打印全文
Processo n.º 688/2015
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 26/Novembro/2015


ASSUNTOS:
- Registo de contrato-promessa anterior à lei n.º 7/2003
    
    SUMÁRIO :
    Não é registável o contrato-promessa ao abrigo do qual se prometeu comprar uma dada fracção de prédio habitacional, se esse contrato foi celebrado antes da Lei n.º 7/2003 e o contrato celebrado não revestiu as exigências reclamadas por aquela lei, em particular, se não houve reconhecimento presencial das assinaturas.

              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira







Processo n.º 688/2015
(Recurso Civil)
Data : 26/Novembro/2015

Recorrente : Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A.

Recorrido : B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A, S.A., recorrente, mais bem identificada nos autos à margem identificados, em que é recorrido B, também aí mais bem identificado, vem recorrer da sentença proferida em 11 de Fevereiro de 2015, nos termos da qual o Tribunal a quo julgou improcedente a acção de rectificação judicial do registo da aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento da fracção "E19" do décimo nono andar, do prédio sito em Macau, na Baía da Praia Grande, denominado "XXX", s/n, descrito sob o n.º XXX, a fls. XX do Livro B8K, a favor de B, sob a inscrição n.º XXX da Conservatória do Registo Predial, e, em consequência, não determinou o cancelamento do registo impugnado.
    A ora Recorrente instaurou a presente acção peticionando o cancelamento do aludido registo, nos termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 17.° do Código do Registo Predial ("CRP"), por entender que o mesmo é nulo por ter sido indevidamente lavrado, com base em título insuficiente para prova do facto registado.
    Entendeu, ainda, a Recorrente que o aludido registo se encontra sujeito a um regime jurídico que não foi previsto ou querido pela Recorrente ou pelo Recorrido, e que produz efeitos equivalentes ao do registo de uma cláusula de eficácia real por força do regime previsto no n.º 7 do artigo 10.° da Lei n.º 7/2013, como adiante se verá.
    Regularmente citado para tal, o Recorrido deduziu oposição.
    Terminada a fase dos articulados, foi proferida a douta sentença, ora em crise.

2. Para tanto, alega, fundamentalmente e em síntese:
A. Com o seu entendimento, o douto Tribunal a quo violou as regras de aplicação das leis no tempo, definidas pelo artigo 11.° do CC, em particular, o princípio da não retroactividade e, em consequência, aplicou erradamente o disposto na alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.°, bem como o n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013;
B. A sentença recorrida viola a presunção legal de que o intérprete soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
C. Resulta claro da letra do n.º 3 do artigo 8.° do Código Civil e do teor da própria sentença recorrida, que ao falar no n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 de validade contratual e não em suficiência de título para servir de base ao registo, o legislador não o fez por não saber exprimir o seu pensamento, mas porque o soube fazer em termos adequados;
D. O legislador não confundiu, nem quis confundir, validade com registabilidade, pois quando no artigo 26.° disse que os contratos de pretérito se mantinham válidos, não quis dizer que estes passavam a ser bons para registo, nos termos do artigo 10.° da referida Lei n.º 7/2013;
E. O legislador afirmou expressamente no n.º 1 artigo 3.° da Lei n.º 7/2013 que a mesma não se aplica aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor e não dispensou de reconhecimento notarial aqueles que nos termos do seu artigo 26.° viessem a ser inscritos no registo predial;
F. A sentença recorrida viola a unidade do sistema jurídico;
G. O Ilustre Conservador e com ele o douto Tribunal a quo, admitem como válido o registo do contrato promessa a pedido do promissário, desvalendo a posição do promitente que o artigo 41.° do CRP protegia;
H. O douto Tribunal a quo não pode aproveitar o documento particular, considerando a intervenção do notário substantivamente irrelevante, admitindo o registo da transferência do direito com base na mera declaração de que este foi celebrado, in casu, em 2011, dois anos antes de ter sido admitido a registo, a 16 de Julho de 2013;
I. Com a sua interpretação, o douto Tribunal a quo permite que o Ilustre Conservador dispense o arquivamento exigido pelo n.º 3 do artigo 9.° da nova lei, a que está obrigado o notário depois de efectuado o reconhecimento notarial e até impedir a emissão das respectivas certidões nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 6.° e do n.º 1 do artigo 171.° do Código do Notariado;
J. A interpretação do Tribunal a quo não atende ao enquadramento da nova lei, e não leva "sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico" como manda o n.º 1 do artigo 8.° do CC, nem tão-pouco do sistema registral;
K. O douto Tribunal a quo quis vislumbrar no pedido da Recorrente o que o legislador de 2013 visou penalizar e impedir, incorrendo em excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC;
L. Neste processo especial, não se discute a validade do contrato, nem tem de se discutir, cabendo apenas ao requerente ou autor alegar os factos constitutivos do direito que invoca, nos termos do n.º 1 do artigo 335.º do Código Civil;
M. E não conheceu de tais factos porque estes não lhe foram, nem tinham que ser oferecidos, pois não se pediu ao douto Tribunal a quo que se pronunciasse sobre a validade do contrato, porquanto a Recorrente limitou-se a pedir, tanto e só, que fosse cancelado um registo nulo com base na insuficiência do título que lhe serviu de base;
N. Num processo especial de rectificação de registo, como o previsto nos artigos 121.0 e seguintes do CRP, o requerente apenas tem de alegar, sob pena de ineptidão ou improcedência do pedido, factos que demonstrem a insuficiência do título que serviu de base ao registo que pretende ver rectificado ou cancelado;
O. Por essa razão, a Recorrente não alegou, nem tinha de o fazer, por o presente processo especial não ser a sede própria, que o contrato promessa já se encontra resolvido por Notificação Judicial Avulsa de 22 de Maio de 2014, ou que as partes acordaram no direito da Recorrente à resolução convencional discricionária, também chamado direito ao arrependimento - cfr. cláusula 2.2 do contrato;
P. De resto, a sua discussão não cabe nos presentes autos, nem a Recorrente pretende suscitá-los - que, aliás, sempre estaria, como sabido, subtraída à apreciação do Tribunal ad quem -, mas que apenas aqui se referem para demonstração lógica do facto de que o Tribunal a quo, face à natureza e escopo limitado do processo especial de rectificação de registo não dispunha;
Q. Ao fazê-lo, sustentado na conclusão de que o contrato permanece válido, o Tribunal a quo, com o devido respeito, que é muito e merecido, sobrepôs-se à vontade das partes contratantes, atribuindo-lhes retroactivamente um desiderato - permitir o registo provisório da promessa - que, todavia, nenhuma delas quis à data da celebração daquele;
R. É que o contrato celebrado deve produzir os efeitos que, à altura da sua celebração, ambas as partes quiseram que produzisse. Nem mais, nem menos. E nenhuma delas quis, então, levá-lo a registo, nem sujeitá-lo a eficácia real.
S. Ao pronunciar-se sobre a validade do contrato promessa, a sentença recorrida foi para além dos efeitos limitados pela vontade da Recorrente e autora, violando o princípio do dispositivo, cuja manifestação se encontra nos artigos 5.°, 407.°, 408.°, 564.°, n.º 1 e 571.°, n.º 1, todos do CPC - está, por isso, a douta sentença recorrida ferida também de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do CPC;
T. O Tribunal a quo decidiu em total detrimento dos elementos literal, sistemático, histórico e teleológico da Lei n.º 7/2013, afastando, em particular, a aplicação da alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.° e do n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013;
U. Tal desaplicação arreda os princípios basilares e orientadores do direito registral, em sede de registo predial, desde logo, (i) o princípio da legalidade, (ii) o princípio do trato sucessivo, (iii) o princípio da eficácia declarativa, (iv) o princípio da instância e o (v) da fé pública registral ou presunção de verdade e exactidão, e, ainda, o princípio da segurança e certeza jurídicas;
V. A sentença recorrida viola o princípio da legalidade, plasmado no artigo 59.° do CRP, também chamado de qualificação, em que assenta a própria credibilidade do sistema do registo predial e estruturante do direito registral de Macau;
W. Com a sua decisão, o conservador mais não fez do que inscrever no registo um facto que não estava contido no documento apresentado: a vontade das partes em sujeitá-lo a registo - nem do promitente, nem do promissário; nem em conformidade com a lei nova, nem em conformidade com a lei anterior;
X. Ao não declarar o cancelamento do registo indevidamente lavrado, o douto Tribunal a quo, mantém uma situação que viola as regras definidas pela lei e, assim, confere fé pública a um acto que não preenche todos os requisitos legais para a ter;
Y. O princípio do trato sucessivo em que se baseia a aquisição tabular e a fé pública do registo sai ferido com a decisão recorrida, pois reconhece um direito susceptível de ser transmitido que não existe;
Z. Os resultados legais e práticos da decisão recorrida vêm, por isso, colocar na cadeia do trato sucessivo do registo da fracção uma peça que, tanto por razões formais como materiais, deveria inexistir: um registo nulo e indevidamente lavrado;
AA. À data da celebração do contrato, nenhuma das partes pretendia atribuir-lhe eficácia real, sujeitá-lo a um registo que nada tem de provisório e que, mais até do que o tornar oponível a terceiros, quase o investe de um efeito atributivo, para além dos efeitos ad probationem do registo;
BB. Isto é, a Recorrida não adquiriu nenhum direito real através do contrato promessa, o seu titular era e continua a ser a Recorrente, mas da sua inscrição no registo, ao abrigo da Lei n.º 7/2013, resulta a aquisição do direito real pela Recorrida;
CC. Por conseguinte, ainda que, ao tempo da celebração do contrato, fosse admissível o seu registo, o que não se concede, nenhuma das partes contratantes poderia prever que o seu registo provisório produzisse, sem mais, tais efeitos;
DD. Pois deste novo regime resulta não só um registo provisório que se renova automaticamente como a oponibilidade a terceiros nos termos gerais, entendida como eficácia real;
EE. As partes não convencionaram nem quiseram convencionar a atribuição de tais efeitos;
FF. Nos termos do artigo 34.º do CRP, salvo nos casos especialmente previstos na lei, o registo não pode ser efectuado oficiosamente mas apenas a requerimento dos interessados, sobre quem recai o ónus de carrear para o processo os elementos necessários para a decisão do conservador;
GG. O registo não era obrigatório antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013 e continua a não o ser após a sua vigência, como bem esclarece o Parecer n.º 2/IV/2013, da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, sobre a Proposta de lei intitulada "Regime Jurídico da Promessa de Transmissão de Edifícios em Construção", a pgs. 105 e seguintes;
HH. O processo não foi instruído com documento que atestasse a vontade das partes de registar o contrato promessa, como exigido antes da Lei n.º 7/2013, nem com documento que cumprisse os requisitos que esta impõe;
II. Não se pode aceitar que, contrariamente ao que impõe a fé pública do registo, o douto Tribunal a quo venha permitir que o registo do contrato promessa produza aquilo que as partes não quiseram produzir com a celebração do contrato, substituindo com a legalidade registral o que a legalidade substancial não permite.
JJ. Ao recusar declarar a nulidade do registo in casu, o douto Tribunal a quo, com o devido respeito, mantém uma presunção que não devia existir no sistema registral, conferindo fé pública a um facto inscrito com base em título insuficiente.
KK. A douta sentença de fls. 160 a 170v., ora recorrida, é nula, nos termos do artigo 571.°, n.º 1, alínea d) do CPC, e viola o artigo 7.°, a alínea b) do artigo 17.º e os artigos 34.°, 37.°, 41.° e 59.°, todos do CRP, o artigo 8.°, o artigo 11.°, o n.º 1 do artigo 402.º e o n.º 1 do artigo 407.° do CC, o artigo 5.° e o n.º 1 do artigo 564.º do CPC e, ainda, a alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.°, o artigo 10.º e o n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 e, bem assim, os princípios da legalidade, do trato sucessivo, da eficácia declarativa, da instância e da fé pública registral ou presunção da verdade e exactidão do registo, bem como o princípio da segurança e certeza jurídicas.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta sentença de fls. 160 a 169, ora recorrida, por ser nula, nos termos do artigo 571.°, n.º 1, alínea d) do CPC, e por violação do artigo 7.°, da alínea b) do artigo 17.º e dos artigos 34.°, 37.°, 41.° e 59.°, todos do CRP, do artigo 8.°, do artigo 11.°, do n.º 1 do artigo 402.º e do n.º 1 do artigo 407.° CC, do artigo 5.º e do n.º 1 do artigo 564.º do CPC e, ainda, da alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.°, n.º 3 e n.º 4 do artigo 6.°, do n.º 3 do artigo 10.° e do n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013 e, bem assim, dos princípios da legalidade, do trato sucessivo, da eficácia declarativa, da instância, da fé pública registral ou presunção da verdade e exactidão do registo e da segurança e certeza jurídicas, e substituída por outra que determine o cancelamento do registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção, da Fracção dos autos a favor do Recorrido, conforme consta da inscrição n.º 254.494G, por ser nulo e ter sido indevidamente lavrado, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!
    
3. B, recorrido nos autos à margem referenciados, contra-alega, dizendo, em síntese:
    I) A sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece dos vícios, nulidades e violações dos princípios basilares do registo predial que vêm invocados pela recorrente.
    II) O Tribunal a quo entende que a Lei n.º 7/2013, no n.º 1 do artigo 26.º, conferiu validade aos contratos-promessa celebrados antes da sua entrada em vigor, sem o reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes, e que os mesmos são susceptíveis de titularem o registo das respectivas transmissões, nos termos do artigo 10.º da mesma lei.
    III) Na sentença recorrida o Tribunal a quo ponderou a vontade real do legislador, manifestada no relatório do diploma e nos trabalhos preparatórios da referida lei, em estrito cumprimento do artigo 8.º, n.º 1 do cc e, do mesmo modo, da norma transitória, ou seja, do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013, que prevê o regime excepcional aplicável aos contratos-promessa celebrados antes da sua entrada em vigor.
    IV) O legislador quis excluir os contratos-promessa de transmissão dos edifícios em construção do regime geral da nulidade do registo, por insuficiência do título para a prova legal do facto registado, que decorre do artigo 17.º, alínea b) e do artigo 41.º, ambos do Código do Registo Predial.
    V) O legislador declarou a sua intenção de regularizar o funcionamento do mercado imobiliário, reforçar a transparência das suas transacções e garantir os legítimos direitos e interesses dos contratantes, no artigo 1.º da Lei n.º 7/2013, finalidades que a sentença recorrida ponderou na motivação da sua decisão.
    VI) A declaração de validade dos contratos de pretérito, efectuada no artigo 26.º, n.º 1, pretendeu conferir-lhes a forma legal necessária para assegurar a publicidade e cognoscibilidade do acto por terceiros, intenção que o Tribunal a quo ressalva.
    VII) A Lei n.º 7/2013, através do artigo 26.º, n.º 1, pretendeu que os contratos de pretérito fossem admitidos a registo porque só assegurando a sua publicidade seria possível alcançar os objectivos definidos no seu artigo 1.º e, bem assim, a segurança do comércio imobiliário, fim primeiro do registo predial declarado no artigo 1.º do Código do Registo Predial.
    VIII) A declaração de nulidade do registo em causa acarretará a violação do Direito, na perspectiva da justiça e da segurança do comércio jurídico que constitui o fim essencial do registo.
    IX) O artigo 26.º n.º 1 da Lei n.º 7/2013 confere validade aos contratos-promessa de transmissão de parte do edifício em construção celebrados antes de 1/06/2013, data do início da sua vigência.
    X) O artigo 26.º n.º 1 da Lei n.º 7/2013 declara a validade formal e substancial dos contratos de pretérito para os efeitos que a referida lei prevê, ou seja, a susceptibilidade de produzirem os efeitos jurídicos consagrados no regime estabelecido por esta lei.
    XI) Um dos efeitos que a Lei n.º 7/2013 pretende ao conferir validade aos contratos de pretérito é a possibilidade de serem sujeitas a registo as promessas de aquisições de imóveis anteriores à sua vigência.
    XII) Pretendeu a lei obviar a subsequente e múltipla promessa de venda e/ou venda do mesmo imóvel, seja pelo promotor do empreendimento seja por terceiros.
    XIII) Para que tal registo seja possível o legislador excluiu da aplicação a estes contratos de pretérito dos requisitos formais previstos nos artigos 4.º a 9.º da Lei n.º 7/2013.
    XIV) Entendimento que é corroborado pelo artigo 26.º da Lei n.º 7/2013, que afasta daquele regime de exclusão dois tipos de negócios que apenas têm lugar depois da entrada em vigor da nova lei: a transmissão da parte restante do edifício que não foi transaccionada à data da sua entrada em vigor, que está sujeita ao regime estabelecido naqueles artigos; e a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração posteriores à entrada em vigor que ficam sujeitas ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes, mesmo que os respectivos contratos-promessa tenham sido celebrados antes da entrada em vigor da referida lei.
    XV) Os contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, que não tenham as assinaturas dos contratantes reconhecidas, são título bastante para que a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração possam ser levados a registo, desde que as assinaturas da cessão ou da promessa de oneração estejam reconhecidas notarial mente, dispensando a lei os restantes requisitos, de acordo com o n.º 6 do artigo 26.º.
    XVI) Se, para efeitos de registo dos contratos de pretérito, a nova lei exigisse o reconhecimento das assinaturas das partes outorgantes, a mesma lei não poderia prever que esses mesmos contratos, sem qualquer reconhecimento de assinaturas, servissem para titular a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração supervenientes à sua entrada em vigor ao ponto de poderem ser apresentadas a registo.
    XVII) Nesta hipótese, o contrato-promessa (de pretérito) não era registável, mas já o era a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração que lhe sucederam, o que seria um contra-senso.
    XVIII) Conjugando o artigo 26.º, n.º 6, com o artigo 9.º, n.º 2 alínea 1) da Lei n.º 7/2013, resulta que se os contratos de pretérito não pudessem ser registados provisoriamente, não poderia existir qualquer cessão da posição contratual ou da promessa de oneração relativamente às promessas de compra e venda celebradas antes da entrada em vigor desta lei, situação que é expressamente admitida no n.º 6 do artigo 26.º.
    XIX) A Lei n.º 7/2013 exige o reconhecimento das assinaturas das partes nos contratos de cessão da posição contratual, no n.º 6 do artigo 26.º, pelo que se não se encontrar registada a transmissão titulada pelos contratos de pretérito, no qual constará o promitente-comprador que assume ali a posição de cedente, o notário não reconhecerá as respectivas assinaturas, de acordo com a leitura do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1).
    XX) Situação que retiraria à norma transitória qualquer efeito útil, porque o regime por ela criado só se aplicaria às situações ocorridas após a sua entrada em vigor, não admitindo sequer cessões da posição contratual supervenientes aos contratos de pretérito, o que contraria frontalmente a intenção do legislador e o disposto no n.º 6 do artigo 26.º da referida lei.
    XXI) O artigo 26.º prevê a sujeição a registo dos contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, estabelecendo para o efeito um regime de benefícios fiscais, nos prazos e condições previstos no seu n.º 5.
    XXII) O Parecer da Assembleia Legislativa refere a vontade do legislador de submenter a registo os contratos de pretérito, nesse parecer se dizendo que “A fim de incentivar o registo, em tempo útil, dos contratos-promessa de compra e venda (…) celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, prevê-se, nas disposições transitórias, a isenção dos emolumentos de registo (…)”,
    XXIII) O contrato-promessa de compra a venda celebrado em 19/04/2011 entre a recorrente (na qualidade de promitente-vendedora) e o recorrido (na qualidade de promitente-comprador) é totalmente válido, do ponto de vista substancial e formal, e estava em plenas condições de ser levado o registo, conforme as disposições da Lei n.º 7/2013,
    XXIV) O registo de aquisição a favor do recorrido, sob a inscrição 254494G, foi devidamente lavrado, não padecendo dos vícios invocados pela Recorrente.
    XXV) Se se entendesse que o registo dos contratos de pretérito tinha como condição prévia a constituição do registo provisório da propriedade do edifício, o contrato-promessa em causa estava em condições de ser registado porque o registo provisório da constituição da propriedade horizontal do edifício foi efectuado antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, pelo que se encontravam reunidos os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 10.º e na alínea 2) do n.º 5 do artigo 26.º dessa lei para o registo da aquisição da fracção autónoma "E19" a favor do ora recorrido, titulada pelo contrato-promessa de compra e venda supra referido, com total isenção de emolumentos.
    XXVI) O registo da transmissão titulada pelo contrato-promessa celebrado em 19/04/2011 está conforme às regras aplicáveis aos contratos de pretérito previstas na Lei n.º 7/2013.
    XXVII) O contrato-promessa de compra e venda que o recorrido, na qualidade de promitente-comprador, outorgou com a recorrente é, pois, título válido para registar provisoriamente a seu favor a respectiva fracção, na medida em que esse contrato, por força da aprovação da Lei n.º 7/2013 e da declaração da sua validade, ficou sujeito ao regime legal que decorre da conjugação das citadas normas legais, nomeadamente ao seu artigo 10.º.
    XXVIII) Os factos invocados pela Recorrente na presente instância de recurso, a coberto do parágrafo 4º da página 8, dos parágrafos 3º e 4º da página 9, dos parágrafos 1º, 2º e 3.º da página 10 e do parágrafo 4.º da página 11 das respectivas alegações de recurso e, bem assim, das conclusões M e O da mesma peça processual, não devem ser atendidos, por constituírem factos novos, não sendo admissível a sua invocação em sede de recurso, por aplicação dos artigos 425.º, n.º 3, 434.º e 450.º, n.º 2 , todos do CPC, devendo como tal essa matéria ser considerada como não escrita.
    XXIX) Deve ser ordenado ainda o desentranhamento do documento junto pela Recorrente com as alegações de recurso, a fls. 229 e ss. dos Autos, por não se verificar a situação prevista no no artigo 616.º, n.º 1, parte final, do CPC ao abrigo da qual foi requerida a sua junção.
    Termos em que todos os factos novos invocados pela Recorrente na presente instância de recurso não devem ser atendidos por V. Exas., devendo como tal essa matéria ser considerada como não escrita.
    De igual forma, não se verificando qualquer a situação prevista no artigo 616º, n.º 1, do CPC que permite excepcionalmente a junção de documentos às alegações do recurso, é de indeferir a pretendida junção do referido documento aos presentes autos e, consequentemente, deve ser ordenado o seu desentranhamento.
    Deve ainda o mesmo recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se assim a decisão recorrida, com custas, selos e procuradoria condigna a cargo da Recorrente, fazendo assim V. Exsªs a habitual
    JUSTIÇA!
4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

“1. Em 16 de Julho de 2013, o interessado B requereu o registo de aquisição da fracção autónoma “E19” do prédio sito no terreno A6 nos XXX (“XXX”, s/n, descrito no CRP sob o n.º XXX a fls. 81 do livro F20K, cujo título constitutivo da propriedade horizontal tem natureza provisória e é inscrita sob o n.º 4301) (vide as fls. 33 a 40 dos autos).
    2. Segundo o registo n.º 2023 a fls. 174 do livro F8K da CRP, o supracitado edifício foi construído sobre um terreno concedido por arrendamento, com um prazo de 25 anos a contar a partir de 30 de Julho de 1991.
    3. O referido pedido de registo teve por base o contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma “E19”, celebrado, em 19 de Abril de 2011 e por escrito particular, entre a requerente Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A. (promitente-vendedor) e o interessado B (promitente-comprador), junto com a respectiva guia de pagamento do selo aceitada em 25 de Abril de 2011 (vide as fls. 48, 50 e 51 dos autos).
    4. As assinaturas dos representantes da requerente e do interessado no referido contrato-promessa de compra e venda não foram notarialmente reconhecidas.
    5. O registo de aquisição de direitos resultantes da concessão por arrendamento incluindo a propriedade do edifício é efectuado a favor do interessado, mediante inscrição provisória sob o n.º 254494G, do qual consta a expressão do art.º 10.º, n.º 3 da Lei n.º 7/2013 (vide as fls. 46 dos autos).
    6. Através do pedido n.º 342 de 29 de Maio de 2014, o registo provisório da propriedade horizontal anteriormente a favor da requerente (pedido n.º 108, efectuado em 30 de Maio de 2013) foi convertido em definitivo (vide as fls. 42 a 45 dos autos).
    7. Em 23 de Julho de 2014, com fundamento na nulidade do registo, a requerente requereu à CRP a rectificação do referido registo de aquisição a favor do interessado, bem como o averbamento da pendência de rectificação ao registo inscrito sob o n.º XXX.
    8. Para o efeito do art.º 120.º, n.º 1 do Código de Registo Predial, o interessado já foi notificado do supracitado pedido de rectificação.
    9. Através do ofício n.º 106/CRP/2014 emitida pela CRP em 11 de Agosto de 2014, foi a requerente notificada em 13 de Agosto de 2014 do despacho de 11 de Agosto de 2014, proferido pelo Conservador substituto da CRP, que indeferiu o seu pedido de rectificação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (vide as fls. 19 a 21 dos autos).”
    
    III - FUNDAMENTOS

1. A questão que se coloca no presente recurso prende-se, no essencial, em saber se um contrato-promessa, celebrado ao abrigo da legislação pré-vigente, sem que as assinaturas estejam reconhecidas presencialmente, faltando-lhe um requisito que a lei nova reputa de formalidade essencial para efeitos de registo, é passível de ser registado ao abrigo da Lei n.º 7/2013.
Trata-se de questão que tem sido abordada já por diversas vezes nesta instância em diversos casos da mesma natureza e em que as questões colocadas se reconduzem à dos presentes autos. Por isso, vamos seguir o que já ali escrevemos, nomeadamente no Ac. deste tribunal, de 10/9/2015, Proc. n.º 498/2015.

2. Nas suas alegações, o recorrido suscita o desentranhamento do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso, a fls. 229 e ss dos Autos, o que requer depois de dizer que os factos invocados pela recorrente na presente instância de recurso, a coberto do parágrafo 4º da página 8, do parágrafo 4º da página 11 das respectivas alegações de recurso, e as conclusões M e O da mesma peça processual, não devem ser atendidos, por constituírem factos novos, não sendo admissível a sua invocação em sede de recurso, por aplicação dos artigos 425.º, n.º 3, 434.º e 450.º, n.º 2, todos do CPC, devendo como tal essa matéria ser considerada como não escrita.
Sobre isto, dir-se-á, quanto ao documento, que ele, para além de reproduzir, no essencial e no que interessa aos autos, a parte pertinente à fracção, cujo registo se mostra disputado nos autos, certidão que foi oportunamente junta com os articulados, referindo ainda o registo de acção de execução específica, tal documento mostra-se despiciendo, procurando-se documentar uma factualidade que não foi anteriormente alegada e que em nada releva para a questão que ora se coloca. Para além de que a sua junção se mostra extemporânea, face ao disposto no artigo 451º do CPC, pelo que se determinará o seu desentranhamento, nem resultando necessária em virtude do julgamento proferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 616º do CPC.
Já quanto aos aludidos factos – para além de alguma da referida alegação não se traduzir em factos, antes em interpretações de factos, intenções, posturas e comportamentos -, o certo é que esses conteúdos não relevam para a dilucidação da questão em apreço.
Por essa razão, como é óbvio, não entraremos em linha de conta com essa factualidade, pois o que está em causa é saber se o requisito de registabilidade do contrato-promessa sem reconhecimento presencial, enquanto contrato de pretérito é registável face à nova lei.
3. Antes de analisarmos a questão principal, importa abordar a pretensa nulidade que vem imputada à douta sentença recorrida e se reconduz à afirmação de que ao “fazer equivaler a validade do contrato promessa à sua registabilidade, a sentença recorrida foi para além dos efeitos limitados pela vontade da recorrente e autora, violando o princípio do dispositivo, cuja manifestação se encontra nos artigos 5º, 407º, 408º, 564º, n.º 1 e 571º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC)”.
Estamos em crer que nos situamos ainda dentro de uma menos feliz e adequada interpretação do diploma em causa, a Lei n.º 7/2013 e da norma relativa à registabilidade dos contratos de pretérito.
    O Mmo Juiz é claro ao dizer das razões por que entende que aquele contrato é passível de registo, sendo evidente que não deixa de referir a base legal para o efeito.
    Quanto ao facto de se ter reconhecido a registabilidade do contrato, independentemente da vontade das partes, cremos que essa possibilidade terá sido, na interpretação que foi efectuada, uma decorrência da lei, não se podendo falar em qualquer substituição.
    O que houve foi uma incorrecta interpretação da lei, nos termos infra analisados, o que levará à revogação da sentença em conformidade com a interpretação que se tem por mais consentânea com a letra e o espírito da lei.
    
4. A solução equacionada em 1. supra foi dada já no Proc. nº 266/2015, deste TSI, em 16 de Julho de 2015 e por aderirmos totalmente às razões e fundamentação aí desenvolvidas, somos a transcrevê-la, com a devida vénia, na parte pertinente, devendo ser lida, mutatis mutandis, à luz da factualidade que se mostra pertinente nos presentes autos: [Tratava-se aí de um caso em que foi proferida sentença que julgou procedente o pedido e, em consequência, declarou a nulidade do registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção da fracção identificada a favor do requerido, mais determinando o respectivo cancelamento, tal como nessa acção fora peticionado pela A., a mesma sociedade, também ela aqui A. e ora recorrente]:
“(…)
3 – Apreciando
3.1 - Discute-se, então, no presente recurso se a Lei supra citada permitiria ou não o registo provisório a que se refere a inscrição nº 254.495G lavrado a favor do requerido, ora recorrente.
Vejamos o que dizem as disposições legais.
É efectivamente nulo, segundo o art. 17º, nº1, al. b), do CRP, o registo que “tiver sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado”.
Esta questão da prova assume particular importância, na medida em que “Só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem” (art. 37º, nº1, do CRP).
Ou seja, o que está em causa é um título “suficientemente” comprovativo do facto registando.
Claro está que a declaração negocial é importante, pois é nela que se descobre a densificação do acto jurídico e, portanto, do direito em apreço, mas as assinaturas mostram-se, neste plano do registo, elementos ainda mais reveladores da intenção subjacente, sendo como que o garante de uma paz para o comércio jurídico.
É nessa senda que se alcança o disposto no art. 41º do CRP, ao prescrever a necessidade de reconhecimento presencial das assinaturas dos declarantes/outorgantes. Atente-se no seu conteúdo:
«1. O registo provisório de aquisição de um direito ou de constituição de hipoteca voluntária, antes de titulado o negócio, é feito com base em declaração do proprietário ou titular do direito.
2. A assinatura do declarante deve ser reconhecida presencialmente, salvo se for feita perante o funcionário da conservatória.
3. O registo provisório de aquisição ou de hipoteca pode também ser feito com base em contrato-promessa de alienação ou de oneração, com reconhecimento presencial da assinatura dos outorgantes».
Ora, estamos seguros que as assinaturas apostas neste contrato-promessa não foram objecto de reconhecimento presencial. Parece ser, por isso, firme que à sombra do CRP estar-se-ia perante um título insuficiente, que não permitiria o registo provisório.
Todavia, o registo foi feito sob a expressa e declarada égide da Lei nº 7/2013!
Poderia sê-lo?
*
3.2 – A lei nº 7/2013, de 27/05 veio regular os negócios jurídicos que tenham por objecto a promessa de transmissão de edifícios em construção, bem como a sua promessa de oneração. E introduziu parâmetros e critérios mais apertados, tendo em vista, precisamente, a regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções e a garantia dos legítimos direitos e interesses dos contratantes (cfr. art. 1º).
De acordo com este diploma, os negócios jurídicos de promessa de transmissão e oneração de edifícios em construção obedecem a determinadas regras:
     a) Sob pena de nulidade, só podem realizar-se após autorização prévia da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, adiante designada por DSSOPT (art. 4º);
     b) Os contratos de promessa são titulados por documento particular com as assinaturas reconhecidas notarialmente (art. 6º, nºs 2 e 3; 9º);
     c) Os contratos devem conter determinados elementos, sob pena de anulabilidade (art. 7º, nº1);
     d) O conteúdo do contrato deve estar em conformidade com o disposto na lei, o que deve ser declarado por advogado (art. 8º)
É claro que esta lei não se aplica aos negócios jurídicos celebrados antes da sua entrada em vigor (art. 3º, nº2, al. 1)). No entanto, excepcionalmente haverá que ter em conta o disposto no art. 26º (art. 3º, nº2, al. 1), “fine”).
O que contém o art. 26º? A resposta está na sua epígrafe: disposições transitórias.
Vejamos o seu conteúdo integral:
«1. Mantêm-se válidos os negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração sobre parte do edifício em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, devendo, todavia, os negócios jurídicos sobre a parte restante do edifício obedecer ao disposto na presente lei.
2. Caso hajam sido celebrados negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção, antes da entrada em vigor da presente lei, sem que o registo provisório de constituição de propriedade horizontal tivesse sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerer o registo em causa no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.
3. Após o decurso do prazo referido no número anterior sem que tivesse sido requerido o registo provisório de constituição de propriedade horizontal, qualquer interessado nos negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, pode requerer o registo em causa, sendo os emolumentos suportados pelo promotor do empreendimento.
4. O promotor do empreendimento goza de redução de 10% dos emolumentos de registo provisório de constituição de propriedade horizontal, desde que, aquando do pedido, nos termos do n.º 2, apresente a pública-forma de todos os negócios jurídicos em que tenha intervindo, e que tenham sido celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, relativos aos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração.
5. Está isento de emolumentos o registo dos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração, celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, nas seguintes situações:
1) O promotor do empreendimento requeira o registo nos termos do n.º 4;
2) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal de edifício em construção tenha sido efectuado antes da entrada em vigor da presente lei, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de entrada em vigor da presente lei;
3) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal tenha sido requerido nos termos do n.º 2 ou n.º 3, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de realização do registo provisório.
6. Relativamente aos contratos-promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes estão sujeitas às disposições da presente lei, excepto o disposto sobre autorização prévia, confirmação por advogado e elementos necessários do contrato».
Deste artigo, destaquemos duas normas: a do nº1 e a do nº6.
O nº1 preceitua que os contratos celebrados antes da entrada em vigor da lei «sobre parte do edifício em construção» se mantêm válidos. E dele resultam, desde logo, duas ordens de considerações:
Em primeiro lugar, trata-se de uma disposição que só se aplica aos contratos de promessa de partes do edifício, nomeadamente, a fracções de residência ou de aparcamento.
Em segundo lugar, e como é evidente, só se manterão válidos os negócios que eram válidos ao tempo da sua celebração. Quer dizer, esta lei não tem virtudes sanatórias de modo a tornar válidos os negócios que sofriam de algum tipo de invalidade.
O nº6 estipula que, em relação aos contratos de promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes ficam sujeitas às disposições da presente lei, excepto quanto à “autorização prévia”, “confirmação por advogado” e “elementos necessários ao contrato”.
Não nos iludamos quanto ao alcance das palavras deste inciso: as disposições da presente lei só se aplicam à cessão da posição contratual e às promessas de oneração (supervenientes) que venham a ocorrer após os contratos de promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei 7/2013.
Isto parece querer dizer que as disposições da lei em causa, “a contrario sensu”, não se aplicam directamente aos contratos de promessa, em si mesmos, celebrados anteriormente.
*
3.3 – (Idem)
E assim sendo, se tais contratos eram válidos, assim continuarão a ser, face à nova lei (6º, nº1). Mas, o facto de colherem a sua validade na lei anterior (CRP) não significa que bebam da nova os requisitos da sua registabilidade. Isso não é dito em lado nenhum da lei.
Quer dizer, a conjugação dos nºs 1 e 6 do art. 26º está perfeitamente em consonância com a trajectória do âmbito de aplicação definido no art. 3º, nº2, al. 1).
Ou seja, o novo diploma não se aplica, em princípio (em regra) aos contratos de pretérito, porque assim o estatui imperativamente o art. 3º, nº2, al.1), a não ser nos casos (de excepção) previstos no art. 26º, entre os quais se não prevêem, declarada e expressamente, os contratos de promessa celebrados anteriormente, podendo até dizer-se que, com a literalidade restritiva do nº6, teria querido o legislador intencionalmente afastá-los.
Aliás, se na lei anterior o registo não podia ser feito por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, mal se perceberia que, à luz do novo diploma - que sabemos entretecido de malhas mais apertadas para controlo do mercado imobiliário especulativo e reforço da transparência, segurança e certeza jurídicas - ele pudesse ser feito, tendo em conta, inclusive, que o próprio artigo 6º até continua a exigir o reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes!
Repare-se que o nº6 do art. 26º referido, exclui expressamente o disposto na lei sobre “autorização prévia” do art. 4º, sobre “confirmação por advogado” do art. 8º e sobre os “elementos necessários do contrato” do art. 7º, mas não exclui o reconhecimento notarial previsto no art. 6º, nº3. Quer dizer, além de o nº6 do art. 26º apenas ter na sua mira as cessões de posição contratual e as promessas de oneração posteriores aos contratos-promessa de compra e venda, em relação a estes (contratos-promessa) não excluiu a necessidade de reconhecimento notarial.
Por conseguinte, estamos seguros que tanto o CRP, como a lei 7/2013 exigem o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes (presencial, além; notarial, aqui) e nenhuma interpretação sensata pode legitimar a ideia de que um negócio validamente celebrado ao tempo do CRP bastará para o registo, se tanto o diploma vigente ao tempo da sua celebração, como o actualmente imperante obrigam ao reconhecimento das assinaturas dos contraentes.
Não faria, aliás, o menor sentido – nem isso tem o menor apoio na lei – dizer que só por ser válido, nada já mais obsta ao registo provisório, até porque são coisas diferentes: uma coisa é a validade do negócio, que tem que ser analisada sob o comando das disposições substantivas do Código Civil – outra é a sua registabilidade, que deve obedecer aos comandos das regras registrais prediais.
Aceitar uma diferente interpretação seria o mesmo que reconhecer um anacronismo. Isto é, seria o mesmo que admitir a aplicação da nova lei, porém expurgada do requisito do reconhecimento notarial que ela impõe aos novos contratos celebrados sob o seu império. Ora, nada disso está no articulado da lei em forma de preceito, nem isso emerge, sequer longinquamente, do espírito normativo.
O lapso do recorrente reside, cremos nós, na circunstância de olhar para a “validade” mantida pelo art. 26º, nº1 da Lei 7/2013, como sendo uma fonte excludente dos requisitos da registabilidade.
Mas, como pode ousar ler no texto dessa lei uma tal permissividade, se todo o diploma vai no sentido contrário?!
Olhar para o nº1 do art. 26º dessa forma equivale a aceitar que o legislador, apesar de obrigar ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes, quis dar um “bónus” registral aos contraentes dos negócios celebrados ao tempo do CRP, passando uma esponja sobre a exigência contida no art. 41º, que impunha o reconhecimento presencial.
Assim, é de entender que quanto aos contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei 7/2013, o seguinte:
- Se eles eram válidos, assim continuarão a ser face à nova lei, o que bem demonstra que não houve um propósito de interferir na sua substância e no seu conteúdo;
- As disposições que a nova lei acolhe não se lhes aplicam (art. 3º, nº2, al. 1));
- Aplicam-se as disposições da lei nova apenas no que se refere aos contratos de cessão de posição contratual e promessa de oneração fundados no contrato-promessa (e mesmo assim, com a exclusão alusiva à autorização prévia, confirmação por advogado e quanto aos elementos necessários do contrato (nº6, do art. 26º);
*
3.4 – (Continuação)
E não se diga que a interpretação que sufragamos impede a celebração de contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes, ao contrário do que o afirma o recorrente.
Expliquemo-nos.
Realmente, de acordo com a nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas (art. 6º, nº3) implica um pedido que deve ser acompanhado da respectiva certidão de registo predial (art. 9º, nº1). A tese do recorrente é a de que sem registo prévio, isto é, sem a possibilidade de o promitente comprador efectuar o registo provisório, não há lugar a reconhecimento notarial dos contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes. E a maioria dos contratos de pretérito celebrados ao abrigo do CRP seriam insusceptíveis de aquisição derivada por uma daquelas vias.
Mas, sobre isso, apenas nos cumpre dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, no que se refere aos contratos-promessa em si mesmos, não se lhes aplicando o regime da nova lei, como dissemos, impor-se-á o reconhecimento presencial, nos moldes do CRP já vistos. Uma vez obtido esse reconhecimento, nada imporá o registo provisório e, dessa maneira, os contratos de cessão contratual ou de promessa de oneração supervenientes, celebrados ao abrigo já da nova lei (art. 26º, nº6) já poderão ser celebrados sem dificuldade com observância do reconhecimento notarial a que alude o art. 9º obtido, uma vez que o reconhecimento notarial que se lhes aplique já pode ser acompanhado do respectivo registo predial.
Em segundo lugar, não nos pode torpedear, pela interpretação, aquilo que é estatuição normativa. Realmente, o intérprete não deve ir à procura de uma solução que a lei rejeita. Se o legislador quis que os contratos de cessão contratual e de promessa de oneração subsequentes a um contrato de promessa celebrados ao abrigo da nova lei fiquem sujeitos às disposições desta, escapa ao poder do julgador saber se a solução é a melhor para os interesses das partes. Nesta matéria o que é preciso é ver se há alguma lógica no aperto da malha, se a restrição a este tipo de negócios tem fundamento. E, quanto a esse aspecto, já vimos que o objectivo é, precisamente, controlar a especulação e fomentar a transparência, a certeza e a segurança jurídicas. Ora, o benefício de um tão grande interesse público não se obtém sem algum sacrifício de alguns interesses privados.
De maneira que, respondendo ao recorrente, a lei não impede a formalização de tais contratos de cessão de posição contratual ou de promessa de oneração. Simplesmente, obriga as partes a um registo, a partir do qual se obterá a respectiva certidão e o consequente reconhecimento notarial. E aquele registo, reportado que seja a um contrato-promessa celebrado antes da Lei nº 7/2013 implicará, como já se viu, um reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes (art. 41º, nº3, do CRP). Portanto, os promitentes que se encontrem numa dessas situações terão se reconhecer as assinaturas e partir daí já não haverá obstáculos ao accionamento das regras da nova lei para os contratos supervenientes de cessão de posição contratual e de promessa de oneração celebrados já ao abrigo da nova lei.
*
3.5 – (Continuação)
No que respeita à invocação da nota justificativa que acompanhou a proposta de lei, bem como ao parecer da AL que precedeu a lei, importa dizer que não passam de meros elementos de interpretação, mas que, por acaso, não têm correspondência directa no articulado da lei. Isto é, aquilo que podia ser um conteúdo normativo a partir desses textos, não foi vazado para o diploma em termos, pelo menos, claros.
Por exemplo, quando na nota justificativa se diz que “relativamente aos edifícios em construção antes da entrada em vigor da presente lei, a respectiva transmissão ou oneração só é permitida depois de ter sido efectuado o registo predial, sob pena de nulidade do contrato” (pág. 5, a fls. 87 dos autos), tal é apresentado com uma tal força dispositiva que mais parece a expressão de um comando normativo. Realmente, não pode prescrever-se a nulidade através de uma simples nota justificativa; a nulidade, sendo uma sanção severa para uma invalidade, tem que estar expressamente prevista. Todavia não vemos a emanação de uma tal sanção no articulado da lei. Apenas encontramos afirmado no art. 10º, nº1, que “Estão sujeitos a registo os negócios jurídicos relativos a promessa de transmissão ou de oneração de edifícios em construção” ou no art. 23º que “Às transmissões ou onerações de edifícios em construção que se pretendem efectuar, seja a que título for, aplica-se com as devidas adaptações o disposto na presente lei”, sem que, no entanto, se estabeleça aí qualquer sanção de nulidade. E, de qualquer maneira, sempre é bom lembrar que são disposições aplicáveis aos negócios posteriores à entrada em vigor da lei.
No que se refere aos negócios de promessa de transmissão ou oneração celebrados antes da entrada em vigor da lei, apenas o nº2 do art. 26º prescreve que se o registo provisório de constituição de propriedade horizontal não tiver sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerê-lo no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da lei, sendo que, se não o fizer, qualquer interessado nos negócios o pode fazer (nº3, art. 26º).
Ora, esse registo da constituição da propriedade horizontal não estava em causa no caso em apreço, uma vez que ele já se encontrava efectuado pelo empreendedor/requerente.
Portanto, não se pode apelar a regras concernentes a um tipo de registo para daí se extrair efeitos relativamente a outro.
Relativamente ao registo de aquisição a favor do promitente-comprador a que se refere o art. 10º, nº 3 da Lei 7/2013 (esse é o que está em causa) a sua disciplina apenas se aplica aos negócios celebrados após a entrada em vigor da Lei, afigurando-se-nos importante dizer que o art. 9º, nº2 da proposta alternativa citado pelo recorrente nas suas alegações como modo de convencer o tribunal a optar por uma determinada interpretação iluminado pelo espírito e intenção do legislador ou pela mens legistoris – preceito que, relativamente a contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei, pretendia fazer depender a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração do registo de aquisição – não passou para o texto do diploma.
Estamos, enfim, de acordo que as normas do art. 26º, nomeadamente a do nº6, têm um carácter excepcional. Mas é, precisamente, por isso mesmo e por causa do art. 10º do Código Civil, que, se nem a analogia é permitida, também a interpretação extensiva se não justifica aqui no sentido que nos é proposto pelo recorrente, uma vez que as razões que invoca concernentes às exigências de segurança e certeza jurídicas neste comércio imobiliário já também implicam, pela nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas, como já vimos.
*
3.6 – (Continuação)
Invoca o recorrente por último, o disposto nos artigos 357º, nº2 e 369º do Código Civil para sustentar a tese de que, mesmo no caso de se entender ser exigível o reconhecimento, ele se deve dar por substituído por confissão judicial da declaração efectuada nos arts. 3º e 4º da petição inicial dos autos.
A esta matéria, porém, já demos resposta supra (III-1.2). [1.2 - Invoca o recorrente também o disposto nos artigos 357º, nº2 e 369º do Código Civil para sustentar a tese de que, mesmo no caso de se entender ser exigível o reconhecimento, ele se deve ter por substituído por confissão judicial da declaração efectuada nos arts. 3º e 4º da petição inicial dos autos.
A este argumento contrapôs a recorrida que este é um fundamento que não havia sido colocado pela recorrente na sua oposição ao pedido inicial.
Realmente, é sabido que os recursos são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova e que, por tal motivo, e em princípio, não se pode tratar neles questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, exceptuando as questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com transito em julgado1. Ou seja, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame.
Esse é o modelo seguido no direito processual de Macau2.
Isto significa, portanto, que esta questão não poderá ser abordada no recurso, até mesmo sob pena de se subverter o princípio do duplo grau de jurisdição.]”
5. No que se refere ao reconhecimento do contrato, somos a entender, não obstante o reconhecimento da existência do contrato celebrado pelas partes, que não se pode confundir um requisito de prova de um contrato, com os requisitos da sua validade intrínseca e os requisitos de registabilidade do mesmo. Não está em causa que esse contrato foi celebrado, que o mesmo é válido nos exactos termos em que foi celebrado, daí decorrendo as obrigações inerente a que as partes se comprometeram, mas não se pode substituir um requisito legal de registabilidade por mera vontade das partes. Ou seja, se a lei diz que é necessário o reconhecimento presencial para registar, não podem as partes vir dizer que essa condicionante é dispensável. Nem a lei nova dispensou esse requisito; o que previu foi a possibilidade de se registarem contratos de pretérito desde que reunissem essa condição, o que significa que as partes os podem registar a qualquer momento, desde que verificado esse requisito. Se reconhecido anteriormente, podem registar; se não reconhecido, nada impedirá que o possam reconhecer e registar em conformidade com a lei; se não lograrem esse reconhecimento, então, o contrato não é registável.
A não se entender desta forma não se percebe por que razão os contratos de pretérito beneficiariam de uma protecção registral acrescentada em relação aos celebrados no âmbito da lei nova, continuando a conceber-se a possibilidade de se celebrarem contratos com força meramente obrigacional.

6. Acresce que o registo em causa, efectuado ao abrigo do n.º 3 do artigo 10º da Lei n.º 7/2003, acaba por ter um efeito ao equivalente ao do registo de uma cláusula de eficácia real, por força do regime previsto no n.º 7 daquele preceito, o que justifica um acréscimo de exigência de forma inexistente no contrato de pretérito em presença, efeito esse que não foi previsto pelas partes, sendo que, já ao tempo da celebração do contrato, era possível as partes atribuírem esse efeito ao contrato celebrado, não se compreendendo que por mera força de uma interpretação em nome de alegadas razões de certeza quanto à eficácia de um dado negócio o legislador possa fazer tábua rasa da vontade das partes e requisitos reputados essenciais para conferir determinada eficácia aos contratos celebrados, no caso, relativamente à fracção cujo registo se discute nos presentes autos.
    7. Somos, pois, a concluir que não é registável o contrato-promessa ao abrigo do qual se prometeu comprar uma dada fracção de prédio habitacional, se esse contrato foi celebrado antes da Lei n.º 7/2003 e o contrato celebrado não revestiu as exigências reclamadas por aquela lei, em particular, se não houve reconhecimento presencial das assinaturas.

    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogando a decisão recorrida, determina-se o cancelamento da inscrição por nulidade do registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, da fracção a favor do ora recorrido B, conforme consta da inscrição n.º 254.494G.
    Desentranhe o doc. de fls 229 e segs., com cópia nos autos e com custas do incidente pela recorrente.
    Custas da acção e do recurso pela recorrida.
Macau, 26 de Novembro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Ac. TUI, de 27/02/2008, Proc. nº 58/2007; Ac. STA, de 5/11/2014, Proc. nº 01508/12, entre outros.
2 Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., pág.640.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

688/2015 32/32