Proc. nº 797/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Novembro de 2015
Descritores:
-Execução
-Título executivo
-Documento particular
-Obrigação subjacente
SUMÁRIO
I. Um documento particular assinado pela embargante que formaliza uma obrigação pecuniária emergente de um mútuo, constitui um título executivo nos termos do art. 677º, al. c), do CPC.
II. Perante um tal título, sobre o devedor recai o ónus de demonstrar que a causa da dívida ou do negócio não existe ou é inválida.
Proc. nº 797/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, executada no Proc. nº CV1-13-0090-CEO, movido no TJB por B, deduziu embargos de executado, alegando nunca ter recebido por mútuo a quantia reclamada pelo exequente, acrescentando que a assinatura por si aposta no documento particular que serviu de título executivo se deveu a coacção física e moral do exequente.
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Foi na oportunidade proferida sentença, que julgou improcedentes os embargos e determinou o prosseguimento da execução.
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É contra essa decisão que ora recorre jurisdicionalmente a embargante, em cujas alegações produziu as seguintes conclusões:
«1. O objecto do presente recurso é a sentença proferida em 25 de Março de 2015, de fls. 75 a 76 verso, por via do qual foram julgados improcedentes os embargos apresentado pela recorrente.
2. Nos presentes autos não foi feita qualquer entrega de dinheiro relacionada com o título executivo.
3. Não existindo qualquer entrega de dinheiro por conta do titulo executivo que serve de base à presente execução nunca poderiam os embargos em causa ser improcedentes.
4. Não ficou provado que a recorrente recebeu em mútuo a quantia de HKD$300.000,00, referida no “contrato de empréstimo”, com a data de 19 de Novembro 2012, e junto como documento 1 no requerimento inicial dos presentes autos executivos.
5. O título executivo é um contrato de mútuo de uma alegada obrigação que nasceu como a sua assinatura e não é um documento que serve de confissão de uma divida anterior a sua assinatura.
6. Os factos provados nos embargos não revelam a celebração de um contrato de mútuo em 2009, nem de qualquer outro que determine a obrigação de restituição da quantia que foi entregue nessa data.
7. Não houve qualquer entrega de dinheiro por conta do contrato de mutuo de 19 de Novembro 2012 e, por isso, o titulo executivo não serve para exigir o pagamento da divida exequenda.
8. O título executivo atesta uma obrigação que nunca existiu e ao não ter assim sido entendido pelo Tribunal a quo em sede de sentença dos autos de embargos ora recorrida, fez este Tribunal errada interpretação da lei.
9. O Tribunal a quo violou a lei, por errada interpretação e aplicação dos artigos 1070.º e 1071.º do Código Civil, e artigos 697º e 699º do Código de Processo Civil, o que se invoca para efeitos do n.º 2 do art. 598.º do C.P.C.
Termos em que deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que acolha o entendimento ora sufragado pela recorrente, devendo os embargos de executado ser julgados procedentes por provados, e consequentemente ser determinada a absolvição da recorrente do pedido e determinada a extinção da execução.».
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
a) No dia 19 de Novembro de 2012, a embargante assinou o documento junto a fls. 6 dos autos principais, apresentado pelo Embargado como título executivo, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) Em data indeterminada de 2009 o Embargado entregou à Embargante por uma vez MOP$50.000,00 e por outra CNY$200.000,00.
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III – O Direito
1 – Na petição de embargos a embargante dizia nunca ter recebido qualquer dinheiro do invocado empréstimo, alegadamente titulado pelo documento de fls. 6 dos autos principais, que apenas terá sido por si assinado por medo e sob coacção física e moral.
Esta matéria exceptiva (arts. 407º, nº2, al. b), do CPC e 335º, nº2, do CC) foi objecto de prova, mas a embargante não logrou prová-la.
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2 - Veio ela no recurso, uma vez mais, arguir a inexistência de qualquer contrato de mútuo, por não ter recebido a quantia constante do documento dado à execução.
E pretende, por outro lado, contrapor que a quantia que o tribunal considerou ter o embargado entregado à embargante (alínea b) dos Factos) não pode representar o subjacente empréstimo titulado pelo referido documento.
E sendo assim, o documento não podia servir de título executivo.
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3 – Apreciando
Não tem razão a recorrente. Na verdade, de acordo com o disposto no art. 677º, al. c), do CPC podem servir de base à execução quaisquer documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
Consequentemente, uma vez provada a natureza do título, cumpre ao executado demonstrar a inexequibilidade da pretensão através da prova dos respectivos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do dever de prestar1.
Ora, na medida em que o aludido documento assinado pela embargante formaliza uma obrigação pecuniária emergente de um mútuo, ele sem dúvida constitui um título executivo2. Trata-se de uma situação que faz recair sobre o devedor o ónus de demonstrar que a causa da dívida ou do negócio não existe ou é inválida.
A executada, para se libertar da consequência própria da execução, deveria ter invocado e provado a ausência de uma relação fundamental ou os vícios que a pudessem invalidar como fonte da obrigação exequenda3.
Todavia, como se viu, nos embargos ela não conseguiu demonstrar a inexistência do mútuo, nem consequentemente a ausência da dívida.
A simples circunstância de se ter provado a entrega pelo exequente à embargante as quantias de Mop$50.000,00 e de CNY$200.000,00 em data indeterminada de 2009 – que a recorrente utiliza para extrair dividendos a seu favor, na mira de fazer crer essa divergência de valores afasta a verdade acerca da entrega do valor alegadamente mutuado de HKD$ 300.000,00 - não serve os propósitos exceptivos.
Verdadeiramente, esse facto – que tanto pode ter estado na base da assinatura do documento dado à execução, como não – é irrelevante para o caso. Tanto podia tratar-se de outro mútuo, como até do mesmo renegociado três anos depois. Pouco importa.
O que interessa mesmo dizer é que há um documento executivo que titula um empréstimo em dinheiro num determinado montante, que a embargante não conseguiu provar ser falso, que não revelou ter sido assinado sob coacção física, ou que não demonstrou não traduzir nenhuma obrigação assumida perante o exequente. Toda essa matéria de excepção ficou por provar.
E por isso, os embargos tinham que naufragar, tal como efectivamente sucedeu.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
TSI, 19 de Novembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Neste sentido, no direito comparado, ver Ac. R.C., de 8/06/2004, Proc. nº 1700/03.
2 No direito comparado, Ac. STJ, de 10/07/2007, Proc. nº 07B2400.
3 No direito comparado, Ac. STJ, de 3/03/2005, Proc. nº 04B4692.
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797/2015 7