Processo n.º 668/2015
(Recurso Laboral)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 26/Novembro/2015
ASSUNTOS:
- Remuneração normal
- Litigância de má-fé
SUMÁRIO :
1. O conceito de remuneração normal, nomeadamente para efeitos do art. 37º, n.º 1, da Lei n.º 7/2008, deve corresponder ao valor do salário base diário e já não da remuneração base prevista no artigo 59º da mesma Lei.
2. Merece censura como litigante de má-fé o trabalhador que declara nos articulados que assinou um documento de renúncia a um dado subsídio e, depois, em sede de recurso vem dizer que não assinou o documento, para além de negar o pagamento por trabalho extraordinário prestado e, quando confrontado com os documentos de pagamento, vem dizer que nunca tinha visto esses “papéis”, passando, então, a exigir apenas a diferença salarial que reputa em falta.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 668/2015
(Recurso Laboral)
Data : 26/Novembro/2015
Recorrente : A
Recorrida : Companhia de Segurança B Limitada
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, Autor nos autos à margem identificados, notificado da Sentença, de 08/05/2015, com a mesma não se conformando, nos termos do n.º 1 do artigo 111.° do Código de Processo do Trabalho e do n.º 1 do artigo 581.° e ss do Código de Processo Civil de Macau, vem da mesma interpor Recurso ordinário para este Tribunal de Segunda Instância da RAEM, para o que apresenta, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 111.° do Código de Processo do Trabalho, as suas Alegações de Recurso, dizendo, em síntese:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma determinada quantia a título de trabalho extraordinário, subsídio de alojamento e compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal;
2. Porém, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de erro de apreciação da matéria de facto (quanto à "declaração" constante de fls. 64) em termos que comprometem seriamente a sua "bondade" e o respectivo conteúdo; porquanto, contrariamente ao que terá sido pressuposto, a referida "declaração" não está datada nem se encontra assinada pelo ora Recorrente, pelo que em caso algum o Tribunal a quo poderia ter retirado consequências (negativas) da mesma em sentido desfavorável ao ora Recorrente, razão pela qual deve o quesito 15 da Base Instrutória ter-se por não provado;
3. Por outro lado, a douta Sentença enferma de erro de aplicação de Direito quanto à correcta forma de cálculo para a determinação das quantias devidas pela Recorrida ao ora Recorrente a título de trabalho extraordinário e de trabalho prestado em dia de descanso semanal, porquanto em cada um dos casos o Tribunal a quo terá aceite como correcto o entendimento segundo o qual o referido trabalho deveria ser remunerado tendo por base de cálculo o valor do "salário de base" e não o da "remuneração de base" e, neste sentido, mostra-se em violação ao disposto nos artigos 37.°, 43.°, 59.° e 61.° da Lei n.º 7/2008;
Em concreto,
Do subsídio de alojamento e da "declaração de fls. 64": do quesito 15
4. Salvo o devido respeito, em caso algum o Tribunal a quo poderia ter concluído resultar da "declaração" de fls. 64 que 9 Autor declara prescindir do alojamento fornecido pela Ré, desde logo porque a referida "declaração" não se encontra assinada ou sequer datada pelo ora Recorrente, razão pela qual o quesito 15 da Base Instrutória e deverá ter por não provada;
5. De onde, que em caso algum o Tribunal a quo poderia ter retirado consequências (negativas) da mesma em sentido desfavorável ao ora Recorrente, razão pela qual deve o quesito 15 da Base Instrutória ter-se por não provado;
6. Em consequência, deve o referido quesito 15 da matéria de facto ser revisto e, em consequência, ser a Recorrida condenada a pagar ao ora Recorrente a quantia de Mop$18,500.00, tendo por base o conteúdo "imperativo" e a natureza "protectora" do Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010, nos termos do qual resulta ser devido aos trabalhadores não residentes um alojamento ou uma determinada quantia em dinheiro não inferior a Mop$500,00 caso o mesmo (alojamento) não seja fornecido pelo respectivo empregador;
Quanto ao trabalho extraordinário:
7. A questão - de Direito - que se coloca ao douto Tribunal de Recurso reside em saber se o acréscimo de 20% sobre a "remuneração normal do trabalho prestado" a título de trabalho extraordinário deverá ser compensado tendo por base de cálculo (apenas) o montante do "salário de base"; ou, antes, tal acréscimo de 20% deverá ser determinado tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Autor, sabido que o artigo 37.º da Lei n.º 7/2008 faz referência a "remuneração normal do trabalho prestado" mas em lado nenhum oferece uma qualquer definição a respeito do seu concreto conteúdo;
8. Em sequência, a concluir-se que a melhor interpretação para o preceito será a de que o acréscimo de 20% deverá ser determinado tendo por base a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente em cada um dos meses da relação de trabalho e não apenas o valor do "salário de base"1 - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a diferença entre o montante das quantias efectivamente pagas a título de trabalho extraordinário prestado e determinadas com base no "salário de base" e as quantias que deveriam ter sido pagas tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente ao longo da relação de trabalho com a Recorrida;
9. Ao não entender deste modo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto nos artigos 37.°, 59.° e 61.° da Lei n.º 7/2008, pelo que a douta decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei das Relações de Trabalho;
Quanto ao descanso semanal:
10. Não obstante o Tribunal a quo ter relegado para liquidação em execução de sentença os dias de descanso compensatório devidos pela Recorrida ao ora Recorrente em contrapartida do trabalho prestado em dia de descanso semanal, a questão - de Direito - que se coloca reside em saber se o trabalho prestado pelo Recorrente nos dias de descanso semanal deveria ter sido remunerado tendo por base (apenas) o valor do /I salário de base" tal qual foi defendido pela Recorrida e aceite pelo Tribunal a quo; ou, o mesmo trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ter sido remunerado ao ora Recorrente tendo por base de cálculo o valor da "remuneração de base" efectivamente auferida durante o período da relação de trabalho com a Recorrida e determinada nos termos do disposto nos artigos 59.º e 61.º da Lei n.º 7/2008;
11. Salvo melhor opinião, referindo-se a Lei a "um acréscimo de um dia de remuneração de base", em caso algum se poderá interpretar restritivamente a referida expressão de forma a obter tão-só e apenas /I um acréscimo de um salário de base", conforme foi defendido pela Recorrida e, ao que parece, veio a ser sufragado pelo Tribunal a quo ... ;
12. De onde, sem prejuízo da condenação da Recorrida pela falta de concessão de um dia de descanso compensatório ao ora Recorrente e relegado para liquidação de execução de sentença, desde já se requer que a Recorrida seja condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$21,954.00 a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal relativo aos anos civis de 2011 e de 2012, tendo por base a diferença entre o que a Recorrida pagou ao ora Recorrente a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal determinado pelo “salário de base” e o que a mesma deveria ter pago tendo por base de cálculo a “ remuneração de base” efectivamente auferida pelo Recorrente;
13. Ao não decidir deste modo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto nos artigos 43.°, 59.° e 61.° da Lei n.º 7/2008, razão pela qual, nesta parte, a douta decisão deverá ser e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei das Relações de Trabalho.:
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao formulado supra pelo ora Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
2. A Companhia de Segurança B limitada (B保安有限公司), Ré e Recorrida nos autos à margem indicados, notificada do recurso alegado do Recorrente, vem, mui respeitosamente, ao abrigo do disposto nos números 2 e 3 do artigo 114.° do Código de Processo de Trabalho (doravante CPT) , apresentar as suas Alegações de Resposta, concluindo:
1. Entende o Autor e ora Recorrente que Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto e fez uma aplicação incorrecta da lei;
2. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que uma vez que o Autor prescindiu do alojamento providenciado pelo empregador, in casu a Ré, nada lhe é devido a esse título;
3. Neste sentido veja-se a declaração junta aos autos a fls. 64 e onde se pode ler que o Autor não necessita, não quer, prescinde ("Not Demand") do alojamento fornecido pela Ré e ora Recorrida;
4. Não assiste igualmente razão ao Autor ao alegar que o Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010 é imperativo ao determinar o pagamento de montante inferior a 500 patacas por mês a título de subsídio de alojamento. 5. Na verdade, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010 dá a possibilidade ao empregador de ou providenciar alojamento para o trabalhador ou pagar um montante não inferior a 500 patacas mensais - no caso em apreço, o empregador e ora Recorrido providenciou alojamento para o Autor, tendo este prescindido do mesmo.
6. No que concerne ao trabalho extraordinário, falece a teoria sufragada pelo Autor de que nunca recebeu qualquer montante a este título (veja-se o artigo 17.° da sua Petição Inicial: "Porém, durante o referido período de tempo, a Ré nunca atribuiu ao Autor qualquer quantia pelo trabalho extraordinário prestado");
7. Conforme resultou provado (quer documental, quer testemunhalmente), o Autor foi ressarcido de todos os montantes que lhe eram devidos.
8. Aliás, a Ré e ora Recorrida juntou, com a contestação, os recibos de vencimento do Autor e ora Recorrente, sem que este tenha impugnado tais documentos;
9. A este respeito, é curiosa a posição do Autor que começou por alegar que não tinha recebido qualquer quantia a este título, posteriormente reduziu o pedido uma vez que afinal já tinha recebido, mas o valor que tinha recebido não tinha como base a remuneração diária mas sim o salário diário, e o acréscimo, que inicialmente deveria ser de 20%, afinal era de 50%;
10. Quanto ao acréscimo, sempre se dirá que constam dos autos 19 declarações assinadas pelo Autor e ora Recorrente (Docs. 46 a 65 juntos com a Contestação), onde se pode ler:
"(...) prestei serviço, com o meu consentimento, para além do horário de trabalho, com consentimento do empregador.
Assim, de acordo com o n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 7/2008, o empregador tem conhecimento de que quando o empregado presta serviço para além do horário normal de trabalho tem direito a receber o vencimento normal, acrescido de 20% a titulo extraordinário."
11. Pelo que, duvidas não restam que o acréscimo será sempre de 20% o qual, aliás, já foi pago pela Ré ao Autor;
12. Relativamente ao descanso semanal, defendeu o Autor a tese de que nunca lhe foram concedidos dias de descanso;
13. Ora, toda a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, nos presentes autos foi no sentido de que o Autor e ora Recorrente trabalhou em alguns dias de descanso semanal, tendo descansado noutros dias, não se conseguindo, no entanto, apurar o quantum.
14. Por outro lado, os recibos de vencimento constantes de fls. 53 a 63 dos autos, e que não foram em momento algum objecto de impugnação pelo Autor demonstram que todo o montante decido a este título ao Autor foi pago e, por isso, nada mais lhe é devido.
15. Por fim, relativamente às fórmulas de cálculo, entende o Autor que o montante que deveria servir de base para os cálculos deveria ser o da "remuneração base" e não, como adoptado pelo Tribunal a quo, o "salário base".
16. Ora, a lei não define em momento algum o que deve entender-se por "remuneração base", pelo que não pode ser a doutrina a substituir-se ao legislador e a fazer uma interpretação extensiva das suas palavras,
17. Por outro lado, deverá interpretar-se o conceito de "remuneração base" no seu sentido mais estrito, ou seja, como salário base.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pelo Recorrente ser julgado improcedente, deste modo fazendo V. Exas. a habitual e costumada Justiça.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de segurança. (A)
2) Desde 02/03/2011 o Autor está ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (B)
3) Entre 02/03/2011 a 31/12/2012, o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 3 Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional): (C)
Ano
Salário anual
2011
83538
2012
114974
4) O Autor contratado pela Ré ao abrigo dos seguintes despachos:
- Despacho n.º 02614/IMO/GRH/2011, de 07/02/2011 (Cfr. Doc. 1) ;
- Despacho n.º 09765/IMO/GRH/2012, de 11/04/2012 (Cfr. Doc. 2). (1 º)
5) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo do contrato aludido em 4). (3.°)
6) Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou nunca entregou ao Autor o duplicado dos contratos de trabalho entre ambos assinados, nem cópia dos Despachos de Autorização e/ou Contratos de Prestação de Serviço ao abrigo dos quais o Autor prestou trabalho para a Ré. (4°)
7) Desde o início da relação de trabalho, a Ré nunca entregou ao Autor os recibos de pagamento de salário. (5°)
8) Entre 02/03/2011 a 31/10/2011, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (6°)
9) Desde o início da relação laboral, a Ré nunca atribuiu ao Autor alojamento ou qualquer quantia em dinheiro a título de subsídio de alojamento, sem prejuízo do que resulta do documento de fls. 64. (9°)
10) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (13°)
11) O Autor, relativamente ao trabalho extraordinário assinou as declarações juntas como Docs. 46 a 65, com o seguinte teor: “(...) prestei serviço, com o meu consentimento, para além do horário de trabalho, com consentimento do empregador.” (18°)
12) Os documentos n.º 66 e 67 juntos pela Ré foram assinados pelo Autor dentro do aeroporto de Macau, minutos antes do Autor embarcar para as Filipinas. (21°) “
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro de aplicação de direito quanto à correcta forma de cálculo para a determinação das quantias devidas.
2. Do subsídio de alojamento: da "declaração de fls. 64" referida no quesito 15 da Base instrutória
Diz o recorrente que o documento de fls 64 não está datado nem assinado, sendo documento em que renuncia ao subsídio de alojamento.
A respeito do referido documento n.º 23, de fls. 64" (constante do quesito 15 da Base Instrutória, o Tribunal a quo entendeu que: "consta dos autos, a fls. 64, um documento em que o Autor declara prescindir do alojamento fornecido pela Ré" (sublinhados e itálicos do Recorrente).
Pelo que esse quesito deve ser considerado “não provado”, devendo a sentença ser revista e a recorrida ser condenada a pagar ao ora recorrente a quantia de Mop$18,500.00, “tendo por base o conteúdo "imperativo" e "protector" do conteúdo do Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010, nos termos do qual é garantido aos trabalhadores não residentes um alojamento ou uma determinada quantia em dinheiro não inferior a Mop$500,00 caso o mesmo não seja fornecido pelo respectivo empregador”.
Afigura-se-nos que não tem razão o recorrente, na exacata medida em que não impugnou o documento que foi junto.
Se o nome aposto no lugar da assinatura do referido documento é ou não do recorrente, se foi por ele escrito ou não, não o sabemos; mas sabemos que esse documento não foi impugnado.
O Tribunal a quo baseou a sua decisão na declaração junta aos autos a fls. 64, onde se pode ler que o Autor não quer, prescinde ("Not Demand"), do alojamento fornecido pela Ré e ora Recorrida.
O documento de fls. 64 foi junto pela ré, empregadora, aquando da apresentação da contestação e apenas agora o recorrente alega que tal documento não pode ser considerado pois, segundo ele, "não se encontra assinada ou datada pelo Autor".
A este respeito, veja-se o que dispõe o artigo 370.°, n.º 1 do Código Civil ("CC"):
"O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento."
E o art. 368º, n.º 1 do CC dispõe, por sua vez, que “A letra e assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.”
Ora, até à interposição do presente recurso, nunca o A., ora recorrente invocou - nem provou - qualquer falsidade do documento, apenas estando a fazê-lo agora, em sede de recurso.
Tratava-se de matéria discutida nos autos e que em sede de resposta às excepções foi devidamente abordada pelo recorrente, chegando a admitir que assinou o documento (artigo 17º da sua Resposta, fls 99).
Como pode vir agora dizer que não está assinado?
O facto de o documento não estar datado e não ter o carimbo da Ré, ainda que o nome aposto no lugar da assinatura, possa não ser assinatura, face à confissão do A., também não há razões para descrer que o seja e, sendo emitido pelo A., não implica que esse documento deixe de ser valorado como um documento de renúncia.
Somos, por isso, a sufragar o julgamento feito pelo Mmo Juiz a quo.
Aliás, o documento de fls. 64 não foi sequer impugnado pelo Autor e ora Recorrente.
O Despacho do Chefe do Executivo n.º 88/2010, no seu n.º 3, prevê que "O montante a pagar mensalmente a cada trabalhador não residente não pode ser inferior a 500 patacas, caso o seu direito ao alojamento seja assegurado por meio do pagamento em dinheiro."
Esta disposição concede duas possibilidades ao empregador: ou pagar um montante não inferior a 500 patacas mensais a cada trabalhador não residente, ou assegurar o direito do trabalhador não residente ao alojamento.
Porquanto o A. e ora Recorrente prescindiu do alojamento ou respectivo subsídio, providenciado pelo empregador, tendo inclusivamente assinado uma declaração onde o faz expressamente, nada mais lhe é devido a esse título.
3. Do Trabalho Extraordinário
3.1. A este concreto respeito, diz o recorrente, a questão - de Direito - que se coloca ao douto Tribunal de Recurso reside apenas em saber se o acréscimo de 20% sobre a "remuneração normal do trabalho prestado" a título de trabalho extraordinário deverá ser compensado tendo por base de cálculo (apenas) o montante do "salário de base"- conforme defendido pela Ré (Cfr. artigos 16.º a 19.º e 28.º da Contestação) e sufragado pelo Tribunal a quo -; ou, antes, tal acréscimo de 20% deverá ser determinado tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Autor, porquanto é esta a melhor leitura para o disposto no artigo 37.º da Lei n.º 7/2008?
Esclarecendo, diz ainda o recorrente:
“A divergência do ora Recorrente relativamente à primeira parte da Decisão ora posta em crise, reside em saber se a determinação da "remuneração normal do trabalho" constante da letra do artigo 37.° da Lei n.º 7/2008 deverá ser determinada tendo por base (apenas) o valor do "salário de base"; ou antes, deverá ser determinada tendo por base de cálculo o valor da "remuneração de base" determinada nos termos do n.º 2 do artigo 61.° da Lei n.º 7/2008?
Com efeito, como é sabido, o artigo 37.° da Lei n.º 7/2008 faz referência a "remuneração normal do trabalho prestado" mas em lado nenhum oferece uma qualquer definição a respeito do seu concreto conteúdo. Trata-se, como se deixa ver, de uma questão de Direito (ou melhor, de interpretação do referido preceito legal) que importa ver esclarecida pelo douto Tribunal de Recurso, o que desde já e para os legais efeitos se requer.
De onde, a prevalecer a interpretação no sentido de que o acréscimo de 20% a que se refere o artigo 37.° da Lei n.º 7/2008 deverá ser determinado tendo por base a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente em cada um dos meses da relação de trabalho e não (apenas) o valor do "salário de base"2 - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a diferença entre o montante das quantias efectivamente pagas a título de trabalho extraordinário prestado e determinadas (apenas) com base no "salário de base" e as quantias que deveriam ter sido pagas tendo por base de cálculo a "remuneração de base" efectivamente auferida pelo Recorrente ao longo da relação de trabalho com a Recorrida, o que perfaz a quantia de Mop$16,400.00, que para os legais e devidos efeitos desde já se requer.”
3.2. Não se provou que não tivesse sido pago o trabalho extraordinário, entendendo o Tribunal a quo que não resultou provada qualquer matéria de facto que permitisse sustentar a tese do A. defendida na pição Inicial (cfr. artigo 17:), que "Porém, durante o referido período de tempo, a Ré nunca atribuiu ao Autor qualquer quantia pelo trabalho extraordinário prestado".
Não se deixa de registar a actuação censurável do A. que primeiro vem dizer que não lhe foi pago o trabalho extraordinário e depois vem dizer, reduzindo o pedido, que não lhe foi pago o montante que era devido.
Já a mesma postura se divisara a propósito do subsídio de alojamento, acabando o A. por reconhecer que assinara o documento.
Esta conduta é reprovável e devia ter sido censurada, a seu tempo.
Em sede de Contestação, a Ré e ora recorrida juntou os recibos de vencimento do Autor e ora recorrente, de todo o tempo em que durou a relação laboral, sem que este os tenha impugnado, mas, por sua vez, realizou um pedido novo: o valor que tinha recebido não tinha como base a remuneração diária mas sim o salário diário, e o acréscimo deveria ser de 50% e não de 20% (como referido na Petição Inicial - cfr. artigo 18.º da Petição Inicial: "Neste sentido, o Autor é credor da Ré na quantia de MDP$24,400.00 correspondente à seguinte operação: (244 dias X 4 horas X MOP$25,00),a título de trabalho extraordinário"; cfr. ainda com a respectiva nota de rodapé: "Corresponde a (MOP$20,80 X 20%), nos termos do artigo 37.º n.º 2 da Lei n.º 7/2008")..
A Lei 7/2008 não define o que entende por remuneração diária, não podendo ser a doutrina a substituir-se ao legislador.
Por hora de trabalho durante o horário normal, o Autor e ora Recorrido auferia um valor de MOP 20,80, sendo que, por cada hora de trabalho extraordinário, auferia um valor de MOP 25,00, ou seja, o valor base acrescido de 20%, respeitando-se deste modo o preceituado no artigo 37º, n.º 2 da Lei n.º 7/2008.
Dispõe o artigo 36º, n.º 1, alíneas 2) e 3), conjugado com o artigo 37.°, n.º 2, todos da Lei 7/2008 que o trabalho extraordinário prestado por solicitação prévia do empregador e com consentimento do trabalhador, e por iniciativa do trabalhador e com consentimento do empregador deverá ter um acréscimo de 20% na remuneração normal do trabalho.
Ora, como já supra foi referido, a lei não determina o que se deve entender por "remuneração normal de trabalho", daí que tal conceito tenha que ser interpretado restritivamente no sentido de salário diário.
Porquê?
Desde logo, a letra da lei aponta para aquilo que é normal e esta normalidade identifica-se mais com a remuneração base do salário diário, sem extras.
Até porque se tiver extras já deixa de ser normal. O que é extra já não é normal. Normal é o montante do salário diário.
Depois, a não se entender assim, seria extraordinariamente difícil, se não impossível estabelecer uma remuneração com base em variáveis, que podiam diferir de dia para dia, para já não falar nas dificuldades de prova daí advenientes. Veja-se bem que, neste mesmo caso, o A. impugna pagamentos que comprovadamente recebeu e, depois, qual descaramento, vem dizer que só agora é que lhe foram mostrados os documentos que vem apelidar de “papéis”.
Acresce que não se pode secundar a tese do A., até porque não se perceberia como é que uma remuneração normal para efeitos de cálculo do montante devido pelo trabalho extraordinário pode incluir esse próprio trabalho extraordinário, como se pretende, em face do disposto no artigo 59º e 61º da lei n.º 7/2008.
Daí que entendamos reconduzir a remuneração normal ao salário base diário. Aliás, o legislador ao falar em remuneração base tem em vista outra finalidade, qual seja a de determinar o montante dos rendimentos auferidos a qualquer título no âmbito de uma relação laboral.
A não se reconduzir esta remuneração normal ao salário base, encontraríamos duas ou mais remunerações diferentes, de trabalhador para trabalhador, o que se nos afiguraria injusto, na medida em que violaria o princípio de sala´rio para trabalho igual.
O Autor, ora recorrente, foi remunerado com um acréscimo de 20% por cada hora de trabalho que prestou.
Em sede de Contestação, a Ré e ora Recorrida juntou aos autos 19 declarações assinadas pelo Autor e ora Recorrente (Docs. 46 a 65 juntos com a Contestação), e onde se pode ler:
"(...) prestei serviço, com o meu consentimento, para além do horário de trabalho, com consentimento do empregador.
Assim, de acordo com o n.° 2 do artigo 37.° da Lei n.° 7/2008, o empregador tem conhecimento de que quando o empregado presta serviço para além do horário normal de trabalho tem direito a receber o vencimento normal, acrescido de 20% a título extraordinário."
Neste sentido, o A. prestou trabalho extraordinário com o seu consentimento e tinha perfeito conhecimento dos direitos que lhe assistiam, nomeadamente do direito a um acréscimo de 20% por cada hora de trabalho extraordinário, compensação esta que lhe foi paga pela empregadora sobre o valor do salário base, devendo ser este o valor de referência.
Sobre ele acrescerão as compensações pelo trabalho que foge à normalidade, qual seja o extraordinário, de turnos, feriados, nocturno, família, alimentação, subsídios ou extras que podem existir ou não numa dada relação laboral.
Por outro lado, as declarações juntas pela Ré (Docs. 46 a 65 juntos com a Contestação) não foram impugnadas pelo Autor em momento algum dos presentes autos, apenas estando este a impugnar os referidos documentos em sede de recurso, o que não deixa de inculcar no sentido da aceitação da veracidade e consequentemente do pagamento.
Diz agora que devia ter sido mais do que aquilo que dali consta, mas se assim era não devia deixar de formular um pedido autónomo nesse sentido.
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que nada era devido a este título ao Autor.
4. Do Descanso Semanal
4.1. A este propósito importa dizer que não obstante o Tribunal a quo ter relegado para liquidação em execução de sentença os dias de descanso compensatório devidos pela recorrida ao ora recorrente em contrapartida do trabalho prestado em dia de descanso semanal, ainda assim, impõe-se ao Tribunal de Recurso que se pronuncie sobre a questão de saber se as quantias já pagas ao ora Recorrente pelo referido trabalho prestado em dia de descanso semanal estão em conformidade com o disposto na Lei das Relações de Trabalho.
4.2. Decidiu o Tribunal a quo condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia relativa ao descanso compensatório não gozado, em montante a liquidar em execução de sentença.
Ora, andou bem o Tribunal a quo ao entender que não poderia proceder a tese do Autor, segunda a qual "nunca lhe foram concedidos dias de descanso", pois que a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, fora no sentido de que o A., ora recorrente, trabalhou em alguns dias de descanso semanal, tendo descansado noutros dias, não se conseguindo, no entanto, apurar o quantum.
Trata-se de factos, cujo julgamento não vem impugnado.
No entanto, uma vez mais, o ora recorrente pretende ser remunerado com base na "remuneração base" e não, como entendeu o Tribunal a quo, e bem, com base no "salário base".
Como supra já foi referido, a Lei não define o que se deve entender por "remuneração base", razão pela qual se deve fazer uma interpretação restritiva deste conceito.
Remetemo-nos aqui para o que acima ficou dito e para as razões avançadas justificativas da nossa posição que nem sequer se tem de ter por restritiva.
A remuneração normal identifica-se perfeitamente com o conceito que bem poderá ser o de salário base médio diário.
Se assim não se entendesse, como se poderia, por exemplo, calcular a remuneração de base no primeiro mês de trabalho de um trabalhador, ou ainda antes desse mês finar, tendo em vista o que se dispõe e pretende ao apontar-se como referência o art. 59º do citada Lei 7/2008?
Donde, termos para nós que o conceito de "remuneração de base" corresponde ao "salário base", ainda que se conceda que o legislador pudesse, porventura, ter sido mais rigoroso.
Mas também não é a primeira vez que o legislador apelida o mesmo conceito com diferentes designações.
Pelo exposto, não merece censura o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo nesta sede.
Para além de que, no que ao descanso compensatório não gozado concerne, sempre o ora recorrente não poderia tecer quaisquer considerações, neste momento, visto que tal decisão não é líquida e só o será após o trânsito em julgado do processo de execução de sentença, pelo que só em sede de liquidação se deveria colocar a questão sobre qual a base de cálculo com que se deveria entrar.
Como não nos deixámos de pronunciar acima sobre a questão de direito colocada, aí fica expressa a nossa posição e que, nesta particular liquidação não é vinculativa.
5. Da má-fé do A., ora recorrente
Fizemos referência à postura processual do trabalhador e que não pode ficar sem censura.
Os tribunais, ainda que palcos onde domina o dissenso e o conflito, pautam-se por regras de lisura e de verdade processual, bem bastando a inatingibilidade da verdade material e que, quantas vezes, infelizmente, leva a que a Justiça não se possa produzir como se desejaria.
Anotámos acima a postura do A. que diz que não recebe remunerações e depois, quando confrontado com os pagamentos, vem dizer que os tais “papéis” nunca lhe tinham sido mostrados.
Mais grave: não obstante reconhecer que o documento relativo ao subsídio de alojamento foi por si assinado , ainda que o nome ali aposto possa não ser a sua assinatura normal, - não o sabemos -, o certo é que é ele próprio que reconhece, em articulado de resposta às excepções, que apôs a sua assinatura no doc. n.º 23, de fls 64.
Não obstante, insiste no recurso, com a falta de assinatura por si produzida.
Ora, esta atitude não se pode tolerar. Ela integra a previsão do disposto no artigo 385º, n.º 1 e 2. a) e b) do CPC, pelo que vai condenado na multa de 8 UCs, visto disposto no artigo 101º, n.º 2 do RCT, vista a gravidade da conduta, aferida em função do dolo e da intenção material e venal subjacente, ao pretender-se uma retribuição já paga ou prescindida.
Razões aduzidas e que conduzirão ao não provimento do recurso.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Vai condenado o recorrente, nos termos acima expostos, como litigante de má-fé, na multa de 8 UCs.
Custas pela recorrente.
Macau, 26 de Novembro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Como é sabido, o “salário de base” constitui apenas uma das muitas parcelas que compõe a chamada “remuneração de base” (cfr. art. 59º da Lei n.º 7/2008).
2 Como é sabido, o “salário de base” constitui apenas uma das muitas parcelas que compõe a chamada “remuneração de base” (cfr. art. 59º da Lei n.º 7/2008).
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