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Processo nº 522/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Setembro de 2015

ASSUNTO:
- Causa de pedir
SUMÁRIO:
- Considera-se como causa de pedir, nas acções constitutivas, o facto concreto que a parte invoca para obter o efeito pretendido, e não a sua qualificação jurídica.
- A errada qualificação jurídica do Autor não obsta ao Tribunal conhecer o mérito da causa, não constituindo portanto qualquer excepção dilatória.
O Relator
Ho Wai Neng









Processo nº 522/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Setembro de 2015
Recorrente: A (Réu)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 06/02/2014, foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pelo A, o Réu, na contestação, designadamente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial.
Dessa decisão vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O presente recurso jurisdicional versa sobre o douto despacho saneador que deu por não verificadas as excepções dilatórias arguidas pelo Réu, dando-se seguimento à acção.
B. Salvo o devido respeito, e no modesto entendimento do Réu, o referido despacho encontra-se viciado de erro de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 139.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
C. Na verdade, o Réu arguiu a ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis, e não por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.
D. Isto porque na P.I., o Autor alega que se verifica uma situação de mora resultante de uma declaração escrita do Réu segundo a qual este teria comunicado, alegando simultaneamente que se verifica uma situação de incumprimento contratual (ao que tudo indica, definitivo).
E. Entre outras, o Autor alega que o Réu teria recusado a antecipação do cumprimento sugerida por aquele, o que levou a que “(...) o réu constituiu-se logo em mora.” (art.14.º da P.I.), afirmando ainda que há mora sempre que “(...) a prestação, ainda possível, não foi efectuada.” (art. 17.º da P.I.) e que “(...) desconhece, no entanto, se o cumprimento da promessa é possível.” (art. 20.º da P.I.).
F. Em sede de réplica, o Autor reiterou o seu entendimento segundo o qual há mora a partir do momento em que o Réu proferiu a declaração por escrito junta aos autos, conforme se pode retirar dos artigos 6.º, 19.º, 21.º e 22.º daquele articulado.
G. Sucede que o Autor alega ainda a existência de incumprimento contratual, simultaneamente com a mora anteriormente alegada, remetendo ainda o seu pedido subsidiário de indemnização em dobro do sinal, “(...) para o caso do cumprimento da promessa não ser possível (...)”.
H. Como se disse, o Autor alega que simultaneamente à mora, existe ainda uma situação de incumprimento, conforme se retira do artigo 11.º da P.I. (“O autor não aceitou o incumprimento do contrato e ofereceu-se para assinar, de imediato, a escritura definitiva de compra e venda (...)”).
I. Proposta que teria sido recusada pelo Réu, razão pela qual o Autor conclui que “(...) a promessa considera-se, desde já, como não cumprida.” (art. 13.º da P.I.).
J. Não obstante vir depois desdizer-se no artigo 15.º da P.I., quando afirma que “(...) houve por parte dos contraentes a vontade clara de antecipar para o dia 11 de Abril de 2012 o prazo de cumprimento da promessa, ou, neste caso, do seu não cumprimento.”, e quando afirma que “(...) desconhece, no entanto, se o cumprimento da promessa é possível.” (art. 20.º da P.I.).
K. Nestes termos, salvo o devido respeito por opinião contrária, parece ser de concluir que o Autor cumula duas causas de pedir que são substancialmente incompatíveis, isto é, o Autor pugna pela existência simultânea de mora e de incumprimento no âmbito da mesma relação contratual.
L. O que implica, pelo menos, a ineptidão da petição inicial, nos termos do artigo 139.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
M. Por outro lado, caso seja de entender que as causas de pedir (e não os pedidos, apenas) acima referidas são deduzidas subsidiariam ente, em relação directa com os pedidos formulados pelo Autor, verifica-se ainda assim a ineptidão da petição inicial por contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir, nos termos da alínea b), do n.º 2 do artigo 139.º do Código de Processo Civil.
N. Nesse pressuposto, não se pode deixar de observar que o Autor, alegando a existência de mora, requer, a título principal, a execução específica do contrato-promessa, fazendo depender o pedido subsidiário da circunstância do cumprimento do contrato não ser possível!
O. Interpretação que, de resto, parece ser seguida pelo douto Tribunal a quo.
P. Com efeito, na fundamentação do despacho recorrido diz-se que “(...) Como é alegado no artigo 20.º da petição inicial, o Autor desconhece se o cumprimento da promessa é ou não possível razão pela qual formulou o pedido de resolução do dito contrato em termos subsidiários. (...)”.
Q. Donde se parece fazer depender o pedido subsidiário de resolução do contrato e indemnização em dobro do sinal da impossibilidade do cumprimento da promessa.
R. Diga-se, aliás, que a ser assim, o pedido subsidiário careceria de qualquer causa de pedir, entendendo esta como os factos juridicamente relevantes que sustentam o pedido, pois que se limita a dizer que desconhece se o cumprimento é possível ou não, situação que no modesto entendimento do Réu geraria a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (artigo 139.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
S. Ora, é jurisprudência pacífica que apenas o incumprimento do contrato, apreciado objectivamente, pode fundamentar uma acção de execução específica, conforme dispõe o artigo 820.º do Código Civil.
T. Assim sendo, a eventualidade do cumprimento do contrato ainda ser possível, estando em causa uma alegada simples mora (que tão-pouco se admite), outra não pode ser a conclusão que não a de que os factos alegados pelo Autor não podem fundamentar a presente acção de execução específica, pedido esse deduzido a título principal, sob pena de contradição lógica ou formal entre a causa de pedir e o pedido (artigo 139.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil).
*
O Autor, B, respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 141 a 143 dos autos, cujo teor aqui se dà por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Por sentença de 09/12/2014, foi julgado procedente o pedido principal formulado pelo Autor e, em consequência, foi declarado, em substituição do Réu, transmitido para o Autor o direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada por “ER/C”, do rés-do-chão “E”, com sobreloja, para fábrica, do prédio dito em Macau com os nºs…da Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ....
Dessa decisão vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1) A sentença ora impugnada encontra a sua fundamentação na resposta dada pelo Mmº Tribunal a quo aos artigos 2.º e 3.º da Base Instrutória, segundo a qual o Réu, ora Recorrente teria declarado, em Dezembro de 2012, que não iria cumprir o contrato prometido;
2) No entanto, tal resposta é manifestamente excessiva, por dar como provada matéria diversa da que era objecto de prova, contanto que o que se pretendia apurar era se o Réu teria recusado a antecipação do contrato prometido, conforme sugestão do Autor;
3) Excesso de resposta que não está relacionado, em absoluto, com uma simples controvérsia relativamente à data em que os factos ocorreram;
4) Nestes termos, o Mm.º Tribunal a quo violou o princípio do dispositivo (artigos 5.º e 567.º do CPC), uma vez que conheceu de matéria que nunca foi articulada pelas partes;
5) Perante o evidente excesso de resposta, deve a mesma ser tida por não escrita, o que equivale à não prova do facto;
6) Consequentemente, o Autor não conseguiu provar qualquer facto que consubstancie uma situação de incumprimento por banda do Réu, ora Recorrente, pelo que a decisão ora impugnada deverá ser revogada.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 216 a 219v dos autos, cujo teor aqui se dà por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) Em 11 de Janeiro de 2011, o Autor e o Réu celebraram um acordo escrito que denominaram de “contrato promessa de compra e venda de imóvel”, através do qual o último prometeu vender ao primeiro, pelo preço de HKD$3.650.000,00, a fracção autónoma de que o Réu é titular designada por “ER/C”, do rés-do-chão “E”, com sobreloja, para fábrica, do prédio sito em Macau com os nºs ... da Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... tudo conforme certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial junta a fls. 4 a 9 e documento de fls. 10 a 11 cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;
b) No acto de assinatura do aludido documento, o Autor pagou ao Réu, a título de sinal e princípio de pagamento do imóvel, a quantia de HKD$500.000,00;
c) Em 12 de Fevereiro de 2011, o Autor pagou ao Réu, a título de reforço do sinal, a quantia de HKD$500.000,00;
d) O remanescente do preço, no montante de HKD$2.650.000,00 deveria ser pago até 31 de Maio de 2013;
e) Na cláusula 3 do referido acordo escrito ficou consignado que A parte A receberá o sinal referido na alínea a) do artigo 2.º pago pela parte B, a parte A deverá outorgar uma procuração e entrega-la à parte B, conferindo à parte B plenos poderes para a administração e disposição do referido imóvel, contudo, só poderá a parte B, a partir do dia 31 de Maio de 2013, exercer o poder da realização de hipoteca voluntária, promessa de venda, venda ou venda de imóvel por outras formas;
f) O Réu outorgou, em 11 de Janeiro de 2011, uma procuração através da qual conferiu ao Autor plenos poderes de administração e disposição sobre o imóvel, clausulando-se em 3) a concessão de poderes para Afixar ou aceitar as condições e cláusulas contratuais, prometer vender, vender ou transferir o referido imóvel por outras formas;
g) Segundo estipulado na aludida procuração entraria em vigor desde a data da assinatura, mas só será exercido o poder estipulado na terceira cláusula após o dia 31 de Maio de 2013;
h) Na mesma data, o Réu entregou ao Autor uma certidão da referida procuração a fim de este último poder exercer os respectivos poderes a partir de 31 de Maio de 2013.
i) Em 11 de Abril de 2012, o Réu outorgou escritura pública onde declara que revoga a procuração aludida em f);
j) No dia 11 de Abril de 2012, o Réu emitiu por escrito a seguinte Declaração :
Aos 11 de Janeiro de 2011, eu e B, do sexo masculino, casado com C, no regime da comunhão de adquiridos, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº ... emitido no dia 6 de Agosto de 2009 pelos Serviços de Identificação de Macau, residente em Macau, na ...) assinaram o contrato-promessa de compra e venda de imóvel, prometo vender a fracção autónoma designada por “ER/C” do rés-do-chão “E” (e S/L), sita na Avenida ... nºs ..., Edf. ... (descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ...), para servir de fábrica, recebi o sinal pago pelo B no montante de milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00).
Venho por este meio, através da presente declaração, prometer que vou concluir a transacções supra mencionado no prazo de dez dias a contar da data da minha obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, celebrando a escritura pública para transmissão de propriedade em nome de B ou a uma terceira pessoa designada pelo B, entregando a fracção acima referida ao B ou a uma terceira pessoa designada pelo B, no caso de incumprimento acima referido, todas as responsabilidades bem como as consequências jurídicas ficarão exclusivamente a meu cargo.
k) Em Dezembro de 2012 o Réu manifesta que não quer celebrar a venda prometida.
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III – Fundamentação:
1. Do recurso interlocutório:
A decisão recorrida consiste no seguinte:
   “De acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 217.° do Código de Processo Civil "na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir (...)" e "o pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica".
   Dado que a réplica é um articulado admissível nesta acção, julgamos que dúvidas não restam que a lei processual civil permite que, mesmo na falta de acordo, o Autor amplie simultaneamente a sua causa de pedir e o seu pedido subsidiários, sendo certo que a relação jurídica objecto desta acção se mantém inalterada.
   Por todo o exposto, sem necessidade de maiores considerações admito a requerida ampliação.
   *
   O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas em juízo.
   *
   Da ineptidão da petição inicial:
   Defende o Réu que o Autor alega causas de pedir incompatíveis e que se verifica uma contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir, vícios que tornam a petição inicial inepta e constituem uma nulidade insanável, conducente à sua absolvição da instância.
   Ressalvando sempre melhor opinião, cremos ser manifesto que a petição inicial não está afectada de qualquer dos vícios previstos no artigo 139.º do Código de Processo Civil uma vez que as pretensões do Autor são formuladas em termos subsidiários, ou seja, só para o caso de se não estarem preenchidos os requisitos de facto e de direito necessários para a execução específica do contrato-promessa de compra e venda objecto dos autos, é que o Autor vem pedir a resolução desse contrato e a devolução dos montantes pagos a título de sinal.
   Como é alegado no artigo 20.º da petição inicial, o Autor desconhece se o cumprimento da promessa é ou não possível razão pela qual formulou o pedido de resolução do dito contrato em termos subsidiários.
   E a verdade é que o Réu compreendeu perfeitamente qual é o fundamento desta acção e as pretensões que foram introduzidas em juízo, como se interpreta da forma como as impugna.
   Pelo que se deixa dito, e sem necessidade de outras considerações, julgamos que a petição inicial não enferma do vício de ineptidão que lhe foi assacado....”.
Para o Réu, esta decisão encontra-se viciada de erro de direito, por errada interpretação do disposto no artº 139º, nº 2, al. b) e c) do CPC, já que foi invocada a ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis e que a decisão recorrida acabou por entender não existir pedidos substancialmente incompatíveis.
Na sua óptica, o Autor não pode cumular a causa de pedir na mora do cumprimento da obrigação simultaneamente com uma outra no seu incumprimento.
Cumpre agora analisar se o Autor cumulou causas de pedir substancialmente incompatíveis.
A petição inicial tem o seguinte teor:
   “...
Artigo 1º
   Em 11 de Janeiro de 2011, o autor celebrou com o réu um contrato promessa de compra e venda, através do qual o último prometeu vender ao primeiro, pelo preço de HK$3.650.000,00, a fracção autónoma de que o réu é titular designada por "ER/C", do rés-do-chão "E". com sobreloja, para fábrica, do prédio sito em Macau com os nºs ... da Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... (cfr. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial que se junta como doe. nº 1 e contrato promessa que se junta como doc. nº 2).
Artigo 2°
   Com a assinatura do refeirdo contrato, o autor pagou ao réu; a título de sinal e princípio de pagamento do imóvel; a quantia de HK$500.000,00 (cfr. contrato promessa que se junta como doc. nº 2 e recibo que se junta como doc. nº 3).
Artigo 3°
   Em 12 de Fevereiro de 2011, o autor pagou ainda ao réu, a título de reforço do sinal, a quantia de HK$500.000,00 (cfr. contrato promessa que se junta como doc. nº 2 e recibo que se junta como doc. nº 4).
Artigo 4°
   O remanescente do preço, no montante de HK$2.650.000,00 deveria ser pago até 31 de Maio de 2013. (dr. contrato promessa que se junta como doc. nº 2).
Artigo 5°
   De acordo com a cláusula 3 do referido contrato promessa, o réu, a fim de dar cumprimento à obrigação prometida; comprometeu-se a outorgar uma procuração através da qual deveria conferir ao autor plenos poderes de administração e disposição sobre o imóvel; incluindo a venda do mesmo, cujos efeitos produzir-se-iam a partir de 31 de Maio de 2013, data correspondente ao termo do prazo de pagamento do remescente do preço. (cfr. contrato promessa que se junta como doc. nº 2).
Artigo 6°
   Em cumprimento da referida cláusula, o réu outorgou, em 11 de Janeiro de 2011, uma procuração através da qual conferiu ao autor plenos poderes de administração e disposição sobre o imóvel, incluindo a venda do mesmo (cfr. certidão da procuração que se junta como doc. nº 5).
Artigo 7°
   A qual, porém, apenas produzia efeitos a partir de 31 de Maio de 2013.
Artigo 8°
   Na mesma data, o réu entregou ao autor uma certidão da referida procuração a fim de este último poder exercer os respectivos poderes a partir de 31 de Maio de 2013.
Artigo 9°
   Todavia, em 11 de Abril de 2012, o réu revogou a procuração em causa (cfr. certidão do instrumento de revogação da procuração que se junta como doc. nº 6).
Artigo 10°
   Na mesma data, o réu comunicou ao autor que não iria cumprir o prometido na data acordada (cfr. doc. nº 7).
Artigo 11 °
   O autor não aceitou o incumprimento do contrato e ofereceu-se para assinar, de imediato, a escritura definitiva de compra e venda, bem como para pagar o remanescente do preço da fracção.
Artigo 12°
   O que, todavia, foi liminarmente recusado pelo réu.
Artigo 13°
   Razão pela qual a promessa considera-se, desde já, como não cumprida.
Artigo 14°
   Com efeito, ao manifestar a vontade expressa e definitiva de não cumprir a promessa e recusar o cumprimento imediato da mesma, o réu constituíu-se logo em mora.
Artigo 15°
   Porquanto, naturalmente, houve por parte dos contraentes a vontade clara de antecipar para o dia 11 de Abril de 2012 o prazo de cumprimento da promessa, ou, neste caso, do seu não cumprimento.
Artigo 16°
   O réu, sabendo de antemão que a sua conduta violava o contrato celebrado com o autor e que era passível de causar danos a este, agiu com a intenção de a realizar.
Artigo 17°
   De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 793° do Código Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada.
Artigo 18°
   Ora, como vimos, o não cumprimento da promessa é exclusivamente imputável ao réu.
Artigo 19°
   Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso (artigo 820°, nº 1, do Código Civil).
Artigo 20°
   O autor desconhece, no entanto, se o cumprimento da promessa é possível.
Artigo 21 °
   Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposa mente ao cumprimento da obrigação (artigo 790°, nº 1, do Código Civil).
Artigo 22°
   E, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato (artigo 790°, nº 2, do Código Civil).
Artigo 23°
   Finalmente, se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado (artigo 436°, nº 2, do Código Civil).
Artigo 24°
   Logo, tem ainda o autor a faculdade de, neste caso, resolver o contrato celebrado com o réu e exigir dos mesmos o dobro do sinal que lhe pagou, ou seja HK$2.000.000,00.
   NESTES TERMOS, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência,
a) ser ordenada a execução específica do contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma designada por "ER/C", do rés-do-chão "E", com sobreloja, para fábrica, do prédio sito em Macau, com os nºs ... da Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., através de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do réu; ou, subsidiariamente, para o caso do cumprimento da promessa não ser possível
b) ser o mesmo contrato promessa declarado resolvido e o réu condenado a pagar aos autores a quantia de HK$2.000.000,00...”.
Do texto da petição inicial resulta que o Autor qualificou, ao mesmo tempo, a conduta do Réu (manifestar a vontade expressa e definitiva de não cumprir a promessa e na recusar o cumprimento imediato da mesma) como uma situação de mora (artº 16º da p.i.) e uma situação de incumprimento (artº 18º da p.i.).
Contudo, esta qualificação jurídica do Autor não consubstancia numa cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis.
Nos termos do nº 4 do artº 417º do CPC, considera-se como causa de pedir, nas acções constitutivas, que é o caso, o facto concreto que a parte invoca para obter o efeito pretendido.
Como se deve notar que apenas o facto concreto alegado constitui causa de pedir nas acções constitutivas, e não a sua qualificação jurídica.
Repare-se, o Autor não alegou factos diferentes que consubstanciam causas de pedir substancialmente incompatíveis.
Ele alegou sempre o mesmo facto concreto – o Réu manifestou a vontade expressa e definitiva de não cumprir a promessa e de recusar o cumprimento imediato da mesma – e qualificou simultaneamente este facto como mora e incumprimento.
Como se vê, o que está em causa é simplesmente uma errada qualificação jurídica do Autor do facto concreto por si alegado, e não uma cumulação de causa de pedir substancialmente incompatíveis.
Nos termos do artº 567º do CPC, o juíz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, apenas serve-se dos factos articulados.
Nesta conformidade, a errada qualificação jurídica do Autor não obsta ao Tribunal conhecer o mérito da causa, não constituindo portanto qualquer excepção dilatória.
No mesmo sentido e a título do direito comparado, citamos os Acs. do STJ, de 31/03/1993, BMJ, 425º-534, e de 20/01/1994, BMJ 433º-495, in notas nº B13 e B15 da anotação do artº 498º do Código de Processo Civil Português, de Abílio Neto, 21ª edição, pág. 731.
Por outro lado, é de realçar que não obstante o Autor ter qualificado o facto em referência como mora, o certo é que sempre fundamentou os seus pedidos, tanto principal como subsidiário, no incumprimento (cfr. artºs 18º, 19º, 21º e 22º da p.i.).
Pelo exposto, o recurso interlocutório não deixará de se julgar improcedente.
2. Do recurso final:
Vem o Réu no recurso final impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 2º e 3º da Base Instrutória, na qual foi considerado como provado que “em Dezembro de 2012 o Réu manifesta que não quer celebrar a venda prometida”.
Para o Réu, a resposta dada aos quesitos em causa é manifestamente excessiva, por dar como provada matéria diversa da que era objecto de prova, contanto que o que se pretendia apurar era se o Réu teria recusado a antecipação do contrato prometido, conforme sugestão do Autor.
Os quesitos 2º e 3º têm o seguinte teor:
“2º
   Nessa data, o Autor ofereceu-se para assinar, de imediato, a escritura definitiva de compra e venda, bem como para pagar o remanescente do preço da fracção?

O que o Réu recusou?”
Quid iuris?
Cremos que assiste razão ao Réu, já que a resposta dada aos quesitos em causa diverge dos factos perguntados.
Os factos vertidos nos quesitos em causa consistem apenas em saber se o Réu recusou a proposta do Autor no sentido de antecipar a celebração da escritura da compra e venda do imóvel.
Não têm, portanto, o sentido de saber se o Réu manifestou a vontade de não cumprir o contrato promessa de compra inicial.
Esta matéria foi inquirida no quesito 1º, a saber:
“1º
   No dia 11 de Abril de 2012, o Réu comunicou ao Autor que não iria celebrar a venda prometida no dia 31.05.2013?”
Pelo exposto, é de revogar a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo relativa aos quesitos 2º e 3º.
A revogação supra causará alguma consequência prática para a decisão final do Tribunal a quo?
Na óptica do Réu, a supra revogação implica a não verificação de qualquer facto que consubstancie uma situação de incumprimento por parte dele, pelo que a decisão final recorrida também deveria ser revogada.
Salvo o devido respeito, temos um entendimento diverso, tendo em conta o restante da factualidade apurada.
Para que o pedido da execução específica do contrato de promessa de compra e venda do Autor se proceda, isto é, o Tribunal pode substituir a declaração negocial da faltosa, é necessário verificar-se o incumprimento do Réu.
Ficaram provados os seguintes factos:
a) Em 11 de Janeiro de 2011, o Autor e o Réu celebraram um acordo escrito que denominaram de “contrato promessa de compra e venda de imóvel”, através do qual o último prometeu vender ao primeiro, pelo preço de HKD$3.650.000,00, a fracção autónoma de que o Réu é titular designada por “ER/C”, do rés-do-chão “E”, com sobreloja, para fábrica, do prédio sito em Macau com os nºs ... da Avenida ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;
b) No acto de assinatura do aludido documento, o Autor pagou ao Réu, a título de sinal e princípio de pagamento do imóvel, a quantia de HKD$500.000,00;
c) Em 12 de Fevereiro de 2011, o Autor pagou ao Réu, a título de reforço do sinal, a quantia de HKD$500.000,00;
d) O remanescente do preço, no montante de HKD$2.650.000,00 deveria ser pago até 31 de Maio de 2013;
e) Na cláusula 3 do referido acordo escrito ficou consignado que A parte A receberá o sinal referido na alínea a) do artigo 2.º pago pela parte B, a parte A deverá outorgar uma procuração e entrega-la à parte B, conferindo à parte B plenos poderes para a administração e disposição do referido imóvel, contudo, só poderá a parte B, a partir do dia 31 de Maio de 2013, exercer o poder da realização de hipoteca voluntária, promessa de venda, venda ou venda de imóvel por outras formas;
f) O Réu outorgou, em 11 de Janeiro de 2011, uma procuração através da qual conferiu ao Autor plenos poderes de administração e disposição sobre o imóvel, clausulando-se em 3) a concessão de poderes para Afixar ou aceitar as condições e cláusulas contratuais, prometer vender, vender ou transferir o referido imóvel por outras formas;
g) Segundo estipulado na aludida procuração entraria em vigor desde a data da assinatura, mas só será exercido o poder estipulado na terceira cláusula após o dia 31 de Maio de 2013;
h) Na mesma data, o Réu entregou ao Autor uma certidão da referida procuração a fim de este último poder exercer os respectivos poderes a partir de 31 de Maio de 2013.
i) Em 11 de Abril de 2012, o Réu outorgou escritura pública onde declara que revoga a procuração aludida em f);
j) No dia 11 de Abril de 2012, o Réu emitiu por escrito a seguinte Declaração :
Aos 11 de Janeiro de 2011, eu e B, do sexo masculino, casado com C, no regime da comunhão de adquiridos, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº ... emitido no dia 6 de Agosto de 2009 pelos Serviços de Identificação de Macau, residente em Macau, na ...) assinaram o contrato-promessa de compra e venda de imóvel, prometo vender a fracção autónoma designada por “ER/C” do rés-do-chão “E” (e S/L), sita na Avenida ... nºs ..., Edf. ... (descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº ...), para servir de fábrica, recebi o sinal pago pelo B no montante de milhão de dólares de Hong Kong (HKD$1.000.000,00).
Venho por este meio, através da presente declaração, prometer que vou concluir a transacções supra mencionado no prazo de dez dias a contar da data da minha obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, celebrando a escritura pública para transmissão de propriedade em nome de B ou a uma terceira pessoa designada pelo B, entregando a fracção acima referida ao B ou a uma terceira pessoa designada pelo B, no caso de incumprimento acima referido, todas as responsabilidades bem como as consequências jurídicas ficarão exclusivamente a meu cargo.
Ora, os factos acima expostos demonstram inequivocamente que o Réu não quis cumprir de forma definitiva o contrato promessa de compra e venda em causa.
Vejamos a razão de ser.
O Autor e o Réu acordaram a forma de cumprir do contrato de promessa de compra e venda que consistia em o Réu passar ao Autor uma procuração com plenos poderes para a administração e disposição do imóvel em causa, com a condição de que o Autor só poderia utilizar os poderes conferidos pela procuração a partir do dia 31 de Maio de 2013.
Com a revogação da procuração passada e a declaração emitida no dia 11/04/2012 pelo Réu no sentido de que só iria cumprir o contrato promessa de compra e venda celebrado com o Autor no prazo de 10 dias a partir da obtenção do seu BIRM, o Réu quis modificar o contrato inicial, alterando unilateralmente a forma do cumprimento inicialmente acordada e acrescentando, também unilateralmente, mais uma condição para o seu cumprimento – o negócio prometido só se concretizaria com a aquisição do BIRM.
Esta conduta, além de violar o nº 1 do artº 400º do CCM, nos termos do qual o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, evidencia também que o Réu não quis cumprir o contrato promessa de compra e venda nos termos inicialmente acordados, o que se traduz num acto de incumprimento definitivo da obrigação inicialmente assumida.
Repare-se, nos termos acordados inicialmente, o Autor, munido da procuração outorgada pelo Réu, poderia, só de per si (sem a intervenção daquele), concretizar o negócio prometido após o dia 31/05/2013.
No entanto, com a conduta do Réu, o Autor deixou de o poder fazer.
Verifica-se, portanto, o incumprimento por parte do Réu.
Face ao expendido, é de manter a decisão final recorrida.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso interlocutório;
- revogar a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo relativa aos quesitos 2º e 3º da Base Instrutória; e
- negar provimento ao recurso final, mantendo a decisão final recorrida.
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Custas pelo Réu.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 10 de Setembro de 2015.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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522/2015