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Processo nº 714/2015 Data: 12.11.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “desobediência qualificada”.
Pena.
Atenuação Especial.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.

3. Não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 714/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Sumário n.° CR4-15-0107-PSM, decidiu-se condenar A, como autor de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão efectiva, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução; (cfr., fls. 39 a 43 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Em sede da sua motivação e conclusões de recurso, diz que a excessiva é a pena decretada, solicitando uma atenuação especial assim como a suspensão da sua execução; (cfr., fls. 77 a 80-v).

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Respondendo, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso deve ser rejeitado dada a sua manifesta improcedência; (cfr., fls. 83 a 85-v).

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Almeja o recorrente a atenuação especial da pena e a suspensão de execução da mesma, fundando ambas as pretensões, no que se revela essencial, no facto de ter confessado espontaneamente e sem reserva a prática dos factos.
Não nos parece que lhe possa assistir qualquer razão.
Analisado o caso específico dos autos, fácil é concluir, como, de resto, não deixa de o fazer o Exmo Colega junto do tribunal “a quo”, a cujas considerações, constantes da respectiva “Resposta” se adere, que, tendo o visado sido detido em flagrante delito pela prática de crime de desobediência qualificada, por condução quando estava legalmente inibido de o fazer, a confissão se apresenta com valor diminuto, não revelando qualquer diminuição acentuada da ilicitude da sua conduta ou da necessidade da sua punição, do mesmo passo que, nestes parâmetros, a que haverá que acrescentar o seu passado criminal, onde se destacam as várias oportunidades concedidas (e, dizemos, nós, perdidas) de “recuperação”, se descortina, facilmente, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, não podendo, obviamente, o tribunal conceder “ad aeternum” as oportunidades em questão, quando, pelo comportamento respectivo, se verifica que a personalidade do visado e comportamento respectivo se não adequam a um possível juízo de prognose positivo relativamente ao seu advir comportamental.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 141 a 142).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos com tal elencados na sentença recorrida a fls. 40-v a 41-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido dos presentes autos recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução.

Entende que “excessiva” é a pena que lhe foi imposta, pedindo também a “suspensão da sua execução”.

Sem embargo do muito respeito por outro entendimento, não nos parece que tenha o recorrente razão, apresentando-se-nos de julgar o presente recurso improcedente, como infra se passa a tentar explicitar.

Vejamos.

O crime pelo arguido cometido é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias; (cfr., art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.°2 do C.P.M.).

Repetidamente tem este T.S.I considerado que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 29.01.2015, Proc. n° 22/2015).

E, de forma evidente, não nos parece que a situação dos autos constitua uma situação “extraordinária” ou “excepcional”.

Com efeito, a alegada “confissão dos factos”, tem, no caso, pouco valor atenuativo, dado que foi o arguido detido em flagrante delito.

Por sua vez, quanto à “natureza” e “medida da pena”, a mesma se mostra a solução.

Na verdade, o arguido não é primário, tendo já 3 condenações em penas de prisão suspensa na sua execução, cometendo o crime dos autos em pleno período de suspensão, o que afasta de todo qualquer consideração no sentido de aplicação da uma pena de multa por inverificação dos pressupostos do art. 64° do C.P.M., assim como a de se ter a pena de 5 meses de prisão, (sensivelmente, a um quinto do seu limite), como excessiva.

Dest’arte, continuemos.

Nos termos do art. 48.° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 14.05.2015, Proc. n.° 387/2015).

E, como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., o recente Ac. de 14.05.2015, Proc. n.° 324/2015 e Proc. n.° 387/2015).

No caso dos autos, e como se referiu, o arguido ora recorrente, não é primário.

Em 29.04.2005, foi condenado pela prática de um crime de “ofensa grave à integridade física”, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos.
Em 08.02.2010, foi (novamente) condenado pela prática de outro 1 crime de “ofensa à integridade física”, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses.
E em 05.09.2014 foi novamente condenado na pena única de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e em inibição de condução, pela sua prática de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes” e outro de “condução sob influência de estupefacientes”.
Revela, assim, uma total ausência de vontade de aproveitar as várias oportunidades que lhe foram dadas e de levar uma vida em conformidade com as normas de convivência social, tornando evidentes as fortes razões de prevenção criminal especial, (e geral, em virtude do tipo e natureza dos crimes cometidos), e que comprometem, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena, (de 5 meses de prisão em que foi condenado).

Como igualmente temos vindo a considerar, devem-se “evitar penas de prisão de curta duração”.
Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o Ac. de 05.06.2014, Proc. n.° 329/2014, do ora relator, e, mais recentemente, de 14.05.2015, Proc. n.° 324/2015).

Dest’arte, há pois que decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça.

Macau, aos 12 de Novembro de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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