Processo nº 667/2015
(Autos de recurso civil)
Data: 19/Novembro/2015
Assuntos: Marca
Capacidade distintiva
“COTAI STRIP”
SUMÁRIO
- A marca é um sinal distintivo que tem por função distinguir produtos ou serviços.
- Não são susceptíveis de protecção os sinais descritivos e genéricos.
- A marca nominativa “COTAI STRIP”, por conter elementos que servem para designar exclusivamente a proveniência geográfica, é destituída de capacidade distintiva.
- Além disso, não se vislumbra ter a marca adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, pelo que, deve ser recusado o seu registo.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 667/2015
(Autos de recurso civil)
Data: 19/Novembro/2015
Recorrente:
- A Corp.
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Corp., sociedade comercial com sede nos Estados Unidos da América, melhor identificada nos autos, interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, de 12 de Julho de 2013 e publicada no Boletim Oficial de 7 de Agosto de 2013, que recusou o registo das marcas N/40706 a N/40710, denominadas “COTAI STRIP”, destinadas para assinalar serviços e produtos das classes 35ª, 36ª, 39ª, 41ª e 43ª, respectivamente.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida em 4 de Março de 2015, julgou improcedente o recurso, tendo sido confirmado o despacho que recusou o registo das referidas marcas.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) A marca COTAI STRIP a que se reportam os pedidos de registo N/40706 e N/40710 é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva: COTAI.
b) STRIP constitui, na marca em causa, expressão de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia; não é um termo usual e só passou a ser utilizado por iniciativa da Recorrente, que o associou a Cotai.
c) À palavra STRIP correspondem as palavras portuguesas tira, faixa, pista.
d) STRIP não é uma referência geográfica mas antes uma alusão à Strip de Las Vegas, onde a Recorrente possui a sua sede e opera o Venetian Resort-Hotel-Casino.
e) A expressão COTAI STRIP alude a uma experiência decalcada daquela que a Strip de Las Vegas proporciona a quem a visita, o que só pode e na realidade é feito pela Recorrente, única operadora instalada em toda a zona do Cotai que também opera resorts integrados na Strip de Las Vegas.
f) A utilização da marca Cotai Strip, ou outra que integre a expressão COTAI STRIP, por outros operadores, seria utilização enganadora.
g) A marca COTAI STRIP possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os serviços da Recorrente dos serviços de outros comerciantes.
h) O público consumidor associa a marca COTAI STRIP à Recorrente, pois que sabe tratar-se de uma marca que lhe está intimamente associada.
i) Ao considerar que a marca COTAI STRIP é composta por sinais que designam apenas características de produtos ou serviços, isto é, a sua proveniência geográfica, a sentença recorrida procede a uma errada aplicação das normas contidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 199º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do RJPI.
j) Porém, mesmo que se entendesse que a marca COTAI STRIP é exclusivamente constituída por expressões genéricas, o que não se aceita, sempre se dirá que adquiriu distintividade por força de uma utilização intensa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 214º do RJPI.
k) Por força desta utilização da marca durante aproximadamente uma década, o público consumidor associa a expressão COTAI STRIP a produtos e serviços prestados pela Recorrente ou por empresas suas subsidiárias, ficando, assim, assegurada a função da marca.
l) A utilização intensiva da marca, bem como a associação da marca à Recorrente e às suas propriedades, conduziu a que a marca COTAI STRIP tivesse adquirido distintividade, conforme estabelece o n.º 3 do artigo 214º do RJPI.
m) Ao considerar que a marca é destituída de carácter distintivo, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação das normas contidas no artigo 197º, na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 199º do RJPI.
Conclui, pedindo a procedência do recurso e, em consequência, que seja proferido acórdão que conceda o registo das marcas N/40706 a N/40710.
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Não houve contra-alegações.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 19/12/2008, a Recorrente requereu o registo da marca COTAI STRIP que tomou os n.ºs N/40706, para a classe 35ª, N/40707, para a classe 36ª, N/40708, para a classe 39ª, N/40709, para a classe 41ª e N/40710, para assinalar serviços incluídos na classe 43ª.
Os pedidos de registo aludidos em 1. foram publicados no Boletim Oficial da RAEM, n.º 9, II Série, de 04 de Março de 2009.
A B Entertainmente Limited, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, apresentou reclamação contra o pedido de registo das marcas N/40706 a N/40710, aludidas em 1.
Por despachos datados de 12/07/2013 foram os pedidos de registo recusados pela DSE, tendo tais factos sido publicados no BORAEM, n.º 32, II Série, de 07/08/2013.
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A questão que se coloca nos presentes autos consiste em saber se as marcas nominativas e constituídas pela expressão “COTAI STRIP” estão dotadas de eficácia ou capacidade distintiva susceptível de protecção.
Como sinal distintivo, a marca tem por função distinguir produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
É um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.1
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.2
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, salvo condicionalismos impostos por lei.
E consistindo um desses condicionalismos em a marca dever estar necessariamente dotada de eficácia ou capacidade distintiva suficiente, i.e., há-de ser apropriada para diferenciar de outros produtos idênticos ou semelhantes.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca todos os elementos chamados genéricos e descritivos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.3
Enquanto descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.4
Assim, prevê-se nos termos do artigo 199º, nº 1, alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que não possuem eficácia distintiva as marcas compostas exclusivamente por “indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos...”.
A marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.5
Na apreciação da marca, convém atender-se à sua imagem global e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos.
No presente caso, as marcas nominativas em causa são constituídas pela expressão “COTAI STRIP”.
Entende a recorrente que as referidas marcas possuem capacidade distintiva suficiente para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da recorrente dos produtos e serviços de outros comerciantes, e que o público consumidor associa as marcas “COTAI STRIP” à recorrente.
Em boa verdade, “COTAI” significa um espaço geográfico de Macau situado entre Coloane e Taipa, enquanto “STRIP” alude a uma faixa ou tira de terra.
Apreciando a marca no seu conjunto, a expressão “COTAI STRIP” faz referência a um conceito de localização geográfica, e mais não é do que uma referência específica daquela faixa ou tira situada entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
Nesta conformidade, sendo as marcas em causa compostas por elementos que não permitem oferecer um conjunto distintivo, antes consistem em meros indicativos de um determinado local geográfico, mais precisamente, fazendo referência a uma zona ou avenida situada entre as ilhas da Taipa e de Coloane, daí que não podemos deixar de considerar como sendo sinais irregistáveis, com fundamento na falta de capacidade distintiva suficiente para distinguir produtos e serviços.
Cumpre salientar ainda que este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre a tal questão em vários casos análogos, que sempre foram decididos no sentido da sua irregistabilidade, por falta de capacidade distintiva.
Vejam-se, a título exemplificativo, os seguintes Acórdãos, todos do TSI:
― Processo 127/2013
“Ora, a verdade é que “COTAI” é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar excluído da protecção (artigo 199º, nº 2, RJPI).
Por seu turno, dessa significação não escapa igualmente o segundo termo que entra na composição da marca. “STRIP”, de origem inglesa, enquanto substantivo, fornece a ideia de faixa ou tira de terra bem determinada.
…
Temos assim que “Cotai” e “Strip” nos remetem para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar. Têm, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado.”
― Processo 43/2013
“A palavra “COTAI” ou a expressão “COTAI STRIP”, na RAEM, tem um significado especial, que se refere a uma localização geográfica específica desta Região Administrativa Especial, isto é, o local situado entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
Aliás, a palavra “COTAI” resulta da síncope das palavras Coloane e Taipa.
Com a instalação de hotéis luxos e casinos na zona em referência, “COTAI” ou “COTAI STRIP” é actualmente uma zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hoteleira, lazer e entretenimento pelos diferentes titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar.”
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Finalmente, cabe dizer ainda que não se descortina terem as marcas em causa, analisadas na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhes confira eficácia distintiva.
Consagra-se nos termos do artigo 214º, nº 3 do RJPI que “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.”
Neste aspecto, será possível a concessão de registo da marca, apesar de todos os elementos serem descritivos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
No caso em apreço, entendemos que, por um lado, sendo as marcas compostas exclusivamente por elementos descritivos, e por outro, não tendo as marcas adquirido qualquer “secondary meaning”, as marcas são desprovidas de capacidade distintiva para distinguir produtos e serviços, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao manter o despacho de recusa do registo das marcas N/40706 a N/40710.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 19 de Novembro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
2 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
3 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
4 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
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Recurso Civil 667/2015 Página 11