.

Então comecemos pelo recurso interposto pela 2ª Ré.

O recurso tem por objecto o despacho que considerou interruptos os prazos em curso, por mero efeito da apresentação pela Autora do pedido à Comissão de Apoio Judiciário, ao abrigo e nos termos do disposto no artº 20º da Lei nº 13/2012.

Um dos prazos em curso é justamente o prazo para a apresentação das alegações do recurso da sentença, interposto pela Autora e admitido pela Exmª Juiz titular do processo do Tribunal a quo.

A 2ª Ré formulou nas alegações do seu recurso as seguintes conclusões e pedidos:

1. 上訴標的為原審法院於2013年07月05日作出之批示(載於卷宗574頁)。
2. 原告A在申請司法援助時,明顯表明其只希望法官給予多些時間另聘律師。
3. 司法援助委員會亦向法庭檢舉原告A惡意訴訟。
4. 因此,原告A提交司法援助為惡意拖延上訴期間。
5. 根據中級法院之判決,如上訴人明顯不具備條件申請司法援助,而最後以聘請的訴訟代理人提交上訴理由陳述,則41/94/M號法律第16條第2款之規定不予適用。
6. 雖然這是前司法援助法律制度的條文,但其原則及理由與現時的13/2012號法律第20條規定的原則應是一樣的,旨在保護未能獲得訴訟代理人幫助的當事人,以免他們得不到訴訟代理人之協助。
7. 原告A在申請司法援助時,並沒有廢止原有訴訟代理人之授權,其訴訟代理人之權力應維至2013年07月31日。
8. 故在2013年07月05日,法官不應以批示中斷其提交上訴理由陳述之期間。
9. 而由於原告A明顯為惡意拖延訴訟期間及仍有訴訟代理人跟進案件,其提交上述理由陳述之期間不應中斷。
10. 綜上所述,原審法院之批示明顯違反了3/2012號法律第20條規定背後的真正義意,從而違反了該法律條文之規定,應予廢止。
最後請求一如既往作出公正裁決。

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, a única questão que constitui objecto da nossa apreciação consiste em saber se é legal o despacho de Exmª Juiz titular do processo que, face a junção aos autos pela Autora da prova da apresentação do pedido de apoio judiciário à Comissão de Apoio Judiciário, determinou a interrupção dos prazos em curso, nomeadamente o prazo as alegações do recurso já anteriormente admitido.

O prazo para a apresentação das alegações é de 30 dias a contar a partir da data da notificação da admissão do recurso – artº 613º/2 do CPC.

A Autora foi notificada da admissão do recurso por carta registada expedida em 23MAIO2013 (cf. fls. 564 dos p. autos), e portanto considera-se notificada no primeiro dia útil a seguir ao terceiro dia posterior ao registo, isto é, em 27MAIO2013 (2ª feira) – artº 201º/2 do CPC.

E portanto, o terminus ad quem desse prazo de 30 dias é 26JUN2013.

O pedido de apoio judiciário foi apresentado à Comissão de Apoio Judiciário em 03JUL2013 (cf. fls. 571 dos p. autos).

Isto é, após o decurso do prazo de 30 dias para a apresentação das alegações de recurso.

É verdade que, nos termos do disposto no artº 20º da Lei nº 13/2012, o pedido de apoio judiciário formulado na pendência do processo judicial determina a interrupção do prazo processual que estiver em curso, desde a data em que o requerente junte aos autos documento comprovativo do respectivo pedido.

O certo é que, para desencadear o efeito interruptivo dos prazos processuais, é preciso que o pedido de apoio judiciário seja formulado no decurso do respectivo prazo.

Se tiver sido formulado após o termo do prazo, naturalmente não pode ter efeito interruptivo desse prazo entretanto já expirado.

In casu, na altura em que foi formulado o pedido de apoio judiciário, o prazo para a apresentação das alegações de recurso já tinha expirado.

Assim, a junção da prova pela Autora da formulação em 03JUL2013 do pedido de apoio judiciário nunca tem efeito interruptivo do prazo, entretanto já terminado em 26JUN2013, para a apresentação das alegações do recurso interposto da sentença de primeira instância.

Contra o nosso argumento nem se pode invocar o prazo prolongado previsto no artº 613º/6, à luz do qual “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores.”, uma vez que o recorrente só beneficia de um maior prazo se pedir a reapreciação da matéria de facto que compreensivelmente requer mais trabalho na preparação das alegações, e que obviamente não sucedeu com a Autora se limitou a apresentar o pedido de apoio judiciário.

Não estando presente a razão justificativa, legalmente exigida, do prolongamento do prazo para a apresentação das alegações, inexiste motivo para reconhecer um prazo prolongado para a Autora apresentar a prova do pedido de apoio judiciário com vista à interrupção do prazo para a apresentação das alegações.

É de revogar o despacho recorrido que considerou interrompido o prazo.

Mesmo não se entendesse assim, o despacho recorrido seria igualmente de revogar, por razões que passemos a expor.
Para nós, mesmo que o pedido de apoio judiciário tivesse sido formulado dentro do prazo para a apresentação das alegações, o mesmo nunca pode ter efeito interruptivo desse prazo nos termos previsto no artº 20º da citada lei.

No fundo, importa aqui averiguar se a simples apresentação do pedido de apoio judiciário à Comissão de Apoio Judiciário determina ope legis a interrupção dos prazos processuais em curso ou só é assim quando a real pretensão do interessado com a formulação de tal pedido de apoio judiciário corresponder à finalidade visada pelo nosso legislador com a feitura da lei nº 3/2012, reguladora da matéria de apoio judiciário.

Então vejamos.

Diz o artº 1º da lei nº 3/2012 que:

“A presente lei estabelece o regime geral de apoio judiciário com vista a assegurar que nenhuma pessoa que reúna as condições legais seja impedida, por insuficiência de meios económicos, de fazer valer ou defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos por meio de processo judicial.”.

O texto normativo do artº 1º, de per si, é bem demonstrativo da mens legislatoris.

A mens legislatoris é, procurar eliminar os obstáculos ao livre exercício do direito de acesso à justiça, que aliás está expressamente consagrado no artº 36º da Lei Básica da RAEM, resultantes da falta ou insuficiência dos meios económicos dos seus titulares.

Por outro lado, sabemos que um dos princípios fundamentais dos processos judiciais é o da celeridade processual.

Por força desse princípio, é preciso que a lei processual estabeleça certa disciplina na tramitação processual, nomeadamente a fixação dos prazos processuais dentro dos quais podem ou devem ser praticados determinados actos processuais dos sujeitos processuais e de demais intervenientes processuais.

Está aqui em causa o artº 20º da Lei nº 13/2012, que determina a interrupção do prazo e a suspensão da prescrição nos termos seguintes:

1. O pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário formulado na pendência do processo judicial determina a interrupção do prazo processual que estiver em curso, desde a data em que o requerente junte aos autos documento comprovativo do respectivo pedido.

2. O pedido de apoio judiciário determina a interrupção do prazo para propositura do processo judicial desde a data da apresentação do pedido.

3. O prazo interrompido nos termos dos números anteriores inicia a sua nova contagem, a partir da data em que a decisão sobre o pedido de apoio judiciário se torne inimpugnável.

4. O pedido de apoio judiciário determina a suspensão da prescrição do direito que se pretende exercer mediante processo judicial relativamente ao qual é requerido apoio judiciário, durante o período que medeia entre a data da apresentação do pedido e a data em que a decisão sobre o mesmo se torne inimpugnável.

Ora, com a atribuição dos efeitos, suspensivo da prescrição dos direitos de acção e interruptivo dos prazos processuais em curso ao pedido de apoio judiciário, ficam inevitavelmente afectadas a celeridade processual e a certeza e segurança jurídica.

Todavia a compressão dos tais valores da celebridade processual e da certeza e segurança jurídica justifica-se pela necessidade de evitar a impossibilidade de exercício efectivo do direito ao acesso à justiça, por parte daqueles que careçam dos meios económicos suficientes para suportar os custos de um litígio judicial e que se vêem obrigados a recorrer ao apoio judiciário, por caducidade dos direitos motivada por demora inevitável e previsível do procedimento administrativo da apreciação e decisão dos pedidos de apoio judiciário.

No fundo, o normativo do artº 20º representa um equilíbrio que o nosso legislador quis estabelecer entre os dois valores em conflito.

Temos por um lado, o valor da celeridade processual ou da certeza e segurança jurídica, e por outro, o valor da efectividade do direito ao acesso à justiça.

Na esteira desse raciocínio, podemos concluir que se a impossibilidade, face à lei geral, do exercício atempado dos direitos ou da prática tempestiva de actos processuais não tiver sido motivada pela demora na decisão de um pedido de apoio judiciário com fundamento na falta ou insuficiência dos meios económicos dos seus titulares, não se justifica a suspensão da prescrição dos direitos de acção ou a interrupção dos prazos processuais em curso, uma vez que neste tipo de situações, não está em causa o bem jurídico que o nosso legislador visa tutelar com a estatuição nos normativos do citado artº 20º da Lei nº 13/2012.

Urge assim averiguar, no caso sub judice, se o recurso pela ora Autora ao apoio judiciário foi motivado pela falta ou insuficiência dos meios económicos para custear o litígio judicial.

Compulsados os autos, verificamos os seguintes elementos susceptíveis de nos ilustrar a intenção subjacente à formulação por parte da Autora do pedido de apoio judiciário:

* Através da carta registada expedida em 23MAIO2013 para o Mandatário constituído, a Autora foi notificada da admissão do seu recurso;

* Em 24JUN2013, a própria Autora formulou o requerimento dirigido ao Tribunal a quo, pedindo a prorrogação do prazo para a apresentação das alegações do recurso, tendo invocado como fundamento a necessidade de dispor de mais tempo para substituir o advogado constituído e facultar ao advogado a constituir o tempo necessário à preparação das motivações do recursos, assim como mais tempo para ela angariar dinheiro para custear a constituição de outro advogado;

* Não houve qualquer decisão sobre esse pedido;

* Nem a Autora arguiu a omissão da pronúncia sobre o seu pedido;

* No momento em que foi atendida pelo pessoal da Comissão de Apoio Judiciário, a Autora foi informada de que, face ao disposto no artº 7º/1 e 2 da Lei nº 13/2012, não poderia ser beneficiária do apoio judiciário por não reunir qualquer dos requisitos legalmente exigidos para o efeito, nomeadamente por ser residente em Hong Kong e não ser titular de quaisquer outros documentos que lhe conferem o direito ao apoio judiciário;

* Em face dessas informações, a Autora manifestou a sua intenção de, mediante a formulação do pedido de apoio judiciário, fazer parar o decurso do prazo, que estava próximo do seu termo, para a interposição do recurso nos presentes autos, de modo a que pudesse ter tempo suficiente para contratar advogados para o efeito;

* E insistiu na entrega do pedido, apesar de ter sido informada de que o pedido seria indeferido se não pudesse apresentar documentos que a habilitassem a beneficiar do apoio judiciário requerido – cf. fls. 580 e s.s. dos p. autos;

* O que levou a Comissão de Apoio Judiciário a comunicar ao Tribunal que, do pedido de apoio judiciário formulado pela Autora, resulta fundada suspeita da intenção de causar demora no andamento do processo, nos termos prescritos pelo artº 21º da Lei nº 13/2012;

Perante estes elementos, ficamos a saber que o objectivo que a Autora tinha em vista ao formular o pedido de apoio judiciário é fazer dilatar o prazo para a apresentação das alegações do recurso por ela interposto da sentença de primeira instância.

E não por causa da falta ou insuficiência dos meios económicos.

Assim, a Autora estava a abusar o mecanismo previsto no artº 20º da Lei nº 13/2012, concebido para a tutela do efectivo exercício do direito ao acesso à justiça, para satisfazer uma finalidade egoísta de ganhar mais tempo para poder contratar um novo advogado para o seu patrocínio, finalidade essa que é bem diversa daquela que é visada pela lei, em prejuízo da celeridade processual que, em face do disposto no citado artº 20º, só cede perante a necessidade da tutela do efectivo exercício do direito ao acesso à justiça por parte dos titulares que careçam dos meios económicos para suportar os custos de litígio judicial.

Portanto, in casu não estamos perante um verdadeiro pedido de apoio judiciário, por não estar manifestamente em causa, repita-se, um pedido de apoio judiciário com fundamento na falta ou insuficiência dos meios económicos da Autora, ao qual naturalmente não se justifica a atribuição do efeito interruptivo, querido pela Autora, do prazo, que entretanto estava a correr, para a apresentação das alegações do seu recurso.

De outro modo, os prazos processuais tornar-se-iam facilmente manipuláveis por quem tivesse interesse na sua dilatação sem qualquer motivo legítimo, pois para o efeito é bastante a simples apresentação à Comissão de Apoio Judiciário de um pedido de apoio judiciário, mesmo manifestamente infundado ou inviável.

A favor do sentido do nosso argumento podemos citar o Acórdão deste TSI, datado de 04DEZ2003, tirado no processo nº 252/2003, de que eram Adjuntos o aqui Relator e o 1º Adjunto, em que foi tratada uma questão algo semelhante à tratada no presente recurso.

Aí, em face de um pedido de aclaração da sentença manifestamente infundado, o Colectivo acabou por não lhe reconhecer o efeito ope legis de dilatar o início do prazo para a interposição de recurso nos termos prescritos no artº 592º/1 do CPC, e em consequência, julgou extemporâneo o recurso interposto fora do prazo de 10 dias contado a partir da notificação da decisão recorrida.

Por tudo quanto ficou dito quer a título principal quer a título subisdiário, a Autora não pode beneficiar do efeito interruptivo dos prazos em curso, e o despacho recorrido não pode ser mantido.

Portanto, as alegações do recurso apresentadas em 23SET2013 são manifestamente extemporâneas, dado que já há muito decorreu o prazo de 30 dias (ou 40 dias, se adoptássemos o fundamento subsidiário) contados a partir da notificação, por carta registada expedida em 23MAIO2013, à Autora da admissão do seu recurso.

Procede assim o recurso interposto pela 2ª Ré.

Em consequência, fica prejudicado o conhecimento do recurso, interposto pela Autora, da sentença da primeira instância que face ao disposto no artº 598º/3 do CPC, é julgado deserto por falta das alegações.

Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso interposto pela 2ª Ré Companhia de Investimento e Construções C, Limitada, revogando o despacho a fls. 574 dos p. autos, que considerou interrompido o prazo para a apresentação das alegações do recurso, e não tomar conhecimento do recurso da sentença final interposto pela Autora A por o mesmo ficar deserto por falta das alegações.

Custas pela Autora – artºs 17º/4 e 18º/1-a) do RCT.

Registe e notifique.

RAEM, 09JUL2015

Lai Kin Hong

João Gil de Oliveira

Ho Wai Neng