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Processo nº 642/2015 Data:08.10.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno”.
Princípio da legalidade.
Pornografia.
Pudor público.
Moral pública.



SUMÁRIO

1. “Pornografia” é a representação de elementos de cariz sexual explícito, sobretudo quando considerados obscenos, em textos, fotografias, publicações, filmes ou outros suportes, com o objectivo de despertar o desejo sexual.

2. Não é de considerar “pornográfico” o anúncio em que se publicita o serviço de massagens e em que se apresenta a imagem de uma jovem em fato de banho, (“bikini”), ou roupa interior.

3. O “artigo” em questão pode ser “inconveniente”, “desagradável”, “de mau gosto”, (ou até “sensual”), porém, não se apresenta susceptível de ofender (em “grau elevado” e com “intensidade”) os “sentimentos gerais da moralidade sexual”.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 642/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra a arguida A, imputando-lhe prática, como autora, de um crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno”, p. e p. pelo n.° 1 do art. 4°, conjugado com os art°s 1° e 2°, ambos da Lei 10/78/M.
Realizado o julgamento, e na procedência da acusação deduzida, decidiu o Tribunal condenar a arguida na pena de 45 dias de prisão e multa de 45 dias, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa global de MOP$4.500,00 ou 60 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 56 a 58-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, a arguida recorreu.
Motivou para, em sede de conclusões e em síntese, afirmar que a decisão recorrida violava o “princípio da legalidade”, considerando ainda que na mesma se cometeu erro de interpretação e aplicação – violação – do art. 2°, n.° 1 da mencionada Lei n.° 10/78/M; (cfr., fls. 62 a 71).

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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência (ou rejeição) do recurso; (cfr., fls. 73 a 75).

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Admitido o recurso, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, (cfr., fls. 77), vieram os autos a esta Instância.

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Remetidos os autos a vista do Ministério Público nos termos do art. 407° do C.P.P.M., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando igualmente pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 85 a 87-v).

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem a arguida recorrer da sentença prolatada pelo Mmo Juiz do T.J.B. que a condenou nos termos atrás já retratados, imputando à decisão recorrida a violação do “princípio da legalidade” e considerando ainda que na mesma se cometeu erro de interpretação e aplicação – violação – do art. 2°, n.° 1 da mencionada Lei n.° 10/78/M.

Ponderando nas “questões” trazidas à nossa apreciação, mostra-se adequado consignar o que segue.

O caso dos autos é (em tudo) idêntico a outros recentemente apreciados por este (mesmo Colectivo deste) T.S.I., e no âmbito do qual se veio a entender (por maioria) que a conduta dos (aí) arguidos não integrava o crime que lhes era imputado e pelo qual foi o ora recorrente condenado; (cfr., os Acórdãos de 24.10.2013, Proc. n.° 523/2013, de 07.11.2013, Proc. n.° 612/2013, de 12.12.2013, Proc. n.° 685/2013, de 23.01.2014, Proc. n.° 832/2013 e, mais recentemente, de 17.07.2014, Proc. n.° 196/2014, e de 09.10.2014, Proc. n.° 479/2014).

Não se ignora também que, outro entendimento existe, e que obviamente, se respeita, (cfr., v.g., os Acs. de 23.01.2014, Processos n.° 597/2013, 719/2013 e 766/2013, de 20.03.2014, Proc. n.° 117/2014, de 29.05.2014, Proc. n.° 200/2014, de 28.07.2015, Proc. n.° 558/2015 e 625/2015).

Porém, motivos não tendo nós para alterar o entendimento que temos vindo a assumir, (não obstante nova reflexão sobre a questão), acompanha-se, de perto, o que se expôs nos atrás citados arestos.

Vejamos.

–– Consagrando um dos princípios fundamentais do Direito Penal, o “princípio da legalidade”, prescreve o art. 1° do C.P.M. que:

“1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.
2. Só pode ser aplicada medida de segurança ao estado de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento.
3. Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime ou definir um estado de perigosidade, nem para determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”.

No mesmo sentido preceitua o art. 29° da L.B.R.A.E.M., onde, como um dos “direitos fundamentais dos residentes” – extensivo a “não residentes” por força do art. 43° - estatui que:

“Nenhum residente de Macau pode ser punido criminalmente senão em virtude de lei em vigor que, no momento da correspondente conduta, declare expressamente criminosa e punível a sua acção”.

Comentando o dito “princípio da legalidade”, considera Figueiredo Dias que: “o princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que como tal preveja uma certa conduta significa que, por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento, tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo-o e impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal) para que ele possa como tal ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos. Neste sentido se tornou célebre a afirmação de v. Liszt segundo a qual a lei penal constitui a “magna Charta do criminoso”. Tem-se argumentado que, sendo assim, a lei penal representa uma espécie de carta de alforria para o agente mais hábil, mais refinado e (às vezes) mais rico e poderoso, numa palavra (própria da ciência criminológica), para o agente dotado de maior “competência de acção”. Será verdade. Mas importa fazer neste contexto duas precisões: a primeira é a de que um tal agente não é, em definitivo, um “criminoso” se não for como tal considerado por uma sentença passada em julgado (supra, 6.° Cap., §41 e ss.); a segunda a de constituir este, apesar de tudo, um razoável preço a pagar para que possa viver-se numa democracia que proteja minimamente o cidadão do arbítrio, da insegurança e dos excessos de que de outro modo inevitavelmente padeceria a intervenção do Leviathan estadual”; (in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, pág. 168 a 169, onde o referido Professor dá exemplos da aplicação prática do mencionado princípio, merecendo destaque o recentemente ocorrido nas Filipinas, em que um cidadão difunde a partir desse País um vírus informático, (“I Love You”), com danos no mundo inteiro, tendo porém ficado impune dada a inexistência, ao tempo, de um tipo legal de crime na ordem jurídica do país que previsse e punisse tal conduta).

Também, em comentário ao C.P.M. – in “C.P.M. Anot.” pág. 1 e 2 – e em relação ao mesmo “princípio da legalidade ou tipicidade” afirmam L. Henriques e S. Santos que: “é necessário que o comportamento humano coincida formalmente com a descrição feita em norma incriminadora para que possa integrar uma infracção penal.
Pouco importa que alguém haja cometido um facto anti-social, excitante da reprovação pública, francamente lesivo do minimum de moral prática que o direito penal tem por função assegurar, com as suas reforçadas sanções, no interesse da ordem, da paz, da disciplina, social: se esse facto escapou à previsão do legislador, isto é, se não corresponde, precisamente, a parte objectiva e a parte subjectiva, a uma das figuras delituosas anteriormente recortadas in abstracto pela lei, o agente não deve contas à justiça repressiva, por isso mesmo que não ultrapassou a esfera da licitude jurídico-penal (cfr. NELSON HUNGRIA – Comentários ao Código Penal Brasileiro, Vol. I, 15)”.

Constata-se assim que o “princípio da legalidade (de intervenção) penal” – que de algum modo já encontrava expressão na “Magna Carta Libertatum” (de 1215) e mais tarde no “Bill of Rights” (de 1689) – quer dizer, antes de mais, que um facto não é crime, e então, não é penalmente punível, se como tal não estiver qualificado em lei (anterior à sua prática).

Dito isto, avancemos.

–– Nos termos do art. 1° da Lei n.° 10/78/M:

“1. É proibido afixar ou expor em montras, paredes ou em outros lugares públicos, pôr à venda ou vender, exibir, emitir ou por outra forma dar publicidade a cartazes, anúncios, avisos, programas, manuscritos, desenhos, gravuras, pinturas, estampas, emblemas, discos, fotografias, diapositivos, filmes, e em geral quaisquer impressos, instrumentos de reprodução mecânica e outros objectos ou formas de comunicação audio-visual de conteúdo pornográfico ou obsceno.
2. Ressalvam-se a exposição e a venda de objectos e meios referidos neste artigo, no interior de estabelecimentos que, especialmente licenciados, se dediquem exclusivamente a este tipo de comércio, em termos a regulamentar.
3. Sem prejuízo de outras restrições que vierem a ser estabelecidas em diploma regulamentar, a concessão da licença especial será obrigatoriamente condicionada ao seguinte:

a) Proibição de qualquer forma de propaganda;

b) Proibição de venda a ou através de menores de 18 anos de idade;

c) Proibição de instalação de tais estabelecimentos nas Ilhas e a menos de 300 metros de templos, estabelecimentos de ensino e de parques e jardins infantis;

d) Prévio pagamento de contribuição industrial, cuja taxa será equivalente a trinta vezes da fixada para a 1.ª classe da rubrica 332 da Tabela Geral das Indústrias e Comércios anexa ao Regulamento da Contribuição Industrial em vigor”; (sub. nosso).

E, sob a epígrafe “Conceito de pornografia” preceitua o art. 2° que:

“1. Para efeitos desta lei, são considerados pornográficos ou obscenos os objectos ou meios referidos no artigo anterior que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública.
2. São designadamente compreendidas neste conceito:

a) A representação ou descrição de actos sexuais ou a exposição dos órgãos genitais, num contexto de pura exibição sexual;

b) A exploração de formas de perversão sexual, bem como a de situações sexuais, através do recurso a técnicas de sobre excitação visual e/ou sonora”; (sub. nosso).

No caso dos autos, e como se viu, entendeu o Mmo Juiz a quo que a conduta da arguida constituía o crime que pelo Ministério Público lhe era imputado, acabando por condenar o mesmo em conformidade e nos termos atrás já relatados.

Somos, porém, de opinião que a decisão não se pode manter.

Sem demoras, vejamos.

Pois bem, – ainda que a questão não deixe de comportar (necessariamente) algum “subjectivismo”, como naturalmente acontece com os “juízos de valor”, e não se olvidando aqui Paula Findlen, in “O sentido político e cultural mais antigo”, texto integrado na Colectânea de ensaios organizada por Lynn Hunt e intitulada “A invenção da pornografia. A obscenidade e as origens da modernidade. 1500 - 1800”, São Paulo, Hedra, 1999, que considera ser impossível estar inteiramente seguro sobre o que é pornografia quando se escreve sobre a sua história, ou ainda, Henry Miller que, num ensaio escrito por ocasião da proibição do seu “Trópico de Cancer”, afirmou que “não é possível encontrar a obscenidade em qualquer livro ou em qualquer quadro, pois ele é tão somente uma qualidade do espírito daquele que lê ou daquele que olha” – cremos que, (pelo menos, para a generalidade das pessoas), com a expressão “pornografia”, e mais concretamente, o adjectivo “pornográfico”, quer-se qualificar algo de “imoral”, “impuro”, “indecente”, “sujo”, “indecoroso”, “impúdico”, “lascivo”, “imundo”, “grosseiro”…

Em conformidade com o “Grande Dicionário de Língua Portuguesa”, “pornografia” é a “representação de elementos de cariz sexual explícito, sobretudo quando considerados obscenos, em textos, fotografias, publicações, filmes ou outros suportes, com o objectivo de despertar o desejo sexual”, sendo, por sua vez, “obsceno” o que é “contrário à decência e ao pudor”, o que “provoca vergonha, nojo ou repulsa”; (cfr., pág. 1100 e 1126, podendo-se, sobre o tema, e com interesse, ver a atrás mencionada “Colectânea”, onde se dá nota que a pornografia surgiu na Europa a partir do Renascimento, sendo caracterizada pela “difusão de imagens e palavras que feriam o pudor, fazendo da representação explícita do sexo a sua pedra de toque”).

Retidas estas noções, continuemos.

Em causa estando uns “anúncios” que a arguida distribuía, importa, antes de mais, atentar se, em conformidade com o estatuído no art. 2°, n.° 1, atrás transcrito, continham os mesmos “imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou moral pública”.

Ora, o “pudor” é normalmente entendido como o sentimento de vergonha ou timidez causado por algo que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa, podendo também ser entendido como o mal-estar causado pela nudez ou por questões relacionadas com a sexualidade.

Também a “moral” é usualmente considerada como o conjunto dos costumes e opiniões de um indivíduo ou de um grupo social respeitantes a um determinado comportamento, ou como o conjunto de normas de conduta consideradas mais ou menos absoluta e universalmente válidas.

Note-se também que aquando do debate na Assembleia Legislativa de Macau do projecto-lei que depois de aprovado veio a constituir a Lei n.° 10/78/M, (depois de se afirmar que a “intenção da lei era só uma: combater eficazmente a pornografia”), e numa tentativa de precisar o sentido e alcance dos “conceitos” aqui em questão, teve o seu então Presidente, (Dr. Carlos Assumpção), oportunidade de enfatizar que ““pudor público” não se refere a um sentimento de vergonha que certas pessoas têm ou a sentimento de vergonha individual, mas sim, a um sentimento de vergonha da média das pessoas em determinada época e em dada sociedade. Também o conceito de “moral pública” é um conceito da média das pessoas, das suas concepções ético-sociais, que em dado momento vigoram em dada sociedade”; (cfr., “Colectânea de Leis Penais Avulsas” Vol. 1, pág. 114).

E, nesta conformidade, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que se impõe a procedência do presente recurso.

Com efeito, e como provado ficou, foi a arguida surpreendida na via pública com um conjunto de “cartões” – anúncios – que se preparava para distribuir a transeuntes, onde se publicitava a prestação de “serviços de massagens”, e em que surgia a fotografia de duas jovens em roupa interior (“lingerie”); (cfr., fls. 4).

E, assim sendo, cremos pois que de forma alguma é a dita factualidade subsumível ao estatuído no art. 2°, n.° 1 da Lei n.° 10/78/M.

Os “anúncios” em questão podem (certamente) ser considerados “inconvenientes”, “desagradáveis” ou até de “mau gosto”.

Todavia, não nos parece que os mesmos anúncios sejam “pornográficos” ou “obscenos” e que “ultrajam ou ofendam o pudor público ou moral pública”, nos (exactos) termos em que estes (valores) devam ser entendidos e que atrás se deixou expendido.

  De facto, a apresentação das jovens, (no caso, em roupa interior), não parece que seja (de tal forma) “chocante” para se considerar que verificado está o “condicionalismo” descrito no aludido art. 2°, n.° 1.

Para tal, e como (em nossa opinião) resulta do mencionado art. 2°, afigura-se-nos que necessário seria que as “imagens” em causa fossem “de cariz sexual explícito” e susceptíveis de “ofender”, (“violar”), em “grau elevado” e com (alguma) “intensidade”, os “sentimentos gerais da moralidade sexual”, o que não cremos ser o caso.

Aliás, no caso, mostra-se também relevante ter em atenção que a dimensão dos “anúncios” é pouco superior a de 1 “cartão de visita”, (próximo do tamanho de um maço de cigarros).

Não se olvida que os “valores” em questão não se alteram apenas em consequência da respectiva “localização geográfica” e “usos e costumes”, sendo que o mesmo também sucede com o “decorrer dos tempos” e com a normal e natural evolução de concepções sobre o que é aceitável, (tolerável), e não o é; (tenha-se presente, por exemplo, a polémica das calças e da mini-saia no vestuário feminino).

Poder-se-á, eventualmente, considerar também que as imagens são “sensuais” (ou até “eróticas”), e que tem uma certa “carga sexual”.

Porém, tal, em nossa opinião, não constitui “pornografia” ou “obscenidade”, nem parece poder implicar a consideração no sentido de serem “pornográficas” ou “obscenas”, ou “ultrajantes do pudor ou moral pública”.

Note-se que pronunciando-se também sobre a “nudez feminina” e em questão análoga à ora em apreciação, em Ac. de 27.11.1964 – há mais de “meio século” – teve a Relação de Lisboa oportunidade de julgar improcedente um recurso onde em causa estavam (também) 3 imagens frontais de 3 senhoras desnudadas da cintura para cima, considerando que as mesmas, ainda que “inconvenientes e ferindo as regras da decência”, não eram obscenas ou susceptíveis de ferir o pudor público; (cfr., “Jurisprudência das Relações”, T. V, pág. 883).

Tratando de idêntica questão também o Prof. Beleza dos Santos já escreveu (na “Revista de Legislação e Jurisprudência” n.° 54°, pág. 401 e n.° 55°, pág. 3 e seguintes) que “não se podem considerar ultrajantes da moral pública quaisquer palavras escritas ou desenhos que sejam simplesmente inconvenientes, que, ferindo apenas as regras da decência, não são no entanto obscenas, não atingem o pudor público”.

Não se olvida, igualmente, que – muitos valores culturais e usos e costumes, perduram no tempo, mantendo-se (muitas vezes) inalterados por longos períodos, e que – como é óbvio, “tudo tem um limite”.

Todavia, como cremos já ter deixado consignado – e sem se deixar de ter em conta que Macau pretende ser uma “cidade internacional”, que até já acolheu várias “exposições de produtos para adultos”, e que aqui ao lado, nas praias de HAI NAO se pratica o naturalismo – nudismo – afigura-se de considerar que as imagens nos presentes autos em causa não parecem (suficientemente) “chocantes”, “fortes” ou “intensas” para se dar como preenchido o elemento objectivo do ilícito criminal previsto no art. 1° da aludida Lei n.° 10/78/M.

Aliás, as mesmas afiguram-se mesmo menos “ofensivas” que muitas outras regularmente publicadas em diários locais, a propósito da publicitação, (nomeadamente), de “casas de massagens” e outros “estabelecimentos de diversão nocturna”, (ou até como simples meio de ilustrar notícias), onde as representadas surgem (bastante) mais “expostas”, em posturas menos “recatadas”, e em imagens de maior dimensão, não se conhecendo, pelo menos até ao momento, qualquer rumor no sentido de alguém se ter considerado pelas mesmas (moralmente) ofendido ou chocado, assim como qualquer protesto em relação às mesmas…

É óbvio que com o exposto não se quer dizer que “vale tudo”, ou quiçá, que sendo a Lei n.° 10/78/M da “década de 80”, que está “caduca”, sendo hoje de se tolerar a “pornografia”.

Não. Não se pretende – de forma alguma – dizer que se deve abandonar a “censura” (penal) à pornografia.

Todavia, (e vale a pena aqui repetir), não se pode olvidar que em direito penal vigora o “princípio fundamental da legalidade e tipicidade”, só havendo crime quando preenchidos todos os seus elementos típicos previstos na Lei, e que, como em tudo na vida, as “coisas tem de ser vistas com peso, conta e medida” e sem “injustificados dramatismos ou empolgamentos”.

Consigna-se também que nem da acusação constava, nem tão pouco do julgamento em 1ª Instância resultou provada outra matéria, nomeadamente, quanto a uma eventual “actividade relacionada com a prostituição” (ou a sua exploração) que, seja como for, em nossa opinião, não se mostra relevante para o “tipo de ilícito” em questão.

Com efeito, e ainda que muitas vezes possam andar associadas, uma coisa é a “pornografia”, e outra, a “prostituição”, (e a sua eventual exploração), constituindo “tipos de crimes” diferentes e autónomos, não cabendo ao Tribunal “presumir”, (v.g., que o arguido dos autos pertencia a uma “rede de exploração de prostituição”) e, (muito menos), condenar com base em factos (totalmente) inexistentes nos autos.

Assim, e evidente se nos afigurando igualmente que verificadas também não estão as “circunstâncias” do n.° 2 do mesmo artigo, já que as imagens em questão também não “representam ou descrevem actos sexuais, expondo órgãos genitais, num contexto de pura exibição sexual”, há pois que revogar a decisão recorrida.

Por fim, uma última nota.

Não se ignora que a “solução” agora adoptada não constitui entendimento pacífico, (e quiçá, nem sequer, maioritário), e que, como insistentemente se tem publicitado em órgãos de comunicação social, tem a matéria em questão sido objecto de acentuada atenção, especialmente, por parte das autoridades responsáveis pela promoção do procedimento criminal, que até sugerem uma alteração da Lei n.° 10/78/M.

Sem prejuízo do muito respeito por todos os entendimentos em sentido diverso que existam ou possam existir – subscrevendo Jean Bodin in “Les Six Livre de La Republique” citado por A. P. Barbas Homem in “Reflexões sobre o justo e o injusto. A injustiça como limite do Direito”, Rev. da F.D.V.L., 1998, Vol. XXXIX, n.° 2, pág. 617 – cabe-nos apenas dizer que “aos juízes não cabe julgar as leis, mas julgar segundo as leis”.

Tudo visto, (e sendo a “solução jurídica” a que se chegou aquela que se nos apresenta como a mais adequada à “factualidade provada”), resta decidir em conformidade.

Decisão

3. Em face do exposto, acordam conceder provimento ao recurso, absolvendo-se a arguida do crime pelo qual foi condenada.

Sem custas, (dada a isenção do Ministério Público).

Macau, aos 08 de Outubro de 2015
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
 Chan Kuong Seng (vencido, na esteira da posição jurídica já assumida num conjunto de acórdãos proferidos por este T.S.I. em recursos congéneres, mormente no Processo n.º 719/2013, no dia 23/1/2014).


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