Processo n.º 79/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Cancelamento da autorização de residência temporária. artigo 18.º, n.os 2 e 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Poderes vinculados e discricionários da Administração. Alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência. Penhora e apreensão de fracção autónoma, no âmbito de processo de insolvência. Princípio do aproveitamento do acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados.
Data do Acórdão: 13 de Janeiro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – A competência prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder vinculado da Administração.
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder discricionário da Administração.
II – A efectivação da penhora em processo de execução e a apreensão da fracção autónoma, no âmbito de processo de insolvência movido contra o recorrente, constituem alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência.
III - A invocação de violação dos princípios de justiça e da proporcionalidade só é operativa quando a Administração exerce poderes discricionários.
IV – Em recurso jurisdicional é irrelevante apreciar determinada violação legal, se o sentido de acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados é legal e se tem de manter, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A, doravante designado por recorrente, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 14 de Outubro de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu pedido de renovação de residência temporária.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 23 de Julho de 2015, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), tendo alegado que:
Não obstante a penhora o bem que está na base da concessão da autorização foi sempre salvaguardado o valor-limite previsto no n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, correspondente a um milhão de patacas, livre de quaisquer encargos.
A comunicação, nos termos do n. º 1 do artigo 18.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 19.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 apenas teria de ser efectuada pelo Recorrente, se tivesse ocorrido uma situação de extinção ou alteração de situação juridicamente relevante, que fundamentasse a concessão de autorização de residência temporária, e in casu, não cumpria ao Recorrente a obrigação legal de efectuar tal comunicação, por os factos em causa não serem juridicamente relevantes e como tal, susceptíveis de produzir qualquer alteração da situação jurídica.
A decisão recorrida fere, ainda, os princípios da justiça e da proporcionalidade.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Em 29 de Janeiro de 2007, A pediu por si e pelo seu agregado familiar, composto pelo cônjuge B e pelas filhas C e D, ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, autorização de residência temporária.
- Em 09 de Novembro de 2007, por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, foi concedida autorização de residência temporária ao recorrente e seu agregado familiar, por preencherem os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, nomeadamente, por terem adquirido bem imóvel, por preço não inferior a um milhão de patacas e preencherem todos os demais requisitos exigíveis.
- À data, o valor de mercado do imóvel adquirido pelo recorrente estava avaliado, de acordo com o relatório da "E" (cfr. relatório junto ao processo), em HKD$1.960.000,00, equivalente a mais de MOP$2.000.000,00 (dois milhões de patacas).
- Durante o período de residência temporária o recorrente, que tem como casa de morada de família o imóvel em causa, centrou a sua vida, com o seu agregado familiar composto pelo cônjuge e as citadas filhas, na RAEM, não obstante a doença de foro oncológico de que padece o cônjuge cujo tratamento, actualmente, decorre no Hospital, ter implicado a necessidade de algumas ausências prolongadas de Macau.
- Em Janeiro de 2012, o recorrente entrou em conflito com a Sociedade F e com a G, por razões que são ainda objecto de apreciação judicial, correndo para o efeito no Tribunal Judicial de Base de Macau, o Processo nº CV2-12-0001-CFI, 2º Juízo Cível, com diversos apensos.
- Donde resultou que primeiro, a "F" penhorou a fracção autónoma XXX, imóvel então adquirido para os efeitos do n.º 1, do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
- Mais tarde, em 25 de Julho de 2013 a "G", apreendeu o mesmo bem, recorrendo à figura jurídica da declaração de insolvência.
- O que desencadeou que, em 4 de Junho de 2013, quando o recorrente procedia ao último pedido de renovação de autorização de residência temporária junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau "IPCIM", o mesmo ficasse suspenso para análise, de modo a ser aquilatado se o recorrente e seu agregado familiar continuavam a reunir os requisitos legais exigidos pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
- Esta situação deu lugar ao procedimento designado por Audiência de Interessados, nos termos dos artigos 93.º e segs. do Código do Procedimento Administrativo e, consequentemente, foi averiguado se “a situação juridicamente relevante" se alterara.
- Nesse âmbito e ao abrigo da Audiência Escrita, o recorrente veio ao processo juntar prova de forma a justificar que o bem imóvel em causa foi indevidamente penhorado e apreendido por estar, por lapso, exarado no registo da Conservatória do Registo Predial, o recorrente A e o cônjuge B, como casados no regime da separação de bens e não, como correctamente, no regime da comunhão de adquiridos.
- E que, consequentemente, ainda que a penhora tivesse apenas incidido sobre o direito à meação do recorrente, mesmo assim, o que legalmente poderia ter sido efectuado mas que não foi, sempre estaria salvaguardado o valor-limite previsto no artigo 4º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, por o valor da meação da cônjuge, à data da aquisição do imóvel, não ser inferior a um milhão de patacas.
- Nestes termos e ao longo da citada Audiência, o recorrente insistiu ter tido e mantido, de forma contínua, o investimento imobiliário exigido por lei porque, não obstante o facto jurídico da penhora e do bem continuar apreendido a favor da massa falida, tal não alterou a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência temporária, tendo até o processo de insolvência, como que "consumido" e "prejudicado" a penhora que, pelas razões referidas, foi efectuada ilegalmente.
- Isto porque, estando o recorrente A, à data da aquisição do imóvel em causa, casado no regime da comunhão de adquiridos com B, tem o cônjuge do recorrente direito à separação do bem, processo que segue as normas adjectivas próprias do inventário, com as especificidades dos artigos 1028.º a 1030.º do Código de Processo Civil, já em curso.
- O recorrente, em 7 de Outubro, juntou prova documental no IPCIM, por só nessa data ter reunido a documentação comprovativa, da rectificação operada em 11 de Setembro de 2014 no registo na Conservatória do Registo Predial, por forma a constar no registo do imóvel em causa que são casados no "Regime da Comunhão de Adquiridos" e não no "Regime da Separação", como por lapso estava exarado.
- Na conferência de interessados realizada no passado dia 23 de Setembro e do despacho datado de 29 de Outubro último, ficou decidido que a meação de cada um será preenchida na fracção para habitação objecto deste processo, respectivamente pela metade indivisa, na proporção de 1/2, por ter sido um bem adquirido na constância de matrimónio em regime da comunhão de adquiridos (cfr. docs. 4 e 5 que aqui se dão por reproduzidos na íntegra e para todos os legais efeitos, documentos já juntos ao processo).
- No entanto e não obstante o exposto, por parecer do IPCIM datado de 30 de Setembro de 2014, foi proposto ao Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, o indeferimento da autorização de renovação do pedido de residência temporária ao recorrente e seu agregado familiar.
- Invocando-se como fundamento determinante para sustentar o indeferimento, que se verificou uma alteração da "situação juridicamente relevante" do pedido inicial de concessão de autorização de residência temporária e, consequentemente, a violação do determinado no artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 19.º, ambos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
- Vindo em 14 de Outubro de 2014, a proposta de indeferimento a obter a concordância do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, o que culminou no despacho ora recorrido de indeferimento da renovação do pedido de fixação de residência temporária do recorrente e seu agregado familiar.
- São do teor seguinte o despacho, informações e pareceres que consubstanciam o acto sob apreciação:
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
proposta n.º XXXX/residência/2007/02R requerimento de residência por investimento de imóvel-renovação
requerente - A é aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Assunto: Revisão do requerimento da residência por investimento
Comissão Executiva:
1. A identificação dos interessados e a validade de residência temporária autorizada proposta:
N.º Nome Relação Documentos/n.º Prazo de validade de documento até Prazo de validade de título de residência temporária até
1 A Requerente Passaporte da RPC n.º XXXXXXXX 12/10/2019 01/07/2013
2 B cônjuge Passaporte da RPC n.º XXXXXXXXX 12/10/2019 01/07/2013
3 D descendente Passaporte da RPC n.º XXXXXXXXX 12/10/2019 01/07/2013
4 C descendente Passaporte da RPC n.º XXXXXXXXX 12/10/2014 01/07/2013
2. Foi autorizada, pela primeira vez, a residência temporária do requerente em 9 de Novembro de 2007.
Para verificar mais rigorosamente a relação de filiação entre o requerente e os descendentes, o requerente apresentou o relatório de exame para efeito de paternidade no mesmo dia de requerimento, assim, através do exame de ADN, verifica-se a relação de filiação entre o requerente e os seus descendentes D e C (vide fls. 32 a 35).
3. Para o efeito de renovação, o requerente apresentou o seguinte documento de imóvel, verificando que continua a possuir o investimento de imóvel previsto na lei:
N.º de descrição: XXXXX-X
[Endereço (1)]
Valor: MOP$1.492.050,00
Data de registo: 05(06)/12/2006
4. O requerente apresentou o documento comprovativo de depósito a prazo emitido pela instituição de crédito de Macau, provando que mantém a possuir o depósito a prazo no valor não inferior a MOP$500.000,00:
Instituição de crédito: [Banco (1)]
Conta bancária n.º XX-XX-XX-XXXXXX
Capital: HKD$530.863,90, sendo, aproximadamente, equivalente a MOP$546.789,82
Prazo: 19/01/2007 a 28/01/2014
Forma de tratamento no dia de vencimento: renovação de depósito de capital e de respectivos juros
Natureza: sem encargo
Data de emissão: 23/04/2013
5. Aliás, do documento de imóvel apresentado pelo requerente resulta que o imóvel supracitado que fundamentou o requerimento já foi penhorado pelo Tribunal e a penhora foi registada em 27 de Março de 2012, fazendo com que modifique a situação jurídica autorizada anteriormente, pelo que, não é favorável ao requerimento da renovação da autorização de residência temporária do requerente e dos seus agregados familiares (vide fls. 68).
6. Face ao assunto supracitado, este Instituto notificou o requerente, através do ofício n.º XXXXX/GJFR/2014, de que deve apresentar a contestação por escrito e os documentos complementares sobre o assunto supracitado no prazo de 10 dias, de modo que este Instituto prossiga o requerimento da renovação da autorização de residência temporária do requerente (vide fls. 73).
7. O requerente constituiu advogado em 25 de Março de 2014 e posteriormente este apresentou a contestação por escrito ao presente Instituto, na qual indicou que uma vez que o requerente tinha disputa económica com a F e a G, a seguir, a F pediu a penhora sobre o imóvel que fundamentou o investimento do requerente e a G pediu a apreensão sobre o mesmo imóvel em 25 de Julho de 2013 e apresentou a declaração de insolvência e por consequência, a penhora da F foi anulada, além disso, entendeu que a metade das quotas do respectivo imóvel foi penhorada indevidamente, por isso já apresentou a reclamação ao TJB para levantar a penhora desta metade das quotas da compropriedade e pediu a divisão das quotas dos bens para a insolvência, e alegou que o acordo de transacção estava em curso, pelo que, entendeu que a situação do requerente satisfaz os dispostos do direito de residência por investimento e consequentemente, pediu assim a concessão da autorização da renovação de residência temporária do requerente (vide fls. 76 a 84).
8. Face à contestação por escrito apresentado pelo advogado constituído pelo requerente, este Instituto emitiu a resposta através do ofício n.º XXXXXX/GJFR/2014 (vide fls. 71 a 72).
9. É de indicar que, o TJB, para averiguar a situação do imóvel do requerente, tinha exigido o documento comprovativo de casamento do requerente, através do ofício n.º 1777/2013/CV2-AGP18/06/2013, mas até hoje o respectivo caso concreto ainda não obtém um resultado de julgamento (vide fls. 74 a 75), ao passo que a penhora do imóvel que fundamentou o requerimento do requerente foi registada em 27 de Março de 2012 e o registo desta penhora ainda está válido até hoje (vide fls. 68).
10. Ademais, nos termos do art.º 3.º n.º 1 al. 1) e do art.º 19.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o interessado pediu autorização de residência temporária com fundamento da compra de imóvel, e este imóvel deve ser imóvel adquirido em Macau, não onerado de crédito e quaisquer encargos, por preço não inferior a um milhão de patacas. E a renovação pressupõe a manutenção dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
11. De facto, nos termos do art.º 4.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o requerente que solicite autorização de residência temporária pode constituir garantia sobre o imóvel adquirido quando o valor pecuniário da obrigação a garantir não faz com que o valor de investimento efectivo do requerente fique a ser inferior a um milhão de patacas. Além disso, nos termos dos art.ºs 807.º e ss do Código Civil de Macau, não sendo a obrigação cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar coercivamente o património do devedor, pelo que, o património do devedor constitui a garantia geral da obrigação. A penhora é uma das medidas coercivas para garantir a satisfação de direito de credor. A penhora não depende da disposição do devedor sobre os respectivos bens, os actos de disposição ou oneração feitos pelo devedor sobre os bens já penhorados não produzem efeitos em relação ao credor, o credor continua a gozar a garantia resultante da penhora já constituída. A penhora tem por efeito a garantia real, mas esta garantia, no caso concreto do requerente, já excede o limite imposto pelo art.º 4.º n.º 1 do Regulamento Administrativo supracitado.
12. Além disso, nas notas constantes da notificação da autorização emitida pelo presente Instituto ao requerente, indica-se expressamente que nos termos do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o Sr. deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. O Sr. deve comunicar ao Instituto a extinção ou alteração dos fundamentos no prazo de 30 dias, sob pena de cancelamento da autorização de residência temporária. … A alteração da situação que fundamentou a concessão da autorização, como a alteração de titularidade do imóvel ou a alteração de depósito a prazo no valor de quinhentas mil patacas, …etc.
13. Neste caso concreto, o imóvel que fundamentou o requerimento do requerente já foi penhorado pelo Tribunal por registo em 27 de Março de 2012, e dos documentos de imóvel resultam que o regime matrimonial de bens adoptado pelo requerente é o de separação, o requerente tem assim pleno direito de propriedade sobre o imóvel em apreço, não sendo a situação invocada pelo advogado no ponto n.º 7 supracitado (metade das quotas do imóvel indevidamente penhoradas), além disso, o requerente não apresentou os documentos complementares suficientes no prazo legal para provar que mantém, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização ou constitui uma nova situação jurídica atendível, ademais, através da notificação da autorização emitida pelo presente Instituto ao requerente e folhetos sobre as leis vigentes, o requerente deve saber que tem obrigação de comunicação oportuna ao presente Instituto sobre a alteração da situação jurídica nos termos legais, sendo assim, não se pode dar consideração favorável ao requerimento da renovação do requerente.
14. Através da análise, como o imóvel que fundamentou o requerimento já foi penhorado, o requerente não mantém o pressuposto que fundamentou o deferimento do pedido inicial, nem comunicou por escrito este Instituto sobre a alteração da situação jurídica no prazo legal, através do processo de audiência, a nova situação jurídica não preenche os dispostos relativos à renovação da autorização da residência temporária, pelo que, nos termos do art.º 18.º e do art.º 19.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, sugere-se indeferimento do requerimento da renovação da autorização de residência temporária dos seguintes interessados.
N.º Nome Relação
1 A Requerente
2 B cônjuge
3 D descendente
4 C descendente
À consideração superior.
O técnico superior
H
Aos 22 de Setembro de 2014
*
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
proposta n.º XXXX/residência/2007/02R requerimento de residência por investimento de imóvel-renovação
requerente - A é aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
Ass.: vide o original
14/10/2014
Parecer da Comissão Executiva do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Exm.º Sr.º Secretário para a Economia e Finanças:
Em conformidade com a análise da presente proposta, uma vez que, o imóvel do requerente que fundamentou o requerimento por investimento já foi penhorado e o requerente não mantém o pressuposto que fundamentou o deferimento do pedido inicial, nem cumpriu a obrigação da comunicação escrita da alteração da situação jurídica ao presente Instituto no prazo legal, através do processo de audiência, a sua nova situação jurídica não satisfaz os dispostos da renovação da autorização da residência temporária, pelo que, emito o parecer desfavorável à concessão da autorização de residência temporária dos seguintes interessados e sugiro que seja indeferido o respectivo requerimento.
n.º nome relação
1 A requerente
2 B cônjuge
3 D descendente
4 C descendente
À consideração superior.
Ass.: vide o original
I /Presidente
30/09/2014
Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
Concordo com a proposta.
O Director-Adjunto
J
Ass.: vide o original
29/09/2014”
III – O Direito
1. Questões a apreciar
Importa apreciar as questões suscitadas pelo recorrente.
2. Poderes vinculados e discricionários da Administração no cancelamento da autorização de residência temporária.
O recorrente requereu residência temporária em Macau, em 2007, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, alínea 4) e 3.º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o que implicava, além do mais que agora não está em discussão, “Ter adquirido na Região Administrativa Especial de Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas”.
O recorrente juntou, então, documento comprovativo de ter adquirido uma fracção autónoma, em cujo registo constava que o mesmo era casado no regime de separação de bens. Foi certamente no interesse do recorrente que, nessa ocasião, ele alegou e provou ser titular de uma fracção autónoma e não que a mesma fracção pertencesse ao património conjugal.
Entretanto, a fracção foi penhorada primeiro e apreendida, depois, em processo de insolvência movido contra o recorrente.
Diz o recorrente que a penhora é ilegal, já que ele era casado no regime de comunhão de adquiridos e não de separação de bens. Diz isto agora, como se viu. Ora, até à data do acto administrativo nunca demonstrou o recorrente que a penhora era ilegal e que a apreensão do bem foi ilegal. Como é evidente, não é neste recurso contencioso que se vai discutir a legalidade de actos jurisdicionais praticados em outros processos judiciais.
De acordo com o artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005:
“Artigo 18.º
Alteração da situação
1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
O acto recorrido indeferiu o pedido de renovação de residência por duas razões:
- Falta de manutenção da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência (artigo 18.º, n.º 1), por força da penhora e da apreensão da fracção autónoma;
- Falta de comunicação dessa alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência (artigo 18.º, n.º 3).
No nosso acórdão de 22 de Maio de 2013, no Processo n.º 28/2013, concluímos que a competência prevista no artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (cancelamento da autorização de residência temporária) integra o exercício de um poder discricionário da Administração, desde que se conclua que o interessado não cumpriu, sem justa causa (conceito indeterminado), a obrigação de comunicação da extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência, no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração (momento vinculado do acto).
Mantemos tal entendimento.
E quanto aos poderes a que se refere o artigo 18.º, n.º 2?
Aí não temos dúvidas de que se trata de poderes vinculados da Administração: quando ocorra extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência, a Administração tem de cancelar a autorização de residência temporária. Não pode deixar de o fazer.
É nesse sentido que aponta a letra da norma “A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração …”. Enquanto, no caso de falta de cumprimento da comunicação, a norma refere “O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
Neste caso, o conceito indeterminado situação juridicamente relevante não contém nenhum juízo de prognose, não havendo intenção de conferir margem de livre apreciação à Administração.
Por outro lado, os interesses envolvidos apontam inequivocamente no sentido de estarem em causa poderes vinculados. É que o pressuposto da concessão da autorização de residência temporária é, além do mais, a aquisição em Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas.
Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 18.º, o interessado tem a obrigação de manter durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
Face à violação de tal obrigação, faz todo o sentido que a falta de manutenção da situação juridicamente relevante, seja cominada com o cancelamento da autorização de residência, não ficando na disponibilidade da Administração o poder de cancelar ou deixar de cancelar. Trata-se de uma violação maior, por fazer cessar os pressupostos em que assentou a concessão da autorização de residência, não uma simples falta de comunicação.
Em conclusão:
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder vinculado da Administração.
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder discricionário da Administração.
3. Situação juridicamente relevante
Trata-se de saber se a efectivação da penhora e a apreensão da fracção autónoma no âmbito de processo de insolvência movido contra o recorrente constituem extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência.
Qual era a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência?
A aquisição e a titularidade de fracção autónoma em Macau com o valor de, pelo menos, um milhão de patacas.
A titularidade da fracção autónoma não foi alterada, dado que a mesma continua a pertencer ao recorrente. Será isto suficiente para dizer que não houve extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência?
Vejamos. No Regulamento Administrativo n.º 3/2005 existe um preceito que, embora não aplicável directamente à situação dos autos, pode lançar alguma luz sobre a interpretação que está em causa. Referimo-nos ao artigo 4.º, onde se dispõe:
“Artigo 4.º
Limitações à constituição de garantias
1. O interessado que solicite, ou obtenha, autorização de residência temporária nos termos do artigo anterior só pode constituir garantia sobre o imóvel adquirido se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição, determinado nos termos deste diploma, e o montante mínimo estabelecido na alínea 1) do n.º 1 do artigo 3.º
2. Não é admitida a constituição de quaisquer ónus sobre o depósito bancário referido na alínea 2) do n.º 1 do artigo anterior.”
Face a este preceito, quem pretenda ou obtenha, autorização de residência temporária, só pode constituir garantia sobre o imóvel, como hipoteca, se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição (em princípio, o preço declarado pelo interessado, a menos que haja lugar a avaliação, se houver indícios que esse preço é superior ao real) e o montante de um milhão de patacas.
Quer dizer, o interessado pode constituir garantir sobre o imóvel, como hipoteca voluntária, desde que o valor garantido se mantenha entre o valor do imóvel declarado pelo interessado à Administração e o montante de um milhão de patacas, que é o valor mínimo de investimento previsto. Repara-se que o valor do imóvel a considerar, não é o valor de mercado do imóvel no momento da constituição de garantia, mas o valor declarado pelo interessado aquando do pedido de autorização de residência ou resultante da avaliação nessa ocasião.
Será esta norma aplicável a situações como a dos autos, de penhora ou apreensão do imóvel?
Afigura-se-nos que não. No caso de penhora ou apreensão, ainda que o valor em dívida não abranja o valor do imóvel, este será vendido, em princípio, no âmbito do processo. Logo, a situação relevante não é mantida, já que desaparece a titularidade do direito de propriedade do interessado sobre o imóvel. Mesmo que fosse admissível que o interessado se constituísse em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe fosse fixado, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, haveria que atentar que, na venda em Tribunal, dificilmente, o valor da venda atinge o valor de mercado.
Mesmo que o disposto no artigo 4.º fosse aplicável a situações como a dos autos, ele não aproveitaria ao recorrente, já que valor do imóvel a considerar é de HKD$1.960.000,00 e o recorrente não demonstrou que o valor das dívidas exigidas nos processos judiciais seria de montante inferior à diferença entre HKD$1.960.000,00 e MOP$1.000.000,00, cabendo-lhe esse ónus da prova a ele.
Em conclusão, a efectivação da penhora em processo de execução e a apreensão da fracção autónoma, no âmbito de processo de insolvência movido contra o recorrente, constituem ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência.
4. O caso dos autos
Ainda que fosse de sufragar a tese do recorrente - e não é - da relevância de despacho judicial de 30 de Outubro de 2014, posterior à data do acto recorrido, no processo de separação de bens do recorrente e cônjuge, segundo o qual o recorrente ficaria titular de ½ da fracção autónoma dos autos, a alteração da situação juridicamente relevante seria mais do que evidente. É que a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência foi a aquisição e a titularidade da totalidade da fracção autónoma em causa. Ora, o recorrente passou a ser titular apenas de metade indivisa da fracção, pelo que houve inequivocamente alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária.
Em suma, impunha-se o cancelamento da autorização de residência temporária do recorrente, ao abrigo dos poderes vinculados da Administração, exercidos no uso da competência prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Assim sendo, improcede a invocação do recorrente de violação dos princípios de justiça e da proporcionalidade, que só são operativos quando a Administração exerce poderes discricionários. Quando estão em causa, como é caso, poderes vinculados, tal invocação é imprestável porque se trata apenas de saber se o órgão administrativo respeitou estritamente os poderes legais.
Deste modo é irrelevante apreciar a violação do disposto no artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e aí dos mencionados princípios jurídicos, dado que, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados, ainda que se detectasse violações legais nessa sede, sempre se imporia a manutenção do acto administrativo recorrido.
Improcede, assim, o recurso jurisdicional.
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Macau, 13 de Janeiro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
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Processo n.º 79/2015
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Processo n.º 79/2015