Processo nº 827/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 19/Novembro/2015
Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Desocupação do terreno em consequência da declaração de caducidade do respectivo contrato de concessão
Insuspensibilidade de eficácia do acto
SUMÁRIO
- Na sequência do despacho de Sua Ex.ª o Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão de um terreno, foi prolatado pelo Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas despacho no sentido de ordenar à requerente a desocupação do terreno.
- Ainda que a ordem de desocupação seja qualificável como acto de execução em relação ao acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, mas atentas as invalidades suscitadas e imputadas àquele acto, tal acto é contenciosamente recorrível.
- No entanto, como o objectivo que a requerente pretende agora ver atingido é evitar a desocupação do terreno, e isto, salvo o devido respeito por melhor opinião, é uma consequência que resulta do próprio acto de declaração da caducidade, daí que se nos afigura que só é suspensível a eficácia do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão e não a eficácia do seu acto de execução, por este não ter um conteúdo autónomo.
- Ainda que se entenda ser suspensível a eficácia do acto do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, conclui-se que o pedido da requerente também não pode proceder, por não se verificarem cumulativamente todos os seus pressupostos, mais precisamente, não se logrou demonstrar que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso, pelo que a providência tem que ser indeferida.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 827/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 19/Novembro/2015
Requerente:
- Companhia de Investimento Predial A, Limitada
Entidade requerida:
- Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Companhia de Investimento Predial A, Limitada, sociedade com sede em Macau, melhor identificada nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, nos termos do qual foi ordenada à requerente a desocupação do terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa, na Estrada de Lou Lim Ieok, junto ao Jardim de Lisboa, descrito na CRP sob o nº 22508, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação, revertendo as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização, tendo o mesmo sido integrado no domínio privado do Estado, sob pena de, em caso de incumprimento, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração das Forças de Segurança de Macau, proceder, a partir do termo do prazo de 60 dias, à execução coerciva dos trabalhos de despejo, devendo as despesas ser pagas pela ora requerente.
Para tanto, invocou que os actos em causa lhe causam prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do respectivo recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, defendeu a improcedência do pedido.
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O Digno Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Em conformidade com as jurisprudências assentes, o despacho de ordenar o despejo/desocupação tem conteúdo positivo, em virtude de provocar directamente a alteração da statu quo do destinatário. À luz da a) do art. 120º do CPAC, verifica-se in casu a idoneidade do objecto.
Sendo assim, resta-nos apurar se, no caso vertente, se preencherem os três requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC.
No actual ordenamento jurídico de Macau, forma-se jurisprudência pacífica e constante que são, em regra, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009).
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Pro-cesso n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI nos Processos n.º 17/2011/A e n.º 265/2015/A)
No caso sub iudice, o que importa designadamente salientar é que o Venerando TUI asseverou, no seu douto acórdão decretado no Processo n.º 82/2013: O facto de o indeferimento da suspensão da eficácia colocar em causa o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no recurso contencioso não é, por si, suficiente para o deferimento da providência.
No caso vertente, sopesando atenciosamente o aduzido nos arts. 28º a 29º e 32º a 34º do Requerimento, não nos resta dúvida alguma de, ao máximo, ser remota, indirecta e, ainda, meramente eventual e hipotética a alegada «impossibilidade definitiva de a requerente aproveitar» o terreno dos autos, visto a qual depender da construção, no futuro não agendado, de edifício nesse terreno, pela própria Administração ou por um terceiro a quem conceda tal terreno – ninguém sabe, neste momento, quando se procederá a concessão desse terreno e qual terceiro será o concessionário?
Neste ponto, sufragamos o aduzido no art. 28º da contestação, aí se reza: É que não se pode perder de vista que no terreno em questão nunca foi iniciada nem existe qualquer obra ou construção, pelo que não se vislumbra que tipo de prejuízos, muito menos de difícil reparação, poderá ter a Requerente se ficar sem a posse do terreno durante o período de tempo que o tribunal necessita para decidir o recurso contencioso.
Em segundo lugar, tem de ser inconsistente e insustentável a invocada irreparabilidade do prejuízo arrogado no art. 37º do Requerimento, pois bem por natureza das coisas, qualquer «lucro cessante» é sempre quantificável, mesmo que não seja fácil a correspondente cálculo.
Afinal, em consonância com a sensata jurisprudência do Venerando TUI supra citada, não é suficiente para abonar o pedido de suspensão de eficácia a eventual impossibilidade de reconstruir a situação actual hipotética, invocada no art.38º do Requerimento.
Tudo isto imbui-nos a impressão de ser inegável e patente que a Requerente não consegue comprovar a existência do prejuízo de difícil reparação. Quer isto dizer que, a nosso ver, não se preenche in casu o requisito consignado na alínea a) do n.º1 do art.121º do CPAC.
Em observância à jurisprudência consolidada pelo Venerando TUI nos Processos n.º 15/2010, n.º 23/2015 e n.º 28/2015, entendemos que não há lugar in casu à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente no seu requerimento Inicial.
Pelo expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço, e pela não admissão da pretensão de inquirição das testemunhas.”
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Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da presente providência.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa, na Estrada de Lou Lim Ieok, junto ao Jardim de Lisboa, descrito na CRP sob o nº 22508.
Desse despacho recorreu contenciosamente a requerente para este TSI, por telecópia em 22.5.2015 e em mão em 26.5.2015, tendo o Processo sido autuado com o nº 499/2015.
Por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, foi ordenada a desocupação do tal terreno pela requerente, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação, ficando revertidas as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização, tendo o mesmo sido integrado no domínio privado do Estado, sob pena de, em caso de incumprimento, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração das Forças de Segurança de Macau, proceder, a partir do termo do prazo de 60 dias, à execução coerciva dos trabalhos de despejo, devendo as despesas ser pagas pela ora requerente.
Inconformada, dele interpôs a requerente recurso contencioso para este TSI, tendo o Processo sido autuado com o nº 827/2015.
Foi instaurado em 13.10.2015 o procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo nº 499/2015, tendo por objecto o acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, bem como a ordem de despejo que dele depende.
Foi instaurado, ainda, em 22.10.2015 o presente procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo nº 827/2015, tendo por objecto a ordem de despejo enquanto acto autónomo do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos ao presente processo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, bem como dos dados registados neste Tribunal.
Salienta-se ainda que, por se tratar de um processo urgente, e ainda por cima de natureza cautelar, não é possível a produção de prova testemunhal neste tipo de processos.1
E isto é o que se disse também no douto Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 28/2015, nele se confirmou que não é permitida a produção de prova testemunhal no procedimento cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos.
Pelo que se indefere o pedido de inquirição de testemunhas.
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O caso
À requerente tinha sido concedido por arrendamento um terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa.
Entretanto, por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento desse mesmo terreno.
Em consequência disso, por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, foi ordenada à requerente a desocupação do tal terreno, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação.
Contra tal despacho foi interposto recurso contencioso autónomo para este TSI, invocando-se vícios próprios do respectivo acto.
Pede agora a requerente que seja suspensa a eficácia do acto do Exm.º Secretário.
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Impugnabilidade do acto suspendendo e suspensibilidade de sua eficácia
Defende a entidade recorrida que a ordem de desocupação por si prolatada e notificada à requerente em 20.8.2015, mais não é do que uma mera consequência do acto de Sua Ex.ª o Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão, na medida em que a produção dos efeitos jurídicos externos na esfera jurídica da requerente teve lugar não por via do acto da entidade requerida que ordenou a desocupação do terreno, mas sim por efeito do acto que declarou a caducidade da concessão, daí que entende que só aquele acto anterior, praticado por Sua Ex.ª o Chefe do Executivo é lesivo de direitos e interesses protegidos da requerente, portanto, contenciosamente impugnável e, em consequência, suspensível a sua eficácia, e não o é o acto suspendendo.
Ora, o que se passa nos presentes autos é que, na sequência do despacho de Sua Ex.ª o Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno, foi prolatado pela entidade recorrida despacho no sentido de ordenar à requerente a desocupação do terreno.
Inconformado, dele interpôs recurso contencioso, e não obstante considerar a ordem de desocupação como um mero acto de execução do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, mas a requerente não se coibiu de invocar diversas ilegalidades próprias do acto (respeitante à ordem de desocupação).
A nosso ver, ainda que a ordem de desocupação seja qualificável como acto de execução em relação ao acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, mas atentas as invalidades suscitadas e imputadas àquele acto, somos a entender que tal acto é contenciosamente recorrível.
No entanto, como o objectivo que a requerente pretende agora ver atingido é evitar a desocupação do terreno, e isto, salvo o devido respeito por melhor opinião, é uma consequência que resulta do próprio acto de declaração da caducidade, daí que se nos afigura que só é suspensível a eficácia do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão e não a eficácia do seu acto de execução, por este não ter um conteúdo autónomo.
De qualquer modo, ainda que se entenda ser suspensível a eficácia do acto do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, somos a entender que o pedido da requerente também não pode proceder, por não se verificarem cumulativamente todos os seus pressupostos.
Senão vejamos.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Por ser um acto de conteúdo positivo, a sua eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor, aliás já interposto, em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o tal requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Em segundo lugar, passemos a analisar o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.2
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, face à alegação genérica e sem qualquer substância fáctica por parte da entidade recorrida, não cremos que a suspensão de execução do acto praticado pelo Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, razão pela qual entendemos estar verificado este segundo requisito.
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Por último, compete à requerente alegar e demonstrar o último requisito que é o de existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.3
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que se refere:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, alega a requerente que a execução imediata do acto administrativo implica que ela seja desapossada do terreno até ao trânsito em julgado do Acórdão que decida definitivamente o recurso contencioso interposto do acto suspendendo, o que poderá levar algum tempo, e quando o recurso contencioso estiver definitivamente julgado, é extremamente provável que a requerente se veja definitivamente impedida de aproveitar o terreno caso a Administração venha erigir um qualquer edifício nesse terreno, por si ou por intermédio de terceiro a quem conceda o terreno por arrendamento, depois de o afectar a uma qualquer finalidade que entenda adequada.
Ora bem, embora seja verdade que a RAEM está enfrentando o problema da escassez de terrenos, mas não há qualquer suporte factual que nos permite afirmar que a Administração da RAEM pretende conceder de novo o terreno em causa por arrendamento a quem quer que seja, para o mesmo ser aproveitado, em curto ou em médio prazo.
E se tal vier a acontecer, também não se pode dizer que essa situação irá causar necessariamente prejuízos irreparáveis à requerente.
Em primeiro lugar, caso a requerente venha obter provimento ao recurso contencioso, entretanto o terreno em causa já venha a ser definitivamente aproveitado pela Administração ou por pessoa terceira, não estará a Administração inibida de conceder por arrendamento um outro terreno com melhores condições de acessibilidade, ou de maior dimensão, em substituição do terreno em causa.
Em segundo lugar, ainda que essa solução, por razões diversas, não seja viável, também não se vê razão para não se proceder ao ressarcimento dos danos causados à própria requerente, caso esta venha obter provimento ao recurso.
Como referiu o Acórdão do Venerando TUI, de 14.11.2009, no Processo nº 33/2009, “mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
De facto, a regra geral é que o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos causados, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
Em nossa opinião, não se vislumbra com que dificuldade se encontra no cálculo dos danos se o recurso contencioso de que o presente procedimento depende for provido. Por ser uma questão de fazer cálculo, haverá sempre maneira de proceder à quantificação do respectivo valor indemnizatório, desde que fique demonstrada a responsabilidade do seu agente.
Aliás, ainda que se considere impossível determinar o valor exacto dos danos, o que não se concede, a lei permite ao tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, fixando o valor indemnização que achar conveniente (artigo 560º do CCivil).
Nesta conformidade, ainda que se entenda ser suspensível a eficácia do acto em apreço, mas por não se ter logrado a alegação nem a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, outra solução não resta senão indeferir o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pela requerente Companhia de Investimento Predial A, Limitada.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 19 de Novembro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Vitor Coelho
1 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 289
2 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 299
3 Obra citada, pág 294
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