Processo nº 792/2015 Data: 24.09.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 792/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau, (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º, n° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 126 a 133 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 135 a 136).
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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso.
Tem o Parecer o teor seguinte:
“Encontramo-nos de acordo com as doutas considerações expendidas pelo Exmo Colega junto do tribunal “a quo”, as quais demonstram, à saciedade a justeza do despacho em crise e consequente falta de razão no alegado pelo recorrente.
Pese embora na sua proposta o técnico de reintegração social admita a possibilidade “pode-se pensar” da libertação antecipada almejada, é o próprio director do E.P.M. a emitir parecer desfavorável a propósito (não obstante o visado ter mantido comportamento prisional adequado, participando em actividades escolares e religiosas e com aparentes boas perspectivas de acolhimento familiar e reintegração social), fundado no facto de a sua vida anterior revelar sinais de hábitos marginais e as penas que lhe foram aplicadas não terem surtido o efeito intimidatório desejado.
E, na verdade, bastará atenar no “peso” do respectivo C.R.C. para facilmente se concluir nesse sentido, isto é, certamente por influência do mundo dos narcóticos (domínio onde detém várias condenações), os hábitos marginais revelam-se evidentes, como evidente se torna que as penas que entretanto lhe foram sendo aplicadas, não tiveram a virtualidade de o afastar da criminalidade, tudo revelando, pois, que, relevando aqui sobretudo a sua vida anterior, não se torna sensato emitir juízo de prognose sério no sentido que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, revelando-se, assim, a almejada libertação antecipada incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Daí que se nos afigure não merecer provimento o presente recurso, havendo que manter o decidido”; (cfr., fls. 143 a 144).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 12.12.2013, para cumprimento de uma pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, resultado do cúmulo jurídico de várias penas que lhe foram aplicadas pela prática de crimes de “tráfico de menor gravidade”, “consumo ilícito de estupefacientes” e “condução sob influência de estupefacientes”;
– em 31.07.2015, cumpriu dois terços de tal pena, expiando toda a pena em 31.05.2016;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua família, em Macau.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão os pressupostos do artº 56º, n° 1 do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e ponderando no tempo de reclusão que o ora recorrente já cumpriu, preenchidos estão os ditos “pressupostos formais”.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, (independentemente do demais), difícil se mostra o necessário juízo de prognose favorável, pois que o ora recorrente tem – como também se salienta da decisão recorrida, para a qual nos remetemos – um “notável” registo criminal, de onde se retira uma frequente e contínua prática de crimes, demonstrando uma personalidade com tendência para a mesma, mostrando-se ainda de concluir que as anteriores condenações que sofreu em pena da prisão suspensas na sua execução não tiverem qualquer efeito intimidatório, adequada não se afigurando, assim, a sua libertação antecipada.
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 24 de Setembro de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 792/2015 Pág. 12
Proc. 792/2015 Pág. 11