Processo nº 884/2015 Data: 29.10.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “furto”.
“Tentativa”.
SUMÁRIO
Comete o crime de “furto” na forma tentada o arguido que, em estabelecimento comercial, e com intenção de fazer seus, se apropria de produtos aí à venda ao público, acondicionando-os numa mala, vindo a ser detectado à saída e de imediato interceptado pelos profissionais de segurança que se encontravam em serviço.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 884/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada pela prática, como autora e na forma consumada, de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 72 a 76 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, e porque inconformada, veio a arguida recorrer, para imputar à decisão recorrida “errada qualificação jurídica”, considerando que a sua conduta integra apenas a prática de 1 crime de “furto” na forma tentada; (cfr., fls. 80 a 81-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 83 a 84-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista juntou o Ilustre procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Trata-se de apurar a qualificação jurídica da forma de crime (furto consumado ou tentativa do mesmo) imputado ao recorrente, o qual terá sido detectado no interior do estabelecimento “Sasa” na posse de um produto que ali se encontrava exposto e que o visado se preparava para levar para o exterior, sem efectuar o pagamento respectivo, quando foi detectado pelo alarme existente junto às caixas registadoras.
A subtracção de coisa móvel alheia a que se reporta o normativo aplicável – n° 1 do art° 197°, C.P. – implica que essa coisa saia do domínio de facto do anterior detentor, entrando no domínio estável do agente da infracção, ultrapassados os riscos imediatos de reacção da vítima, autoridades ou terceiros que a auxiliem (neste sentido, entre outros, recente acórdão do TUI de 20/5/15, proc. 18/2015).
No caso vertente, bem se poderá afirmar que a reacção da vítima, ou o auxílio à mesma proveio da máquina de alarme, a qual permitiu a recuperação do subtraído ainda antes de o visado ter deixado o estabelecimento, não se podendo, consequentemente, sustentar, em nosso critério, que o mesmo tenha detido o domínio, a posse sobre o subtraído, de forma estável.
Donde, afigurar-se-nos dever o recorrente ser condenado pela prática do crime imputado, na forma tentada, merecendo, assim, provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 92 a 93).
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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 72-v a 73, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a arguida dos autos recorrer da sentença que a condenou pela prática, como autora e na forma consumada, de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.
Assaca à dita sentença “errada qualificação jurídica”, considerando que a sua conduta integra apenas a prática de 1 crime de “furto” na “forma tentada”.
E, (como se mostra evidente), tem razão.
Com efeito, provado está que a arguida, no âmbito de uma visita a um estabelecimento comercial, apropriou-se de produtos que neste se encontravam à venda ao público, acondicionando-os nas sua carteira, vindo a ser detectada na posse dos mesmos à saída do dito estabelecimento pelo alarme aí instalado, sendo, de imediato, interceptada por elementos da sentença aí em serviço.
E, se em causa está o art. 197° do C.P.M. que prevê o crime de “furto” – onde se prescreve que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa” – cremos pois que a conduta em questão integra (tão só) a prática do mesmo crime na “forma tentada”.
De facto, e pronunciando-se sobre idêntica questão teve já o Vdo T.U.I. oportunidade de considerar (recentemente) que:
“1. Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
2. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
3. No caso dos autos, a factualidade apurada revela que os recorrentes não conseguiram manter os bens subtraídos na sua posse com uma estabilidade relativa, pois o seu domínio sobre os bens subtraídos estava sempre sujeito aos riscos imediatos de reacção do ofendido e dos agentes policiais que os perseguiram e interceptaram, tendo os bens do ofendido sido recuperados pouco tempo depois do roubo, pelo que é de considerar que não se consumou a subtracção.
4. Concluído pela forma tentada do crime de roubo, há que lançar mão à atenuação especial da pena, ao comando do art.º 22.º n.º 2 do Código Penal de Macau”; (cfr., v.g., o Ac. de 30.09.2014, Proc. n.° 67/2014; e, no mesmo sentido, de 22.05.2013, Proc. n.° 24/2013 e de 20.05.2015, Proc. n.° 18/2015).
Igualmente sobre a mesma questão, e no Ac. de 23.01.2014, Proc. n.° 767/2013, (do ora relator) considerou este T.S.I.:
“Tem-se como correcto o entendimento pelo Vdo T.U.I. afirmado no Ac. de 22.05.2013, Proc. n.° 24/2013, (e pelo Ilustre Procurador Adjunto citado), segundo o qual: “no crime de furto a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima”; (sobre a matéria, com interesse e com abundante desenvolvimento a nível de direito comparado, vd. o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.11.2009, Proc. n.° 451/08, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, e em resposta à questão de se saber se basta a “posse instantânea” para a consumação do crime de “roubo”, respondia afirmativamente a doutrina tradicional, tendo-se insurgido Eduardo Correia que considerava necessário, para o elemento “subtracção”, a “posse pacífica” da coisa apropriada.
Surgiu, posteriormente, outro critério, menos exigente: o de um “efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso”; (cfr., Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, II, pág. 50).
Doutra forma, (como igualmente nota F. Costa), arredado estaria o recurso à “legítima defesa” (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o mesmo se podendo dizer quanto à “relevância da desistência da tentativa” assim como do “arrependimento activo”, (o que não deixaria de constituir uma incoerência do sistema).
No mesmo sentido, afirma também Paulo Saragoça da Matta que defende que o crime de furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor; (cfr., “Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime «Clássico»”, in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, pág. 1026).
Mostrando-se assim adequado considerar que o conceito de subtracção exige uma “apropriação relativamente estável”, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido, (…)”.
No caso, resultando da factualidade dada como provada que a arguida ora recorrente foi “descoberta à saída do estabelecimento, com os produtos na sua carteira, e que foi, de imediato, interceptada”, correcta e adequada se na mostra a solução que se deixou adiantada. (Aliás perante situação também “muito próxima” já decidiu o Ac. deste T.S.I. de 23.07.2009, Proc. n.° 516/2009, onde se consignou que “Há crime tentado se os pretensos clientes numa feira e exposição de jóias, num certo stand pedem para ver um valioso diamante e se, num dado momento, em que pensam ter distraído o empregado, trocam o verdadeiro diamante por um falso, metendo aquele ao bolso e restituindo este, numa situação em que o empregado, atento, deu imediata conta do ocorrido, não os deixando ausentar e chamando a polícia”).
Quanto à “pena”.
Pois bem, como sabido é, e constatando-se que o crime em questão foi (apenas) cometido na forma tentada, imperativa é a “atenuação especial da pena” nos termos do art. 22°, n.° 2 do C.P.M..
E, nesta conformidade, atenta a moldura legal para o crime de “furto”, no caso, simples, (art. 197°, n.° 1 do C.P.M.), os termos da dita atenuação especial, (art. 67° do C.P.M.), e ponderando igualmente na restante factualidade dada como provada e nos critérios dos art°s 40°, 64° e 65° do C.P.M., considera-se adequada a pena de 2 meses de prisão, que não se substitui por multa porque inverificados os seus pressupostos legais, (art. 44° do C.P.M.), e cuja execução se suspende pelo período (mínimo) de 1 ano, como decidido tinha sido pela decisão recorrida.
Decisão
4. Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso.
Sem custas.
Honorários ao Ilustre Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 29 de Outubro de 2015
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (concordo com a decisão final do recurso, apenas porque entendo que perante a matéria de facto provada no presente processo em primeira instância, não se pode concluir que a pessoa arguida chegou a destruir, com êxito, o poder de domínio de facto do estabelecimento comercial ofendido sobre a coisa — cfr. a posição jurídica já expendida no acórdão de 13/11/2014, do Processo n.º 543/2014 do TSI).
Proc. 884/2015 Pág. 12
Proc. 884/2015 Pág. 11