Proc. nº 545/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Novembro de 2015
Descritores:
-Regime de Previdência
-Regime da Aposentação e Sobrevivência
-Magistrados
-Estágio
SUMÁRIO:
I. Com o advento da Lei nº 8/2006 – que instituiu o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos – os magistrados judiciais e do Ministério Público passaram a integrar uma situação de excepção, visto que passou a ser obrigatória a sua inscrição do Regime de Aposentação e Sobrevivência.
II. Os interessados que tiverem já estado no Regime de Aposentação (do ETAPM) mas que, ao abrigo daquele diploma, converteram por sua livre iniciativa o tempo de serviço prestado naquele regime em tempo de serviço no Regime de Previdência, já não podem converter novamente esse tempo de serviço no Regime de Previdência em tempo de serviço no Regime de Aposentação e Sobrevivência mesmo que um dia venham a ingressar numa das referidas magistraturas, porque a tanto o impede o art. 27º, nº1, al.1), da citada Lei.
III. Esses mesmos interessados também não podem beneficiar do período de estágio como tempo de serviço no Regime de Aposentação e Sobrevivência se durante ele se tiverem mantido, por vontade própria, no Regime de Previdência em que antes se encontravam.
Proc. nº 545/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, juíza dos Tribunais da Primeira Instância da RAEM, recorreu contenciosamente junto do TA da deliberação tomada no dia 19 de Junho de 2013 pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau, que indeferiu o recurso hierárquico da recorrente e manteve a decisão de indeferir o pedido principal de contagem como tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência do período entre 1/02/2002 e a sua tomada de posse como juiz dos tribunais de primeira instância da RAEM e o pedido subsidiário de contagem como tempo de serviço, também para os mesmos efeitos, de todo o período de estágio até à tomada de posse como magistrada judicial.
Ao acto imputou os vícios de violação de lei por erradas interpretação e aplicação de normas jurídicas.
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Foi, na oportunidade, proferida sentença no TA, que concedeu provimento ao recurso, anulando o acto administrativo sindicado.
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Contra essa decisão veio recorrer jurisdicionalmente o Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau, cujas alegações concluiu da seguinte maneira:
«a) O recurso em causa tem por objecto a sentença proferida em 17/2/2015 pela Exmª Senhora Juiz do Tribunal Administrativo. (Quanto ao teor da sentença, vd. fls. 178 a 185 dos autos, e para produzir todos os efeitos jurídicos, aqui se dá por integralmente reproduzido)
b) A ora entidade recorrente, por sua vez, considera que a sentença recorrida padece efectivamente de vários vícios, em particular, vício de erro na aplicação e interpretação da lei, vício de falta e/ou insuficiência de fundamentação da decisão e vício de erro de julgamento, e razão pela qual basta o Tribunal de Segunda Instância ordenar a anulação da respectiva sentença.
c) As questões controvertidas in casu, ou seja, as questões que têm a ver com a parte (recorrente quem interpôs recurso contra o acto administrativo recorrido), na qualidade de juiz do tribunal de primeira instância e de subscritor do regime de aposentação e sobrevivência n.º 22473-1, formulou em 24/1/2013 junto do Fundo de Pensões os dois pedidos seguintes:
(1) Que seja considerado o tempo de serviço da requerente para efeitos de aposentação calculado desde 01/02/2002 até a sua tomada de posse de juiz do tribunal de primeira instância (ou seja desde 01/02/2002 até 07/09/2011);
(2) Se não for deferido o supracitado pedido, será considerado o tempo de serviço da requerente para efeitos de aposentação calculado desde 29/06/2009 até a sua tomada de posse de juiz do tribunal de primeira instância (ou seja desde 29/06/2009 até 07/09/2011).
d) A par de se considerar os supracitados pedidos da recorrente, há que se recordar o facto de a mesma ter exercido funções na Administração Pública e se ter inscrito por dois tipos diferentes no regime de aposentação e no regime de previdência, uma vez que esse facto é o ponto essencial da causa.
e) Quer dizer, em concreto, o que está em causa tem a ver com duas questões essenciais, a saber:
(1) Se a recorrente pode converter novamente em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência o seu tempo de serviço anteriormente utilizado para o cálculo do valor a transferir já convertido em tempo de contribuição para o regime de previdência (período de 1/2/2002 a 31/12/2006)?
(2) Se a recorrente pode converter em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência o seu tempo de contribuição para o regime de previdência (período de 1/1/2007 a 7/9/2011)?
f) É de reiterar que salvo o devido respeito quanto ao entendimento da Exmª Juiz do Tribunal recorrido, a ora entidade recorrente considera que os supracitados dois pedidos da recorrente são inadmissíveis por carecerem totalmente de fundamento jurídico.
g) É de salientar que o Digno Delegado do Procurador também tem a mesma opinião no seu parecer, considerando que os dois pedidos da recorrente não são viáveis e devem ser rejeitados, embora os fundamentos nele expostos não sejam completamente iguais aos da ora entidade recorrente. (vd. parecer, a fls. 151 a 154 dos autos).
h) Em primeiro lugar, quanto à questão se é possível converter novamente em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência o tempo de serviço anteriormente utilizado para o cálculo do valor a transferir já convertido em tempo de contribuição para o regime de previdência (período de 1/2/2002 a 31/12/2006), salvo o devido respeito ao Tribunal a quo, a ora entidade recorrente, por sua vez, considera que totalmente não é viável e que os fundamentos da sentença recorrida não são correctos, violando ainda o espírito e pensamento legislativo da Lei n.º 8/2006 (Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos).
i) A partir da entrada em vigor da Lei n.º 8/2006 em 1/1/2007 (Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos) (doravante designada por “regime de previdência”), no âmbito da Administração da RAEM existem então dois regimes ao mesmo tempo: i) Regime de Previdência; ii) Regime de aposentação e sobrevivência (art.º 258.º e seguintes do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública).
j) A criação desse (novo) regime de previdência tem como pensamento legislativo e objectivo providenciar a todos os trabalhadores que tenham uma relação de trabalho com os serviços públicos um regime de garantia após aposentação; providenciar aos trabalhadores um regime de aposentação mais flexível; criar melhores condições para a mobilidade das pessoas qualificadas da Administração; e eliminar a incerteza em relação aos encargos públicos originada pelo actual Regime de Aposentação e Sobrevivência,
k) Quer dizer, o legislador esperava que através do (novo) regime de previdência, pudesse ser ampliada a garantia após aposentação para todos os trabalhadores que tenham uma relação de trabalho com os serviços públicos, a fim de compensar a falta de os trabalhadores não terem sido incluídos no (antigo) regime de aposentação e sobrevivência, mas não visava criar deliberadamente dois regimes diferentes de tal modo a causar um fenómeno injusto com tratamento ou beneficio especial para trabalhadores de determinada área.
1) Na realidade, segundo os supracitados dois regimes de garantia após aposentação, ambos têm inscrição obrigatória e facultativa (vd. art.º 4.º do Regime de Previdência e art.º 259.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau), quando reúnam as respectivas situações e elementos, alguns trabalhadores da Administração Pública têm que proceder à inscrição obrigatória e alguns podem optar pela inscrição facultativa, de acordo com a sua vontade.
m) Evidentemente, a supracitada Lei n.º 8/2006 dispõe expressamente no seu art.º 27.º, n.05 que o tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência que tenha sido utilizado para o cálculo do valor a transferir e convertido em tempo de contribuição para o Regime de Previdência deixa de poder relevar para efeitos do Regime de Aposentação e Sobrevivência.
n) Embora a recorrente actualmente seja magistrada nomeada definitivamente, a Lei n.º 8/2006 só regula unilateralmente o mecanismo de conversão do tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência em tempo de contribuição para o regime de previdência, mas não a conversão contrária tal como a situação da recorrente.
o) É de salientar que o disposto no supracitado art.º 27.º, n.º 5 da Lei n.º 8/2006 (ou seja o tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência que tenha sido utilizado para o cálculo do valor a transferir e convertido em tempo de contribuição para o Regime de Previdência deixa de poder relevar para efeitos do Regime de Aposentação e Sobrevivência) é aplicável a todos os trabalhadores inscritos no regime de aposentação e sobrevivência, e foi a recorrente, quem, por sua iniciativa, voluntária e espontaneamente requereu a adesão ao regime de previdência (não foi obrigatória) quando tinha reunido as respectivas disposições.
p) Quer dizer, o legislador de forma deliberada não permite a conversão do tempo de contribuição para o regime de previdência em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência.
q) Já que o legislador, de forma expressa, regula unilateralmente o mecanismo de conversão do tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência em tempo de contribuição para o regime de previdência, mas não a conversão contrária, isto justamente quer dizer que o legislador não permite a ocorrência de tal situação, mas não por causa do esquecimento.
r) Por causa disso, segundo a respectiva lei, nela não existe o dispositivo quanto à conversão do tempo de contribuição para o regime de previdência em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência. Mas isso não é uma lacuna jurídica!
s) Pelo que, perante um pressuposto que carece manifestamente de fundamento jurídico, se a entidade recorrida permitir a conversão do tempo de contribuição em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência, evidentemente será incompatível com o princípio da legalidade, violando também o espírito e pensamento legislativo.
t) Além disso, quanto ao regime de aposentação e sobrevivência, já não se reveste de importância, esse tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência que tinha sido utilizado para o cálculo do valor a transferir já convertido em tempo de contribuição para o regime de previdência.
u) Uma vez que, por um lado, já não é possível proceder de novo à inscrição no regime de aposentação e sobrevivência, e por outro lado, o tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência utilizado para o cálculo do valor a transferir já convertido em tempo de contribuição só produz efeitos no regime de previdência no futuro.
v) In casu, após ter sido nomeada como magistrada, a recorrente, nos termos da lei, cancelou automaticamente a sua inscrição no regime de previdência e procedeu à fixação de reversão de direitos e à nova inscrição obrigatória no regime de aposentação e sobrevivência”,
w) Nos termos do art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º 8/2006, em caso de cancelamento da inscrição o contribuinte tem direito: 1) À totalidade do saldo da sua «Conta das Contribuições Individuais», reportado à data da liquidação; 2) Ao valor, calculado segundo as taxas previstas no Mapa I em anexo à presente lei, que exista no saldo da sua «Conta das Contribuições da RAEM», reportado à data da liquidação.
x) Daí podemos verificar que, o tempo de contribuição da recorrente foi utilizado para o cálculo da taxa de reversão de direitos, já produziu efeitos no regime de previdência, pelo que não pode produzir efeitos no outro regime, em particular, no regime de aposentação e sobrevivência.
y) Pelo que, caso possa produzir novamente os efeitos de aposentação e sobrevivência, o respectivo tempo de serviço utilizado para o cálculo do valor a transferir já convertido em tempo de contribuição para o regime de previdência, para além da contra lógica, evidentemente há violação do espírito e pensamento legislativo, pior ainda, o que pode causar uma grande confusão. Imagine qual o resultado desfavorável pode ocorrer, caso os beneficiários de dois regimes de garantia após aposentação totalmente distintos tenham direito a converter/mudar o seu tempo de serviço em qualquer momento e à sua vontade.
z) No presente caso, justamente por causa de o tempo de contribuição da recorrente como estagiária na altura já ter produzido os devidos efeitos no regime de previdência, logicamente, o tempo de contribuição da mesma altura não pode produzir efeitos no outro regime, em particular, no regime de aposentação e sobrevivência, caso contrário, pode ocorrer situação injusta de duplo benefício.
aa) Pelo acima exposto, a entidade recorrida considera que, face aos efeitos previstos na disposição sobre a mudança de regime, bem como não há lei que dispõe expressamente a sua autorização, o tempo de serviço utilizado para o cálculo do valor a transferir já convertido em tempo de contribuição para o regime de previdência (no período de 1/2/2002 a 31/12/2006) não pode converter de novo em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência.
bb) Quanto à questão se é possível converter o tempo de contribuição da recorrente no período de 1/1/2007 a 7/9/2011 em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência, na realidade, a recorrente inscreveu-se no regime de aposentação e sobrevivência desde 1/2/2002 (subscritor n.º 18652-0) e em 1/1/2007 requereu a adesão ao regime de previdência conforme a sua vontade pessoal, até 7/9/2011, a respectiva inscrição foi automaticamente cancelada nos termos da lei por ter sido nomeada como magistrada.
cc) Salvo o devido respeito e não contra o entendimento e decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância no processo de recurso n.º 1014/2011, quanto aos recorrentes nomeados como estagiários do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público se têm direito ou não à inscrição e desconto no regime de aposentação e sobrevivência, dado que a recorrente, antes de nomeada como estagiária, já mudou para o regime de previdência mantendo sempre a sua inscrição e contribuição para o regime de previdência, desde o estágio e formação até a nomeação definitiva como magistrada.
dd) Pelo que, tal como os fundamentos acima expostos, não existe no presente regime jurídico a disposição de autorização de conversão de tempo de contribuição para o regime de previdência em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência, isso não é uma lacuna jurídica, pelo que, o segundo pedido da recorrente também carece de fundamento jurídico.
ee) Igualmente, perante a falta evidente de fundamento jurídico, caso a entidade recorrida admita/autorize o respectivo pedido (conversão do tempo de contribuição para o regime de previdência em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência), evidentemente esse acto contraria o princípio da legalidade administrativa, violando também o espírito e pensamento legislativo.
ff) Com base nos supracitados fundamentos e por respeito ao entendimento dos juízes, a ora entidade recorrente considera que a sentença ora objecto do recurso em causa padece efectivamente de vários vícios que basta o Tribunal de Segunda Instância ordenar a sua anulação, em particular, vicio de erro na aplicação e interpretação da lei, vício de falta e/ou insuficiência de fundamentação da decisão, vício de erro de julgamento, bem como a interpretação e conclusão baseada nos termos dos art.ºs 14.º, 24.º, 26.º, 27.º, 30.º e 36.º da Lei n.º 6/2006 (regime de previdência).
gg) Pelo que, deve ser anulada a sentença ora objecto do presente recurso.
hh) Quanto ao acto administrativo praticado pela ora entidade recorrente, tanto no entendimento e interpretação, como na aplicação da supracitada lei, é totalmente correcto e satisfaz as disposições da lei, não incorrendo em vício de erro na aplicação e interpretação da lei alegado, pelo que não deve ser julgado anulado mas sim, pelo contrário, deve ser mantido.
Termos em que, contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser julgado procedente o recurso em causa por ter fundamento jurídico suficiente, e em consequência, deve ser ilidida e anulada a sentença do Tribunal Administrativo ora objecto do recurso e ser confirmado e mantido o acto administrativo recorrido.
Assim, procedendo, farão Vossas Excelências Justiça!».
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Não houve resposta ao recurso.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte «parecer»
«Assaca a recorrente à douta sentença sob escrutínio, vícios de errada aplicação e interpretação da lei, falta e (ou) insuficiência de fundamentação da decisão e erro de julgamento, fazendo apelo a atropelo de diversos normativos da Lei 8/2006 (Regime da Previdência), entendendo, em síntese, que, ao contrário do decidido, não existe qualquer lacuna legal quanto ao mecanismo de conversão do tempo de contribuição do regime da previdência em tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência, não tendo o legislador, de forma deliberada, permitido tal conversão, tanto mais que o tempo de contribuição da recorrente foi utilizado para o cálculo da taxa de reversão de direitos, tendo já produzido efeitos no regime de previdência, não podendo, pois, produzir novamente tais efeitos noutro regime, designadamente o de aposentação, sob pena de inaceitável duplo beneficio, do mesmo passo que, relativamente ao tempo de curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do M.P., uma vez que foi a própria recorrente, por sua vontade, a manter sempre a sua inscrição e contribuição para o regime de previdência durante a formação e estágio, até à nomeação como magistrada, inexistindo no regime jurídico vigente disposição de autorização da conversão a que aludiu, violará o decidido, também a este nível, o contemplado na lei.
Cremos que lhe assistirá razão.
Entendeu o julgador que, tendo sido intenção do legislador salvaguardar os direitos adquiridos pelos trabalhadores dos serviços públicos, garantindo a planificação da aposentação respectiva, não pode a recorrente, obrigada a inscrever-se no regime de aposentação e, portanto, impedida de continuar no regime de previdência, ver o seu tempo de serviço substancialmente reduzido, para efeitos de cálculo da sua pensão de aposentação, apenas por falta de norma expressa que preveja a concessão dos seus direitos, razão por que haveria que concluir por existência de lacuna, a preencher analogicamente, com recurso ao previsto no nº 1 do art.º 260º, ETAPM.
Não vemos que haja que ser assim, acompanhando-se na matéria, de muito perto, as pertinentes considerações expendidas pelo Exmo. Colega junto do tribunal “a quo”, ou seja, em síntese:
- Quanto ao tempo de aposentação objecto de conversão em tempo de contribuição para o regime de previdência, por ocasião da vigência da Lei 8/2006, é este próprio diploma, no seu art.º 27º, a impedir expressamente a sua relevância para efeitos do regime de aposentação;
- Relativamente aos descontos para o regime de previdência enquanto contratada além do quadro, a lei não faculta hipótese de conversão para o regime de aposentação, não se vendo que tal “silêncio”, tal ausência de proibição expressa possa, validamente, ser tida como “consentimento implícito”, ou carecer de integração lacunar, como adiantado no douto aresto em crise, já que a falta de previsão a tal propósito alcançará justificação no sentido de, além do mais, se evitar duplo beneficio por parte dos contribuintes que, como a recorrente, usufruíram já, sobre o tempo de descontos efectuados, do cálculo da taxa de reversão de direitos, com produção de efeitos no regime de previdência, ao que restará acrescentar que os benefícios a auferir ou auferidos pela visada, não o sendo no regime de aposentação, com mais contagem de tempo de serviço, o serão no regime de previdência, com o que tiver direito a receber a tal nível;
Finalmente, no que concerne à imputação do tempo de formação e estágio, não se pondo em causa que o tempo e descontos efectuados durante esse período podem relevar para efeitos de aposentação e sobrevivência, de acordo, aliás, com o já decidido neste Tribunal, por ac. de 27/4/14, proc. 104/2012, onde se consignou a plena vigência do disposto no nº 3 do art.º 259º, ETAPM relativamente aos magistrados estagiários sem lugar de origem nos quadros dos serviços públicos da RAEM, a verdade é que, face à preferência, manifestada inequivocamente pela interessada, na continuação dos seus descontos para o regime de previdência, se nos afigura, também neste segmento - contagem para efeitos de aposentação do tempo e descontos efectuados para o regime de previdência - se não antevê a possibilidade legal para a comunicabilidade almejada, por razões que, obviamente, se não poderão afastar muito do referido supra.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender que, por erro de julgamento quanto à interpretação das normas aplicáveis ao caso, merecerá provimento o presente recurso, havendo que manter o acto alvo do recurso contencioso».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1.º - A recorrente foi admitida na função pública, através de contrato além do quadro, em 11 de Agosto de 1997.
2.º - A recorrente exerceu funções de técnica superior de 1.ª classe, 1.º escalão, no Gabinete do Procurador, em regime de contrato além do quadro, com início em 1 de Fevereiro de 2000, tendo o respectivo contrato sido sucessivamente renovado, pelo período de um ano.
3.º - A recorrente, a seu pedido, foi autorizada, pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões, a inscrever-se no Regime de Aposentação e Sobrevivência, a partir de 1 de Fevereiro de 2002, tendo-lhe sido atribuído o n.º de subscritor: 18652-0.
4.º - Desde que se inscreveu no regime de Aposentação e Sobrevivência a recorrente nunca suspendeu o pagamento das contribuições mensais aludidas em 2.º.
5.º - Em 26 de Junho de 2007, a recorrente requereu a mudança para o Regime de Previdência, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007.
6.º - A mudança para o Regime de Previdência foi autorizado pela Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões em 8 de Agosto de 2007 e foi confirmado pelo Exmo. Senhor Secretario para a Economia e Finanças em 13 de Agosto de 2007, tendo o respectivo extracto de despacho sido publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 34, II Série, de 22 de Agosto de 2007.
7.º - A inscrição da recorrente, no Regime de Aposentação e Sobrevivência foi cancelada a partir de 1 de Janeiro de 2007, tendo o respectivo tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência entre 1 de Fevereiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2006 (total de 4 anos e 11 meses e 5 dias) sido convertido em tempo de contribuição para o Regime de Previdência e em valor a transferir.
8.º - A recorrente requereu ainda que fosse reconhecido como tempo de contribuição para o Regime de Previdência o tempo de serviço anteriormente prestado entre a sua admissão na função pública e a sua inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência como subscritora entre 24 de Outubro de 1997 e 31 de Janeiro de 2002 -, o que foi deferido pela Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, em 19 de Maio de 2008.
9.º - A recorrente candidatou-se ao terceiro curso e estágio de formação para ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público e foi admitida como estagiária em 29 de Junho de 2009.
10.º - A recorrente frequentou o dito curso e estágio de formação, em regime de comissão de serviço, tendo mantido a sua inscrição no Regime de Previdência durante o respectivo período (29 de Junho de 2009 a 7 de Setembro de 2011).
11.º - A recorrente foi nomeada definitivamente como juíza de Tribunais de Primeira Instância em 8 de Setembro de 2011, tendo aderido ao Regime de Aposentação e Sobrevivência a partir do mesmo dia, com o n.º de subscritor: 22473-1.
12.º - Em 10 de Janeiro de 2013, de acordo com o despacho da Secretária para a Administração e Justiça, a inscrição da recorrente no Regime de Previdência foi automaticamente cancelado com efeitos a partir de 8 de Setembro de 2011;
13.º - Em 24 de Janeiro de 2013, a recorrente requereu a conversão do respectivo tempo de serviço, tendo tal pedido sido indeferido, em 11 de Abril de 2013, por despacho proferido pela Presidente Substituta do Conselho de Administração do Fundo de Pensões;
14.º - Em 10 de Maio de 2013, a recorrente interpôs recurso hierárquico daquela decisão, para o Conselho de Administração do Fundo de Pensões, o qual veio a ser indeferido, por deliberação tomada em 19 de Junho de 2013, constante do Relatório n.º 26/KL/AST/FP/2013 e notificada à recorrente através do ofício n.º 02662/0684/DRAS-DAS/FP/2013.».
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III – O Direito
1 – Revisitemos a situação de facto
a) – A recorrente contenciosa, a seu pedido, foi inscrita, com efeitos a partir de 1/02/2002 no Regime de Aposentação e Sobrevivência, durante o tempo em que prestou serviço para a Administração Pública da RAEM sob o regime de contrato além do quadro.
b) – Em 26/06/2007, porém, requereu a mudança para o Regime de Previdência, com efeitos a partir de 1/01/2007, o que foi deferido.
c) – Em consequência disso, foi cancelada, com efeito a partir de 1/01/2007, a anterior inscrição no Regime de Aposentação e Sobrevivência.
d) – O tempo de serviço prestado entre 1/02/2002 e 31/12/2006 (quatro anos, 11 meses e 5 dias) e contado no Regime de Aposentação e Sobrevivência foi, então, convertido em tempo de contribuição para o Regime de Previdência.
e) – Nessa ocasião foi ainda deferida a contagem de todo o tempo de o serviço prestado entre o momento da de subscritora como agente na Administração Pública (24/10/1997) e 31/01/2002 como sendo tempo de contribuição para o Regime de Previdência.
f) – Em 29/06/2009 ingressou no estágio para a Magistratura Judicial e do Ministério Público, vindo a ser nomeada definitivamente juiz em 8/09/2011.
g) A interessada requereu, então, em 24/01/2013 que todo o tempo de serviço até 8/09/2011 - e que, a seu pedido, havia sido contado para o Regime de Previdência - fosse convertido em tempo de serviço no Regime de Aposentação e Sobrevivência ou, ao menos (subsidiariamente), que todo o tempo de estágio fosse contado nesse regime, o que lhe foi negado.
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2 – Exposta a questão de facto, importa agora averiguar se a recorrente contenciosa (ora recorrida) tinha direito à pretendida conversão, tal como lho reconheceu a sentença da 1ª instância.
Pretende-se saber, basicamente, se a recorrente contenciosa podia reconverter em tempo de serviço para o Regime de Aposentação e Sobrevivência, o tempo de serviço que anteriormente já tinha sido convertido em tempo de serviço no Regime de Previdência. A entidade administrativa defende que não; a sentença decidiu que sim.
Vejamos, então.
A digna recorrente contenciosa entrou para a Administração Pública através de um contrato além do quadro em 11/08/1997, embora só tenha sido inscrita no Regime de Aposentação e Sobrevivência em 1/02/2002.
E não é de estranhar esta inscrição tardia pois que, de acordo com o art. 259º do ETAPM, ela era “facultativa para os agentes e pessoal em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos” (nº3), enquanto, diferentemente, “obrigatória para os funcionários e agentes de nomeação provisória ou definitiva, promovida oficiosamente pelos serviços que paguem os vencimentos” (nº2).1
Até à data da entrada em vigor da Lei nº 8/2006 – que instituiu o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos – o regime da aposentação e sobrevivência estava plasmado nos arts. 258º e sgs. do ETAPM. Era o regime único; não havia outro.
Com o advento do referido diploma, passaram a coexistir dois regimes. Um regime-regra (o da Previdência, assente no diploma citado) e o regime-excepção (o da Aposentação e Sobrevivência). Aliás, daí em diante, só em casos muito pontuais passou a ser permitida a inscrição no anterior Regime de Aposentação e Sobrevivência, tal domo decorre do nº1 do art. 24º.
Mas, tal como no regime-regra, que não estabelece uma inscrição obrigatória (cfr. art. 259º, nºs 2 e 3, do ETAPM), também no regime- excepção a inscrição só é obrigatória para alguns trabalhadores (art. 4º, nº1), sendo opcional para os restantes (nº2, do art. 4º).
E entre os trabalhadores a quem o Regime de Previdência não se aplica estão os magistrados judiciais e do Ministério Público (art. 3º, nº2, al. 5)). E o reforço desta noção reside, precisamente, no art. 24º, nº1, onde é expressamente referido que “Após a entrada em vigor da presente lei deixam de ser admitidas inscrições no Regime de Aposentação e Sobrevivência, salvo nos […] casos de… 4) Magistrados judiciais e do Ministério Público cujo quadro de origem seja o da RAEM”.
Ou seja, para esta classe de servidores, nem obrigatória, nem facultativamente se aplica o Regime de Previdência. Porquê? Porque são necessariamente beneficiários do Regime de Aposentação e Sobrevivência.
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3 – Em que é que esta conclusão acode, ou não, à solução do problema?
A bem dizer, pouco. Ainda assim, não deixamos de consignar que, com a saída da lei, foi possível a alguns trabalhadores da Administração Pública transitarem do Regime da Aposentação e Sobrevivência para o novo Regime de Previdência (art. 26º, nº1), possibilidade que não foi reconhecida para os magistrados (nº2, art. 26º). Compreende-se esta impossibilidade, na medida em que se assim não fosse, haveria uma contradição no sistema e no espírito do diploma, que, como se viu, não aceita que os magistrados possam escolher o novo regime saído da Lei nº 8/2006.
Há, aliás, uma outra norma que só se compreende quando excludente dos magistrados. Referimo-nos à alínea 1), do nº1, do art. 27º. Diz ela que, uma vez feita a mudança de regime, o requerente adquire a qualidade de contribuinte do Regime de Previdência, ficando cancelada a sua inscrição no Regime de Aposentação, “sem que nele possa voltar a inscrever-se”. Consagrou-se aqui uma espécie de regra de não retorno: Quem transitou do primeiro para o novo regime, já não pode voltar atrás, i.é., não mais poderá voltar a inscrever-se no Regime da Aposentação.
É claro que esta regra não se aplica aos magistrados, como se disse. Mas, ela serve para dar o mote a todo o pensamento do legislador. O que ele quis foi assegurar e fazer vingar um regime novo e ir apagando o que foi restando do anterior.
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4 - Mas esta regra de não retorno não é única.
Voltamos a encontrá-la, com outra roupagem, porém, na alínea 5), do nº1, do mesmo art. 27º.
Reza assim esta disposição:
“O tempo de serviço para efeitos de aposentação e sobrevivência que tenha sido utilizado para o cálculo do valor a transferir e convertido em tempo de contribuição para o Regime de Previdência deixa de poder relevar para efeitos do Regime de Aposentação e Sobrevivência” (destaque nosso).
É claro que ela só tem sentido, coerência e lógica se a relacionarmos com o universo de pessoas abrangidas por ela.
Por exemplo, valerá para quem estiver no Regime de Aposentação e que possa transitar para o Regime de Previdência, mas já não servirá para quem não puder fazer essa transição, como é o caso dos magistrados.
Por conseguinte, os magistrados que tenham já essa qualidade (magistrados efectivos) não podem fazer tal transição; proíbe-o a lei.
Mas em relação àqueles que, não sendo ainda magistrados – e que, portanto, sendo trabalhadores da Administração que durante um tempo da sua vida estiveram, obrigatória ou facultativamente, abrangidos pelo Regime da Aposentação, um dia quiseram optar pelo Regime de Previdência ao abrigo desta lei – acabaram por ingressar posteriormente numa das magistraturas, já a alínea 5) tem inteiro préstimo.
É, aliás, o caso da digna colega recorrente contenciosa.
Ela, que esteve inscrita e descontou para a Aposentação durante um certo tempo, aproveitou a saída da lei nº 8/2006 para pedir a conversão de todo o tempo de serviço desde o início da sua prestação de serviço para a Função Pública como tempo de serviço no Regime de Previdência. Foi, conforme pedido por duas vezes pela recorrente, contado neste novo regime todo o tempo que decorreu entre 24 de Outubro de 1997 e 31/12/2006. E depois disso continuou neste novo regime, mesmo após ter iniciado o curso e estágio de formação de magistrados em comissão de serviço.
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5 – Poderá ver-se nessa alínea uma espécie de proibição de gozo de um duplo benefício?
A sentença a este propósito asseverou: “Se esse tempo de serviço foi absorvido pelo novo regime contributivo não poderá relevar, de forma autónoma, paralela, para o Regime de Aposentação e Sobrevivência, naturalmente para evitar duplos benefícios”.
Não nos parece que seja esse o escopo da norma. E porquê?
Porque quem converteu o tempo de serviço no Regime de Aposentação em tempo de serviço no Regime de Previdência já viu essa faculdade esgotada nesse benefício de conversão. Ou seja, após a conversão, nenhum outro benefício faz sentido que se retire do Regime em que o funcionário já não se encontre. E é por isso que não valeria a pena que a norma voltasse a dizer o que é lógico: que o tempo de serviço prestado no Regime da Aposentação não podia trazer benefício algum, nomeadamente em termos de pensão ou outro, à esfera do funcionário. Após a conversão tudo ficou consumado!
Por outro lado, quanto a nós, também não valeria a pena o legislador introduzir o segmento normativo acima destacado para introduzir o esclarecimento tal como o sentiu a sentença recorrida. É que se a regra do não-retorno estabelecida no art. 27º, nº1, al. 1) é a de que quem sai do primeiro regime para ingressar no novo, àquele não pode regressar, então não fica nenhum espaço para densificar este segmento. Quer dizer, seria inócuo dizer que o tempo de serviço convertido do primeiro regime no segundo não releva para efeitos do primeiro. Seria pura e escusada tautologia.
Esta norma, quanto a nós, tem outro alcance. Serve para todas aquelas situações – e não serão muitas, de certeza – em que após a conversão do primeiro regime no segundo o interessado tem, obrigatoriamente, que regressar ao primeiro. Estamos a falar dos magistrados.
E assim interpretada, já a norma tem racionalidade e é coerente.
A recorrente, por exemplo, esteve no Regime de Aposentação durante vários anos; após, pediu a conversão desse tempo de serviço como sendo tempo de serviço no Regime de Previdência. Foi uma opção individual, radicada exclusivamente na autonomia da sua vontade e no quadro da defesa do jogo de interesses que quis pessoalmente defender. Se se tratasse de outro funcionário que caísse na dita regra, nem sequer podia regressar ao primitivo Regime de Aposentação. Mas, devido à circunstância de se ter supervenientemente tornado magistrada a lei previu o seu retorno àquele regime. Mas a lei deixou claro o pensamento subjacente: “Voltas ao Regime da Aposentação, sim, mas o tempo pelo qual estiveste, por opção livre, no Regime da Previdência, não valerá para os efeitos futuros a extrair do regime a que regressas”. Esse tempo é irrecuperável.
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6 – E isto que se acaba de dizer é extensivo ao período de estágio.
A solução seria outra em três diferentes situações.
Primeira: Sê-lo-ia, desde logo, se se tratasse de alguém que nunca tivesse estado inscrito em nenhum dos dois regimes (nunca foi funcionário ou agente administrativo) até ingressar no curso e no estágio para as magistraturas. Aí, cremos que já a alínea 5) citada lhes não pode aplicar-se, apenas se colocando o problema de se saber se o tempo do estágio deve ser ou não contado como tempo de serviço no Regime da Aposentação caso os formandos venham efectivamente a ingressar na magistratura2.
Segunda: Também haveria de sê-lo no caso daqueles funcionários que nunca estiveram no Regime de Aposentação, mas sim e apenas, após a Lei nº 8/2006, no Regime de Previdência. Fará sentido deixar de fazer contar esse tempo de estágio como tempo de Regime de Aposentação se, um vez concluído este com êxito, o interessado vem a ser nomeado magistrado? A lei não fornece a resposta directa e por isso há quem defenda aí a integração da lacuna com uma resposta favorável.
Terceira: Diferente, ainda, nos parece que deva ser a situação daqueles que já estavam no Regime da Aposentação quando ingressaram no curso para formação de magistrados, tendo-o concluído com êxito3.
No fundo, o problema nestas três situações acaba por confinar-se ao período do estágio, podendo a solução variar consoante a situação de contribuição (ou de não contribuição) em que cada um deles se encontre.
Mas, o caso que nos ocupa é diferente de todas elas.
Verdade que ao ingressar no estágio cessou o contrato “além do quadro” que unia a colega Drª A à Administração Pública, nos termos do art. 9º, nº3, da Lei nº 13/2001, passando a exercer funções em “comissão de serviço”, segundo os arts. 6º, nº1 e 8º, nº1, da referida Lei, o que lhe permitiria, nessas circunstâncias, inscrever-se no Regime da Aposentação ou manter-se naquele em que se encontrava, tal como parece resultar dos arts. 3º, nº1, al. 2) e 4º, nº2, da Lei nº 8/2006 e 259º, nº3, do ETAPM.
Lamentavelmente, porém, a digna colega expressou a sua intenção noutro sentido. No pleno exercício dos seus direitos, optou pela transição do Regime da Aposentação para o do Regime da Previdência, que manteve no próprio período de estágio (ver facto 10).
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E, de resto, ao fazê-lo, retirou os benefícios próprios dele, vindo a ser necessariamente contemplada com os direitos pecuniários que resultam do art. 14º, nº1, als. 1) e 2), da Lei nº 8/2006. Não pode agora extrair novos efeitos (acumulados), nomeadamente para efeito de contagem de todo o tempo de serviço no Regime de Previdência (convertido) como tempo de serviço para o Regime de Aposentação, no qual agora de novo se encontra.
Não está prevista essa conversão em sentido contrário e, além, disso, impede-o a referida alínea 5), do nº1, do art. 27º.
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7 – Concluindo, a interpretação da sentença recorrida, com o devido respeito, não pode sufragar-se, por atentar contra o disposto na letra e no espírito da lei.
E ao dizermos isto, ao mesmo tempo estamos a afirmar que o vício de violação de lei imputado ao acto não se verifica, não só porque o art. 27 º citado não pode ter outra leitura senão aquela que o acto administrativo lhe deu, como ainda pelo facto de não haver no diploma e no ordenamento jurídico da RAEM, sobre este assunto, nenhuma lacuna que seja necessário preencher, ao contrário do que a digna recorrente contenciosa defendia e do que a sentença impugnada acobertou.
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8 - Uma nota final.
A sentença em crise apontou ao acto os vícios de violação de lei e de violação do princípio da igualdade, apenas conhecendo do primeiro, julgando-o procedente, e com isso dando por prejudicado o conhecimento do segundo.
Sucede que os autos não precisam de voltar à 1ª instância para o conhecimento do outro vício (a partir de uma certa interpretação feita a partir do art. 159º, nº1, do CPAC), nem carece este TSI de o conhecer (segundo outra interpretação que se faça do mesmo art. 159º, nº1, do CPAC, face à qual a disposição citada só vale para os casos em que a decisão impugnada não tenha tomado conhecimento do pedido, o que, fora deles, abriria a porta à função substitutiva do TSI), uma vez que, na realidade, nenhum outro vício foi expressamente invocado pela recorrente na petição inicial (e apenas aí, uma vez que nenhuma das partes apresentou alegações facultativas).
Efectivamente, não ressalta da petição do recurso contencioso que a digna recorrente tenha colocado sob censura o acto administrativo sob o prisma de uma afronta ao princípio da igualdade plasmado no art. 5º do CPA, o que implicaria invocar que o seu caso teria tido decisão diferente de um outro bem identificado, apesar da identidade dos pressupostos de facto, o que não fez.
Assim sendo, é nesta instância que termina a apreciação dos presentes autos.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, ---
a) Revogar a sentença impugnada; e ---
b) Julgar improcedente o recurso contencioso e manter o acto administrativo.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça:
Na 1ª instância: 4 UC;
No TSI: 7 UC.
TSI, 19 de Novembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Sobre esta natureza facultativa e obrigatória, ver, v.g., Ac. do TSI, de 12/05/2011, Proc. nº 519/2009.
2 Parece ter sido a solução do Ac. do TSI, de 27/04/2014, Proc. nº 1014/2012
3 Esta posição é defendida no Ac. do TSI, de 19/03/2009, Proc. nº 594/2008
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545/2015 26