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Processo nº 785/2015
(Autos de recurso civil)

Data: 22/Outubro/2015

Assuntos:Competência para prolatar a sentença final nas acções laborais

SUMÁRIO
- Nas acções laborais, tendo o réu sido citado regularmente para contestar mas não contestou, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor.
- Neste caso, ainda que o valor da causa seja superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, compete ao juiz singular, entendido como juiz do processo, e não ao juiz presidente de tribunal colectivo, elaborar a sentença final.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 785/2015
(Autos de recurso civil)

Data: 22/Outubro/2015

Recorrente:
- A, ora representado pelo Ministério Público

Objecto do recurso:
- Despacho do juiz do processo do Juízo Laboral que se declarou incompetente para prolatar a sentença final

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, vítima dum acidente de trabalho (adiante designado por “autor”), ora representado pelo Ministério Público, intentou contra B (doravante designado por “réu”) acção destinada à efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, nº 6 e 57º, ambos do Código de Processo do Trabalho, pedindo a condenação deste a pagar àquele uma compensação pecuniária no montante de MOP$124.211,00, acrescido de juros legais.
Regularmente citado, não foi contestada a acção.
Por despacho do juiz do processo, ordenou que os autos sejam encaminhados ao juiz presidente de tribunal colectivo, para os fins tidos por convenientes.
Entretanto, o juiz presidente do tribunal colectivo declarou-se incompetente para apreciar o mérito.
Recebidos de volta os autos, o juiz do processo declarou-se igualmente incompetente para prolatar a sentença final.
Inconformado com esse despacho, dele interpôs o autor recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. 第9/1999號法律《司法組織綱要法》是綱領性地規定作為司法機關的法院及檢察院的組織運作、涉及司法機關運作的人員如訴訟代理人以及輔助人員的一般性規定。
2. 該法律只是規範司法機關各部分組織構成以及其運作的組織法,其本身並非屬於某一特定範疇(民事、勞動、刑事、行政或稅務)的訴訟規則直接作出規定,為此,針對《司法組織綱要法》的法律規範的適用及解釋,必須是對應及配合相應的訴訟法典規定,否則便出現誤解或不相容情況。
3. 該法律第24條第1款第(3)項亦並非規定任何情況下均由合議庭主案具管轄權制作判決書,而是“依據訴訟法律的規定”;理由,同條第2款亦不是任何情況之下由合議庭主席履行審理事實上之事宜及制作終局判決書,而是需是考慮“如在訴訟步驟中出現使合議庭不能參與的情況”。
4. 為此,《司法組織綱要法》的條文必須不能脫離相應的訴訟法規定作出解釋。在勞動訴訟程序中,必然須配合《勞動訴訟法典》的相應規定。
5. 《勞動訴訟法典》第38條,正正是規範在勞動訴訟程範圍內合議庭具介入的規則 — 只有在案件利益值高於第一審法院的法定上訴利益限額且無人聲請將聽證過程錄製成視聽資料者。
6. 為此,只有在符合上述《勞動訴訟法典》第38條規定的合議庭介入的前提條件下,才能配合及解釋到第9/1999號法律第24條第1款第(3)項及第2款之規定,否則訴訟法典中具體的訴訟規則無法適用。
7. 另一方面,按照系統解釋,《勞動訴訟法典》第二章普通宣告訴訟程序中,最後的第四節為案件的辯論及審判,而第41及42條規定事實事宜及法律事宜的判決,均屬於第四節的辯論及審判階段中。
8. 為此,按照上述立法的系統解釋,第38條第1款上半部份的“審判”必然是包括了事實判決及法律判決。
9. 正如上述已分析,由於立法者希望勞動訴訟案件更迅速便捷進行,因而原則上將調查、辯論及審判的管轄權交予獨任庭法官,倘若案件的審判並不包括制作判決書的權限,這似乎無道理也有悖於勞動訴訟程序快捷進行的原意。
10. 為此,本案中被告獲當傳喚但無答辯情況下,構成具效力的不到庭,根據《勞動訴訟法典》第38條第1款上半部份規定,有關判決書應屬獨任庭主案法官具管轄權。
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso e, em consequência, se revogue o despacho recorrido.
*
Notificado o réu, nada se pronunciou.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Está assente a seguinte matéria de facto pertinente para a decisão do presente recurso:
A 13.11.2014, o autor, ora representado pelo Ministério Público, intentou contra o réu uma acção destinada à efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, nº 6 e 57º, ambos do Código de Processo do Trabalho, pedindo a condenação deste a pagar àquele uma compensação pecuniária no montante de MOP$124.211,00, acrescido de juros legais.
Regular e pessoalmente citado, não foi contestada a acção.
Por despacho do juiz do processo, ordenou que os autos sejam encaminhados ao juiz presidente de tribunal colectivo, para os fins tidos por convenientes.
Entretanto, o juiz presidente de tribunal colectivo declarou-se incompetente para apreciar o mérito.
Recebidos de volta os autos, pelo juiz do processo do Juízo Laboral foi proferido o seguinte despacho:
“No caso presente, tendo-se verificado a revelia operante da Ré prevista no art. 32º do CPT, remeteram-se os autos à Mma. Juíza Presidente do Tribunal Colectivo nos termos dos art. 32º, 65º do CPT e art. 24º, n.º 1, al. 3) e n.º 2 da LBOJ, com o fim de proceder à elaboração da sentença final.
Por decisão proferida em 19 de Junho de 2015, a Mma. Juíza Presidente do Tribunal Colectivo declarou, enquanto tal, incompetente para a elaboração da sentença final com o fundamento constante das fls. 248 a 249 dos autos, para os devidos efeitos aqui se dá por integralmente reproduzido.
Compulsando os elementos constantes dos autos, suscita-se também uma questão da competência do tribunal singular (no sentido do juiz de processo).
Vejamos.
No processo declarativo comum laboral, o critério geral de competência para o julgamento e a elaboração da sentença final é consagrado no art. 38º, n.º 1 do CPT, nos termos do qual, “a instrução, discussão e julgamento da causa são da competência do tribunal singular, salvo nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância em que não tenha sido requerida a gravação da audiência.”
No entanto, havendo revelia operante da Ré, aplica-se o art. 32º, n.º 1 do CPT, segundo o qual, “Sem prejuízo do disposto no artigo 406º do Código de Processo Civil, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.”
Diferentemente do que acontece no art. 38º do CPT, a revelia operante da Ré conduz à outra alternativa dos termos processuais em que é logo proferida sentença final sem entrar na fase de instrução, discussão e julgamento prevista no art. 38º do CPT. Portanto, não tem e não pode ter lugar a aplicação dessa norma.
Sendo assim, quem será competente para a elaboração directa da sentença final?
No nosso modesto entendimento, e salvo o devido respeito, não pode, sendo o valor da causa superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, deixar de ser competente o presidente do tribunal colectivo, enquanto tal, mas não o tribunal singular, enquanto juiz do processo, tal como acontece com a acção cível em que se verifique a revelia operante do Réu.
De facto, nos termos do art. 1º do CPT, são aplicáveis subsidiariamente as normas do direito processual comum civil ao processo civil de trabalho. E nos termos do art. 405º do CPC, conjugado com o art. 24º, n.º 1, al. 3) e n.º 2 da LBOJ, cabe sempre, caso o valor da causa seja superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e verifique-se a revelia operante do Réu, ao presidente do tribunal colectivo, mas não ao tribunal singular ou juiz do processo, a prolação da sentença final (vide, Acs. Do TSI n. 464/2010, 568/2010).
Mesmo que entenda a não aplicação do art. 405º do CPC para o processo civil laboral, por força do art. 24º, n.º 1, al. 3) e n.º 2 da LBOJ, que também se aplica a todos os processos, não deixa de chegar à mesma conclusão.
Pelas razões acima expostas, declaro-me incompetente para o caso nos termos subsequentes.
Notifique e DN.
Após o trânsito em julgado do presente despacho, aplica-se o regime de conflitos de competência.
Cumpra o disposto nos art. 34º, n.º 2 e 35º do CPC, ex vi do art. 1º do CPT.”
*
A única questão colocada no presente recurso é saber a quem compete proferir a sentença final, ou ao juiz do processo ou ao juiz presidente de tribunal colectivo, relativa a uma acção laboral destinada à efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho, na medida em que o valor da causa é superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, e que o réu foi citado pessoalmente para contestar mas não contestou e, em consequência, se consideram reconhecidos os factos articulados pelo autor.
Para dar resposta à questão, tenhamos que analisar as regras do processo declarativo comum do trabalho para as quais remete o disposto no artigo 65º do mesmo Código.
Prevê-se no nº 1 do artigo 32º do Código de Processo do Trabalho que “Sem prejuízo do disposto no artigo 406º do Código de Processo Civil, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.”
Portanto, tendo o réu regular e pessoalmente citado para a acção mas não contestou, são considerados confessados os factos articulados pelo autor, devendo o juiz proferir logo a sentença.
Mas a quem compete dar a decisão? Ao juiz do processo ou ao juiz presidente de tribunal colectivo?
Preceitua-se no nº 2 do artigo 23º da Lei de Bases da Organização Judiciária que “Sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo, os tribunais funcionam com tribunal singular.”
Por seu turno, estatui-se no nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do Trabalho o seguinte:
“A instrução, discussão e julgamento da causa são da competência do tribunal singular, salvo nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância em que não tenha sido requerida a gravação da audiência.”
Face a essas normas, não restam grandes dúvidas de que, como regra geral, a competência para julgar uma acção laboral compete ao juiz singular, que é o juiz do processo, com excepção dos casos em que o valor da causa seja superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância (MOP$50.000,00) e que não seja pedida a gravação da audiência, caso em que a causa é julgada pelo tribunal colectivo.
Sustenta o tribunal recorrido que, aplicando-se o disposto no artigo 405º do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 24º, nº 1, alínea 3) e nº 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, cabe ao juiz presidente de tribunal colectivo lavrar a sentença.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos não lhe assistir razão.
Preceitua o artigo 24º, nº 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária o seguinte:
“Quando ocorra qualquer circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo, o dever de julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final cabe ao juiz presidente de Tribunal de tribunal colectivo.”
Em nossa opinião, entendemos que essa norma só se aplica à seguinte situação: sendo, à partida, competente o tribunal colectivo para julgar determinada causa, mas verificada alguma circunstância prevista na lei de processo que dispense a intervenção do tribunal colectivo, essa competência passará para o juiz presidente de tribunal colectivo.
E isto acontece, por exemplo, nas acções ordinárias cíveis e não contestadas, tal como se refere nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 549º do Código de Processo Civil:
“1. A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo.
     2. Porém, nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 406º, só tem lugar a intervenção do tribunal colectivo se as partes o requererem nos 15 dias subsequentes à notificação prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 431º; se as partes o não requererem, o julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença final competem ao juiz do processo.”
No fundo, como regra geral, compete ao tribunal colectivo proceder ao julgamento das acções ordinárias cíveis, mas se forem acções não contestadas tramitadas em obediência ao disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 406º do Código de Processo Civil, ficará dispensada a intervenção do tribunal colectivo, passando a competência de julgar a matéria de facto e elaborar a sentença para o juiz do processo.
Entretanto, com a entrada em vigor da Lei de Bases da Organização Judiciária em 1999, o julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença passa a ser da competência do juiz presidente de tribunal colectivo, em vez do juiz do processo, por força do nº 2 do artigo 24º daquele diploma legal.
Melhor dizendo, embora, regra geral, seja competente o tribunal colectivo para julgar as acções ordinárias cíveis, mas ocorrendo alguma circunstância na tramitação processual que dispense a intervenção do tribunal colectivo (sendo, por exemplo, a situação de revelia inoperante verificada nas acções não contestadas previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 406º do CPC), essa competência de julgar a matéria de facto e de elaborar a sentença, que originariamente pertencia ao tribunal colectivo, passará para o juiz presidente de tribunal colectivo.
Mas no tocante às causas laborais, a situação já é bem diferente, senão vejamos.
Sucede que, segundo a lei processual laboral, a regra geral é no sentido de a instrução, discussão e julgamento da causa laboral serem da competência do tribunal singular, enquanto o tribunal colectivo só intervém, excepcionalmente, quando o valor da causa seja superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e que não tenha sido requerida a gravação da audiência.
Mais precisamente, ao contrário do que está previsto nas acções ordinárias cíveis, nas acções laborais, não compete, à partida, ao tribunal colectivo julgar a causa, pois este só intervém quando não for requerida a gravação da audiência, para além do valor da causa ser superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância.
Como acima se referiu, conforme o artigo 24º, nº 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária, o dever de julgar a matéria de facto e de lavrar a sentença final só passa para o juiz presidente de tribunal colectivo quando ocorra qualquer circunstância na tramitação processual que determine a não intervenção do tribunal colectivo, que não é o caso, uma vez que, repare-se, o artigo 38º do Código de Processo do Trabalho não tem a virtualidade de dispensar a intervenção do tribunal colectivo, antes pelo contrário vem determinar as circunstâncias em que deva haver lugar a intervenção do tribunal colectivo.
Sendo assim, forçoso é concluir que a norma prevista no nº 2 do artigo 24º da Lei de Bases da Organização Judiciária não é aplicável para o presente caso.
Como se disse, sempre que a lei não preveja a intervenção do tribunal colectivo, os tribunais funcionam com tribunal singular.
Aqui chegados, tendo sido o réu regularmente citado mas não foi contestada a acção, e por não haver lugar a gravação da audiência, somos a entender que não cabe ao tribunal colectivo, muito menos ao juiz presidente de tribunal colectivo, julgar a matéria de facto e elaborar a sentença, competência essa que é do juiz singular, entendido como juiz do processo.
Destarte, há-de conceder provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo autor A, ora representado pelo Ministério Público, revogando-se o despacho recorrido, devendo o juiz do processo elaborar a respectiva sentença, se for caso disso.
Sem custas por não serem devidas.
Registe e notifique.
***
                 RAEM, 22 de Outubro de 2015
                 Tong Hio Fong
                 Lai Kin Hong
                 João A. G. Gil de Oliveira



Recurso Civil 785/2015 Página 13