Processo nº 222/2015
(Autos de recurso civil)
Data: 28/Maio/2015
Assunto: Alimentos
Ónus da prova (artigo 335º do CC)
SUMÁRIO
- Ao abrigo do artigo 1845º do Código Civil, os alimentos a prestar têm por base a necessidade de quem os pede e a capacidade de quem os presta.
- Estando em causa uma acção de processo ordinário, rege-se pelas respectivas regras processuais, sendo assim, compete ao Autor alegar e provar os factos constitutivos do direito alegado, enquanto cabe à Ré o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado (artigo 335º do Código Civil).
- Provado que o Autor sofreu um acidente vascular cerebral, desde então ficou com uma paralisia dos membros do lado direito e epilepsia, para além do subsídio de invalidez de MOP$6.000,00 atribuído anualmente pelo Instituto da Acção Social, não recebe mais qualquer outro subsídio ou rendimento, carecendo o mesmo de despender mensalmente MOP$4.500,00 com refeições e MOP$1.000,00 com vestuário e produtos de higiene, e sendo a recorrente funcionária pública, auferindo um vencimento líquido mensal de 17.838,50, podemos concluir que a recorrente possui melhores condições do que o recorrido para fazer face à vida e prover pelo seu próprio sustento.
- Embora não seja excluída a hipótese de que a recorrente também tenha outras pessoas a seu cargo ou alguns problemas de saúde que a obriguem a fazer despesas complementares, mas por serem factos que impeçam, modifiquem ou tornem extinto o direito do Autor ora recorrido, incumbe a ela ora recorrente alegar e fazer prova dos mesmos, sob pena de, não o fazendo, na medida em que, sendo citada para contestar, não contestou nem apresentou qualquer prova documental para o mesmo efeito, ser obrigada a efectuar os respectivos pagamentos a favor do alimentado.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 222/2015
(Autos de recurso civil)
Data: 28/Maio/2015
Recorrente:
- A (Ré)
Recorrido:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, Ré da acção de processo ordinário que corre termos no Tribunal Judicial de Base, inconformada com a sentença final que a condenou a pagar ao ex-marido B a quantia de MOP$75.500,00, a título de alimentos vencidos relativamente ao período compreendido entre 28 de Junho de 2013 e Setembro de 2014, e a quantia mensal de MOP$5.000,00 a satisfazer até ao dia 8 de cada mês, a partir de Outubro de 2014, dela interpôs o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida condenou a recorrente a pagar ao seu ex-marido B, a quantia de MOP$75.000,00 a título de alimentos vencidos relativamente ao período compreendido entre 8 de Junho de 2013 e Setembro de 2014, e a quantia mensal de MOP$5.000,00 a satisfazer até 8 de cada mês, a partir de Outubro de 2014.
2. A recorrente considera que ocorre insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão que foi proferida na presente causa.
3. Não se contestando que o recorrido tenha legalmente direito a receber alimentos em virtude da sua situação de saúde e da existência do seu anterior casamento com a recorrente, contesta-se, porém, o montante dos alimentos que lhe foi atribuído na sentença recorrida.
4. Pois, na verdade, os alimentos devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los, ou seja, no caso vertente, da recorrente.
5. Na matéria de facto provada na sentença recorrida não consta absolutamente nenhum elemento sobre a efectiva capacidade da recorrente de prestar alimentos ao recorrido, pois não foi feito qualquer relatório social ou foi trazido aos autos pelo próprio recorrido qualquer elemento que permita averiguar qual é concretamente a situação da recorrente, ou seja, verificar quais as despesas que a recorrente está já mensalmente obrigada a fazer derivadas de situações anteriores a estes autos, ou que outras pessoas tem ela a seu cargo, quais as suas despesas fixas mensais, qual a composição do seu agregado familiar, se a recorrente tem ou não problemas de saúde que também a obriguem a fazer despesas complementares, etc.
6. Nada disto consta da sentença recorrida e assim sendo não poderia decidir-se, como foi feito, no sentido de condenar a recorrente no pagamento do montante de MOP$5.000,00 ao recorrido.
Conclui, pedindo a revogação da sentença recorrida.
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Ao recurso respondeu o recorrido, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1. A douta sentença não padece de nenhum vício pelo que não merece nenhum tipo de censura.
2. Nos termos do n.º 2 do artigo 562º do Código de Processo Civil a sentença deve, no fundamento, discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3. Apesar da recorrente não ter colaborado ao longo de todo o processo, não obstante as várias tentativas nesse sentido, o Tribunal ad quo deu cumprimento à referida norma legal tendo demonstrado de forma clara e inequívoca que a pensão alimentar no valor de MOP$5.000,00 é justa e equilibrada.
Conclui, pugnando pela negação de provimento ao recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Por sentença proferida em 5 de Abril de 2013, transitada em julgado, no processo de divórcio litigioso, com o nº CV2-11-0049-CDL, do 2º Juízo Cível, foi decretada a dissolução do casamento entre o Autor e a Ré, com base na separação de facto por mais de 2 anos consecutivos.
Em Julho de 1998, o Autor sofreu um acidente vascular cerebral.
Desde então que o Autor ficou com os membros e o rosto do lado direito gravemente afectados, o que se traduz em profunda perturbação da sua capacidade de efectuar movimentos (hemiplexia direita).
De acordo com o relatório médico, passado a 6 de Junho de 2013, o Autor continua a apresentar sequelas do AVC, e que se traduziu na paralisia dos membros do lado direito e de epilepsia.
Por razões ligadas ao seu estado de saúde, não lhe ser possível trabalhar e carecer de cuidados particulares e acompanhamento médico do foro mental.
Face ao seu estado de incapacidade, foi o Autor sujeito a uma avaliação levada a cabo pelo Instituto de Acção Social de Macau, culminando com a sua inscrição, em 30/11/2011, com deficiente motor junto dessa instituição sob o n.º 2170.
De onde lhe advém o subsídio de MOP$6.000,00 anuais, a título de Subsídio de Invalidez, atribuído através do mesmo Instituto de Acção Social em meados de Outubro de cada ano.
O Autor não recebe qualquer outro subsídio ou pensão do Fundo de Segurança.
A Ré é funcionária da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água, que aufere mensalmente um vencimento constante a fls. 82 dos autos.
Em termos de sustento, o Autor necessita de um mínimo de MOP$150,00 diárias para fazer face a quatro refeições, a saber, pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar, gastando MOP$25,00 por cada refeição ligeira (pequeno-almoço e lanche) e MOP$50,00 por cada refeição normal (almoço e jantar), o que perfaz um total de MOP$4.500,00 mensais.
Em termos de vestuário e produtos de higiene diária o Autor despende de cerca de MOP$1.000,00 por mês.
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Alega a recorrente que há insuficiência da matéria de facto para a decisão da causa, na medida em que a sentença recorrida apenas atentou nas necessidades económicas do Autor ora recorrido mas olvidou, por completo, a averiguação das circunstâncias inerentes à vida da recorrente e a prova de que esta tinha (ou não) possibilidades de pagar ao recorrido o montante mensal de MOP$5.000,00.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos não assistir nenhuma razão à recorrente.
É verdade que os alimentos a prestar têm por base, para além da necessidade de quem os pede, a capacidade de quem os presta, segundo se dispõe no artigo 1845º do Código Civil.
De facto, o Autor logrou alegar factos e provar, por um lado, que ele tem essa necessidade e, por outro, que a Ré ora recorrente tem capacidade financeira para os prestar.
E não podemos deixar de assinalar que foi a própria recorrente quem, assistindo-lhe o direito de contradizer aquilo que foi alegado pela parte contrária, deixou de o exercer, na medida em que, sendo ela citada para contestar, não contestou nem apresentou qualquer prova documental para o mesmo efeito.
Em boa verdade, estando em causa uma acção de processo ordinário, rege-se pelas respectivas regras processuais, sendo assim, compete ao Autor alegar e provar os factos constitutivos do direito alegado, enquanto cabe à Ré o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado (artigo 335º do Código Civil).
No caso vertente, segundo a matéria alegada pelo recorrido e que ficou provada ―o Autor sofreu um acidente vascular cerebral, desde então ficou com uma paralisia dos membros do lado direito e epilepsia, para além do subsídio de invalidez de MOP$6.000,00 atribuído anualmente pelo Instituto da Acção Social, não recebe mais qualquer outro subsídio ou rendimento, carecendo o mesmo de despender mensalmente MOP$4.500,00 com refeições e MOP$1.000,00 com vestuário e produtos de higiene, e sendo a recorrente funcionária pública, auferindo um vencimento líquido mensal de 17.838,50 ―, é fácil concluir que a recorrente possui melhores condições do que o recorrido para fazer face à vida e prover pelo seu próprio sustento.
Embora não seja excluída a hipótese de que a recorrente também tenha outras pessoas a seu cargo ou alguns problemas de saúde que a obriguem a fazer despesas complementares, mas por serem factos que impeçam, modifiquem ou tornem extinto o direito do Autor ora recorrido, incumbe a ela ora recorrente alegar e fazer prova dos mesmos, sob pena de, não o fazendo, ser obrigada a efectuar os respectivos pagamentos a favor do alimentado.
Aqui chegados, por não se vislumbrar a apontada insuficiência da matéria de facto para a decisão, improcedem, pois, as razões aduzidas pela recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, a 28 de Maio de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Processo Civil 222/2015 Página 8