Proc. nº 197/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Outubro de 2015
Descritores:
-Residente permanente
-Adopção
-Filhos adoptados
SUMÁRIO:
I. As normas dos arts. 24º da Lei Básica e 1º da Lei nº 8/1999 – excluído o caso das alíneas 9), da Lei nº 8/1999 e 5) do art. 24º da LB - não fazem qualquer discriminação, no que aos filhos dizem respeito, entre filhos biológicos e filhos adoptados dos cidadãos nelas previstos.
II. Em relação aos filhos dos cidadãos referidos nas normas, o que o legislador quis relevar foi a nacionalidade deles no momento do nascimento (v.g., alíneas 1) e 2) da Lei Básica e 3), 6), da Lei nº 8/1999).
Proc. nº 197/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, nascido em Macau, representado pelos seus pais B e C, ambos de nacionalidade chinesa, titulares, respectivamente, dos Bilhetes de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau nºs XXX e XXX, emitidos pelos Serviços de Identificação de Macau, residentes em Macau, na XXX, interpôs o presente ----
RECURSO CONTENCIOSO ----
do acto administrativo da Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça, datado de 14 de Janeiro de 2015, por competência delegada pelo Ex.mo Chefe do Executivo, que indeferiu o recurso hierárquico necessário e manteve a decisão tomada pela Direcção dos Serviços de Identificação (doravante “DSI”) de indeferimento do pedido de emissão do BIR de residente da RAEM a favor do menor A.
Na petição inicial formularam as seguintes conclusões:
« 1. o Tribunal Judicial de Base de Macau, em 30 de Maio de 2014, nos termos conjugados dos artigos 159º, do Decreto-Lei n.º 65/99/M, de 25 de Outubro, 1825º e 1826º do Código Civil de Macau, decretou a adopção do menor A, nascido em Macau no dia 20 de Outubro de 2008, pelos residentes permanentes da RAEM, seus pais, B e sua mulher C.
2. Os autos correram termos pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial de Base, sob o número FM1-14-039-MPS.
3. Ficaram provados, entre outros, os seguintes factos:
4. O menor (A) nasceu em Macau no dia 20/10/2008, tendo como mãe D e sendo desconhecido quem é o seu pai;
5. Desde o seu nascimento nunca teve o acompanhamento do pai (desconhecido);
6. A Sra. D (mãe biológica do Menor) deu o consentimento prévio para adopção do Menor E;
7. Nestes termos, o Tribunal Judicial de Base da RAEM decretou a adopção do menor, nascido em Macau, no dia 20 de Outubro de 2008, pelos ali requerentes B e C (vide processo administrativo, documento n.º 1 junto com a audiência escrita).
8. Na sequência do decretamento da adopção, da certidão narrativa de registo de nascimento do menor A, passou a constar que é filho de B e C (vide certidão de nascimento, junta ao processo administrativo)
9. Em 10/07/2014, a mãe do interessado requereu junto da DSI a emissão do bilhete de identidade de residente permanente a favor do menor A.
10. A DSI notificou os Recorrentes para uma audiência escrita invocando que de acordo com o artigo 6.º da Lei 8/1999, as relações adoptivas não se incluem no preceito da norma.
11. O projecto de decisão notificado aos ora Recorrentes para a referida audiência escrita, exarado pela DSL centrou parte das alegações na relação parentesco.
12., Concluindo que “a mãe biológica é D e não é titular de Bilhete de Identidade de Residente Permanente, sendo que a DSI não tem qualquer informação sobre quem é o pai biológico, nem assento de nascimento, assim, o menor não preenche os requisitos legais, ou seja, não tem o estatuto de residente.”
13. Os ora Recorrentes apresentaram a referia audiência escrita em 1 de Setembro de 2014, que se dá por integralmente reproduzida nesta sede, bem como todos os documentos juntos.
14. Em 11 de Outubro de 2014 foram os ora Recorrentes notificados da decisão exarada pela DSI que entendeu que o menor A “não tem estatuto de residente permanente de Macau, pois não é aplicável aos adoptados o prescrito no artigo 24.º da Lei Básica e no artigo 1.º da Lei 8/1999”, tendo sido recusada a emissão de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
15. Em 10/11/2014 os ora Recorrentes apresentaram junto do Gabinete da Exma. Sra. Secretária para a Administração e Justiça o recurso hierárquico necessário que se dá aqui por integralmente reproduzido, bem como todos os documentos juntos.
16. Na sequência desse recurso hierárquico necessário supra referido, os Recorrentes foram notificados da decisão final da administração, em 28 de Janeiro de 2015, relativamente à recusa de emissão de bilhete de identidade de residente permanente para o menor A.
17. O que está verdadeiramente em causa é apurar se pela interpretação dada pela Administração ao n.º 1 do artigo 24.º da Lei Básica (e subsequentemente a interpretação dada ao n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999) se pode excluir crianças menores adoptadas para a atribuição do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
18. Alegando que à data do nascimento a mãe biológica da criança não era residente permanente.
19. Quando hoje a criança é de facto - e de direito - um cidadão de nacionalidade chinesa.
20. Ignorando-se por completo todo o regime da adopção.
21. Fazendo-se uma distinção entre filhos nascidos no casamento e fora do casamento.
22. Acrescido pelo facto de posteriormente ter sido reconhecido o menor como um nacional chinês, tal como a DSI o reconheceu como cidadão chinês quando essa Direcção de Serviços lhe atribuiu o passaporte da RAEM, documento de viagem que apenas é atribuído a cidadãos de nacionalidade chinesa.
23. Ou, por outras palavras, não tendo o legislador da Lei Básica da RAEM incluído no corpo legislativo do artigo 24.º - onde está implícita uma ideia de nacionalidade - a expressão “adoptados” (não tendo sido integrada igualmente a expressão no n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999), se apenas por esse facto essas mesmas crianças nascidas em Macau, adoptadas em Macau por residentes permanentes, crianças hoje de nacionalidade chinesa, se estão, ab initio, afastadas da possibilidade de obterem o BIR permanente de forma imediata na sequência de um vínculo adoptivo constituído por sentença judicial.
24. A Exma. Sra. Secretária para a Administração e Justiça, alicerçada num parecer da DSI, alega e defende que o artigo 24.º das Lei Básica, bem como o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, “não se aplicam a filhos adoptados e que os pais naturais do interessado não são (eram) residentes permanentes à data do seu nascimento, não se pode atribuir-lhe a qualidade de residente permanente de Macau sem ter demonstrado o preenchimento previsto no artigo 1.º da Lei 8/1999 (…)”
25. Por seu turno, entendem os Recorrentes que nem a letra nem o espírito dos diplomas citados revelam esse entendimento que é avançado pela Administração.
26. A adopção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços de sangue.
27. O instituto está centrado e todo vocacionado para a pessoa do adoptado, visando sobretudo a infância desprotegida ou abandonada, ao contrário do que acontecia anteriormente, no qual os interesses primordiais estavam centrados na pessoa do adoptante com vista a perpetuar a família, a transmissão do nome e do património.
28. Se se aceita que os interesses estão de facto todos centrados na pessoa do adoptado na defesa dos seus interesses gerais e de protecção da infância, então são esses mesmos interesses que devem ser tidos em consideração e não quaisquer outros interesses ou pressupostos que não tenham por escopo o adoptado.
29. Ora, é partindo desta orientação legal abrangente e dos princípios que estão subjacentes ao instituto da adopção que necessariamente teremos de enquadrar a situação em concreto do menor A, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, hoje de nacionalidade chinesa, de nome chinês, neto de avós chineses e sobrinho de tios chineses, integrado numa família chinesa, comunicando e estudando em chinês e titular de um passaporte da RAEM apenas concedido a cidadãos chineses.
30. Por seu turno, a Lei 8/1999 tem na sua génese o artigo 24.º da lei Básica, suscitando várias questões de interpretação, nomeadamente a de saber quem é filho de residente permanente, isto é, se somente os filhos naturais e nascidos no casamento, ou se também os filhos nascidos fora do casamento e os adoptados.
31. Parte deste trabalho interpretativo, foi desenvolvido pela Dra. Teresa Leong.
32. A interpretação meramente literal pode ser comparável a uma cortina de fumo que nos cega, sem se conseguir ver mais além, o que está para lá da letra da lei, da junção das palavras na formação das frases, e aí, salvo o devido e enorme respeito por entendimento diverso, é o ponto onde a DSI entra em equívoco.
33. Para a autora, o aprofundamento da questão em apreço é efectuado pela via da “conceptologia” disponível nos ordenamentos jurídicos envolventes, isto é, o sistema jurídico chinês, o sistema jurídico português e, subsequentemente, o sistema jurídico de Macau que tem a sua raiz no sistema jurídico português, como é pacífico, legal e doutrinalmente aceite e indiscutível.
34. Em relação ao sistema jurídico de Macau (por referência a doutrina portuguesa e às normas do Código Civil) essa análise foi efectuada, resta-nos uma abordagem, na perspectiva da autora citada, relativamente ao sistema jurídico chinês no que diz respeito ao instituto da adopção.
35. Na RPC os princípios orientadores não diferem dos princípios que gizaram o regime da adopção na RAEM.
36. O artigo 19.º (actual artigo 25.º) da Lei do Casamento da RPC (Doc. 4) consagra o princípio da igualdade entre filhos nascidos dentro e fora do casamento, prevendo que “os filhos nascidos fora do casamento gozam dos mesmos direitos dos filhos nascidos do casamento. Ninguém pode prejudicá-los ou discriminá-los”.
37. E do mesmo regime se extrai que o adoptado é para todos os efeitos considerado filho natural do adoptante, sendo obrigação do Estado da RPC proteger (artigo 20.º, actual artigo 26.º da Lei do Casamento).
38. Também a concepção na RPC do instituto da adopção, “tanto os filhos nascidos dentro do casamento, como os nascidos fora e ainda os adoptados são considerados filhos aos quais são reconhecidos os mesmos direitos e deveres”.
39. A única diferença a apontar é que no regime jurídico da RAEM a lei diferencia “filiação” de “adopção”, ao passo que no ordenamento jurídico da RPC “ […] as relações de filiação podem distinguir-se em duas categorias, uma delas integram as relações de filiação por consanguinidade natural, ou seja, as resultantes do facto do nascimento as quais abrangem as relações entre pais e filhos fora do casamento: a outra categoria é formada por relações de filiação por consanguinidade ficcionada, ou seja, as baseadas em relações legalmente ficcionadas em que se incluem... as relações adoptivas”.
40. Deve ser considerado que no ordenamento jurídico da RAEM, filho é todo aquele que nasceu no casamento, fora do casamento, mas também o adoptado.
41. A autora pelo caminho interpretativo que trilha conclui que “ [...] pensamos que deve prevalecer o entendimento de que, tal como os filhos naturais, também os adoptados são filhos para efeitos do artigo 24.º da LB”.
42. Acresce ainda que “ao permitir aos filhos de residentes permanentes aceder ao estatuto de residente permanente, o que está em causa é a ideia de unidade familiar.
Assim, dúvidas não restam de que filho para efeitos do art. 24.º da LB só pode ser aquele que mantenha com qualquer residente permanente da RAEM uma relação de filiação assente na verdade biológica ou uma relação adoptiva assente na verdade afectiva ou sociológica. De facto, tanto o regime jurídico da filiação e da adopção do ordenamento jurídico chinês como os do ordenamento jurídico português e de Macau, pressupõem tais verdades e são forjados para garantir que tais relações tenham por base as mesmas verdades.”
43. Entende a Exma. Secretária para a Administração e Justiça, apoiada no parecer da DSI, que “é muito clara a letra do artigo 24.º da lei básica e do artigo 1.º da lei 8/1999, sem qualquer obscuridade.”
44. A DSI alega, mal se entende porque é que a mesma Direcção de Serviços se teve de socorrer de uma referência à decisão tomada pelo Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em 2001, para fundamentar a sua posição.
45. É a própria DSI que reconhece o menor A como cidadão chinês, ao emitir-lhe um passaporte da RAEM.
46.A interpretação feita pela Administração da RAEM não pode (nem deve) ser legalmente aceitável que apenas com uma transcrição do que foi o pensamento do legislador, se possa traçar uma decisão final e executória nos termos em que foi feita, pois se pode desvirtuar por completo o sistema bem como o instituto da adopção, criando ambiguidades, injustiças e tratamentos diferenciados e discriminatórios, o que não é legalmente admitido pela LB em relação às questões relacionadas com a nacionalidade, ascendência ou raça, perante o disposto no artigo
47. Crêem ainda os ora Recorrentes, com o devido respeito, que a intenção legislativa não é nada clara,
48. A decisão em crise padece de vício de violação de lei, aplicando e interpretando erradamente os diplomas aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente o artigo 24.º da lei Básica, a Lei n.º 8/1999 em conjugação com todo o instituto da adopção ínsito no Código Civil, nos artigos 1838.º e seguintes, sendo anulável o acto administrativo praticado com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis.
49. Subsidiariamente, considerando que o menor A é, de facto e de direito, um nacional chinês, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, que à data do seu nascimento já eram residentes permanentes, existe a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo o acto nulo, perante o disposto no artigo 122.º do Código do procedimento Administrativo.
50. O acto nulo não produz quaisquer efeitos, sendo a nulidade invocável a todo o tempo.».
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Contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Na oportunidade, o recorrente apresentou as alegações facultativas, que concluíram da seguinte maneira:
«1. Dão-se aqui por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais, nomeadamente os do artigo 68.º, n.º 4, do CPAC, todas as conclusões inseridas do recurso contencioso.
2. Em sede de recurso contencioso de anulação, o Recorrente requereu a anulação do acto recorrido por violação do artigo 124.º do CPA, atento o vício de violação de Lei por incorrecta aplicação e interpretação da alínea 1) do artigo 24.º da Lei Básica, do artigo 1.º da Lei 8/1999, conjugado com todo o instituto da adopção ínsito no Código Civil de Macau.
3. De forma subsidiária, que o acto fosse considerado nulo, por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental (o direito à residência permanente), considerando que o menor A é, de facto e de direito, um nacional chinês, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, que à data do seu nascimento já eram residentes permanentes e que, consequentemente, fosse emitido ao menor o bilhete de identidade de residente permanente da RAEM.
4. O que está essencialmente em causa é apurar se pela interpretação dada pela Administração ao n.º 1 do artigo 24.º da Lei Básica (e subsequentemente a interpretação dada ao n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999), se pode excluir crianças menores adoptadas para a atribuição do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
5. Alegando que à data do nascimento a mãe biológica da criança não era residente permanente, quando hoje a criança é de facto - e de direito - um cidadão de nacionalidade chinesa ignorando-se por completo todo o regime da adopção, fazendo distinção entre filhos nascidos no casamento e fora do casamento.
6. Acrescido pelo facto de posteriormente ter sido reconhecido o menor como um nacional chinês, tal como a DSI o reconheceu como cidadão chinês quando essa Direcção de Serviços lhe atribuiu um documento de viagem da RAEM.
7. A Lei Básica refere que “os Residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.”
8. Na alínea 1) “Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau”.
9. Por seu turno, a lei em referência (n.º 8/1999), no artigo 1.º, n.º 1, alínea 1), impõe a condição com o “se”, acrescenta um requisito, uma condição que não está presente na Lei Fundamental.
10. É que estabelece a lei 8/1999 que “São residentes permanentes da região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente RAEM: 1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau”.
11. Este requisito na Lei 8/1999, aprovada na Assembleia Legislativa da RAEM, a uma norma redigida de forma clara e concisa na Lei Básica que se insere no capítulo dos direitos fundamentais dos residentes da RAEM, viola, no nosso modesto entendimento, a Lei Básica de RAEM.
12. Mesmo considerando o “Parecer da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional quanto à aplicação do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China”, pois que o mesmo parecer foi elaborado apenas para ser tomado em referência na elaboração da regulamentação da execução das leis.
13. O parecer refere que “os cidadãos chineses ou portugueses, nascidos em Macau, respectivamente referidos nas alienas 1) e 3) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, se os pais ou só um deles, à data do seu nascimento, residiam legalmente em Macau, salvo aqueles que tenham preenchido um dos requisitos referidos no ponto 1.º do presente parecer”.
14.Em suma, este parecer efectuou uma revisão à Lei Básica, pois a Lei Fundamental não estipula qualquer condição que esse parecer posteriormente veio introduzir.
15. Pois, como V. Exas. bem sabem, “o poder de revisão desta Lei pertence à Assembleia Popular Nacional” e o poder de interpretação ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (art. 143.º da LB).
16. E constatamos que se esse parecer, emanado da “Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional” vem acrescentar um “se”, uma condição - que não existia na Lei Básica e o parecer era apenas para ser ''tomado em referência” ao ser elaborada a regulamentação da execução das leis pela RAEM - ao que foi gizado pela Assembleia Popular Nacional em 31 de Março de 1993, pela primeira Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, em suma, a “Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional” efectuou uma verdadeira revisão da Lei Básica.
17.Impondo ao legislador da RAEM que legislasse, não apenas considerando o que está ínsito no artigo 24.º da Lei Básica, mas “obrigando-o” a considerar o que não estava na Lei Básica e estava apenas num parecer de uma Comissão, ainda que uma Comissão da Assembleia Popular Nacional.
18. Deve ser entendimento que a alínea 1) do artigo 1.º da Lei 811999 viola a Lei Básica, mais precisamente o artigo 24.º, alínea 1).
19. O menor A é um cidadão de nacionalidade chinesa, ao qual deve ser aplicado o preceituado precisamente na alínea 1) do artigo 24.º da Lei Básica.
20. Se ao menor em causa não lhe é emitido um bilhete de residente permanente da RAEM, também se está a violar um direito fundamental - o direito à resid6ência permanente -, pois que o menor A é um cidadão chinês, com todos os direitos (bem como os deveres) de qualquer outro cidadão de nacionalidade chinesa nascido na Região.
21. Acresce ainda que o artigo 24.º da Lei Básica transporta uma ideia de nacionalidade.
22. E essa ideia de nacionalidade nunca pode ser afastada, tanto mais que a nacionalidade também pode ser adquirida pela via da adopção, como foi o caso.
23. Acresce ainda que se está perante uma exclusão que é efectuada face ao facto de à data do nascimento a mãe biológica do menor não ser residente.
24. Desconsiderando-se, por completo, que o menor nasceu na Região, foi adoptado, é um cidadão chinês, tem pais, tios e avós chineses.
25. As próprias autoridades da RAEM o reconhecerem como tal, por um lado, ao emitirem-lhe um documento de viagem no qual a nacionalidade que consta é a nacionalidade chinesa, mas por outro, fazem “tábua rasa” do instituto da adopção e alegam que o legislador não pretendeu incluir na lei n.º 8/1999 os adoptados.
26. Efectuando, desta forma uma verdadeira discriminação em função da ascendência.
27. Como as autoridades administrativas da RAEM fazem igualmente uma diferenciação entre filhos nascidos dentro e/ou fora do casamento, quando o próprio instituto da adopção não o permite.
28. O menor tem uma família que, à data do nascimento, eram ambos residentes permanentes da Região, e os pais do menor são os pais que constam do registo de nascimento junto aos autos, não são quaisquer outros, quer se queira, quer não.
29. A questão controversa não passa apenas “saber se o artigo 24.º da Lei Básica da RAEM e o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na região Administrativa Especial de Macau) se aplicam aos filhos naturais de residentes permanentes ou se abrangem igualmente aqueles que, por meio da adopção, adquirem, em Macau, uma relação de filiação”, como quer fazer crer a entidade recorrida.
30. Pois que por outro lado temos todo um instituto a revelar-nos que não se pode discriminar filhos nascidos dentro e/ou fora do casamento.
31. O instituto da adopção não pode ser ignorado perante a lei ordinária sobre o direito de residência permanente.
32. É que filho concebido dentro ou fora do casamento, tanto pode ser o filho concebido por uma pessoa casada com uma outra com quem não esteja casada, como pode muito bem ser o filho concebido por quaisquer outras duas pessoas e a criança posteriormente ser adoptada, como é o caso em apreço.
33. Pois que, por hipótese, se os pais dos menores vierem a conceber qualquer filho, os mesmos nunca poderão, em qualquer situação, discriminar este menor em função dos filhos biológicos que possam vir ainda a ter.
34. Este menor não tem culpa de ter sido abandonado e dado para adopção.
35. O menor recorrente foi adoptado por num casal de residentes permanentes que, à data do seu nascimento, eram residentes permanentes da RAEM.
36. O recorrente é da opinião que a alínea 1) do artigo 1.º da Lei 8/1999 viola a Lei Básica, mais precisamente o artigo 24.º, alínea 1).
37. Entende igualmente que a decisão em crise padece de vício de violação de lei, aplicando e interpretando erradamente os diplomas aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente o artigo 24.º da lei Básica, a Lei n.º 8/1999 em conjugação com todo o instituto da adopção ínsito no Código Civil, nos artigos 1838.º e seguintes, sendo anulável o acto administrativo praticado com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis.
38. Considera igualmente que o ora recorrente é um nacional chinês, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, que à data do seu nascimento já eram residentes permanentes, existindo a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito à residência (acrescido do facto de existir uma discriminação entre filhos concebidos no e fora do matrimónio), sendo o acto nulo, perante o disposto no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo exposto,
Deve ser considerado que a alínea 1) do artigo 1.º da Lei 8/1999 viola a Lei Básica, mais precisamente o artigo 24.º, alínea 1), devendo, em conformidade, o acto recorrido ser anulado, atento o vicio de violação de lei por incorrecta aplicação e interpretação do n, o 1 do artigo 24.º da Lei Básica e do n.º 1, do artigo 1.º da lei 8/1999, conjugado com todo o instituto da adopção ínsito no Código Civil de Macau e, em consequência, ser determinado que seja atribuído ao menor o bilhete de identidade de residente permanente da RAEM;
Subsidiariamente
Deve o acto recorrido ser considerado nulo por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito à titularidade do bilhete de identidade de residente permanente, considerando que o menor A é, de facto e de direito, um nacional chinês, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, que à data do seu nascimento já eram residentes permanentes».
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A entidade recorrida também produziu alegações facultativas, sintetizando-as da seguinte maneira:
«I. O presente recurso foi oportunamente contestado, contestação cujo mérito se oferece e se dá aqui por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais.
II. Evoluindo em relação ao contestado, por consideração das alegações facultativas do Recorrente, a questão jurídica controversa nos presentes autos é a de saber se, nos termos do artigo 24.º, § 2.º, alínea 1), da Lei Básica da RAEM e do n.º 1, alínea 1), do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), os indivíduos nascidos em Macau que, à data do nascimento não detinham a nacionalidade chinesa mas que a vieram a adquirir posteriormente (nomeadamente em virtude de adopção), passam a ser, por esse facto, automaticamente considerados residentes permanentes da RAEM.
III. Assim sendo, o que está em causa não é a adopção em si mesma, enquanto instituto de Direito da Família, mas o facto de se saber se a Lei Básica (e a Lei n.º 8/1999), quando se refere aos «cidadãos chineses nascidos em Macau...», pretende enquadrar apenas aqueles indivíduos que à data do nascimento eram já cidadãos chineses, por força do vínculo biológico da paternidade, ou também os que, nascidos em Macau, adquiriram, posteriormente ao nascimento, nomeadamente por força de adopção, essa mesma nacionalidade.
IV. É tendo isto presente que deve entender-se o sentido e o alcance, quer dos «Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre Algumas Questões relativas à Aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau» e do Parecer da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional sobre a aplicação do definido no parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da RAEM, bem como do Parecer n.º 3, de 11 de Dezembro de 1999, emitido pela 2.a Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa, e neles se esclarece que os requisitos para a aquisição da residência permanente ali previstos têm que se encontrar preenchidos simultaneamente.
V. Neste sentido, a exigência da alínea 1) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, de que o nascimento em Macau e a nacionalidade são condições que devem estar satisfeitas no momento do nascimento, apenas visa assegurar a exigência de simultaneidade da verificação dos requisitos, ínsita na norma da alínea 1) do §2.º do artigo 24.º da Lei Básica, sendo por isso com ela perfeitamente compaginável.
VI. Por isso mesmo é que a relevância da adopção para efeitos de aquisição automática da residência permanente foi considerada e, de caso pensado, expressamente rejeitada, porque isso implicaria que, ao arrepio da Lei Básica, quem nasceu em Macau, de nacionalidade que não a chinesa (ou a portuguesa), pudesse, por facto posterior ao nascimento e com ele não relacionado (neste caso, a aquisição da nacionalidade chinesa em virtude de adopção), vir a adquirir automaticamente a residência permanente na RAEM.
VII. Também a exigência constante na alínea 1) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, de que os pais do indivíduo residam legalmente em Macau, em nada contraria a Lei Básica.
VIII. Efectivamente, o vínculo da residência permanente, estabelecido para com a RAEM no momento do nascimento, não se basta com a existência de uma certa nacionalidade e o acaso do nascimento em Macau - exige ainda que o nascimento tenha ocorrido em Macau em virtude de ser em Macau o centro de vida dos pais (ou de um deles) à data da sua ocorrência.
IX. Donde, a Lei n.º 8/1999 em nada contraria o disposto na Lei Básica, antes se limita a esclarecer o sentido do §2.º do artigo 24.º da Lei Básica, nos estritos termos em que esses limites foram estabelecidos por quem de direito na República Popular da China.
X. Na tomada da decisão recorrida, a Entidade Recorrida procedeu de acordo com as mais elementares regras da interpretação, com recurso, não apenas à letra da lei, mas também, a partir daí, a todos os elementos relevantes para a correcta definição do sentido da norma nela ínsita - e, em consequência, produziu a decisão que se impunha em face da lei, de não reconhecer ao Recorrente a residência permanente na RAEM.
XI. Não tendo o Recorrente o direito (actual) à residência permanente na RAEM, o Despacho recorrido não violou o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental, nomeadamente, como pedido, «o direito à titularidade do bilhete de identidade de residente permanente...»,
XII. A putativa nulidade do Despacho recorrido, pedida a título subsidiário (!), assenta, com manifesta petição de princípio, nos mesmos fundamentos que sustentam o pedido de anulabilidade - na tese do Recorrente, o acto é anulável porque houve errada interpretação da lei e a Entidade Recorrida devia ter reconhecido ao Recorrente o direito à residência permanente; e é nulo porque a Entidade Recorrida, em virtude de errada interpretação da lei, não reconheceu o direito à residência permanente do Recorrente!
XIII. Ora, um acto só pode ser anulado porque não é nulo e se é nulo não pode ser anulado (artigo 128.º do CPA) - sobretudo, não poder ser nulo e anulável pelas mesmas razões.
XIV. Deste modo, são válidos em relação à pretensa nulidade do acto recorrido os argumentos anteriormente apresentados para contestar a invocada anulabilidade.
XV. Pelo agora exposto e já antes contestado, o acto recorrido não está ferido de qualquer vício, menos ainda de nulidade.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, far-se-á inteira justiça negando provimento ao presente recurso, com as demais consequências legais.».
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Encontra-se sob escrutínio despacho da Secretária para a Administração e Justiça de 14/1/15 que, em sede hierárquica, manteve decisão do director da D.S.I. de indeferimento de emissão de BIRM a favor do menor, A, imputando os seus representantes, pais adoptivos, a tal acto, vícios de incorrecta aplicação e interpretação do nº 1 do artº 24º da LBRAEM e do nº 1 do artº 1º da Lei 8/1999, em conjugação com o previsto no Cod. Civil de Macau para o instituto da adopção e ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental à titularidade do bilhete de identidade de residente permanente da RAEM, vício este, a seu ver, passível de fulminar a decisão com nulidade.
Em nosso critério, a argumentação relativa à consubstanciação dos vícios imputados reconduz-se, no essencial, à mesma matéria, à mesma questão controvertida, a qual, aliás, se mostra perfeitamente delineada pelas partes e que consiste em saber se, à luz dos dispositivos legais aplicáveis, o menor em questão, nascido em Macau, não detendo, à data do nascimento, nacionalidade chinesa, a qual adquiriu através de adopção por casal chinês residente permanente da RAEM, passou, por motivo de tal adopção, a ser automaticamente residente permanente de Macau.
Ou seja, haverá que cuidar se, se quando, quer a LBAEM (artº 24º/1) ou a Lei 8/1999 (artº 1º/1-al. 1)) se referem aos “cidadãos chineses nascidos em Macau”, abrange apenas aqueles que, à data do nascimento, por força do vínculo biológico dos ascendentes, eram já chineses, ou se também contempla os que, tendo nascido em Macau, adquiriram a nacionalidade posteriormente, por força de adopção.
A questão poderia não se apresentar de linear resolução, designadamente face aos efeitos e consequências decorrentes deste instituto, com previsão no Cód. Civil.
Cremos, porém, que o sentido e alcance decorrentes quer dos “Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular sobre Algumas Questões relativas à Aplicação da Lei da Nacionalidade da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau”, quer do Parecer da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional sobre o definido no parágrafo 2º do artº 24º da LBRAEM, quer o Parecer nº 3 de 11/12/1999 emitido pela 2a Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa, se tomam inequívocos, para o que aqui essencialmente interessa, no sentido de que a exigência da nacionalidade chinesa se deverá mostrar satisfeita no momento do nascimento em Macau e nunca em momento posterior, não se vendo que a interpretação no sentido de tal exigência, ou mesmo da residência legal em Macau dos progenitores, conflitue, seja de que forma for, com o que a propósito é consignado na LBRAEM e não se descortinando que essa interpretação, atinente ao estatuto jurídico/político/administrativo do visado na sua relação com a RAEM, definido por aquela Lei Fundamental, haja forçosamente que conflituar ou pôr em questão as relações ou o estatuto jurídico/civil do adoptado, definido pelo Cód. Civil, não se alcançando que com a perspectiva adiantada, haja que concluir, a este nível, por diferenciação, legalmente não consentida entre filhos biológicos ou adoptivos.
Donde, por se nos afigurar correcta a interpretação subjacente ao acto controvertido e sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.».
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Julgam-se assentes os seguintes factos:
1 - O Tribunal Judicial de Base de Macau, em 30 de Maio de 2014, nos termos conjugados dos artigos 159º, do Decreto-Lei n.º 65/99/M, de 25 de Outubro, 1825º e 1826º do Código Civil de Macau, decretou a adopção do menor A, nascido em Macau no dia 20 de Outubro de 2008, pelos residentes permanentes da RAEM, B e sua mulher C.
2 - No âmbito dos autos que correram termos pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial de Base, sob o número FM1-14-039-MPS, ficaram provados, entre outros, os seguintes factos:
a) O menor A nasceu em Macau no dia 20/10/2008, tendo como mãe D, de nacionalidade filipina, e sendo desconhecida a sua paternidade;
b) Actualmente o menor tem 5 anos e 4 meses, e, desde o seu nascimento nunca teve o acompanhamento do pai (desconhecido);
c) A Sra. D (mãe biológica do Menor), perante o Tribunal, no processo que correu termos sob o n.º CV1-10-0023-MPS, deu o consentimento prévio para adopção do Menor E;
d) A Requerente tem 43 anos e o Requerente tem 44 anos, ambos são residentes permanentes da R.A.E.M. e casaram em Macau no dia 15 de Junho de 2005;
3 - Em 10/07/2014, a mãe adoptiva do interessado requereu junto da DSI a emissão do bilhete de identidade de residente permanente a favor do menor A, tendo para o efeito apresentado a respectiva certidão da adopção emitida pelo Tribunal Judicial de Base da RAEM.
4 – Pela mãe biológica, que não tinha o estatuto de residente permanente no momento do nascimento do filho, foi posto ao menor o nome de E.
5 - Na sequência da adopção, o menor passou a chamar-se A e adquiriu a nacionalidade chinesa.
6 - A DSI notificou, em 15 de Agosto de 2014, os pais do menor para uma audiência escrita invocando que de acordo com o artigo 6.º da Lei 8/1999, as relações adoptivas não se incluem no preceito da norma, citando-se a posição que foi assumida pela Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa, no Parecer n.º 3, com a respectiva citação do ponto 4., IV, ou seja, “Propõe-se a eliminação da alínea 3) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6., uma vez que, de acordo com o n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica e com o parecer da Comissão Preparatória sobre este artigo, no que respeita a atribuição do estatuto de residentes permanente aos filhos dos residentes permanentes, os termos utilizados são “nascidos em Macau” e “nascidos fora de Macau”. A intenção legislativa é muito clara: só os filhos naturais do residente permanente podem adquirir o estatuto de residente permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, já tinha adquirido esse estatuto, não abrangendo aqueles que, por meio da adopção, adquirem uma relação de filiação, nos termos desta lei.
É de referir que, embora não se atribua directamente o estatuto de residente permanente aos adoptados, não se exclui a possibilidade de o atribuir quando estes preencham as condições relativas aos residentes permanentes, constantes desta lei.”
7 - Os pais do menor apresentaram a referia audiência escrita em 1 de Setembro de 2014.
8 - Em 11 de Outubro de 2014 foram os pais do menor notificados da decisão exarada pela DSI que entendeu que o menor A “não tem estatuto de residente permanente de Macau, pois não é aplicável aos adoptados o prescrito no artigo 24.º da Lei Básica e no artigo 1.º da Lei 8/1999”, tendo sido recusada a emissão de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
9 - Em 10/11/2014 os pais do menor apresentaram junto do Gabinete da Exma. Sra. Secretária para a Administração e Justiça o recurso hierárquico necessário.
10 – Foi emitida o seguinte Parecer n.º 51/GAD/2014:
«Em referência ao recurso interposto pelo advogado constituído pelos pais do menor A (adiante designado por interessado), contra a decisão desta Direcção de Serviços, que recusou emitir ao interessado o Bilhete de Identidade de Residente (BIR), cumpre-me prestar o seguinte parecer, nos termos do artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo:
I. APRESENTAÇÃO DE FACTOS
1. O interessado, A, cujo nome originário é E, natural de Macau, nascido em 20.10.2008, titular da Certidão de Narrativa de Registo de Nascimento (registo n.º 823/2009/RC, da qual consta que o interessado é filho de B e de C (titulares do BI de Residente Permanente n.º 7385437(4) e 7369948(0).)
2. Em 10.07.2014, a mãe do interessado veio requerer perante esta Direcção de Serviços a emissão de BI de Residente Permanente a favor do interessado e juntou ao requerimento a Certidão de Narrativa de Registo de Nascimento acima referida e a sentença de adopção.
3. A filiação entre o interessado e B e C (adiante designado por adoptantes) foi estabelecida por efeito de adopção.
4. A sentença mostra que o interessado é filho natural de D e nada indica a respeito do pai biológico. Recorridos os registos existentes nesta Direcção de Serviços, não tinha encontrado registo de identificação respeitante à Sra. D, ou seja, ela não é residente de Macau.
5. Nos termos da lei, o interessado não tem estatuto de residente de Macau porque à data do seu nascimento a mãe natural não era residente de Macau, pelo que os adoptantes foram notificados (por ofício da DSI n.º 2741/DIR/2014, de 21.07.2014) de que ao interessado não será emitido o BIR da RAEM e da realização de audiência escrita.
6. E no mesmo dia da emissão do referido ofício, esta Direcção de Serviços, por meio de Ofício n.º 2742/DIR/2014, informou o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) da intenção do indeferimento do requerimento da emissão do BIR a favor do interessado, pelo facto de o mesmo não deter a qualidade de residente de Macau, e informou ainda da necessidade de o interessado dirigir-se ao Serviço de Migração da CPSP para formular o pedido da concessão de autorização de residência.
7. O advogado dos adoptantes, na carta dirigida a esta Direcção de Serviços, com data de entrada na DSI a 04.08.2014, alegou que o interessado adquiriu a situação de filho dos adoptantes pela adopção e por esta razão deve ter estatuto de residente permanente de Macau.
8. Em resposta ao teor da referida carta, esta Direcção de Serviços tinha esclarecido detalhadamente, através do nosso Ofício n.º 411/GAD/2014, de 12.08.2014, que a Lei Básica e da Lei n.º 8/1999 não são aplicáveis a filhos adoptados.
9. Nas alegações escritas apresentadas pelo advogado dos adoptantes em 02.09.2014, afirmou que a relação de filiação entre o interessado e os adoptantes foi estabelecida por efeito de adopção, decretada por sentença judicial transitada em julgado, extinguindo-se a relação de filiação entre o adoptado e os seus pais biológicos. E solicitou ainda que deve ser emitido o BI de Residente Permanente ao interessado pelos seguintes motivos:
- A Lei Básica da RAEM” no seu artigo 24.º, parágrafo segundo, não distingue entre filho natural e filho adoptado quanto à aquisição do estatuto de residente permanente de Macau, assim sendo, devem ser abrangidos os filhos adoptados;
- O tratamento diferenciado face à adopção constitui discriminação, o que viola o disposto no artigo 25.º da Lei Básica da RAEM e o previsto no Código Civil no que respeita à adopção.
10. Das alegações do advogado, ainda não tem provado que o interessado reúne as condições para aquisição do BI de Residente Permanente de Macau, pelo que por decisão da DSI, de 07.10.2014, foi indeferido o requerimento, desta decisão foi notificado o advogado por meio de ofício n.º 476/GAD/2014, datado de 07.10.2014, tendo o advogado recebido o Ofício em 11.10.2014.
II. DO DIREITO
1. A Lei Básica da RAEM, no seu artigo 24.º, define que:
“Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.” (o sublinhado é nosso)
2. Para efeitos da aplicação do disposto no parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da RAEM, a Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional emitiu o seguinte parecer:
“2. Os cidadãos chineses ou portugueses, nascidos em Macau, respectivamente referidos nas alíneas 1) e 3) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, se os pais, ou só um deles, à data do seu nascimento residiam legalmente em Macau, salvo aqueles que tenham preenchido um dos requisitos referidos no ponto n.º 1 do presente parecer.
3. Os filhos dos residentes permanentes, de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, referidos nas alíneas 1) e 2) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são aqueles cujos pais, ou só um deles, à data do seu nascimento, tenham adquirido a qualidade de residente permanente definida na Lei Básica, sujeitando-se ainda aqueles ao cumprimento das respectivas formalidades nos termos da lei quando pretenderem fixar residência na Região Administrativa Especial de Macau.
4. …
5. Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 6) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, em que à data do nascimento, os pais ou, só um deles satisfaziam o disposto na Lei Básica sobre residência permanente, podem ser admitidos como residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, depois de completarem 18 anos de idade, desde que reúnam os requisitos definidos na alínea 5) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica. “ (o sublinhado é nosso)
3. A Lei n.º 8/1999 da RAEM (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), aprovada em 20 de Dezembro de 1999 e iniciada a sua vigência nesta mesma data, foi estabelecida em conformidade com o parecer supracitado. O Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta da “Lei sobre residente permanente e direito de residência da Região Administrativa Especial de Macau” (n.º 4, ponto iv.) tinha esclarecido claramente que: “de acordo com o n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica e com o parecer da Comissão Preparatória sobre esse artigo, no que respeita a atribuição do estatuto de residente permanente aos filhos de residentes permanentes, os termos utilizados são «nascidos em Macau» e «nascidos fora de Macau». A intenção legislativa é muito clara: só os filhos naturais de residente permanente podem adquirir o estatuto de residente permanente, se o pai ou a mãe, à data de nascimento, já tinha adquirido esse estatuto, não abrangendo aqueles que, por meio de adopção; adquirirem uma relação de filiação, nos termos da lei.” (o sublinhado é nosso).
4. A Lei n.º 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), no seu artigo 1.º, prevê o seguinte:
1. São residentes permanentes da, Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9). (o sublinhado é nosso)
5. No respeito às opiniões de diferentes académicos, esta Direcção de Serviços não se conforma com o mandatário do interessado quando diz que estar de acordo com o trabalho interpretativo desenvolvido pela Ora. Teresa Leong, Juíza do Tribunal Judicial de Base, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, sob o título “A qualidade de filho de residente permanente na RAEM”, no qual se sustenta que o artigo 24.º da Lei Básica se aplica também a adoptados.
6. No entanto, está determinado no artigo 8.º do Código Civil (Interpretação da lei) que:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
7. Do referido artigo do Código Civil resulta que a interpretação da lei deve ser feita com o sentido correspondente à letra da lei e o intérprete deve presumir que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados. Esta Direcção de Serviços entende que é muito clara a letra do artigo 24.º da Lei Básica e do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, sem qualquer obscuridade. O legislador usou as expressões “nascidos em Macau” e “nascidos fora de Macau” para realçar o momento de nascimento do indivíduo, o que nos permite perceber que se pretende expressar a filiação natural.
8. Se interpretasse extensivamente as expressões “nascidos em Macau” e “nascidos fora de Macau” para “adoptados em Macau”, o tempo “à data de nascimento” seria extensiva a “depois do nascimento”, o que não corresponde à ideia original do legislador e à letra da lei, nem às regras para a interpretação da lei a que aludem o artigo 8.º do Código Civil.
9. À luz das regras para a interpretação da lei, na aplicação da lei, o operador de direito deve, em primeiro lugar; chegar ao sentido do articulado directamente pela letra da lei, e na dúvida sobre o real sentido, então há que ir ao encontro dos pareceres e do conteúdo do debate da Assembleia Legislativa para conhecer melhor o contexto legislativo e o factor histórico na elaboração da lei, examinando o pensamento legislativo do legislador.
10. Mesmo que se tome a fazer o exame profundo do pensamento legislativo da Lei n.º 8/1999, tal como acima referido, o Parecer n.º 3 elaborada pela 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta da “Lei sobre residente permanente e direito de residência da Região Administrativa Especial de Macau” já ofereceu uma resposta clara à questão em causa; além disso, a Extracção Parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999 da Assembleia Legislativa esclareceu de forma clara que “Em relação ao artigo sexto a Comissão na apreciação que fez da matéria, achou que na definição de filiação não deveriam ser incluídos os casos de adopção; por considerar que o Código Civil de Macau já trata dessas situações. Assim, sugere a eliminação da alínea três do número um e o número dois do artigo sexto.”
11. A conjugação da “naturalidade” com a “ascendência” é o princípio adoptado pelo artigo 24.º da Lei Básica e pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 para a determinação da qualidade de residente permanente de Macau, é de referir que os filhos adquirem a qualidade de residente de origem mediante a identidade dos pais biológicos, e este é o critério aplicado a nível internacional, o mesmo aplica-se aos filhos adoptados, cuja qualidade de residente de origem também se adquire em conformidade com a identidade dos pais biológicos, sendo, por isso, que na verificação de quem tem ou não estatuto de residente permanente de Macau, o legislador só vai ponderar as condições do indivíduo em causa e dos seus filhos biológicos nascidos depois de o pai ou a mãe ter adquirido o estatuto de residente permanente de Macau, não sendo necessário de considerar as circunstâncias em relação a filhos adoptados.
12. Relativamente à aplicação ou não do artigo 24.º da Lei Básica da RAEM e artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 aos filhos adoptados, com a letra da lei, o parecer e a extracção parcial acima aludidos, compreende-se que o pensamento legislativo do legislador fosse de não se aplicar a filhos adoptados.
13. Embora a lei confira aos filhos adoptados e biológicos o mesmo estatuto, mas este estatuto se refere apenas a filiação, ou seja, a obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos e o exercício do poder paternal. O facto de não atribuir ao adoptado o estatuto de residente permanente de Macau nos termos do diploma legal do local de residência do adoptante em nada afecta a eficácia da filiação, afasta-se, portanto, a existência da violação do disposto no Código Civil.
14. Resumidamente, a letra do preceituado no artigo 24.º da Lei Básica e no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 é muito clara, a letra e o sentido da lei expressaram de forma clara e correcta o pensamento legislativo do legislador. Ademais, a 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa esclareceu expressamente no seu Parecer n.º 3 e na Extracção Parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999 da Assembleia Legislativa que a Lei n.º 8/1999 só abrange os filhos naturais e não comporta o sentido que engloba também os adoptados.
15. No caso vertente, não sendo a mãe natural, D, residente de Macau, à data de nascimento do interessado e desconhecendo qualquer informação a respeito do pai natural do mesmo, este não tem estatuto de residente permanente de Macau por não reunir o previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, sendo, por isso, que não lhe foi emitido o Bilhete de Identidade de Residente Permanente nos termos da lei.
16. É de acrescentar que, desde sempre, se o adoptante pretender que o seu filho adoptado residir em Macau, independentemente do adoptado nascido ou não em Macau, o adoptante terá de requerer perante o Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública a autorização de residência, após autorizada a residência pode requerer perante esta Direcção de Serviços a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente.
III. PROPOSTA
Face ao acima exposto, tendo em consideração que o artigo 24.º da Lei Básica dá RAEM e a Lei n.º 8/1999 não se aplicam a filhos adoptados e que os pais naturais do interessado não são residentes de Macau à data do seu nascimento, não se pode atribuir-lhe a qualidade de residente permanente de Macau sem ter demonstrado o preenchimento do previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, pelo que vem, mui respeitosamente, propor a V Ex.ª que seja mantida a decisão da DSI que indeferiu a emissão do BIR da RAEM a favor do interessado.»
11 – Em 7/01/2015 foi prestada a seguinte Informação nº2/GAD/2015:
«Assunto: Recursos hierárquicos de Nair Alexandra Dias Cardoso, B e C
Informação N.º 2/GAD/2015
Data: 07/01/2015
Exmª Srª Secretária para a Administração e Justiça
Relativamente aos dois casos sobre o pedido de emissão de bilhete de identidade de residente permanente aos filhos adoptivos, este Direcção de Serviços tinha submetido a V.Exa dois pareceres sob nºs 50/GAD/2014 (Anexo 3) e 51/GAD/2014 (Anexo 4), em 20/11/2014 e 27/11/2014, respectivamente. Em 26/12/2014, recebemos os pareces sobre os casos, emitidos pelos assessores do gabinete de V.Exa, Dr. Fong Soi Tong e Drª Maria João Antunes Ramos, em que exigiram que fossem tomadas diligências complementares. Para tal fim, apresentamos os respectivos dados e parecer complementar sobre os casos:
1. Analisados os pareceres emitidos pelos referidos assessores, este Direcção de Serviço mantém o ponto de vista tomado nos Pareceres nºs 50/GAD/2014 e 51/GAD/2014. No nosso entendimento, as expressões usadas no artº 24º da Lei Básica e no artº 1 da Lei nº 8/1999 são muito explícitas, cujo significado manifesta expressamente a intenção legislativa. Ademais, o parecer nº 3 da 2a comissão de trabalho da Assembleia Legislativa e o extracto da acta da sessão plenária para discussão de projecto de lei de 13/12/99 falam claramente que a filiação indicada na Lei nº 8/1999 é natural e não adoptiva.
2. De facto, o Tribunal de Última Instância de Hong Kong já proferiu em 2001 a decisão quanto à questão “os filhos dos residentes permanentes de Hong Kong indicados no artº 24º da Lei Básica abrangem, ou não, os filhos adoptivos (cfr. o Anexo 6: Sentença proferida nos recursos civis nºs 20 e 21/2000), da qual extraímos o seguinte excerto:
“Analisados o objectivo e contexto do artº 24º, nº 2, al. 3), encontra-se nesta cláusula a expressão “nascido de…” Essa expressão é obscura? Aparentemente, essa expressão indica filhos naturais, não se pode interpretar que são incluídos também os filhos adoptivos….”
“Tal interpretação é sustentada pelas “disposições relativas ao tempo de nascimento”, segundo as quais: o pai ou a mãe do interessado deve ser residente permanente que tenha reunido o requisito previsto no artº 24º, nº 2, als. 1) ou no artº 24º, nº 2, al. 2) à data do seu nascimento, Esta norma centra-se no tempo de nascimento, o que manifesta que o tipo de filiação indicado aqui é filiação natural e não adoptiva. Caso se considere a presente causa a partir do fundamento principal invocado pelo recorrente, ou seja, considera-se o tempo da adopção e não o do nascimento, isto será como substituir a norma anterior por outra que é substancialmente diferente. Caso se considere a data do nascimento do interessado, fundamento alternativo que foi aduzido pelo recorrente, mas se centra na qualidade dos pais adoptivos, entendemos ser inadequada esta forma, porquanto não existia, naquela altura, qualquer relação entre o interessado e os pais adoptivos, mas sim entre o mesmo e os seus pais naturais.”
3. Da referida sentença, verifica-se que o Tribunal de Última Instância de Hong Kong afirma que a expressão “nascido de...” utilizada no artº 24º da Lei Básica deve, aparentemente, ser interpretada como “nascido naturalmente de”. Os adoptados não são filhos biológicos dos residentes permanentes de Hong Kong, não tendo, portanto, o direito de residência.
4. É de salientar que a lei concede aos filhos adoptivos a mesma posição à dos filhos naturais, isto, no entanto, tem a ver só com os efeitos da filiação, ou seja, a obrigação alimentícia entre os pais e filhos e o exercício do poder paternal. O facto de os filhos adoptivos não conseguirem adquirir a qualidade de residente permanente conforme a legislação do domicílio dos pais adoptivos não prejudica os efeitos de filiação. Ademais, os adoptados (no estrangeiro ou na China) podem pedir a fixação de residência em Macau por motivo de reunião familiar e, após terem residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, podem requerer nos termos da lei o bilhete de identidade de residente permanente de Macau. Pelo exposto, esta Direcção de Serviços concorda com o parecer do assessor Fong. Embora o regime jurídico de Macau e as convenções internacionais vigentes na Região tenham estabelecido bons regimes de adopção, não se pode entender, por isso, que a qualidade de filho adoptivo corresponde inteiramente à de filho natural dos residentes permanente de Macau definidos na Lei Básica e Lei nº 8/1999.
À consideração superior.».
12 – Em 14/01/2015 a Secretária para a Administração e Justiça despachou:
«1. Concordo com as análises feitas e fundamentos invocados nas In. Nºs 50/GAD/2014, 51/GAD/2014 da DSI e no presente parecer, indeferindo o recurso hierárquico e mantendo a decisão do referido serviço.
2. A DSI notifique os recorrentes.»
***
IV – O Direito
1 - No presente recurso procuram os pais do menor demonstrar a ilegalidade da decisão de que recorrem, que recusou a emissão de BIRM ao menor A.
Antes de se entrar, porém, na análise jurídica do caso, procuremos sublinhar alguns dos factos essenciais:
- O menor em causa nasceu em Macau no dia 20/10/2008, filho biológico de D, de nacionalidade filipina, e de pai desconhecido.
- Foi posto ao menor o nome de E e a mãe biológica não tinha o estatuto de residente permanente da RAEM no momento do nascimento.
- O TJB decretou a adopção do menor por B e mulher C, residentes permanentes da RAEM.
- Na sequência da adopção, o menor passou a chamar-se A e adquiriu a nacionalidade chinesa.
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2 – O vício imputado ao acto é o da violação de lei, concretamente o da violação do art. 24º da Lei Básica e do art. 1º da Lei nº 8/1999.
O art. 24º da Lei Básica da RAEM prescreve o seguinte:
«Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência».
E o art. 1º da Lei nº 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), no seu artigo 1.º, prevê o seguinte:
«1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9). (o sublinhado é nosso)
5. No respeito às opiniões de diferentes académicos, esta Direcção de Serviços não se conforma com o mandatário do interessado quando diz que estar de acordo com o trabalho interpretativo desenvolvido pela Ora. Teresa Leong, Juíza do Tribunal Judicial de Base, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, sob o título “A qualidade de filho de residente permanente na RAEM”, no qual se sustenta que o artigo 24.º da Lei Básica se aplica também a adoptados.».
Por outro lado, o art. 6º deste Lei nº 8/1999, com a epígrafe “Filiação”, dispõe que:
«Para efeitos da presente lei é reconhecida a seguinte relação de filiação:
1) Entre a mãe e os filhos, dentro ou fora do casamento;
2) Entre o pai e os filhos nascidos no casamento ou, se nascidos fora do casamento, entre o pai e os filhos com documento comprovativo de reconhecimento da paternidade emitido por órgão competente».
Finalmente, importa transcrever o que dispõe o art. 4º da Lei nº 8/2002 (diploma que estabelece os princípios gerais do regime do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designado por BIR):
Artigo 4.º
Estatuto de residente dos menores
São residentes da RAEM os menores, naturais de Macau, se ao tempo do seu nascimento, o pai ou a mãe residiam legalmente em Macau.
Decorre dos artigos transcritos que o legislador parece ter tido uma preocupação de salvaguardar a posição dos cidadãos, para efeito da atribuição do estatuto de residente permanente da RAEM, tendo por base cinco factores essenciais: o nascimento, a filiação, a nacionalidade e a residência habitual, o domicílio permanente em Macau.
Não são factores que devam reunir-se cumulativamente (todos), obviamente, mas para cada caso tipificado e diferenciado nas normas o legislador estabeleceu a necessidade da reunião de alguns. Talvez esteja nessa diferença a marca da sua virtude, na medida em que a preocupação de não medir pela mesma bitola todos os interessados se deva à circunstância de não ser igual a situação de cada um no plano dos factos.
Pois bem. Antes de mais nada, não parece que o art. 4º transcrito da Lei nº 8/2002 sirva de grande auxílio de hermenêutica, na medida em que não fornece a solução para a atribuição do estatuto de residente permanente. Ele limita-se a conferir um estatuto, diríamos de conexão, em função da residência legal do pai ou da mãe em Macau ao tempo do seu nascimento. Ora, o que nos importa não é saber se o menor tem direito a residir em Macau, mas sim, se tem direito a ser “residente permanente” em Macau e, para isso, os princípios gerais que concernem à emissão do regime do bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau, ou simplesmente BIR, não fornecem nenhum préstimo.
A solução deve ser procurada, pois, na Lei Básica e na Lei nº 8/1999, sem se esquecer o instrumento legal que estabelece os critérios para a atribuição da nacionalidade chinesa (Adoptada em 10 de Setembro de 1980 pela Terceira Sessão da Quinta Legislatura da Assembleia Popular Nacional, promulgada em 10 de Setembro de 1980 pelo Decreto do Presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional n.º 8 e para vigorar a partir da data da sua promulgação).
E começando já por este diploma, logo se descobre na 1ª parte do seu art. 5º a regra segundo a qual o critério da atribuição da nacionalidade chinesa é o ius sanguinis: (“Um indivíduo nascido no estrangeiro cujos progenitores, ou um deles, sejam cidadãos chineses tem nacionalidade chinesa”). E parece que reside aí em grande parte – atrever-nos-íamos a dizer na sua maior parte – o suporte interpretativo de que carecemos, sendo que a partir dele, mais fácil se torna o apuramento da definição do direito à residência permanente.
Expliquemo-nos.
Quando, por exemplo, a alínea 1) do art. 24º da LB preceitua que os “filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau” têm direito à residência permanente se os pais forem cidadãos chineses, está a dar um mote muito importante: só devem ser configurados na hipótese legal os “filhos” – limitaremos a discussão à questão dos filhos, compreensivelmente – que sejam de “nacionalidade chinesa” e, concomitantemente, “nascidos fora de Macau”. Está ali perfeitamente prevista a hipótese de crianças, filhas de pais chineses, nascidas fora de Macau, mas que pela regra do critério sanguíneo, tenham nacionalidade chinesa.
O mesmo se deve concluir no que concerne à alínea 2) do mesmo art. 24º. Com efeito, e pondo de lado a primeira parte – reportada ao direito conferido aos cidadãos chineses que tenham residido durante 7 anos consecutivos em Macau -, a segunda parte da norma também prevê que os filhos desses cidadãos chineses possam adquirir o mesmo direito desde que verificada a “fattispecie” da primeira, ou seja, desde que aqueles se tenham tornado residentes permanentes. Há, no entanto, uma outra condição adicional tão subtil, quanto decisiva, introduzida de modo semelhante ao da primeira citada alínea: este direito concedido aos “filhos” só ocorrerá se eles tiverem a nacionalidade chinesa.
Há, portanto, uma espécie de fluído que une os pressupostos destas duas alíneas: num caso e noutro, os “seus” filhos terão acesso ao direito – uma vez verificado o pressuposto substantivo da 1ª parte – se, nascidos fora de Macau, tiverem a nacionalidade chinesa. E nós cremos muito sinceramente que essa nacionalidade chinesa tem que ser obtida no momento do nascimento e, por conseguinte, de acordo com as regras da nacionalidade que estabelecem o ius sanguinis. Dito de outra maneira, o que ali está prevista é a atribuição abstracta do direito aos filhos dos cidadãos chineses que, em virtude dessa relação de filiação, tenham a nacionalidade chinesa no momento do seu nascimento.
Isto reforça a ideia, que para nós é suficientemente clara, de que há na “mens legis” uma intenção de proteger apenas aqueles que sejam filhos dos cidadãos chineses no momento do nascimento; ou seja, a filiação relevante é aquela que se reporta ao momento do nascimento.
E com esta conclusão, a discussão em torno do problema concreto que nos ocupa fica automaticamente facilitada. Com efeito, nesta tese não tem qualquer apoio a solução defendida pelos recorrentes, uma vez que o menor em causa não tinha a nacionalidade chinesa no momento do seu nascimento. Ao ser adoptado anos após o seu nascimento e ao ter recebido a nacionalidade chinesa após a adopção, a sua situação não passou a ter respaldo na lei básica.
A questão, por este prisma, não merece discussão a propósito de filhos biológicos/naturais e filhos adoptivos. Estes últimos só não merecem protecção deste ponto de vista por no momento do seu nascimento não serem cidadãos de nacionalidade chinesa.
Assim, nenhuma das alíneas do art. 24º cobre a situação deste menor.
E isto que dizemos do art. 24º da Lei Básica aplica-se mutatis mutandis ao corpo de normas do art. 1º da Lei nº 8/1999. É que também ali, por exemplo, se exige aos filhos dos cidadãos chineses que tenham nacionalidade chinesa e que à data do seu nascimento o pai ou mãe (chineses) satisfaçam os critérios das alíneas 1) e 2) (cfr. alínea 3)). Ou se permite a aquisição do direito aos filhos de residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5) que sejam de nacionalidade chinesa e cujos pais – pai ou mãe – à data do nascimento satisfaçam os critérios dessas mesmas alíneas (ver alínea 6)).
E porque tal não sucede no caso, além de nenhuma das restantes alíneas do art. 1º se aplicar ao caso, somos também a concluir que o preceito não se pode dar por violado.
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3 - É por isso que também não podemos ver no art. 6º da Lei nº 8/1999 nenhum entrave à aplicação dos efeitos da adopção em certos casos de residência permanente. Tal preceito – que não inclui a adopção na relação da filiação – não significa que tenha excluído todos os casos de adopção da previsão das normas citadas da Lei Básica e da referida Lei nº 8/1999. A eliminação da norma que incluía a adopção entre a relação de filiação apenas se ficou a dever à circunstância de, conforme o parecer nº 3 elaborado pela 2ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta de lei sobre o assunto, se ter considerado que o tema da adopção já estava tratado no Código Civil. Ou seja, o diploma não se quis intrometer nesse instituto.
O modo como interpretamos a lei – indo à letra e ao seu espírito – não deixa, porém, margem para pensar que os adoptados estejam todos excluídos da norma. Se estamos certos, só aqueles que no momento do nascimento não tenham nacionalidade chinesa é que não podem beneficiar do direito.
Ilustremos com um exemplo:
Imaginemos que os pais A e B, cidadãos chineses, pelas más condições de vida em que se encontram, entregam o seu filho de nacionalidade chinesa no momento do nascimento (segundo a lei da nacionalidade chinesa) para adopção, a qual vem a ser decretada a favor de C e D, quando ele tem 9 meses de vida. C e D são cidadãos chineses que nasceram em Macau (alínea 1), do art. 24º) ou residem em Macau há 10 anos (alínea 2), do art. 24º). Parece claro, aí, que todos os requisitos das referidas alíneas estão reunidas. E o menor parece que não poderá deixar de beneficiar do direito à residência permanente, uma vez que ele, à data do nascimento, tinha a nacionalidade chinesa, porque a lei não faz qualquer distinção substantiva entre o filho biológico e o filho adoptado em relação aos cidadãos chineses a quem a norma estabelece a conexão relevante.
Neste sentido, o nascer em Macau ou fora de Macau não terá reflexo negativo se o filho, por causa do nascimento e à luz da lei da nacionalidade, desde logo adquiriu a nacionalidade chinesa. Esse, sim, para nós, é elemento decisivo que diz respeito apenas ao filho.
Se não fosse de seguir esta interpretação, então sim, cremos que estaríamos perante uma discriminação negativa que o art. 1838º do Código Civil não parece não tolerar, nem o art. 25º da LB consentir.
Portanto, no nosso simples modo de ver, o que as disposições citadas estabelecem é um requisito substantivo de nacionalidade que deve ter-se por verificado no momento do nascimento ou por causa do nascimento, o que exclui que os casos em que essa aquisição de nacionalidade venha a ocorrer posteriormente, em virtude, por exemplo, do vínculo da adopção.
É esta a interpretação que, à luz do art. 8º do CC, melhor se coaduna com a letra e com o espírito da lei.
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4 - E, neste sentido, não merece abono o apelo aos arts. 19º da Lei do Casamento da RPC, nem a concepção na RPC do instituto da adopção. Nesse aspecto, não há diferenças de vulto em relação ao disposto no art. 1838º do nosso Código Civil. Estamos todos de acordo quanto a isso e quanto aos efeitos que para o adoptado resulta da adopção plena.
Também concordamos que o espírito da unidade familiar está presente no corpo de normas do art. 24º da Lei Básica e do art. 1º da Lei nº 8/1999.
O problema é que nem uma coisa nem outra são capazes de acudir ao caso, se ele apresenta uma configuração normativa que não permite outra interpretação diferente daquela que acima expusemos, salvo o devido respeito por opinião contrária.
Dir-se-ia, numa primeira abordagem não jurídica que, à partida, não faria sentido distinguir as situações entre filhos naturais/biológicos e filhos adoptados para efeito da aplicação do estatuto de residente. Mas, e como se disse, não é tanto essa diferenciação que descobrimos nas normas acima citadas, mas sim a distinta solução consoante a nacionalidade à data do nascimento dos “filhos” representados nelas. E quanto a isso, os critérios de interpretação literal não deixam margem para dúvida quanto ao que o legislador quis dizer e disse.
Por isso, não se pode dar por verificado, neste caso, o vício de violação do art. 24º da LB e do art. 1º da Lei nº 8/1999, em conjugação com o art. 1838º e sgs. do CC.
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5 - Nas suas alegações facultativas os pais do menor introduziram um novo vício: o da violação pela alínea 1) do art. 1º da Lei nº 8/1999 do art. 24º da Lei Básica (cfr. conclusões 10º a 18ª).
Ora, este novo vício deveria ter sido invocado na petição inicial e não apenas nesta fase do processo, uma vez que não se verificam os pressupostos para a sua alegação tardia, nos termos em que o permite o art. 68º, nº3, do CPAC.
De qualquer maneira, somos a dizer, ainda que sumariamente, que esta disposição legal não parece ser aplicável ao caso em apreço, visto que ela se refere aos “cidadãos chineses nascidos em Macau…”. Está pensada para os indivíduos que já sejam chineses e que queiram ter o estatuto de residente permanente na RAEM. E o caso em análise, diferentemente, é o de um “filho” menor, não chinês, à data do seu nascimento e para o qual se pretende conferir esse estatuto. O facto de ser chinês após a adopção, de os pais adoptivos serem chineses e de toda a sua nova família ser de etnia chinesa não altera o pressuposto normativo a que acima fizemos referência e que se prende, no nosso entendimento, repetimos, com a circunstância de ele não ter a nacionalidade chinesa à data do nascimento.
Por tudo isto, e em suma, o recurso não pode proceder.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente, representado pelos pais, com taxa de justiça em 4 UC.
TSI, 22 de Outubro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong (Votei a decisão, ao entanto, com o devido respeito, não concordo com a ideia exposta no ponto 3 do Acórdão.)
Lai Kin Hong (Votei o Acórdão com a reserva quanto à ideia, reflectida pelo exemplo citado a fls. 44, de que, quando adoptado por um cidadão chinês, residente da RAEM, um menor de nacionalidade chinesa no momento de nascimento passa a ser automaticamente residente permanente da RAEM, por ser equiparado aos “filhos biológicos” a que se refere o artº 1º/1-1) e 3) da Lei nº 8/1999, tendo em conta o sentido, algo restringido face à lei civil, da “filiação” delimitado pelo artº 6º da mesma lei.)
Presente
Vitor Coelho
197/2015 49