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Processo nº 161/2014
Data do Acórdão: 23JUL2015


Assuntos:

Danos não patrimoniais das sociedades comericiais
Ofeito cominatório semi-pleno
Ónus de alegação dos factos


SUMÁRIO

1. A lesão da imagem comercial de uma sociedade comercial não é susceptível de fundamentar qualquer indemnização a título de dano não patrimonial.

2. O efeito cominatório semi-pleno da revelia operante no processo de forma ordinária não dispensa o Autor do ónus de alegação dos factos concretos para sustentar o seu pedido, uma vez que é preciso ainda que Tribunal formule o seu juízo de valor sobre os factos considerados provados e aplique o direito aos factos para decidir sobre a procedência ou não do pedido.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 161/2014


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-13-0005-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

I) RELATÓRIO
  A Sociedade Unipessoal Limitada, sociedade com sede em Macau, melhor identificada na petição inicial (doravante designada por Autora - A.) intentou neste Tribunal Judicial de Base a presente acção ordinária contra B Software LLC, sociedade com sede nos Estados Unidos da América, melhor identificada nos autos (doravante designada por Ré - R.), com os fundamentos consignados na petição inicial de fls. 27 a 51, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
  Concluindo, pede, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e se condene a R. a pagar à A. a quantia de MOP$5.050.784,13, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de citação até integral e efectivo pagamento.
*
  Regularmente efectuada a citação pessoal, não ofereceu a R. contestação, pelo que se consideram reconhecidos por confissão os factos articulados na petição inicial.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
  Face à confissão e à prova documental constante dos autos, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa (com exclusão dos factos conclusivos e jurídicos):
  A A. é uma sociedade constituída de acordo com as leis da Região Administrativa de Macau (RAEM) que se dedica à prestação de serviços de gestão de fornecimento em cadeia e de serviços de gestão de projectos. (Doc. 1)
  A R. é uma sociedade constituída de acordo com as leis do estado do Nevada (Estados Unidos da América) que se dedica à comercialização e licenciamento de um software (“B Sourcing and Materials Management System”, doravante SAMMS) de gestão de compras, stocks, análise de custo de produtos alimentares, instalação de mobiliário e equipamentos, e interface com outros sistemas de software, nomeadamente os pontos de venda e o programa de contabilidade “Infinium”, bem como à prestação dos respectivos serviços de manutenção.
  A A. foi constituída em Junho de 2009, sob a denominação social “C Macau Limitada”. (Doc. 1)
  O administrador da A., D, de nacionalidade norte-americana, exerce tais funções desde a constituição da A.
  A A. opera na RAEM desde a data da sua constituição, com especial enfoque na prestação de serviços de logística.
  Através do exercício da sua actividade no mercado da RAEM, a A., e em particular o seu administrador, construiu uma rede de contactos comerciais junto dos operadores turísticos estabelecidos em Macau, nomeadamente no que diz respeito ao E Macau Resort Hotel e ao F.
  Com efeito a A., e especialmente o seu administrador acima identificado, prestaram serviços de logística e instalação de equipamentos e mobiliário, bem como outros serviços de gestão de sistemas, em ambos os resorts integrados acima referidos, tendo por essa via estabelecido uma importante rede de contactos e parcerias com operadores locais, colocando a A. numa posição privilegiada em relação à comercialização dos produtos da R.
  O administrador da A. e o administrador e principal accionista da R., G, conhecem-se desde 1999, tendo desde então mantido uma boa relação pessoal e comercial, a qual se intensificou com a intenção de ambos desenvolverem negócios em Macau.
  A R. iniciou a sua actividade comercial em Macau, em 2011, junto do Grupo I, nomeadamente no resort integrado I Macau, no Cotai.
  À época, o referido grupo constituía a única perspectiva de negócio que a R. possuía no território da RAEM.
  A A. e R. desenvolveram, então, negociações com vista ao estabelecimento de uma parceria e junção de esforços que permitissem o aproveitamento da rede de contactos da A., potenciando o desenvolvimento de negócios, conjuntamente, em Macau e na região do sudoeste asiático.
  Foi no quadro deste acordo quanto ao desenvolvimento de projectos de negócio em conjunto que, ainda no verão de 2011, a A. e R. realizaram apresentações conjuntas dos seus produtos e serviços a potenciais clientes na República das Filipinas, nomeadamente os grupos J Corporation e K Corporation.
  E em Novembro de 2011, a A. e a R. decidiram apresentar uma proposta comum para fornecimento de um sistema de gestão de compras, cadeia de fornecimento e instalações à Universidade de Macau.
  Tal proposta foi formulada através da A., que se apresentou como proponente.
  Sendo que, para esse efeito, foram elaborados diversos documentos nos quais as capacidades da R., o perfil do seu staff e as características do seu produto são apresentadas de forma conjunta e integrada com as das A. (Docs. 2 e 3)
  Em Março de 2012 o administrador da A. e o administrador da R. encontraram-se em Las Vegas, nos Estados Unidos da América.
  Nessa ocasião, tendo em conta o bom entendimento existente entre as partes e a colaboração proveitosa que vinham mantendo ao longo dos meses anteriores, a A. e a R., através dos respectivos representantes, decidiram aprofundar a sua relação comercial, formalizando-a através de uma parceria duradoura para o exercício da sua actividade comercial em Macau.
  Mais especificamente, a A. e a R. decidiram que a sua operação no território da RAEM seria reunida numa única entidade, a qual seria promovida como fornecedora de uma solução integrada de gestão de fornecimentos, que combinaria o sistema de software de gestão produzido pela R., incluindo gestão de compras, controlo de stocks, existências e distribuição interna, com módulos desenvolvidos pela A., designadamente os relativos ao controlo de equipamentos e mobiliário.
  E ainda com serviços de distribuição e instalação de mercadorias e equipamentos, igualmente geridos e prestados pela A.
  A combinação das valências da A. e da R. nas vertentes acima descritas resultava numa solução inovadora e única na sua capacidade de integrar todo o processo de gestão de fornecimentos, e por isso especialmente vocacionada para a gestão de resorts integrados como os existentes em Macau.
  A A. e a R. decidiram também que a entidade que haveria de protagonizar, desenvolvendo e promovendo em Macau a actividade comercial da parceria estabelecida seria a própria A.
  Esta decisão baseou-se no facto de a A. ser uma sociedade já constituída e sedeada em Macau, onde possuía instalações, pessoal, contactos comerciais, credibilidade e reputação de negócio e historial bancário.
  Circunstância que se mostrava particularmente relevante atendendo aos critérios de contratação da generalidade dos potenciais clientes da parceria a constituir, que exigem para esse efeito sociedades constituídas em Macau e possuidoras de referências operacionais e financeiras na região, condições que nem a R. nem uma nova sociedade a constituir poderiam preencher.
  O que resultava, aliás, do facto da R. apenas ter conseguido um contrato com a I e demonstrar incapacidade para desenvolver e estender a sua actividade em Macau a outros casinos e resorts integrados.
  Para esse efeito, a A. e a R. decidiram que a primeira iria alterar a sua denominação social para “A” (em inglês “A”), de modo a, por um lado, identificar-se, pela sua denominação social, com a marca da R. no domínio do software de gestão e, por outro, a reflectir a integração da A. como sua representante para a RAEM.
  Do mesmo modo, a A. e a R. acordaram que a primeira iria iniciar um processo de reestruturação tendente a adequar a sua organização às novas necessidades resultantes da colaboração com a R.
  Nomeadamente a concepção de nova imagem corporativa e execução do respectivo material promocional.
  A construção de um novo website, em coerência com aquela nova imagem e concebido de acordo com a R. (Doc. 4)
  E o recrutamento de novos colaboradores, especialmente vocacionados para a nova área de actuação a prosseguir futuramente pela A.
  Nos termos do acordo assim alcançado pelas partes, todas as despesas em que a A. incorresse para concretizar a descrita reestruturação seriam suportadas pela R.
  Que deveria ainda compensar a A. pelo tempo despendido na concretização de tal reestruturação (nomeadamente por parte do seu administrador).
  Uma vez que esse processo, significando na prática uma suspensão de todas as restantes actividades e negócios que a A. vinha desenvolvendo desde a sua constituição, representava para ela um efectivo custo de oportunidade.
  Quanto aos termos da sua relação comercial, e porque as partes se iriam manter independentes ao nível das participações no respectivo capital social, foi acordado que a R. iria celebrar com a A. um contrato de licenciamento do seu software.
  Ficando a A. com o estatuto de revendedora exclusiva desse software no território da RAEM.
  A A. procedeu de acordo com o plano gizado em conjunto com a R., tendo procedido à sua reestruturação jurídica, promocional e funcional de acordo com os passos acima descritos.
  Tendo em conta o acordo assim alcançado com a R. e atendendo ao estado muito avançado em que as respectivas negociações se encontravam, a A. começou desde logo a trabalhar naquele que, tudo o perspectivava, passaria a ser o objecto da sua operação, ou seja, a comercialização no território da RAEM da solução integrada produzida em parceria com a R.
  Para esse efeito, o administrador da A. efectuou duas viagens a Las Vegas, nos Estados Unidos da América, a fim de trabalhar no desenvolvimento do módulo de FF&E (Furniture, Fixtures and Equipment) que iria complementar o software produzido pela R.
  Uma viagem a Baltimore, nos Estados Unidos da América, a fim de promover o novo produto no certame HITEC (Hospitality Industry Technology Exposition and Conference), especialmente vocacionado para os potenciais clientes daquele produto, e que teve lugar na referida cidade em Junho de 2012.
  E ainda duas viagens a Macau, a fim de coordenar o processo de reestruturação da A. e desenvolver contactos comerciais com outros resorts integrados e operadores hoteleiros.
  Sendo que a R. chegou a suportar parte do preço das referidas viagens, em cumprimento do compromisso que assumira nesse sentido, assim como o fez relativamente às despesas em que a A. incorreu para alteração da sua denominação social.
  Em Junho de 2012, a propósito do certame acima referido e numa demonstração inequívoca da seriedade e solidez da relação estabelecida entre as partes, a R. emitiu uma nota de imprensa anunciando a sua expansão para a zona da Ásia-Pacifico, aludindo à “criação de uma nova sociedade em Macau” – justamente a A. – e descrevendo as características inovadoras da solução integrada que aquela iria comercializar. (Doc. 5)
  Por outro lado, aproveitando as já referidas viagens que realizou a Macau, o administrador da A., fazendo uso do conhecimento de mercado e dos contactos comerciais adquiridos ao longo dos anos em que a A. vem operando na RAEM, abordou desde logo diversos potenciais clientes, nomeadamente casinos e resorts integrados, que pudessem ter interesse no produto que, no âmbito da parceria com a R., iria ser comercializado pela A.
  Dessas abordagens resultou uma relevante perspectiva de negócio com o casino/hotel L Macau.
  O administrador da A. empenhou-se na angariação desse importante cliente, tendo iniciado as negociações dos termos do contrato a celebrar com a L Macau logo em Abril de 2012.
  Ao mesmo tempo, a A., através do seu administrador, apresentou também uma proposta de fornecimento do mesmo produto ao hotel/casino M Macau.
  Igualmente tendo em vista o futuro desenvolvimento da sua actividade no âmbito da parceria a celebrar com a R., a A. encetou negociações com o resort F.
  As propostas e negociações realizadas pela A., tendo em vista a celebração de contratos de fornecimento do produto a comercializar em parceria com a R. junto de alguns dos maiores operadores de jogo a actuar em Macau, ocorreram com o consentimento e apoio da R., que igualmente foi sendo devidamente informada do desenrolar dessas negociações.
  Em Julho de 2012 a A. logrou alcançar com a L Macau um acordo quanto às condições que regeriam o negócio a celebrar entre as duas partes.
  A R. esteve permanentemente a par do progresso das negociações com a L Macau, uma vez que o administrador da A. deu conta dos seus desenvolvimentos ao administrador da R., que concordou com as condições contratuais acordadas e deu luz verde para que o negócio fosse concluído.
  Nessa sequência, em 01/09/2012 a A. celebrou com a L Macau um contrato de licenciamento do software SAMMS.
  E ainda um contrato de prestação de serviços de assistência ao mesmo software.
  Como se disse, tal negócio foi celebrado com o conhecimento e consentimento da R.
  Ainda que a parceria acordada entre A. e R. estivesse ainda por formalizar, os contratos celebrados pela A. com a L Macau representavam na prática o primeiro negócio celebrado no âmbito daquela parceira, uma vez que o produto a fornecer pela A. à L Macau era justamente a solução integrada de software e respectivos serviços de manutenção SAMMS.
  Celebrados aqueles contratos, e a fim de plasmar num documento escrito os termos da parceria entre as partes, a A. enviou à R. diversas minutas de contratos destinados a formalizar a sua relação comercial, nos termos que previamente haviam sido discutidos e acordados.
  Formalização essa que se mostrava agora necessária em virtude de se aproximar o início da execução da prestação de serviços à L Macau, os quais incluíam o software propriedade da R. e que esta se comprometera a licenciar à A.
  Numa primeira fase, o administrador da R. informou que estava disponível para assinar tais contratos.
  Sucede que, precisamente a partir de Setembro de 2012, a R., através do seu administrador, passou a assumir perante a A. uma postura incoerente com todo o processo negocial acima relatado.
  De facto, o administrador da A. começou por ter grande dificuldade em contactar com o administrador da R., uma vez que este deixou de responder aos seus emails.
  E quando finalmente o administrador da A. logrou obter resposta às suas insistentes tentativas de contacto, o administrador da R. informou que, no entender desta, a parceria que ambas as partes vinham negociando ao longo dos meses anteriores não representava mais do que um simples acordo de agenciamento, no âmbito do qual a A. promoveria o software da R. e receberia uma comissão pelos negócios que, no território da RAEM, lograsse angariar para a mesma.
  Mais ainda: relativamente ao acordo com a L Macau – angariado e negociado pela A., e por ela celebrado em nome próprio, para que fosse ela a fornecedora da solução integrada ao cliente – o administrador da R. permitiu-se afirmar que este negócio fora consumado pela R.
  Que o papel da A. no negócio fora apenas o de permitir a apresentação de uma sociedade sediada em Macau para efeito de celebração do contrato, servindo de canal para que a R. pudesse receber os “seus” (sic) honorários por conta desse contrato.
  E que não cabia à A. qualquer tarefa de implementação da solução integrada junto do cliente.
  Ora, como se disse, tal entendimento não só se enquadrava no espírito que motivara o despoletar das negociações entre as partes.
  Como não correspondia de todo ao que, ao longo do processo negocial, fora sendo discutido entre elas.
  Assim como contrariava em absoluto o que a própria anunciara publicamente que seria o papel da A. no mercado de Macau e da zona da Àsia-Pacífico.
  O certo é que o administrador da R. persistiu na sua atitude de renegar o entendimento que havia alcançado com a A., e que estivera na base de toda a actuação desta ao longo dos meses anteriores.
  Incluindo, em particular, a alteração da sua própria denominação social e a angariação e negociação de contratos com a L Macau, em nome da A. e tendo como pressuposto do objecto negocial a parceria existente entre esta e a R.
  Assim, a R. recusou-se a celebrar com a A. o acordo que com ela acordara.
  Ignorando os repetidos apelos da A. para que o fizesse, e deixando também sem resposta as restantes propostas que a A. lhe dirigiu no sentido de ser solucionado o diferendo que se criara entre as partes.
  De facto, angariado que estava um cliente com a dimensão da L Macau, e preparando-se a execução prática dos respectivos contratos, a R., sabendo que a A. não poderia fornecer o software “XX” ao cliente sem a prévia celebração de um acordo de licenciamento, tentou marginalizar a A. e assumir uma relação directa com a L Macau.
  Com esta actuação, a R. procurou deliberadamente privar a A. do benefício económico do esforço empreendido na angariação e negociação dos contratos com a L Macau.
  Como se disse, a A., através do seu administrador, tentou chamar a R. à razão, recordando-lhe as origens e os termos do negócio acordado, e fazendo-lhe ver que ambas as partes estavam perante uma oportunidade altamente aliciante, que urgia não desperdiçar.
  Porém, a R. permaneceu firme na sua recusa de honrar o prometido, celebrando o contrato com a A.
  Culminando a ruptura dos seus compromissos com esta através do envio para a L Macau de uma carta, assinada pelo seu administrador, em que este, com assinalável desfaçatez, afirmava “nada ter a ver” com a A. ou com o seu administrador.
  Como resultado da descrita actuação da R., a A. viu-se a braços com uma relação contratual a que lhe era impossível dar cumprimento.
  Na medida em que, devido à recusa ilícita da R. de formalizar a parceria entre as partes, nomeadamente mediante a celebração, tal como acordado, do contrato de licenciamento e revenda do software, a A. estava impedida de fornecer este à L Macau, conforme se comprometera a fazer.
  De igual forma, a A. viu-se colocada numa posição embaraçante relativamente às negociações avançadas com a M Macau e F, perante os quais assumira já compromissos concretos.
  Nomeadamente no tocante à realização de apresentações, tendo sempre assumido a posição de revendedor licenciado, como havia sido acordado com a R.
  Mas igualmente dando garantias de que estava em condições de fornecer o software, indo, assim de encontro às expectativas destes potenciais clientes.
  Como primeiro passo da reestruturação destinada à concretização da parceria ajustada com a R., a A. procedeu à alteração da sua denominação social para aquela que actualmente possui.
  Para esse efeito, a A. despendeu, em honorários por aconselhamento jurídico e emolumentos registais, o montante total de MOP$20.000,00 (vinte mil patacas).
  Em resultado dessa alteração e das formalidades a que ela deu origem junto do Banco X, instituição de que a A. é cliente, a A. teve que despender comissões bancárias no montante total equivalente a MOP$1.954,20 (mil novecentas e cinquenta e quatro patacas e vinte avos).
  Do mesmo modo, em execução do plano de reestruturação da sua imagem corporativa que acordou com a R., a A. procedeu à concepção e construção de um novo website (www.Bglobalsupply.com).
  Por tal trabalho de concepção e construção, e bem assim pelo registo do domínio indicado no artigo anterior, a A. despendeu um montante total equivalente a MOP$46.960,10 (quarenta e seis mil novecentas e sessenta patacas e dez avos).
  A A. encomendou também a execução de cartões de visita e brindes promocionais em consonância com a sua nova imagem corporativa resultante da parceria a estabelecer com a R.
  Pela execução de tais materiais e brindes a A. despendeu um montante total equivalente a MOP$960,49 (novecentas e sessenta patacas e quarenta e nove avos).
  Também no âmbito da concretização da parceria com a R., o administrador da A. teve que realizar duas viagens a Las Vegas, nos Estrados Unidos da América, a fim de trabalhar no desenvolvimento do módulo de FF&E (Furniture, Fixtures and Equipment) que iria complementar o software produzido pela R.
  A primeira delas entre 30/04/2012 e 02/05/2012.
  E a segunda entre 27/08/2012 e 30/08/2012.
  O administrador da A. realizou também, entre 26/06/2012 e 28/06/2012, uma viagem a Baltimore, nos Estados Unidos da América, a fim de promover o novo produto a comercializar pela parceria no certame HITEC (Hospitality Industry Technology Exposition and Conference), especialmente vocacionado para os potenciais clientes daquele produto.
  O administrador da A. realizou ainda duas viagens a Macau, a fim de coordenar o processo de reestruturação da A. acordado com a R.
  A primeira entre 12/05/2012 e 26/05/2012.
  E a segunda entre 03/08/2012 e 11/08/2012.
  Pelas passagens aéreas, deslocações em automóvel e alojamento do seu administrador durante essas viagens, a A. despendeu um montante total equivalente a MOP$102.231,00 (cento e duas mil duzentas e trinta e uma patacas).
  A título de refeições do seu administrador durante as viagens acima referidas, a A. despendeu um montante total equivalente a MOP$7.417,19 (sete mil quatrocentas e dezassete patacas e dezanove avos).
  Por ocasião da viagem do seu administrador a Baltimore, a A., a fim de promover o produto a comercializar pela parceria com a R., fez-se representar no certame HITEC (Hospitality Industry Technology Exposition and Conference), realizado em Junho de 2012 no Baltimore Convention Center.
  Pela participação nessa certame, a A. despendeu o montante equivalente a MOP$4.231,10 (quatro mil duzentas e trinta e uma patacas e dez avos).
  Durante as duas viagens que realizou a Macau, o administrador da A. teve que utilizar um telefone de uma rede local, que utilizou para telecomunicações relacionadas com a reestruturação da A. no âmbito da parceria e com contactos comercias junto de potenciais clientes.
  Por tais serviços de telecomunicações, a A. despendeu um montante total de MOP$1.724,25 (mil setecentas e vinte e quatro patacas e vinte e cinco avos).
  A fim de auxiliar nos contactos comerciais desenvolvidos no sentido de promover o produto a comercializar pela parceria no mercado asiático, o administrador da A. solicitou a presença, durante a segunda viagem que realizou a Macau (entre 03/08/2012 e 11/08/2012), de N, colaboradora com quem mantém uma relação profissional há longos anos, e cuja experiência e conhecimentos do referido mercado.
  O recurso à referida colaboradora foi efectuado com o prévio conhecimento e aprovação da R., nomeadamente do seu administrador.
  Pela viagem e alojamento de N em Macau na referida deslocação a Macau em Agosto de 2012, a A. despendeu um montante total equivalente a MOP$11.676,80 (onze mil seiscentas e setenta e seis patacas e oitenta avos).
  Todas as despesas descritas supra foram realizadas pela A. para concretização da parceria com a R. e com o conhecimento e autorização desta, que se comprometera a reembolsá-las na totalidade à A.
  Aliás, a R. chegou a efectuar um reembolso parcial de tais despesas, no montante de MOP$72.149,20 (setenta e duas mil cento e quarenta e nove patacas e vinte avos).
  Acresce que, como acima se referiu, ao encetar a parceria com a R., iniciando o plano de reestruturação da sua imagem e actividade, a A. deixou de prosseguir a actividade comercial própria que vinha desenvolvendo desde a sua constituição.
  Na execução de todo o processo de reestruturação e negociações, incluindo viagens, desenvolvimento de software e reuniões, a A. através do seu administrador, gastou o equivalente a 40 (quarenta) dias de trabalho, assim discriminados.
  Durante a primeira viagem realizada a Las Vegas, nos Estados Unidos (entre 30/04/2012 e 02/05/2012), 3 (três) dias de trabalho.
  Durante a primeira viagem realizada a Macau (entre 12/05/2012 e 26/05/2012), 15 (quinze) dias de trabalho.
  Durante a viagem realizada a Baltimore, nos Estados Unidos (entre 26/06/2012 e 28/06/2012), 3 (três) dias de trabalho.
  Durante a segunda viagem realizada a Macau (entre 03/08/2012 e 11/08/2012), 10 (dez) dias de trabalho.
  Durante a segunda viagem realizada a Las Vegas, nos Estados Unidos (entre 27/07/2012 e 30/08/2012), 4 (quatro) dais de trabalho.
  No desenvolvimento de planos de marketing da parceria, estratégia web e software (no período compreendido entre 20/05/2012 e 08/06/2012), 5 (cinco) dias de trabalho.
  Assim, em virtude do seu empenhamento na parceria com a R., a A. deixou de poder aplicar tal período de tempo na sua própria actividade, nomeadamente na prestação de serviços aos clientes da sua carteira.
  O preço normal cobrado pela A. aos seus clientes por cada dia de prestação de serviços pelo seu administrador ascende a US$1.250,00 (mil duzentos e cinquenta dólares dos Estados Unidos), que correspondem a MOP$9.783,35 (nove mil setecentas e oitenta e três patacas e trinta e cinco avos).
  Nos termos do acordo alcançado entre os administradores da A. e da R., esta assumiu aliás o compromisso de compensar a A. pelo tempo despendido no processo de reestruturação (nomeadamente pelo seu administrador) e pela perda de oportunidades de negócio durante esse período.
  Há também que considerar que, em virtude de se ter visto impossibilitada de executar os contratos que celebrou com a L Macau, em resultado da actuação ilegítima da R., a A. ficou privada de auferir o lucro que seria gerado pelo fornecimento de software e prestação dos serviços contemplados nos aludidos contratos.
  De acordo com as conversações havidas entre as partes, deduzidos os custos inerentes ao fornecimento de tal software e à prestação de tais serviços, a A. iria receber um valor líquido equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) do preço total a pagar pela L Macau, tal como ajustado nos contratos em apreço.
  O preço a pagar pela L Macau nos termos do contrato de fornecimento de software celebrado com a A. seria em montante equivalente a MOP$1.758.784,00 (um milhão setecentas e cinquenta e oito mil setecentas e oitenta e quatro patacas).
  Por outro lado, o preço anual a pagar pela L Macau nos termos do contrato de prestação de serviços de manutenção celebrado com a A. seria em montante equivalente a MOP$298.992,80 (duzentas e noventa e oito mil novecentas e noventa e duas patacas e oitenta avos).
  A R. rompeu o compromisso que havia alcançado com a A. e deixando-a, por falta de formalização da parceria e em particular do acordo de licenciamento do software, numa posição de impossibilidade de dar efectivo cumprimento aos contratos que, graças ao empenho do seu administrador, conseguira celebrar com a L Macau.
  A isto acresce ainda que, malograda a parceria que iria estabelecer com a R., a A. terá agora que voltar a alterar a sua denominação social, a fim de retomar, sem qualquer associação à R., o seu giro comercial na RAEM.
  Para concretizar tal alteração, a A. terá que despender, em honorários por aconselhamento jurídico e emolumentos registais, quantia não inferior a MOP$20.000,00 (vinte mil patacas).
  Antes de encetar a supra referida parceria com a R., a A. era uma sociedade comercial plenamente implantada no mercado da RAEM, no qual tivera já oportunidade de prestar os seus serviços em resorts da dimensão do E Macau Resort Hotel e do F.
  Por via da reputação que através da sua capacidade técnica fora capaz de granjear, a A. possuía as melhores perspectivas de negócio na RAEM.
  Tanto mais que, como é facto notório, se encontra em marcha a construção de novos resorts integrados no território.
  Aos quais a A. legítima e realisticamente ambicionava poder prestar os serviços próprios da sua actividade.
  Por um lado, em virtude do fracasso do negócio celebrado com a L Macau, a A. muito dificilmente voltará a ter oportunidade de estabelecer qualquer relação comercial com esse grupo.
  Uma vez que os seus responsáveis não deixarão de ter presente aquele fracasso e, por via desse facto, de ver com maus olhos novas hipóteses de relação comercial com a A.
  Assim ficando esta privada de um potencial cliente de significativa importância e valor para a sua actividade.
  Por outro lado, atendendo à reduzida dimensão da RAEM e ao enorme relevo que nela tem o operador L Macau, o desfecho da relação contratual estabelecida com a A. teve e terá inevitável eco entre os profissionais do ramo dos resorts integrados.
  O que levará a que, em oportunidades que futuramente lhe surjam no âmbito da sua actividade, a capacidade e idoneidade comercial da A. – que até à ocorrência dos factos sub iudicio era imaculada – sejam encaradas com desconfiança pelos operadores a quem se dirija e que tenham tomado conhecimento daquele desfecho, assim vedando à A. o acesso a novos negócios.
*
  O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
  Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
  Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  1) Responsabilidade pré-contratual
  Tanto na jurisprudência como na doutrina, este tipo de responsabilidade baseia-se “na ideia de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito” – Das Obrigações em geral, Antunes Varela, Vol. I, 7ª edição, p. 271.
  Isto é, consiste esta responsabilidade na chamada culpa na formação dos contratos prevista nos termos do artigo 219º do Código Civil de Macau, onde se preceitua no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
  Decorre da experiência quotidiana que, não poucas vezes, a formação dos contratos se processe de forma lenta e progressiva, começando pelos primeiros contactos das partes, prosseguindo-se depois com negociações complexas e duradouras, até ao momento da sua efectiva celebração.
  Diz Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, página 69 e 70, que “as partes aproximam-se, sondam-se, realizam conversações múltiplas, fazem ou encomendam estudos, chegam a entendimentos sobre aspectos determinados……celebrando por fim o contrato em vista”, o qual não fica concluído sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, como se refere no artigo 224º, nº 1 do Código Civil de Macau.
  Assinala Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pág. 490, que as partes em negociações “incorrem em despesas, assumem riscos, colocam-se muitas vezes em posições de fragilidade e expõem-se a perigos”.
  Por outras palavras, a razão do referido artigo 219º está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé, em detrimento, em certa medida, do princípio geral da autonomia privada.
  Provada a existência de negociações entre A. e R. no sentido de desenvolver um projecto negocial de parceria, mas acabaram por não formalizar qualquer contrato definitivo, chegando tais negociações ao ponto de criar na A. uma situação de confiança efectiva e expectativa razoável de concretização do contrato, o que levou a mesma a efectuar alguns trabalhos preparativos e a despender determinadas quantias.
  Entretanto, face à recusa injustificada da R. em levar por diante o negócio, a A. sofreu danos, daí que deve ser acarretada à R. a respectiva responsabilidade pré-contratual para com a A.
  De facto, verificados todos os requisitos determinantes da responsabilidade pré-contratual, a saber, o facto voluntário, consistente na criação na A. da expectativa ou confiança na conclusão do negócio e na recusa injustificada da conclusão do mesmo; o dano, consistente no prejuízo que a A. sofreu em consequência dessa recusa; a ilicitude, traduzida na própria arbitrariedade do rompimento e violação do dever de lealdade ao abrigo do artigo 219º do Código Civil; a culpa, consistente no juízo de censura e de reprovação ético-jurídica que a conduta da R. merece e o nexo de causalidade entre essa conduta e os danos sofridos pela A., outra solução não resta senão julgar procedente a acção no sentido de condenar a R. ressarcir os danos causados à A.
*
  2) Valores indemnizatórios
  Decidido que a A. tem direito a ser indemnizada, analisamos agora que danos foram causados à mesma.
  Nas palavras de Almeida Costa, in RLJ, 116º-207, “a obrigação de indemnização por ruptura ilegítima das negociações corresponde ao ressarcimento do interesse negativo ou dano de confiança. Os danos não patrimoniais são ressarcíveis. Os lucros cessantes compreendem os benefícios que o lesado, com fundada probabilidade, teria obtido se não houvesse iniciado as negociações frustradas e sem culpa sua, confiado na boa fé da contraparte, máxime quando à válida conclusão do negócio”.
  Assinala o Professor Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Vol. I, 7ª edição, página 274, que “o interesse que o faltoso tem de ressarcir é sempre, porém, quando tenha havido ruptura injustificada do contrato, o chamado interesse contratual negativo (id quod interest contractum initum non fuisse); a perda patrimonial que não teria tido se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustrado ou a vantagem que não alcançou por causa da mesma expectativa gorada (teria vendido a terceiro por melhor preço ou teria comprado por melhor preço a terceiro)”.
  Segundo Mota Pinto, in Teoria Geral, 3ª edição, página 443, “a responsabilidade pré-contratual tanto vale no caso de rotura de negociações, como no de o contrato se concluir e vier a ser nulo ou ineficaz. O dano a ser ressarcido pela responsabilidade pré-contratual é o dano da confiança, resultante de lesão do interesse contratual negativo – deve colocar-se o lesado na situação em que estaria, se não tem chegado a depositar uma confiança, afinal frustrada, na celebração dum contrato válido e eficaz”.
  Em termos de direito comparado, cita-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 2012, Processo 1610/07.0TMSNT.L1.S1, in dgsi, em que se refere, quanto aos danos, que “esses danos correspondem, no caso, ao chamado interesse contratual negativo ou da confiança, ou seja, os danos que os autores não teriam sofrido se porventura não tivessem confiado na conclusão do contrato de sociedade. Nessa medida, devem os réus proceder à reconstituição da situação que existira anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando os autores das despesas que efectuaram e dos trabalhos que realizaram, directamente ou através de familiar, na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teriam efectuado e realizado se não tivessem confiado), englobando tanto os danos patrimoniais como os não patrimoniais”.
  No caso em apreço, provado está que se porventura a A. não tivesse confiado na conclusão do contrato de parceria com a R., aquela não teria sofrido os seguintes danos patrimoniais:
  - MOP$20.000,00 em honorários por aconselhamento jurídico e emolumentos registrais;
  - MOP$1.954,20 em comissões bancárias;
  - MOP$46.960,10 em trabalhos de concepção e construção de um novo website;
  - MOP$960.49 em execução de cartões de visita e brindes promocionais;
  - MOP$102.231,00 em passagens aéreas, deslocações em automóvel e alojamento do seu administrador durante essas viagens;
  - MOP$7.417,19 em refeições do seu administrador durante as viagens;
  - MOP$4.231,00 em despesas de certame;
  - MOP$1.724,25 em serviços de telecomunicações;
  - MOP$11.676,80 em viagem e alojamento de pessoal contratado;
  - MOP$391.334,00 referentes a remunerações que deixou de receber dos seus clientes; e
  - MOP$20.000,00 em honorários por aconselhamento jurídico e emolumentos registrais destinados à nova alteração da sua denominação social (reconstituição da situação que existira anteriormente).
  Perfazendo-se, assim, num total de MOP$608.489,03, mas tendo a R. efectuado o pagamento parcial no montante de MOP$72.149,20, deve ainda à A. a quantia indemnizatória no montante de MOP$536.339,83.
  O mesmo não acontece, salvo o devido respeito por melhor opinião, com os alegados lucros que a A. poderia receber da L Macau.
  Como acima se referiu, a obrigação de indemnização por ruptura ilegítima das negociações corresponde ao ressarcimento do interesse negativo ou dano de confiança, devendo o lesado ser colocado na situação em que estaria, se não tivesse depositado uma confiança na celebração dum contrato válido e eficaz, melhor dizendo, apenas são indemnizáveis os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato, e não é ressarcível o chamado interesse positivo.
  Não deixa de ser verdade que a A. poderá receber, com a concretização da parceria, lucros ou preços significantes junto da L Macau, mas isto já consiste em interesse positivo, ou seja, dano que o lesado não teria sofrido se o negócio ou projecto teria devidamente concluído, o qual, salvo melhor opinião, não merece tutela jurídica no âmbito da responsabilidade pré-contratual.
  Finalmente, no tocante aos danos não patrimoniais, diz a A. que face à ruptura ilegítima das negociações, muito dificilmente ela voltará a ter oportunidade de estabelecer qualquer relação comercial com a L Macau, considerando que os seus responsáveis não deixarão de ter presente aquele fracasso e de ver com maus olhos novas hipóteses de relação comercial com a A., alegando também que atendendo à reduzida dimensão da RAEM e ao enorme relevo que tem o operador L Macau, o desfecho da relação contratual estabelecida com a A. teve e terá inevitável eco entre os profissionais do ramos dos resorts integrados, o que levará a que a capacidade e idoneidade comercial da A. sejam encaradas com desconfiança pelos operadores a quem se dirija e que tenham tomado conhecimento daquele desfecho, assim vedando à A. o acesso a novos negócios.
  Salvo o devido respeito por opinião contrária, mais uma vez julgo não assistir razão à A.
  Sem necessidade de delongas considerações, julgo que os alegados danos não patrimoniais mais não são do que meras especulações ou preocupações subjectivas, sem consistências fácticas que permitam sustentar qualquer pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
*
  3) Juros
  Vem pedir ainda a A. que se condene a R. a pagar juros.
  Prevê-se no artigo 787º do Código Civil de Macau que caso a obrigação não seja cumprida o devedor faltoso torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
  No caso de simples mora, “constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, e “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (artigo 793º do Código Civil de Macau).
  Assim, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 794º, nº 1 do Código Civil) ou quando tiver verificado alguma das situações previstas nos termos do artigo 794º, nº 2 do mesmo Código, a saber, se a obrigação tiver certo prazo, se provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação.
  Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 795°, n° 1 do Código).
  Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal (artigo 795º, nº 2).
  No caso sub judice, provado que a R. apenas foi interpelada para pagar com a citação, razão pela qual os juros moratórios à taxa legal de 9,75% devem ser contabilizados a partir de 18 de Abril de 2013 até efectivo e integral pagamento, nos termos do artigo 794º, nº 1 e 795º, nº 1 e 2 do Código Civil de Macau.
***
III) DECISÃO
  Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo parcialmente procedente a presente acção ordinária intentada pela A. A Sociedade Unipessoal Limitada contra a R. B Software LLC, condenando a R. a pagar à A. a quantia de MOP$536.339,83 (quinhentas e trinta e seis mil trezentas e trinta e nove patacas e oitenta e três avos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 9,75% ao ano, contados a partir do dia 18 de Abril de 2013 até integral e efectivo pagamento.
  Custas do processo pelas A. e R., na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.
  Transitada, remeta os autos à Secção Central para elaboração da conta final.

Não se conformando com o decidido na sentença, veio a Autora A Sociedade Unipessoal Limitada recorrer para este TSI, concluindo e pedindo que:
a) Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 589°/3 do CPC, o objecto do presente recurso é circunscrito ao segmento da decisão a quo que absolveu a R. do pedido formulado pela A. a título de danos não patrimoniais;
b) Tal pedido assentou na verificação de um dano reputacional na esfera da A., provocado pela actuação ilícita da R., em resultado da qual a A. viu abalado o seu crédito no mercado de Macau;
c) É pacífico, na jurisprudência como na doutrina, que o dano não patrimonial produzido na esfera de uma pessoa colectiva é ressarcível nos termos gerais;
d) A feição característica do dano não patrimonial é a de o mesmo não atingir "bens do património do lesado, mas sim bens que se situam no âmbito da sua esfera moral" (conforme acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.10.2005, in www.dgsi.pt, Proc. 0530653);
e) Sendo que, como se decidiu no citado acórdão, "no caso das pessoas colectivas, tais bens serão atinentes, v.g. ao seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade";
f) Dos factos provados extrai-se que:
f.1) A A. desenvolveu uma série de contactos com operadores de resorts integrados em Macau, com vista à prestação dos serviços objecto da sua parceria com a R.;
f.2) O contacto com a L Macau, formalizou-se em relações contratuais;
f.3) A actuação da R. deixou a A. na posição de não poder honrar esses contratos e de não poder dar seguimento aos contactos que tinha em marcha com outros operadores;
f.4) A A. era uma sociedade estabelecida no mercado de Macau, no qual gozava de prestígio e boa reputação;
f.5) O envolvimento da A. na parceria frustrada pela R. abalou esse prestígio e reputação;
f.6) Esse abalo levará a que no futuro a A. seja percepcionada com desconfiança pelo mercado.
g) Os factos provados demonstram assim a produção, na esfera jurídica da A., de um dano reputacional, traduzido numa degradação entre os níveis de percepção de que gozava junto dos sujeitos comerciais de Macau antes de iniciar a sua relação com a R. e aqueles de que passou a gozar após tal relação e em decorrência directa da mesma;
h) O tribunal a quo haveria pois de ter fixado, com recurso à equidade, indemnização adequada à reparação do referido dano, conforme dispõe o art. 489/3º do CC;
i) Ao decidir no sentido em que o fez, o tribunal recorrido violou o disposto no art. 219º do CC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a parte da decisão recorrida que absolveu a R. do pedido formulado pela A. a título de danos não patrimoniais e substituindo-a por outra que condene a R. na reparação de tais danos nos termos peticionados, farão V. Exas. a costumada
JUSTIÇA


Notificado das alegações do recurso da Autora, a Ré não respondeu.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, a única questão levantada que delimita o thema decidendum na presente lide recursória consiste em saber se é possível a produção de danos morais na pessoa jurídica e portanto indemnizáveis em termos gerais.

Ora, foi com fundamento na responsabilidade pré-contratual, fundada na culpa por parte da Ré na fase preparatória da formação de um contrato de colaboração entre a Autora e a Ré que aquela pediu ao Tribunal a condenação da Ré a pagar-lhe as indemnizações, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

O Tribunal a quo acabou por julgar a acção parcialmente procedente, tendo-se limitado a condenar a Ré no pagamento das indemnizações a título de danos patrimoniais.

Porque não lhe foi arbitrada a indemnização a título de danos não patrimoniais, recorreu dessa parte da sentença para esta segunda instância.

De acordo com o alegado na petição inicial, foi com fundamento na lesão produzida pela Ré à reputação e ao bom nome comercial da Autora que esta formulou o tal pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais.

A propósito desse pedido, o Tribunal a quo diz que:

“Finalmente, no tocante aos danos não patrimoniais, diz a A. que face à ruptura ilegítima das negociações, muito dificilmente ela voltará a ter oportunidade de estabelecer qualquer relação comercial com a L Macau, considerando que os seus responsáveis não deixarão de ter presente aquele fracasso e de ver com maus olhos novas hipóteses de relação comercial com a A., alegando também que atendendo à reduzida dimensão da RAEM e ao enorme relevo que tem o operador L Macau, o desfecho da relação contratual estabelecida com a A. teve e terá inevitável eco entre os profissionais do ramos dos resorts integrados, o que levará a que a capacidade e idoneidade comercial da A. sejam encaradas com desconfiança pelos operadores a quem se dirija e que tenham tomado conhecimento daquele desfecho, assim vedando à A. o acesso a novos negócios.”

Para a recorrente, este entendimento do Tribunal a quo merece a sua total discordância.

E defende que as pessoas colectivas são susceptíveis de ressarcimento pelos danos não patrimoniais por elas sofridos e que os factos provados nos autos constituem o fundamento do pedido formulado para ressarcimento dos danos não patrimoniais por ela suportados.

E para sustentar a sua tese, citou várias decisões da jurisprudência portuguesa, no sentido da possibilidade de causar danos morais à pessoa colectiva e a ressarcibilidade desse tipo de danos.

Todavia, não parece ser tão pacífico este entendimento mesmo na jurisprudência portuguesa, especialmente quando se trata de sociedades comerciais que têm por finalidade o exercício das actividades lucrativas, pois existem decisões sensatas e convincentes que apontam para o sentido contrário, nomeadamente o Acórdão do STJ de 27NOV2003, tirado no processo nº 03B3692, aqui citado a título da mera referência ao direito comparado, onde foi salientado que:

“……

Não é por aí, portanto, que poderá fracassar a decisão das instâncias de atribuir à autora indemnização pela ofensa ao seu bom nome.

O problema põe-se a montante, que é saber se as sociedades comerciais são passíveis de dano não patrimonial, designadamente, por ofensa do seu bom nome e reputação.

Segundo o artº484º, CC, a ofensa do crédito ou do bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva obriga o autor da ofensa a responder pelos danos causados. Mas, é claro que isto não resolve o nosso problema, pois é preciso distinguir entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta da lesão.

As sociedades comerciais operam no mundo dos negócios com o objectivo do lucro.

O bom nome e a reputação interessam-lhes na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar.

É próprio da sua natureza.

Para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome produz, portanto, um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, operou aquela.

Os prejuízos estritamente morais implicados nas ofensas ao bom nome e reputação apenas calham aos indivíduos e às pessoas morais, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer.”.

A doutrina defendida nesse Acórdão foi secundada nos Acórdãos do STJ de 23JAN2007 e 09JUN2005, tirados respectivamente nos processos nºs 06A4001 e 05B1616, onde se destaca que a comprovada lesão da imagem comercial de uma sociedade comercial não é susceptível de fundamentar qualquer indemnização a título de dano não patrimonial.

Se é verdade que tanto pessoas físicas como pessoas colectivas gozam de direitos à personalidade, o certo é também que há sempre determinadas vertentes desses direitos à personalidade que por natureza só estão presentes na pessoa física ou compatíveis com a pessoa física.

É o que sucede com os sentimentos no foro moral e a dimensão ética inerentes a uma pessoa física e que por natureza, inexistem nas pessoas colectivas.

Assim, para nós, pelo menos em relação às sociedades comerciais, é de subscrever o sensato e convincente entendimento jurídico constante da fundamentação dos Acórdãos do STJ de Portugal que acabamos de citar supra, e portanto aderimos a ele para concluir que in casu, para além dos danos comprovados resultantes da violação das obrigações pré-contratuais pela Ré, a Autora, enquanto sociedade comercial, não merece mais indemnizações por alegada ofensa ao seu bom nome e à boa reputação.

Subsidiariamente, por razões que se seguem infra, mesmo que se não entendesse assim, o pedido da indemnização pelos danos não patrimoniais não poderia deixar de improceder.

O Tribunal a quo, deu por assente a seguinte matéria de facto, alegada pela Autora na petição inicial e dada por provada por mero efeito da revelia operante da Ré:

  Antes de encetar a supra referida parceria com a R., a A. era uma sociedade comercial plenamente implantada no mercado da RAEM, no qual tivera já oportunidade de prestar os seus serviços em resorts da dimensão do E Macau Resort Hotel e do F.
  Por via da reputação que através da sua capacidade técnica fora capaz de granjear, a A. possuía as melhores perspectivas de negócio na RAEM.
  Tanto mais que, como é facto notório, se encontra em marcha a construção de novos resorts integrados no território.
  Aos quais a A. legítima e realisticamente ambicionava poder prestar os serviços próprios da sua actividade.
  Por um lado, em virtude do fracasso do negócio celebrado com a L Macau, a A. muito dificilmente voltará a ter oportunidade de estabelecer qualquer relação comercial com esse grupo.
  Uma vez que os seus responsáveis não deixarão de ter presente aquele fracasso e, por via desse facto, de ver com maus olhos novas hipóteses de relação comercial com a A.
  Assim ficando esta privada de um potencial cliente de significativa importância e valor para a sua actividade.
  Por outro lado, atendendo à reduzida dimensão da RAEM e ao enorme relevo que nela tem o operador L Macau, o desfecho da relação contratual estabelecida com a A. teve e terá inevitável eco entre os profissionais do ramo dos resorts integrados.
  O que levará a que, em oportunidades que futuramente lhe surjam no âmbito da sua actividade, a capacidade e idoneidade comercial da A. – que até à ocorrência dos factos sub iudicio era imaculada – sejam encaradas com desconfiança pelos operadores a quem se dirija e que tenham tomado conhecimento daquele desfecho, assim vedando à A. o acesso a novos negócios.

In casu, estamos no âmbito de um processo comum de forma ordinária.

Nos termos do disposto no artº 405º e 410º do CPC, se o réu, regularmente citado, não contestar, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e depois de apresentadas as alegações de direito por escrito ou decorrido o prazo para tal sem que hajam sido apresentadas, o Tribunal julga a causa conforme for de direito.

É o chamado efeito cominatório semi-pleno.

Semi-pleno porque a falta de contestação não conduz logo à condenação no pedido, tal como sucede com o processo de forma sumária – artº 673º do CPC.

O que significa que a revelia operante no processo de forma ordinária não dispensa o Autor do ónus de alegação dos factos concretos para sustentar o seu pedido, uma vez que é preciso ainda que Tribunal formule o seu juízo de valor sobre os factos considerados provados e aplique o direito aos factos para decidir sobre a procedência ou não do pedido.

Ora, através da leitura do segmento da matéria assente acima elencada, verificamos que foram nela inseridas bastantes expressões que se reportam à matéria conclusiva e que a restante matéria puramente fáctica, curta e escassa, não se mostra suficiente quer para sustentar a existência da lesão alegadamente produzida pela actuação da Ré à reputação e ao bom nome comercial da Autora, quer para demonstrar o grau de gravidade da lesão, legalmente exigido para a atribuição da indemnização a título de danos não patrimoniais nos termos prescritos no artº 489º/1 do CC.

Assim, se não fosse de improceder a montante o pedido formulado pela Autora para o ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais, com fundamento na tese jurídica de que não há lugar ao ressarcimento da pessoa colectiva pelos danos não patrimoniais, o mesmo pedido também improcede a jusante por escassez dos factos provados para o sustentar e por insuficiência do grau de gravidade da lesão alegada, face à exigência do artº 489º/1 do CC.

Sem mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela Autora recorrente.

Notifique.

RAEM, 23JUL2015

Lai Kin Hong

João Gil de Oliveira (Voto a decisão, formulando apenas uma reserva no segmento de fundamentação relativa à indemnização dos danos não patrimoniais das sociedade comerciais, entendendo que essa indemnização estará dependente dos danos em concerto)

Ho Wai Neng (Com a mesma reserva supra)