Processo n.º 856/2015 Data do acórdão: 2015-11-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução sob influência de estupefaciente
– prevenção especial do delito
– conduta delinquente anterior
– art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
Atenta a conduta delinquente tida pelo arguido anteriormente à partica do crime de condução sob influência de estupefaciente condenado nesta vez na sentença recorrida, não realiza o tribunal ad quem que as finalidades da punição sobretudo a nível da prevenção especial possam ser alcançadas de forma adequada e suficiente através da simples censura dos factos e da ameaça da execução da prisão – cfr. o critério material para concessão ou não da suspensão da pena previsto no art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 856/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 81 a 85 do Processo Comum Singular n.° CR4-15-0226-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de condução sob influência de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 2, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio, na pena de sete meses de prisão, com inibição de condução por um ano e seis meses, e, em cúmulo jurídico dessa punição com a imposta no Processo Comum Singular n.º CR4-14-0291-PCS do mesmo 4.º Juízo Criminal do TJB, finalmente na pena única de um ano e três meses de prisão efectiva, com inibição de condução pelo período total de três anos.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar ao Tribunal sentenciador a violação do art.o 48.º, n.o 1, do Código Penal (CP), por causa da decidida não suspensão da execução da sua pena única de um ano e três meses de prisão, não obstante ter ele confessado integralmente e sem reservas os factos acusados, com demonstração do sincero arrependimento, para além de estar actualmente a levar uma vida estável, com emprego e com atitude prudente na condução automóvel, sem mais consumo de droga (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 96 a 98 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 100 a 102 dos autos) o Ministério Público, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 111 a 112), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Segundo a factualidade descrita como provada na sentença condenatória ora recorrida, proferida em 14 de Julho de 2015, e na sua essência:
– em 7 de Março de 2015, cerca da zero hora e trinta e dois minutos, o arguido conduziu um ciclomotor em via pública de Macau, depois de ter consumido a Ketamina na noite anterior, cerca das dez horas, em Zhuhai, acto de condução sob consumo de droga esse que foi suspeitado pelo pessoal policial executor da operação de fiscalização de veículos no local, em face do que o arguido admitiu perante esse pessoal policial que tinha chegado a consumir antes a Ketamina;
– do teste hospitalarmente feito na sequência disso, resultou que o arguido tinha reacção positiva à Ketamina;
– o arguido declarou trabalhar em restaurante, com doze mil patacas de rendimento mensal, e ter a quinta classe do curso primário como habilitações académicas, e a mãe a seu cargo;
– o arguido não é delinquente primário:
– em 25 de Novembro de 2013, no Processo n.º CR4-13-0160-PCC, foi condenado, pela prática, em 25 de Janeiro de 2013, de um crime de burla, na pena de um ano de prisão efectiva, cujo cumprimento terminou em 22 de Janeiro de 2014;
– em 30 de Setembro de 2014, no Processo n.º CR4-14-0291-PCS, foi apenas condenado, pela prática, em 27 de Março de 2014, de um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução por três anos, com regime de prova e obrigação de tirar o vício de droga, e sujeição às medidas de tratamento de toxicodependência a serem entendidas por necessárias pelo pessoal assistente social, e também sob condição de prestação, dentro de um mês, de cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, para além de ficar punido com a inibição efectiva de condução pelo período de um ano e seis meses, isto tudo apesar de ter sido acusado, nesse mesmo processo, da prática, na mesma data, de um crime de consumo de estupefaciente; decisão judicial essa que, sob recurso interposto pelo Ministério Público, veio a ser revogada em 19 de Março de 2015 pelo TSI que decidiu condenar o arguido também pela prática de um crime de consumo de estupefaciente, com respectiva pena a ser achada em nova decisão pelo mesmo Tribunal então recorrido, na sequência do que esse Tribunal recorrido acabou por aplicar, em 2 de Junho de 2015, dois meses de prisão ao dito crime de consumo, e, em cúmulo jurídico, na pena única de oito meses de prisão efectiva, com inibição efectiva da condução pelo período de um ano e seis meses.
2. Segundo a acta da audiência de julgamento do Tribunal ora recorrido (lavrada a fls. 79 a 80 dos autos), o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos delinquentes acusados.
3. Em 6 de Novembro de 2015, foi enviada aos presentes autos a certidão inclusivamente do Acórdão de 24 de Setembro de 2015 do TSI (transitado em julgado em 19 de Outubro de 2015), proferido sobre o recurso interposto pelo mesmo arguido no âmbito do acima identificado Processo n.º CR4-14-0291-PCS, aresto esse que acabou por permitir a suspensão da execução da pena única de oito meses de prisão efectiva então imposta na aí recorrida decisão condenatória de 2 de Junho de 2015 (cfr. o teor da certidão a fls. 117 a 134v dos presentes autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de ver que o arguido apenas pediu, na sua motivação do recurso, a suspensão, nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do CP, da execução da pena única de um ano e três meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico, operado pelo Tribunal ora recorrido, da pena de sete meses de prisão aplicada no ora subjacente Processo n.º CR4-15-0226-PCS por um crime de condução sob influência de estupefaciente, com as penas de sete meses e de dois meses de prisão, impostas a ele no Processo n.º CR4-14-0291-PCS, pela prática de um crime de condução sob influência de estupefaciente e de um crime de consumo de estupefaciente, respectivamente.
E observa-se, também desde já, que em sede de resolução desta única questão posta pelo arguido, a decisão feita no recente Acórdão de 24 de Setembro de 2015 do TSI, no sentido de permitir a suspensão da execução da pena única de oito meses de prisão então achada no acima identificado Processo n.º CR4-14-0291-PCS, não é susceptível de alterar os dados pertinentes à decisão, visto que, a montante, as duas penas de prisão aí impostas (que entraram na operação do cúmulo jurídico realizada na sentença agora recorrida) não foram alteradas minimamente no dito Acórdão de 24 de Setembro, e, a jusante, nem o próprio arguido vem sindicar, na motivação do presente recurso, da legalidade do cúmulo jurídico das penas feito na sentença ora impugnada, mas sim se insurge ele contra a decisão de não suspensão da execução da pena única de prisão saída deste cúmulo jurídico.
Assim sendo, e centrando-se na abordagem do mérito do pedido de suspensão da pena única de um ano e três meses de prisão em questão, é de decidir a descontento do arguido.
De facto, dos elementos factuais já acima referenciados na parte II do presente aresto de recurso, resulta nítido que o arguido, depois de terminar, em 22 de Janeiro de 2014, o cumprimento de uma pena de prisão efectiva à ordem do Processo n.º CR4-13-0160-PCC (por um crime de burla), foi praticar logo, em 27 de Março desse ano, dois novos crimes dolosos então julgados no Processo n.º CR4-14-0291-PCS (i.e., um crime de condução sob influência de estupefaciente e um crime de consumo de estupefaciente), e, mesmo assim, veio cometer ainda, em 7 de Março de 2015 (data em que já soube da sua condenação antes na sentença de 30 de Setembro de 2014 desse Processo n.º CR4-14-0291-PCS como autor de um crime de condução sob influência de estupefaciente, juízo de condenação esse que nunca foi objecto de recurso no seio desse mesmo processo penal), um novo delito penal de condução sob influência de estupefaciente (julgado no ora subjacente Processo n.º CR4-15-0226-PCS).
O art.º 48.º, n.º 1, do CP reza que “O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, …, à sua conduta anterior …, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Assim, atenta a conduta delinquente tida pelo arguido (concretamente no referente ao crime de burla do Processo n.º CR4-13-0160-PCC e ao crime de condução sob influência de estupefaciente do Processo n.º CR4-14-0291-PCS) anteriormente à partica do crime de condução sob influência de estupefaciente condenado nesta vez na sentença recorrida, não realiza o presente Tribunal ad quem que nesta vez, e a despeito dos argumentos deduzidos pelo recorrente para abonar a sua pretensão de suspensão da pena, as finalidades da punição sobretudo a nível da prevenção especial possam ser alcançadas de forma adequada e suficiente através da simples censura dos factos e da ameaça da execução da prisão.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique ao Processo n.º CR4-14-0291-PCS do Tribunal Judicial de Base.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 19 de Novembro de 2015.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
___________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
___________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 856/2015 Pág. 9/9