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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 7 de Junho de 2007, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos A e B, da decisão do tribunal de primeira instância que os condenou nas penas de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão e na multa de MOP$50.000,00 (cinquenta mil patacas), ou, em alternativa a esta em 333 (trezentos e trinta e três) dias de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelos arts. 8.º, n.º 1 e 10.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
   Inconformados, interpõem recursos para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões:
   1. A decisão recorrida encontra-se eivada do vício de erro notório na apreciação da prova.
   2. Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
   3. No caso em apreço, a prova produzida em audiência de julgamento, que é inexistente em relação a factos concretos com relevância jurídico-penal praticados pelos ora recorrentes, não permite sustentar uma conclusão condenatória tal como foi proferida.
   E assim, faz acarretar,
   4. O acórdão recorrido, agora confirmado em segunda instância, peca por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
   5. Como é sabido, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando esta matéria se apresenta insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna na apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.
   6. Em simples palavras, há esse vício quando a matéria de facto necessária para a demonstração e o preenchimento do tipo de ilícito se mostra insuficiente.
   7. Ora, a decisão recorrida concluiu que os recorrentes praticaram o crime de tráfico de estupefacientes, no entanto, não elenca actos ou factos em concreto individualmente participados pelos recorrentes por forma a sustentar a condenação proferida.
   8. Desta forma, a decisão recorrida, nessa parte, encontra-se viciada por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
   Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a rejeição do recurso.
   No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição assumida na resposta à motivação do recurso.
   
   II – Os factos
   As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
   - A partir de um dia desconhecido, 1º arguido A, 2º arguido C, 3º arguido B e um homem Taiwanese chamado "D" começaram a traficar estupefacientes em Macau.
   - Normalmente, 1.º arguido A mandou 2.º arguido C à Tailândia para obter estupefacientes e levá-los para Macau. Em seguida, o homem supradito "D" mandou uma pessoa a levar estupefacientes para Taiwan e entregar ao pessoal de identidade desconhecida.
   - No decurso de tráfico de estupefacientes dos arguidos A e C, 3º arguido B é responsável por "vigiar" (em traficando estupefacientes, vigiar o ambiente circundante), para a segurança de tráfico de estupefacientes.
   - Em 29 de Agosto de 2005, por ordem do 1.º arguida A, 2º arguido C levou os estupefacientes anteriormente obtidos na Tailândia e chegou em Macau.
   - Nessa altura, os estupefacientes supraditos estiveram escondidos no meio da sola duma sandália.
   - No mesmo dia, pelas 14H40, 2º arguido C encontrou-se com 1.º arguido A e 3º arguido B em Macau. Eles juntos foram ao quarto n.º XXX do Hotel (1). Nesse quarto, 2.º arguido C mostrou a sandália contida de estupefacientes ao 1.º arguido A e ao 3º arguido B, e disse-lhes que os estupefacientes estiveram escondidos no meio da sola da sandália.
   - Posteriormente, 1.º arguido A, 2º arguido C e 3.º arguido B puseram a referida sandália contida de estupefacientes numa mala, e 2.º arguido C deixou a mala no balcão do hall do Hotel (1).
   - Em 29 de Agosto, pelas 21H46, 1.º arguido A, 2º arguido C e 3.º arguido B saíram de Macau e entraram no interior da China.
   - Posteriormente, o referido homem " D" encontrou 4º arguido E no interior da China, e artigos via Macau para Taiwan. Combinou com ele que cerca das 10H00, encontrasse 2.º arguido C em Gongbei de Zhuhai e agisse conforme o que 2.º arguido lhe disse.
   - Em 2 de Setembro, cerca das l0H00, 2.º arguido C, 1º arguido A e 3.º arguido B chegaram juntos em Gongbei de Zhuhai, e encontraram-se com 4º arguido E.
   - Em 2 de Setembro, cerca das 11H00, 2.º arguido C, 1º arguido A, 4º arguido E e 3º arguido B chegaram juntos em Macau de Zhuhai, e apanharam um táxi para as proximidades do Hotel (2).
   - Depois de saír de táxi, 2.º arguido C pediu ao 4.º arguido E que esperasse nas proximidades do Hotel (2), ele próprio e 3.º arguido B andaram para o Hotel (1), para levar a mala (dentro há sandália contida de estupefacientes) deixada no hotel.
   - Quando 2.º arguido C foi levar a mala supradita, 3º arguido B estava no hall do Hotel (1), e 1.º, arguido A estava fora do Hotel (1), a vigiar o ambiente circundante.
   - Depois de levar a mala, 2.º arguido C saiu do Hotel (1), e pediu ao 4.º arguido E que entrasse e banho para Homens no hall do Hotel (2) com ele.
   - Nessa altura, 1.º arguido A e 3.º arguido B estavam a vigiar o ambiente circundante fora do Hotel (2).
   - Em casa de banho para Homens do hall do Hotel (2), 2.º arguido C tirou a sandália supradita contida de estupefacientes, e pediu ao 4.º arguido E que a calçasse, e disse que a sandália é o artigo a ser levado para Taiwan que "D" lhe pediu.
   - Em seguida, 4.º arguido E descalçou os seus sapatos, e calçou a sandália contida de estupefacientes. Em seguida, saiu do Hotel (2) com 2.º arguido C, e apanharam um táxi ali perto para Aeroporto internacional de Macau.
   - O 1.º arguido A, e 3.º arguido B, que estavam a vigiar fora do Hotel (2), viram que 2.º arguido C e 4.º arguido E saíram de táxi, também apanharam outro táxi para Aeroporto internacional de Macau para confirmar se 4.º arguido E se trata das formalidades de embarque com sucesso.
   - No mesmo dia, cerca das 12H20, agentes da PJ interceptaram 4.º arguido E no edifício de espera do Aeroporto internacional de Macau, e levaram-lhe no escritório da PJ no aeroporto para examiná-lo.
   - Agentes da PJ encontraram 2 sacos de pó branca embrulhada em papeis de plástico no meio da sola da sandália do 4.º arguido E.
   - Após exame laboratório, verificou-se que pó branca acima referida contém "Heroína", substância abrangida pela tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 694,65g.
   - Mandado pelo 1.º arguido A, 2º arguido C obteve os estupefacientes supradito na Tailândia. Depois levou para Macau e entregou ao 4.º arguido E, e pediu-lhe a levar para Taiwan e entregar ao pessoal de identidade desconhecida.
   - O 1º arguido A, 2º arguido C, 3º arguido B e 4º arguido E tinham perfeito conhecimento da natureza e características dos estupefacientes acima referidos.
   - O 1.º arguido A, 2º arguido C, 3.º arguido B e 4.º arguido E tinham perfeito conhecimento de que os estupefacientes supraditos estiveram escondidos no meio da sola da sandália.
   - O 4.º arguido E sabia que a sandália, que 2º arguido C lhe pediu calçasse, provavelmente contenha estupefacientes, mesmo assim aceitou o pedido dele, com a intenção de calçar a sandália possivelmente contida de estupefacientes para Taiwan e entregar ao pessoal de identidade desconhecida.
   - O 1.º arguido A, 2º arguido C, 3º arguido B e 4º arguido E tinham intenção de traficar estupefacientes, e agiram em cooperação.
   - O 1.º arguido A, 2º arguido C, 3.º arguido B e 4.º arguido E agiram livre, voluntária e consciente e deliberadamente.
   - Tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
   - Na investigação, com a ajuda do 4.º arguido E, agentes policiais apanharam 1.º arguido A, 2.º arguido C, 3.º arguido B com sucesso.
   - Em 18 de Outubro de 2005, agentes da PJ encontraram nove mil dólares dos EUA na posse do 1.º arguido A.
   - Os nove mil dólares dos EUA supraditos são lucros que 1.º arguido A, 2º arguido C e 3.º arguido B obtiveram através de tráfico de estupefacientes.
  - Após exame laboratorial, confirmou-se que o pó branco apreendido continha 98.40% heroína, com o peso de 683.536 gramas.
  - Segundo o CRC, os arguidos são primários.
  - O 1.º arguido declarou que antes de ser preso, dedicava-se à reparação de computador e à compra e venda de acções, auferindo cerca de TWD40.000,00 por mês. Tem a seu cargo sua mulher e uma filha menor. Tem como habilitações académicas o curso de bacharelato .
  - O 2.º arguido declara que antes de ser preso, dedicava-se à compra e venda de papeis, auferindo cerca de MOP$7.000,00 por mês. Tem a seu cargo sua avó. Tem como habilitações académicas o ensino secundário elementar.
  - O 3.º arguido declara que antes de ser preso, dedicava-se a uma loja de roupa estabelecida em Zhuhai. Tem como habilitações académicas o 2.º do ensino secundário.
  - O 4.º arguido declara que antes de ser preso, dedicava-se ao negócio de arame e de impresso no Interior da China. Tem a seu cargo os seus pais, sua mulher e três filhos menores. Tem como habilitações académicas o ensino secundário complementar.
   Factos não provados os factos constantes da acusação e da contestação que não estão em conformidade com os factos provados.

   III - O Direito
   1. As questões a resolver
   As questões a decidir são as a de saber se este Tribunal pode proceder à renovação de prova para conhecer do vício do erro notório na apreciação da prova e se houve insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por o Acórdão recorrido não ter elencado os factos ou actos individualmente participados pelos recorrentes por forma a sustentar a condenação proferida.
   
   2. Renovação da prova
Quanto à primeira questão, referindo-se à decisão do Tribunal de Segunda Instância que aprecia o pedido de renovação da prova, dispõe o n.º 2 do art. 415.º do Código de Processo Penal, que “A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada”.
Logo, daqui resulta que tal decisão é irrecorrível.
Por outro lado, em caso algum o Tribunal de Última Instância procede à renovação da prova, como resulta do disposto do n.º 1 do art. 415.º do Código de Processo Penal. Trata-se de competência exclusiva do Tribunal de Segunda Instância.

3. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Quanto à segunda questão, não se trata, em boa verdade, de qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Do que se trata é de questão de direito: de acordo com o alegado pelos recorrentes, os factos provados não conduzem à integração no crime pelo qual os arguidos foram condenados, o que conduziria, se a questão fosse procedente, à sua absolvição pura e simples e não ao reenvio do processo (para apurar o quê?).
Mas a questão - independentemente de mal qualificada juridicamente – não procede.
Os dois arguidos faziam parte do grupo que trazia estupefacientes de Tailândia para Macau e que os entregava a um terceiro, que os levava para Taiwan. Foram ambos e o 2.º arguido buscar um correio da droga a Zhuhai, vindo com ele para Macau. Aqui, participaram na entrega do produto a este indivíduo, para seguir para Taiwan, via Aeroporto de Macau.
Estes factos integram claramente o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foram condenados.
É de rejeitar os recursos.

   IV – Decisão
   Face ao expendido, rejeitam os recursos por manifesta improcedência.
   Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC, suportando, ainda, 5 UC pela rejeição.
   
   Macau, 10 de Outubro de 2007.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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Processo n.º 35/2007