--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------
--- Data: 06/10/2015 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo ----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 702/2015
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.°1, da Lei n.° 6/2004, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 141 a 143 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, em síntese, imputar á sentença recorrida os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 150 a 156).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento, sendo de se confirmar, na íntegra, a decisão recorrida; (cfr., fls. 158 a 160).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.151 a 156 dos autos, o recorrente assacou, à douta sentença in questio, a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova previstos respectivamente nas alíneas b) e c) do n.°2 do art.400° do CPP.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as concisas e criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.158 a 160 dos autos), no sentido do não provimento do presente recurso.
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Em sede de sustentar a contradição insanável da fundamentação, o recorrente alegou opinativamente que «證人B比上訴人更早進入該房間居住且對房間進行實際管領,因此,是證人B容許上訴人與其同住一房,而並非上訴人收留證人。»
Ora bem, a MMa Juiz a quo deu por provado que «嫌犯A……,在合約上加署嫌犯名字改為三人一同合租上述單位,並支忖每月港幣伍仟圓 (HKD5000) 的租金。期後,嫌犯A容許B繼續居住於上述單位的一房間內。» Significa que o recorrente era um dos três co-arrendatários da fracção autónoma em causa e permitia que a imigrante clandestina de nome B continuaria a residir na mesma fracção autónoma.
Acolhendo as boas doutrinas, o Venerando TUI consolida a firme jurisprudência que proclama: «A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.» (vide. Acórdão no Processo n.°9/2015)
Em esteira, cremos com tranquilidade que o alegado facto de a testemunha B (sendo imigrante clandestina) morar na dita fracção mais cedo do que o recorrente não contradiz ou colide com o facto de este permitir que aquela continuaria a residir no mesmo lugar. Daqui decorre que não se verifica in casu a invocada contradição insanável da fundamentação.
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no nosso actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Nas conclusões 14 a 18 da Motivação, o recorrente menciona que a testemunha do depoimento de fls.11 e o recorrente afirmaram não ter conhecimento de estar na situação clandestina a testemunha B, e ela própria reconheceu não ter revelado a ninguém que estivesse na situação de permanência ilegal na RAEM.
Apesar disso, importa referir, como doutamente observou a ilustre colega, que o recorrente e B(imigrante clandestina) moravam no mesmo quarto durante sete (7) meses, e ele tinha e tem a capacidade intelectual de saber que B estava na situação clandestina.
Nestes termos, e em harmonia com a orientação jurisprudencial dominante no ordenamento jurídico de Macau, a conclusão da MMa Juiz a quo de «嫌犯清楚知悉B並非本地區居民有可能非法居留,但仍對收留非法居民抱接受態度» não padece de erro notório na apreciação de prova.
Afinal, afigura-se-nos que vale pena recordar a douta jurisprudência do Venerando TSI, no sentido de que (Acórdão no Processo n.°132/2004): A invocação do vício de erro notório na apreciação da prova não pode servir para pôr em causa a livre convicção do Tribunal, pois que o mesmo nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente”; (cfr., fls. 172 a 173-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 141-v a 142-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.
Imputa à sentença recorrido os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.
Porém, nenhuma razão lhe assiste, sendo o recurso de rejeitar; (como, oportunamente, em sede de exame preliminar, já se deixou consignado).
–– Comecemos pela apontada “contradição”.
Ora, como sabido é, só ocorre o vício de “contradição insanável” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Acórdão deste T.S.I. de 24.10.2013, Proc. n° 645/2013, e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 846/2014).
E, como de forma evidente resulta de uma mera leitura ao Acórdão recorrido, (e tal como opina o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer), o mesmo apresenta-se claro na sua exposição e lógico no seu sentido, não se vislumbrando qualquer incompatibilidade, (muito menos insanável).
Limita-se o recorrente, sem motivo legitimo e aceitável, a controverter a factualidade dada como provada e sua fundamentação, não se podendo de forma alguma acolher o que faz para justificar o imputado vício.
–– Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”.
Repetidamente tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).
E, também aqui, como já se disse, manifestamente improcedente é o recurso.
Aliás, o Mmo Juiz a quo teve o cuidado de expor as razões que o levaram a decidir da forma que decidiu, explicitando o porquê da sua convicção quanto aos factos que deu como provados e expostos na acusação, o mesmo sucedendo quanto à não aceitação da versão do arguido, que os nega, mas sem nenhuma razão.
Nesta conformidade, tendo-se encontrado peças de roupa e outros artigos (pessoais) da amiga do recorrente no local (quarto) do imóvel onde estes permaneciam, e provado estando que o mesmo admitiu que a mesma se encontrava em situação de clandestinidade, (o que se confirma), alheando-se das eventuais consequências legais que daí pudessem vir a ocorrer, razoável é concluir-se que o recorrente a recebeu ou instalou (“acolheu”) no dito imóvel, e que, ao fazê-lo, agiu com dolo (eventual), verificados estando assim todos os elementos do crime pelo qual foi condenado.
Daí, inexistindo qualquer dos vícios pelo recorrente imputados à decisão recorrida, e outros de conhecimento oficioso (também) não havendo, resta decidir em conformidade.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente 3 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 06 de Outubro de 2015
José Maria Dias Azedo
Proc. 702/2015 Pág. 12
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