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Processo nº 826/2015/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 19 de Novembro de 2015

ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Prova testemunhal
- Articulados após a contestação
- Requisitos legais

SUMÁRIOS:
- No procedimento cautelar da suspensão de eficácia não é admissível a prova testemunhal face ao carácter urgente do mesmo.
- Pois, o legislador estabelece de forma expressa que “Junta as contestações ou findo o respectivo prazo, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 2 dias e, seguidamente, é concluso ao juíz para decidir, ou ao relator para o submeter à conferência na sessão imediata, independentemente de vistos, que só correm quando qualquer dos juízes-adjuntos os solicite, hipótese em que a decisão é proferida na sessão seguinte àquela” – artº. 129º, nº 2, do CPAC – não prevendo, portanto, qualquer fase da produção da prova testemunhal.
- O legislador não prevê, no procedimento cautelar da suspensão de eficácia, mais articulados após a contestação da Entidade Requerida, tendo em conta o seu carácter urgente.
- Não há lugar a contraditório sobre um contraditório já exercido, a não ser que existem questões novas ou supervenientes que estão fora do âmbito da contestação normal.
- Só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
- Para a procedência do pedido da suspensão, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
- É necessário verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:
“a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
O Relator,











Processo nº 826/2015/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 19 de Novembro de 2015
Requerente: A – Sociedade de Indústrias Cerâmicas, Lda.
Entidade Requerida: O Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

    A - Sociedade de Indústrias Cerâmicas, Lda., melhora identificada nos autos, vem requerer a suspensão da eficácia do despacho do Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 29/05/2015, pelo qual se determinou a desocupação do terreno com a área de 7.000m2, situado na Ilha da Taipa, no aterro de XX, lote “XX”, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação.
    Alega para tanto, no essencial, que a execução destes actos lhe causará prejuízos de difícil reparação; a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público; e inexistem indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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    O Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas vem opor à pretensão do requerente, por entender o pedido não preencher os requisitos legais previstos no nº 1 do artº 121º do CPAC.
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O Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
    “Em conformidade com as jurisprudências assentes, o despacho de ordenar o despejo/desocupação tem conteúdo positivo, em virtude de provocar directamente a alteração da statu quo do destinatário. À luz da a) do art.120º do CPAC, verifica-se in casu a idoneidade do objecto.
    Sendo assim, resta-nos apurar se, no caso vertente, se preencherem os três requisitos previstos no n.º1 do art.121º do CPAC.
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    No actual ordenamento jurídico de Macau, forma-se jurisprudência pacífica e constante que são, em regra, cumulativos os requisitos previstos no n.º1 do art.121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo n.º2/2009).
    E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º799/2011 e n.º266/2012/A)
    Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º1106, do TUI nos Processos n.º33/2009 e n.º16/2014, do TSI no Processo n.º266/2012/A)
    E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º1123, do TSI nos Processos n.º17/2011/A e n.º265/2015/A)
    No caso sub iudice, o que importa designadamente salientar é que o Venerando TUI asseverou, no seu douto acórdão decretado no Processo n.º82/2013: O facto de o indeferimento da suspensão da eficácia colocar em causa o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no recurso contencioso não é, por si, suficiente para o deferimento da providência.
    No caso vertente, sopesando atenciosamente o aduzido nos arts.28º a 29º e 32º a 34º do Requerimento, não nos resta dúvida alguma de, ao máximo, ser remota, indirecta e, ainda, meramente eventual e hipotética a alegada «impossibilidade definitiva de a requerente aproveitar» o terreno dos autos, visto a qual depender da construção, no futuro não agendado, de edifício nesse terreno, pela própria Administração ou por um terceiro a quem conceda tal terreno – ninguém sabe, neste momento, quando se procederá a concessão desse terreno e qual terceiro será o concessionário?
    Neste ponto, sufragamos o aduzido no art.28º da contestação, aí se reza: É que não se pode perder de vista que no terreno em questão nunca foi iniciada nem existe qualquer obra ou construção, pelo que não se vislumbra que tipo de prejuízos, muito menos de difícil reparação, poderá ter a Requerente se ficar sem a posse do terreno durante o período de tempo que o tribunal necessita para decidir o recurso contencioso.
    Em segundo lugar, tem de ser inconsistente e insustentável a invocada irreparabilidade do prejuízo arrogado no art.37º do Requerimento, pois bem por natureza das coisas, qualquer «lucro cessante» é sempre quantificável, mesmo que não seja fácil a correspondente cálculo.
    Afinal, em consonância com a sensata jurisprudência do Venerando TUI supra citada, não é suficiente para abonar o pedido de suspensão de eficácia a eventual impossibilidade de reconstruir a situação actual hipotética, invocada no art.38º do Requerimento.
    Tudo isto imbui-nos a impressão de ser inegável e patente que a Requerente não consegue comprovar a existência do prejuízo de difícil reparação. Quer isto dizer que, a nosso ver, não se preenche in casu o requisito consignado na alínea a) do n.º1 do art.121º do CPAC.
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    Em observância à jurisprudência consolidada pelo Venerando TUI nos Processos n.º15/2010, n.º23/2015 e n.º28/2015, entendemos que não há lugar in casu à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente no seu requerimento Inicial.
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    Pelo expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço, e pela não admissão da pretensão de inquirição das testemunhas.”
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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    Factos provados:
    Com base nos documentos juntos aos autos, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Por despacho do Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 29/05/2015, se determinou a desocupação do terreno em causa no prazo de 60 dias.
2. A Requerente foi notifcada do acto suspendendo através do ofício no 605/6038.01/DSODEP/2015, datado de 17 de Agosto de 2015.
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Enquadramento jurídico:
I. Questão Prévia: Da inquirição das testemunhas:
É de jurisprudência unânime, tanto do TUI (ex.: Ac. de 15/07/2015, Proc. nº 28/2015) como deste Tribunal (ex.: Ac. de 19/04/2012, Proc. nº 154/2012/A), que no procedimento cautelar da suspensão de eficácia não é admissível a prova testemunhal face ao carácter urgente do mesmo.
Pois, o legislador estabelece de forma expressa que “Junta as contestações ou findo o respectivo prazo, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 2 dias e, seguidamente, é concluso ao juíz para decidir, ou ao relator para o submeter à conferência na sessão imediata, independentemente de vistos, que só correm quando qualquer dos juízes-adjuntos os solicite, hipótese em que a decisão é proferida na sessão seguinte àquela” – artº 129º, nº 2, do CPAC – não prevendo, portanto, qualquer fase da produção da prova testemunhal.
Nesta conformidade, é de indeferir o pedido da inquirição das testemunhas.
II. Da “resposta” da Requerente:
Notificada da contestação da Entidade Requerida, vem a Requerente apresentar a “resposta” junta a fls. 58 a 64 dos autos, a fim de impugnar a posição da Entidade Requerida, defendendo que o seu pedido da suspensão de eficácia preenche todos os requisitos legais.
Trata-se duma peça processualmente inadmissível, já que o legislador não prevê, no procedimento cautelar da suspensão de eficácia, mais articulados após a contestação da Entidade Requerida, tendo em conta o seu carácter urgente.
Também não se afigura que a apresentação da referida peça se justifique com base no princípio contraditório, na medida em que a Entidade Requerida, na contestação, limita-se a por em causa a posição da Requerente, no sentido de que o pedido da suspensão da eficácia do acto não reúne os requisitos legais, expondo, para o efeito, a sua tese jurídica.
Traduz, portanto, num exercício do contraditório do que foi alegado pela Requerente na petição inicial.
Não há lugar a contraditório sobre um contraditório já exercido, a não ser que existem questões novas ou supervenientes que estão fora do âmbito da contestação normal (ex: invocou a litigância de má fé do Requerente por parte da Entidade Requerida, pedindo a respectiva condenação).
Pelo exposto, é de não admitir a junção da peça processual em causa e, em consequência, determinar o seu desentranhamento e a respectiva restituição.
Custas do desentranhamento com 1UC da taxa de Justiça.
Notifique e D.N.
III. Do mérito da causa:
O acto em causa consiste num acto de execução da declaração da caducidade da concessão do terreno.
Nesta conformidade, não se nos afigura que seja susceptível de suspensão de eficácia autónoma por não ter um conteúdo autónomo (na parte da desocupação), pois que o que deve ser objecto de suspensão de eficácia seria o acto da declaração da caducidade da concessão e não o seu acto de execução.
De qualquer forma, ainda que fosse susceptível de suspensão de eficácia, o pedido da Requerente também não pode proceder.
Vejamos.
Dispõe o artº 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresenta uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
Não temos qualquer dúvida de que se trata de um acto positivo.
Para a procedência do pedido, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
É ainda necessário ainda reunir outros requisitos legais, a saber:
    “a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
    b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
    c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
Tais requisitos devem verificar-se, em regra, cumulativamente para que o requerimento seja procedente (Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 25.4.2001, recurso 6/2001, do Tribunal de Segunda Instância, de 22.2.2001, recurso 30-A/2001, e do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 1.7.2003, recurso 975/03).
Em relação ao requisito da inexistência de fortes indícios de ilegalidade do recurso, entendemos que está verificado, na medida em que a interposição do recurso contencioso por parte da Requerente contra o acto em crise é uma actuação legal e legítima, consistindo no exercício de um direito fundamental previsto no artº 36º da Lei Básica da RAEM.
É certo que os actos de execução, em princípio, não são contenciosamente recorríveis.
No entanto, o legislador prevê excepções para o efeito (nº 2 do artº 30º do CPAC).
No caso em apreço, a Requerente invocou no respectivo recurso contencioso vícios próprios do acto de execução, que é uma das excepções legais.
Quanto ao requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 121º do CPAC, o Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas vem alegar que a suspensão da eficácia do acto determina a grave lesão para o interesse público.
Trata-se duma alegação genérica e conclusiva sem acompanhar factos concretos para o efeito, pelo que nos termos do nº 1 do artº 129º do CPAC, considera-se também verificado o requisito da inexistência da lesão grave do interesse público.
No que respeita ao requisito constante da citada alínea a) do nº 1 do artº 121º do CPAC, a Requerente, para sustentar a sua posição, alegou essencialmente o seguinte:
- O terreno em causa situa-se na Zona do XX e tem uma situação única, nomeadamente por ser contígua a outras unidades industriais complementares à actividade que se pretende desenvolver no edifício a erigir no terreno dos autos e, especialmente, por distar menos de 1 quilómetro de importantes vias de transporte e comunicação, quais sejam o Aeroporto Internacional de Macau e o Novo Terminal Marítimo da Taipa, factores essenciais ao exercício da actividade da Requerente.
- Com a execução do acto, ainda que obtenha provimento no recurso contencioso, é extremamente provável que fica definitivamente impedida de aproveitar o terreno em causa, já que é muito provável que virá a ser erigida uma qualquer edificação no terreno logo que a desocupação seja efectivada.
- Esta perda da oportunidade lhe causará prejuízos de difícil reparação.
São os mesmos argumentos utilizados nos autos da suspensão de eficácia do acto da declaração da caducidade da concessão (Proc. nº 434/2015/A).
No referido processo, este Colectivo já se pronunciou pela forma seguinte:
    “...Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
    Em primeiro lugar, o aproveitamento do terreno em causa logo após a desocupação ou em curto prazo por parte da Administração é meramente uma hipótese por si calculada, não tendo portanto qualquer suporte factual para o efeito.
    Por outro lado, mesmo que o terreno em causa for aproveitado, nada impede que a Entidade Recorrida, caso a declaração da caducidade vier a ser julgada inválida, concederia à Requerente outro terreno em substituição daquele.
    Não ignoramos que a Requerente alegou que o terreno em crise tinha uma localização específica e única, o que era muito importante para a sua actividade industrial (cfr. artº 42º da petição inicial da providência).
    Contudo, esqueceu a Requerente que ela já não queria aproveitar o terreno em crise para finalidade industrial pelo menos desde 2008, pois, requereu naquele ano a alteração da finalidade da concessão, de indústria para habitação (factos por si alegados nos artº 33º a 35º da petição inicial do recurso contencioso).
    Nesta conformidade, cai por toda linha de terra esta argumentação da localização específica e única do terreno.
    Não se verifica, portanto, o requisito previsto na al. a) do nº 1 do artº 121º CPAC, o que implica a não procedência do pedido...”.
Não se verifica, por ora, qualquer razão para alterar a posição já assumida no Proc. 434/2015/A.
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Por tudo o exposto, acordam, em conferência, em indeferir o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Senhor Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, de 29/05/2015.
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Custas pela Requerente com 8UC de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 19 de Novembro de 2015.

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Ho Wai Neng Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Presente)
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong




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