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Processo n.º 927/2015 Data do acórdão: 2015-11-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– toxicodependente
– programa de tratamento da toxicodependência
– faltas a testes de urina
– revogação da pena suspensa
– art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal
S U M Á R I O
As faltas dadas injustificadamente pelo arguido a seis testes de urina agendados no âmbito do programa de tratamento da toxicodependência já representam a violação, repetidamente por ele, da sua obrigação de tirar o vício de droga, o que basta para ficar mantida, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a ora recorrida decisão revogatória da suspensão da pena.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 927/2015
(Recurso em processo penal)
Condenado recorrente: A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 181 a 181v dos autos de Processo Sumário n.o CR4-14-0041-PSM do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena única de seis meses de prisão, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nesses autos subjacentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a manutenção da suspensão da execução da pena, através da motivação apresentada a fls. 187 a 193 dos presentes autos correspondentes, na qual, em essência, alegou, para sustentar a sua pretensão, que:
– segundo o reportado por pessoal técnico, ele teve reacção positiva à Marijuana nos testes de urina de 26 de Junho e de 3 de Julho de 2015, e reacção positiva à Ketamina nos testes de urina dos dias 7 e 28 de Agosto de 2015, e faltou injustificadamente aos testes de urina agendados nos dias 2 e 6 de Fevereiro, 20 de Março, 24 de Abril, 30 de Abril e 19 de Junho, todos de 2015;
– entretanto, o que sucedeu foi o seguinte: o mau resultado nos testes de 26 de Junho e de 3 de Julho de 2015 foi devido ao facto de ele, sendo um gerente de relações públicas de casino, ter acompanhado, por exigência da sua entidade patronal, pessoas clientes para se divertirem em estabelecimento nocturno, em cujo meio o corpo dele ficou afectado por actos de consumo de Marijuana de outrem; e quanto aos maus resultados nos testes dos dias 7 e 28 de Agosto de 2015, isto também se deveu ao facto de ter ele acompanhado pessoas clientes para tomar bebidas alcoólicas, provavelmente misturadas, por acção de outrem, com substância estupefaciente, já que ele próprio não tinha o hábito de consumir a Ketamina no passado; por tudo isto, não se deveria considerar que ele tenha violado dolosamente as suas obrigações durante o período de suspensão da execução da pena de prisão; e no tocante aos testes agendados nos dias 2 e 6 de Fevereiro, 20 de Março, 24 de Abril, 30 de Abril e 19 de Junho, todos de 2015, ele faltou aos mesmos por motivo de doença, pelo que as respectivas faltas deveriam ser consideradas como justificadas;
– padecendo da hipertensão com doença cardíaca, ele próprio precisava de receber periodicamente tratamento médico, pelo que já deixou de consumir droga e já tirou completamente o vício de droga;
– tendo ele um emprego estável, com cerca de trinta e oito mil patacas de rendimento mensal, casado, com a mãe, a mulher, a filha da mulher e um filho recém-nascido de ambos todos a seu cargo, e com encargos económicos ligados à amortização do empréstimo contraído para aquisição de bem imóvel, sendo, pois, o pilar único para o sustento económico da família, e tendo já obtido a autorização da sua entidade patronal para não ter convívios com pessoas clientes, mereceria ele a concessão de mais uma oportunidade pelo Tribunal, no sentido de ver prorrogado o período da suspensão da pena;
– violou, assim, o despacho revogatório da suspensão da pena o disposto no art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 208 a 209v, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 217 a 218, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença proferida no final da sessão de audiência de julgamento de 4 de Março de 2014 no âmbito dos ora subjacentes autos de Processo Sumário n.o CR4-14-0041-PSM do 4.o Juízo Criminal do TJB, o recorrente ficou condenado pela prática em 27 de Fevereiro de 2014, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefaciente e de um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena única de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova e com obrigação de tirar o vício de droga, e sob condição da prestação, dentro de um mês, de dez mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), para além da pena acessória de inibição de condução pelo período de dois anos, suspensa esta sanção também na sua execução por dois anos, sob condição da prestação, dentro de um mês, de cinco mil patacas de contribuição a favor da RAEM, e sob condição da apresentação, dentro de um mês, da prova da necessidade da condução automóvel no seu trabalho (cfr. o teor dessa sentença, constante de fls. 70 a 73 dos autos);
– Segundo a factualidade dada por provada (aliás então também confessada pelo próprio arguido na audiência de julgamento – cfr. o teor da acta lavrada a fls. 68 e seguintes) nessa sentença condenatória, o arguido conduziu, em 27 de Fevereiro de 2014, cerca das três horas e dez minutos, um veículo automóvel ligeiro em via pública em Macau, depois de ter consumido a Marijuana, e trouxe com ele na altura um saco plástico contentor da Marijuana e um embrulho contentor da Ketamina, duas substâncias estupefacientes essas destinadas ao seu consumo próprio;
– De acordo com a fundamentação fáctica da mesma sentença, o arguido tinha o seguinte antecedente criminal: em 10 de Maio de 2012, foi condenado, no Processo n.º CR3-12-0202-PCT do TJB, por prática de uma contravenção por condução sob influência de álcool, em pena de multa e inibição de condução, tendo a multa sido paga no dia 1 de Junho de 2012;
– O período de suspensão da pena de prisão acima referido veio entretanto a ser prorrogado por um ano (sob condição de prestação de mais cinco mil patacas de contribuição a favor da RAEM, e com advertência do arguido de que ele tinha que cumprir as obrigações da suspensão da pena de prisão, sob pena da revogação dessa suspensão), por despacho judicial proferido em 18 de Novembro de 2014, após a audição, nesse próprio dia, do arguido, o qual declarou que o mau resultado de teste de urina tinha sido por causa do efeito de medicamento previamente tomado, pelo que no futuro iria prestar atenção no sentido de não voltar a acontecer isso (cfr. o teor do auto de audição lavrado a fls. 137 a 138);
– Em 27 de Julho de 2015, foi junto (a fls. 159 a 160v dos autos) o relatório de avaliação periódica elaborado nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça, segundo o qual, e na sua essência, o arguido teve reacção positiva à substância estupefaciente do grupo de Marijuana nos testes de urina de 26 de Junho e 3 de Julho de 2015, e recusou a sujeição ao tratamento da sua toxicodependência em regime de internamento;
– E de acordo com a documentação anexa ao mesmo relatório, as faltas dadas pelo arguido aos testes de urina agendados nos dias 2 e 6 de Fevereiro, 20 de Março, 24 de Abril, 30 de Abril e 19 de Junho, todos de 2015, deviam ser consideradas como injustificadas, por a documentação médica apresentada por ele não conter elementos suficientes reveladores da sua impossibilidade de deslocação para efeito de feitura de testes de urina (cfr. o teor da fl. 161 dos autos);
– Em 11 de Setembro de 2015, foi junto (a fls. 172 a 173 dos autos) o relatório de avaliação periódica elaborado nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça, segundo o qual, e na sua essência, o arguido teve ainda reacção positiva à Ketamina nos testes de urina dos dias 7 e 28 de Agosto de 2015;
– Perante todo o acima reportado, o Tribunal sentenciador voltou a ouvir o arguido condenado em 15 de Setembro de 2015, após o que decidu (por despacho ditado a fls. 181 a 181v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido) revogar a suspensão da execução da pena de prisão do arguido, nos citados termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP;
– Na motivação do recuso interposto dessa decisão revogatória da suspensão da pena, o arguido juntou docomentos alusivos a:
– uma marcação da consulta externa (clínica geral) no Posto de Saúde Provisório de Seak Pai Van de Coloane dos Serviços de Saúde de Macau, para o dia 16 de Outubro de 2015, pelas onze horas e trinta minutos (cfr. o teor de fl. 198 dos autos);
– uma marcação relativa à cardiologia no Centro Hospitalar Conde de São Januário, para o dia 30 de Novembro de 2015, pelas dez horas (cfr. o teor de fl. 199 dos autos);
– um talão de exame relativo à cardiologia no Centro Hospitalar Conde de São Januário, do dia 3 de Junho de 2015 (cfr. o teor de fl. 200);
– um atestado médico passado em 6 de Fevereiro de 2015 pelo Posto de Saúde Provisório de Seac Pai Van de Coloane dos Serviços de Saúde de Macau, do qual constando a declaração médica de que o ora arguido se encontra doente desde 6 de Fevereiro de 2015, pelas dezasseis horas e vinte e seis minutos, prevendo-se que possa estar totalmente recuperado dentro de um dia, justificando o próprio atestado as faltas até ao dia 6 de Fevereiro de 2015 (cfr. o teor de fl. 201);
– um atestado passado em segunda via em 4 de Maio de 2015 pelo Hospital Kiang Wu de Macau, do qual constando a declaração médica de que o ora arguido “was suffered from Acute upper respiratory infection, unspecified”, pelo que se sugere o gozo de faltas por motivo de doença pelo período de dois dias, de 24 a 25 de Abril de 2015 (cfr. o teor de fl. 202);
– uma declaração médica de consulta médica (por iniciativa própria do doente) emitida em 20 de Junho de 2015, segundo a qual o arguido chegou ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário no dia 19 de Junho de 2015, às vinte e três horas e vinte minutos, tendo a consulta sido concluída no dia seguinte, à zero hora e dezassete minutos (cfr. o teor de fl. 203);
– e um atestado médico passado em 20 de Junho de 2015 pelo Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Conde de São Januário, do qual constando que o arguido se encontra doente desde 20 de Junho de 2015, pela zero hora e dezassete minutos, prevendo-se que possa estar totalmente recuperado dentro de dois dias, justificando o próprio atestado as faltas até ao dia 21 de Junho de 2015 (cfr. o teor de fl. 204).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente, para ver julgado procedente o seu pedido de manutenção da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos ora subjacentes autos penais n.º CR4-14-0041-PSM, começa por invocar, de entre outros, o argumento de que o mau resultado dos seus testes de urina de 26 de Junho, 3 de Julho, 7 de Agosto e 28 de Agosto, do corrente ano de 2015, foi devido ao seu acto de acompanhamento de pessoas clientes do casino seu empregador em divertimento nocturno (em cujo meio ficando o corpo dele afectado por actos de consumo de Marijuana de outrem) ou em tomada de bebidas alcoólicas (misturadas com substância estupefaciente por acto de outrem, sendo certo que ele próprio não tem o hábito de consumir a Ketamina). No fundo, pretende com tudo isto justificar que não foi por sua intenção própria consumir a Marijuana nem tomar bebida misturada com a Ketamina.
Entretanto, como segundo a factualidade fáctica (aliás confessada por ele) então sustentadora da decisão condenatória em questão nos subjacentes autos penais, ele deteve, em 27 de Fevereiro de 2014, um embrulho contentor da Ketamina para consumo próprio, isto já enfraquece a credibilidade da sua ora defendida tese de não ter por hábito consumir a Ketamina.
Ademais, mesmo que o mau resultado nos quatro testes de urina acima referidos tenha sido por motivos do trabalho dele, o descuido dele (traduzido em ter o seu corpo afectado por acto de consumo de Marijuana por outrem em estabelecimento de diversões nocturnas, por um lado, e, por outro, em ter tomado bedida alcoólica misturada com a Ketamina por acto de outrem) já não é perdoável, visto que na última vez em que foi ouvido pelo Tribunal sentenciador em 18 de Novembro de 2014, prometeu ele, para ver mantida a suspensão da execução da pena, que iria prestar atenção no sentido de não voltar a acontecer situação de surgimento do mau resultado em teste de urina por causa de descuido.
Por outro lado, há que subscrever também o entendimento do pessoal técnico autor do relatório de 27 de Julho de 2015, no sentido de não se poder considerar justificadas as faltas dadas pelo arguido aos testes de urina agendados nos dias 2 e 6 de Fevereiro, 20 de Março, 24 de Abril, 30 de Abril e 19 de Junho, todos de 2015. É que, na verdade, a montante, nem conseguiu o arguido apresentar com a motivação do recurso vertente a prova da sua doença alegadamente tida nos dias 2 de Fevereiro, 20 de Março e 30 de Abril, todos de 2015, e, a jusante, do teor dos documentos que anexou à sua motivação e ora concretamente constantes de fls. 201, 202 e 203 dos autos, realmente não se pode retirar a ilação da sua impossibilidade física de deslocação para efeito de feitura de testes de urina inicialmente agendados nos dias 6 de Fevereiro, 24 de Abril e 19 de Junho, todos de 2015, sendo certo que os restantes documentos juntos à motivação nem têm a pretendida virtude de abonar a sua tese de que sendo doente com hipertensão e problema cardíaco, já tenha deixado de consumir droga.
Em suma, e ainda que se abstraísse do facto de ele não ter honrado a promessa feita ao Tribunal sentenciador na audição de 18 de Novembro de 2014, as suas faltas dadas injustificadamente aos seis testes de urina atrás identificados já representaram a violação, repetidamente por ele, da sua obrigação de tirar o vício de droga, o que basta para dar por mantida, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP, a ora recorrida decisão revogatória da suspensão da pena, mesmo que ele tenha encargos familiares e económicos.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação, por prejudicada, sobre todo o remanescente alegado na motivação do recurso.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça.
Comunique ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 19 de Novembro de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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